Economia
Murillo de Aragão: Oito pilares do sonho americano
Recorrentemente aparecem previsões sobre uma decadência iminente dos Estados Unidos. Em 2008, foi por conta do crash de Wall Street. Curiosamente, quando o país foi rebaixado pelas agências de rating, os investidores correram para comprar bônus do Tesouro americano. Agora, com a enxurrada de críticas ao presidente Donald Trump, mais uma vez surgem previsões sobre uma inevitável decadência. Não é bem assim. Os Estados Unidos têm, e não sou eu quem diz isso pela primeira vez, oito pilares segurando a sua liderança mundial. Um diplomata amigo me lembrou de cinco desses pilares. Acrescentei mais três.
O primeiro é o fato incontestável de que eles são os banqueiros do mundo. Se o mundo fosse o jogo Banco Imobiliário, o banqueiro seria os Estados Unidos. Que imprime dinheiro, quando e quanto quiser, e o mundo inteiro o aceita como válido. Contamos nos dedos das mãos o número de moedas com o mesmo privilégio.
O segundo pilar decorre do primeiro. Wall Street funciona como um aspirador de recursos de investidores e dispersor de dinheiro para os empreendedores e os empreendimentos. O acesso ao mercado de capitais é chave crucial para o sucesso americano. No Brasil, crédito bancário quase sempre significa a morte de quem o toma. Democratizando o mercado de capitais, Wall Street termina sendo uma turbina propulsora de riqueza.
O terceiro pilar americano está no Pentágono – ou o que ele representa. A estratégia da Defesa americana produz, em geral, o que há de mais avançado na área. E se não produz vai buscar entre seus aliados. A internet já saiu da estratégia da Defesa americana, entre outras tantas coisas que predominam nos dias de hoje.
O quarto pilar reside em Hollywood. A poderosa narrativa cultural que emana de lá serve como instrumento de soft power que, nos dias de hoje, vale tanto ou mais do que o hard power militar. Por meio das narrativas culturais, a América se tornou, para o bem e para o mal, o farol dos costumes que são copiados ou reinterpretados mundo afora. Hollywood não é apenas uma instituição, mas a expressão de uma máquina cultural que influencia o mundo todo.
O quinto pilar fica no Vale do Silício, com sua capacidade de produzir inovação. Quase tudo que impactou recentemente o mundo no campo da tecnologia passou pela capacidade americana de produzir e reinventar tecnologia, hoje simbolizada no Vale. Desnecessário lembrar nossa dependência do que é criado por lá.
Tal capacidade está intimamente ligada ao sexto pilar: as universidades. Das dez melhores do mundo, cinco são americanas. Centenas de milhares de estrangeiros estudam em suas salas de aula.
O sétimo pilar é a liberdade e o apoio ao empreendedorismo refletido na regulamentação do país. Por exemplo, a legislação trabalhista americana é infinitamente mais simples do que a nossa e gera muito mais renda e mais emprego para o trabalhador. Basta ver a taxa de desemprego nos Estados Unidos em comparação com a nossa.
Por fim, o oitavo pilar é a qualidade do governo. Mesmo padecendo dos males tradicionais de governos fortes e burocratizados, a máquina pública americana funciona bem melhor do que a nossa. Em especial, porque a eficiência ou a ineficiência se relacionam com o município e a comunidade. Tal fato decorre de uma sociedade mais participativa e interessada nos rumos do país do que a nossa.
Assim, ficamos nós a pensar: quando atingiremos nossa potencialidade? Analisando os pilares do sonho americano, seguramente ainda falta muito tempo.
* Murillo de Aragão é cientista político
José Luis Oreiro: O Brasil e as fontes do crescimento econômico sustentado
Ao que tudo indica a economia brasileira deverá fechar o ano de 2017 com um crescimento abaixo de 1%, resultante dos efeitos combinados da liberação dos depósitos inativos do FGTS, da redução da taxa de juros e do forte crescimento das exportações, tanto de produtos básicos como de manufaturados, em função da aceleração do crescimento da economia mundial. Considerando a queda acumulada de quase 9% do PIB real no período 2014-2016 trata-se de uma recuperação anêmica, ainda que bem vinda.
A pergunta que se coloca a partir desse momento é qual o ritmo de crescimento que a economia brasileira pode sustentar no médio e no longo-prazo? Essa pergunta é fundamental tanto para a formulação de projeções sobre a trajetória das contas públicas, como também para o desenho de políticas que permitam lidar com os problemas estruturais da sociedade brasileira nas áreas de educação, saúde e infraestrutura.
A teoria econômica indica que o crescimento potencial de uma economia no longo-prazo é igual a soma entre a taxa de crescimento da força de trabalho e a taxa de crescimento da produtividade. A taxa de crescimento da força de trabalho depende da taxa de crescimento da população e do crescimento da taxa de participação, ou seja, do aumento da razão entre a força de trabalho e a população. Em função da queda tendencial da taxa de fecundidade (filhos por mulher) derivada do processo acelerado de urbanização da economia brasileira nos últimos 50 anos, a taxa de crescimento da população vem se reduzindo progressivamente, situando-se hoje em torno de 0,8% a.a. Na década passada a força de trabalho cresceu a um ritmo superior ao crescimento da população devido ao aumento da taxa de participação, induzida pela expansão do nível de emprego possibilitada pelas políticas de expansão da demanda agregada adotadas pelos governos Lula e Dilma. Embora a recessão de 2014 à 2016 tenha aumentado a taxa de desemprego, não podemos mais contar com um aumento significativo da taxa de participação nos próximos 15 anos, dado que a mesma já se encontra num patamar elevado. Dessa forma, o crescimento da força de trabalho deve contribuir com, no máximo, 1 p.p para o crescimento do PIB nos próximos anos.
E o que dizer da taxa de crescimento da produtividade? Os economistas ortodoxos (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2017/10/1929109-profundezas-da-improdutividade.shtml) acreditam que o crescimento da produtividade do trabalho é algo que não tem nada que ver com a acumulação de capital ou com a composição intersetorial da produção e do emprego, sendo dependente apenas das instituições) (grau de abertura da economia e grau de observância ao império da lei) e do estoque de capital humano. Dessa forma, a receita ortodoxa para acelerar o crescimento da produtividade é fazer a abertura indiscriminada e unilateral da economia para obrigar as firmas a serem mais eficientes, ao mesmo tempo em que se aumenta o investimento em educação básica e fundamental.
Em artigo publicado em 2013, o economista Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, mostrou que a estratégia de desenvolvimento baseada na melhoria de instituições e da acumulação de capital humano é relativamente pouco eficaz como fonte de aumento da produtividade. Os países que experimentaram surtos de crescimento econômico acelerado foram precisamente aqueles que conseguiram transferir mais rapidamente mão-de-obra dos setores tradicionais para a indústria de transformação. Isso porque a indústria de transformação é o setor que se beneficia mais intensamente dos efeitos de transbordamento positivos da fronteira tecnológica, razão pela qual se observa uma convergência incondicional entre os níveis de produtividade dos setores manufatureiros ao redor do mundo; ou seja, a produtividade do trabalho na indústria de transformação tende a crescer mais rapidamente nos países que estão atrás da fronteira tecnológica (Rodrik, 2012), fazendo com que a produtividade do trabalho na manufatura desses países possa convergir rapidamente para a produtividade do trabalho da manufatura nos países que estão na dita fronteira.
A intensidade e a duração da fase a la Lewis (1954) de transferência de mão-de-obra dos setores tradicionais para a manufatura irá depender, contudo, dos limites existentes a participação da mão de obra industrial na força de trabalho. Rodrik (2013) mostra que a participação do emprego industrial no emprego total é limitada por dois fatores fundamentais, a saber: (i) a participação dos produtos manufaturados na demanda agregada doméstica (ii) o saldo da balança comercial de produtos manufaturados. Em função da “lei de Engel”, a participação dos manufaturados na demanda doméstica tende a cair com o processo de desenvolvimento econômico, o que tende a diminuir a participação do emprego industrial no emprego total, levando assim a um processo de desindustrialização e, consequentemente, a redução do ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Para retardar ou até mesmo reverter esse processo é necessário aumentar o saldo da balança comercial de manufaturados, o que exige, entre outras coisas, manter a taxa de câmbio num patamar competitivo. Dessa forma, a estratégia de desenvolvimento por intermédio da industrialização deve estar baseada na conquista de mercados externos, ao invés da substituição de importações.
Esse arcabouço teórico nos permite entender as razões para o sucesso econômico da Alemanha e do fracasso do Brasil nos últimos 15 anos. Conforme aponta Flassbeck (2017), desde 1998 a Alemanha vem adotando uma política de “desvalorização interna” da taxa de câmbio por intermédio de medidas que levaram a um crescimento dos salários reais a um ritmo inferior ao da produtividade do trabalho. Como resultado dessa política, o custo unitário do trabalho na Alemanha se reduziu relativamente ao dos demais países da Área do Euro, permitindo assim que a Alemanha acumulasse crescentes superávits em conta-corrente como proporção do PIB. Dessa forma, a participação do emprego industrial no emprego total na economia alemã pode ser mantida, evitando-se assim a “desindustrialização” com a transferência de mão-de-0bra da indústria para o setor de serviços. Já no Brasil a taxa real de câmbio tem apresentado uma tendência crônica a sobrevalorização desde 1994, a qual foi revertida de forma pontual e temporária no período (2000-2004). O resultado dessa sobrevalorização cambial foi a redução gradual do superávit comercial da indústria de transformação até 2007, momento a partir do qual se passa a observar déficits comerciais crescentes nesse setor. Esse movimento foi acompanhado de uma transferência de mão-de-obra e recursos da indústria de transformação para o setor de serviços, sendo esta uma das razões fundamentais para a estagnação do crescimento da produtividade do trabalho no Brasil.
Isso posto, para que seja possível acelerar o ritmo de crescimento do trabalho na economia brasileira será necessário reverter o processo de desindustrialização por intermédio de medidas que visem manter a taxa real de câmbio num patamar competitivo no médio prazo. Isso significa obter um patamar para a taxa de câmbio que seja alto o suficiente para reverter, de forma persistente, o déficit comercial da indústria de transformação. Dado que o Brasil é um grande exportador de produtos básicos, a reversão do saldo comercial da indústria de transformação terminará por fazer com que o Brasil apresente um superávit estrutural no saldo em conta-corrente do balanço de pagamentos. Dessa forma, a obtenção de um modesto superávit em conta-corrente, na ordem de 1% do PIB, deve ser visto como condição necessária para a aceleração sustentável do crescimento da economia brasileira.
Alguns economistas podem fazer objeções a essa política dizendo que o Brasil tem escassez de poupança doméstica e que, portanto, não é viável ou desejável a obtenção de superávits em conta-corrente do balanço de pagamentos. Conforme já argumentei em outro post (https://jlcoreiro.wordpress.com/2017/10/14/poupanca-lucros-e-industria/), a taxa de poupança doméstica está positivamente correlacionada com a participação da indústria de transformação no PIB, uma vez que (i) a fonte principal de poupança doméstica consiste nos lucros corporativos; (ii) os produtos manufaturados, por serem mais intensivos em capital, são precisamente aqueles que possuem maior participação dos lucros no valor adicionado. Dessa forma, a reindustrialização do Brasil, se bem sucedida, também deverá eliminar o problema estrutural de escassez de poupança no Brasil.
Referências
Flassbeck, H. (2017). “Germany´s Trade Surplus”. American Affairs, Vol. I, N.3.
Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimited Supplies of Labor”. Manchester School of Economics and Social Studies, 28: 139-191.
Rodrik, D. (2013). “The Past, Present and Future of Economic Growth”. The Global Citizem Foundation, Working Paper 1.
Rodrik, D. (2012). “Unconditional Convergence in Manufacturing”. Quarterly Journal of Economics, pp.165-204.
Monica de Bolle: Guerreiros de teclado
O resultado é uma arena de cacofonia onde tribos gritam e se esbofeteiam na internet e, de bom mesmo, nada sai
“Há algo terrivelmente errado. Os Estados Unidos, hoje, são país obcecado pela adoração de sua própria ignorância. Não se trata do fato de que as pessoas não saibam muito sobre a ciência, a política, a geografia; elas não sabem, mas isso sempre foi assim. (…) O problema maior é que hoje nos orgulhamos de nossa própria ignorância. A ignorância, especialmente em relação a qualquer coisa associada à política pública, é virtude. (…) Tudo é passível de conhecimento, e toda opinião sobre qualquer assunto é tão válida quanto qualquer outra.” O trecho é de “The Death of Expertise”, livro de Tom Nichols publicado pela Oxford University Press esse ano.
Leiam novamente o início da segunda frase. Substituam “os Estados Unidos” por “Brasil”. Soou familiar? Não importa qual seja sua profissão, é provável que, em algum momento, tenha encontrado opiniões disparatadas sobre sua área de conhecimento em alguma mídia social. Talvez você tenha tentado explicar para o indivíduo que expôs opinião equivocada os motivos de seu equívoco. Talvez você tenha se indignado com a possível resposta malcriada que de volta recebeu. Talvez você tenha resolvido não perder seu precioso tempo com a estultice que predomina nas redes, forma menos suave de denominar aquilo que o sociólogo Manuel Castells chamou de “autismo eletrônico”.
Como economista, já observei inúmeras opiniões equivocadas sobre políticas relacionadas à minha área de atuação e conhecimento, opiniões untadas de qualquer matiz ideológico. Há, por exemplo, o batido argumento de que o sistema previdenciário brasileiro é superavitário, e que, portanto, não há necessidade de reforma alguma. Há, também, o argumento de que as desigualdades estonteantes que esgarçam o Brasil seriam resolvidas bastasse que se reduzisse o tamanho do Estado e que se desse maior protagonismo ao indivíduo. Ambas as visões estão erradas, não só em suas premissas, mas em termos da assertividade com que são apregoadas.
Contudo, se a primeira for combatida mostrando que, na ausência de uma reforma da Previdência – e a de Temer deixa muito a desejar – a matemática implacável do envelhecimento populacional brasileiro levará ao caos nos próximos anos, o especialista será desqualificado, acusado de não conhecer a Constituição, não saber fazer conta, ou de ser “de direita”, logo descartável. Caso trate-se da segunda opinião, a tentativa de explicar ao interlocutor que a velha ideia de Estado mínimo jamais funcionaria em um País onde a desigualdade fundamental é de acesso às oportunidades – sobretudo ao ensino de qualidade, mas também à saúde, à segurança, ao saneamento básico, e por aí vai – as chances de que o especialista seja desconstruído com argumentos que variam de um longo discurso sobre as vicissitudes do Estado brasileiro até a denominação de “esquerdopata” são imensas.
O resultado é uma arena de cacofonia onde tribos gritam e se esbofeteiam no Facebook, no Twitter, e, de bom mesmo, nada sai. O que sai é a raiva, a indignação, a necessidade de preservar a visão de mundo errada para não ser expulso do grupo ao qual pertence o sujeito nas anarquias virtuais. Há três semanas, a matéria de capa da revista The Economist cavucou essa ferida. O fato de estarem as pessoas sugadas por suas “linhas de tempo”, seus “news feeds”, absortas em seus teclados, faz com que sejam facilmente sorvidas por sentimentos negativos. O discurso de intolerância é, assim, explorado com enorme facilidade por políticos que se alimentam desse ambiente de conspirações e desilusões. Não é preciso citá-los – sabemos, no Brasil quem eles são. Eles, no plural.
Eventualmente, haverá adaptação. O apelo das redes e das emoções que destilam desgaste há de diminuir. Até lá, entretanto, más políticas endossadas por maus governantes e políticos poderão resultar das brigas incessantes no mundo virtual, e do nefasto pouco caso que se faz dos especialistas. Já ouviram falar da Lei de Pommer? Diz ela que: “A opinião de uma pessoa pode mudar ao ler alguma informação na internet. A natureza dessa mudança será a de não ter opinião alguma para ter a opinião errada”. Opiniões erradas não costumam dar bom resultado nas urnas.
Esse é o risco que corre o Brasil em 2018 com seus guerreiros de teclado.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Míriam Leitão: Caso de estudo
O presidente Temer é um caso de estudo. Ele é o único governante brasileiro que não tem aumento de popularidade quando a inflação está em queda. Desde o início da era do real há uma correlação entre inflação e aprovação presidencial, quando ela sobe a rejeição aumenta, e quando desce a imagem do governo melhora. Temer tem uma espécie de fator teflon ao contrário, o que é bom não gruda nele.
Mesmo o avanço em outros indicadores da economia não tem tido impacto na imagem do governo. Só ontem foram dois dados positivos. O IBC- Br, índice de atividade econômica do Banco Central, e o Caged, que mede os empregos formais criados a cada mês.
A melhora na economia tem aparecido em vários indicadores. A atividade cresceu em setembro, como se esperava, e fechou o terceiro trimestre com alta de 0,58% no cálculo do BC. Na comparação com o mesmo período de 2016, o IBC- Br agora marca alta de 1,4%, após cair 0,2% no segundo trimestre. O PIB mesmo, dado oficial, só será divulgado dia 1 º pelo IBGE.
Os empregos com carteira estão sendo gerados a uma velocidade muito abaixo da necessária. Mas o número divulgado ontem, de criação de 76 mil vagas, marca o sétimo mês consecutivo de saldo positivo e é o melhor resultado para outubro desde 2013. Naquele mês de 2015, para se ter uma ideia, o país perdeu 169 mil vagas com carteira.
O IBGE divulgou na semana passada um dado favorável no consumo. As vendas de comércio em setembro subiram 6,4% quando comparadas com setembro de 2016. Isso já sem o efeito da liberação do FGTS, que manteve as vendas nos meses anteriores. O consumo está sempre ligado ao humor do consumidor. O país amargou nove trimestres de queda nas vendas. A inflação é baixa, e a dos mais pobres é ainda menor, segundo o novo indicador do Ipea. Isso tem a ver com a grande produção agrícola por causa do clima favorável. Como o peso dos gastos com alimentação é duas vezes e meia maior entre famílias de menor renda, a inflação dos pobres está em 2% este ano.
Mesmo assim, nada promove a aceitação de Temer em nenhuma classe social. Pode- se pensar numa série de razões políticas e sociais, mas ele é um ponto fora da curva nessa relação entre economia e política. Mesmo se melhorar, está num nível tão baixo que não fará muita diferença. Um caso que precisa ser estudado.
Há outros fatores que produzem queda da popularidade, claro, e podem ser parte da explicação desse baixo desempenho. Todos os governantes desde a era do real tiveram altas ou quedas de popularidade conforme as oscilações do nível de preços. Só para ficar no último exemplo: em 2014 a presidente Dilma foi reeleita, mas a disparada da inflação em 2015, provocada pelos reajustes que estavam represados, e agravada pela recessão, derrubaram as avaliações de ótimo e bom no início do segundo mandato. Quando ela saiu, a aprovação estava em 10% pelo CNI/ Ibope. Com Temer, a situação econômica melhora, mas nada influencia os seus índices de popularidade. Ele caiu ao nível mais baixo da história: entre 5% e 3%, dependendo da pesquisa.
Uma das razões da persistente rejeição certamente é o alto nível do desemprego. Melhora houve, mas insuficiente. O problema permanece enorme e angustiando as famílias. A revelação das conversas do presidente com Joesley Batista e a sensação de crise política permanente — com as denúncias da PGR e as manobras feitas por Temer para se livrar delas — também ajudam a explicar. Haverá outros motivos. Mas o fato é que a ajuda que a economia costuma dar aos governantes impopulares não está acontecendo com Temer.
A dúvida é a quem a economia vai ajudar — ou prejudicar — no ano que vem? Os cenários mais comuns adiantam que o nível de atividade vai continuar melhorando moderadamente, a inflação vai subir um pouco mas ficará na meta, o desemprego terá queda bem lenta. A economia estará morna. Neste caso, a tendência é não provocar qualquer efeito positivo. Quando se tem que explicar que a economia melhorou é porque ela não influenciará o voto. As pessoas precisam sentir. E tudo o que sentirão será pouco para produzir o efeito de satisfação que leva ao voto situacionista. Outros fatores vão influenciar a decisão do eleitorado. Dois assuntos, corrupção e desemprego, certamente estarão no centro do debate do ano que vem.
Alon Feuerwerker: E se Stálin tivesse os EUA?
Desde a morte de Mao Tsé-Tung, a China procura combinar um sistema político socialista e uma economia com fortes componentes capitalistas. E a espetacular prosperidade chinesa destes anos assenta-se, também e principalmente, no acesso aos capitais e ao mercado de consumo do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos. Um dia, Mao e Richard Nixon enxergaram longe.
Neste um século da Revolução Bolchevique, nota-se o desejo de sentenciar o sistema da União Soviética como fadado desde o início a fracassar, o que acabou acontecendo em 1991. A derrocada teria duas razões principais: os comunistas soviéticos não preservaram a democracia liberal, desde quando fecharam a Assembléia Constituinte, e garrotearam o mercado.
Quando a ideologia dá espaço à observação da realidade, a tese vira queijo suíço. Não só a China, mas também os Tigres asiáticos, antigos e novos, alcançaram ciclos longos de prosperidade sob governos que um liberal chamaria de despóticos. Alguns transitaram para formas mais ou menos convictas de república constitucional. Alguns não. E todos vão bastante bem, obrigado.
"Ah, mas o modelo não é politicamente sustentável no tempo." Bem, aí já é futurologia. Que tal, então, um pouco de "passadologia"? E se a URSS tivesse tido ao menos quatro décadas de paz e acesso a capitais e mercados de consumo do Ocidente? E se a Nova Política Econômica tivesse podido durar mais?
A NEP (sigla em inglês) foi a distensão pró-mercado que a Rússia/ URSS praticou por um tempo nos anos 20. Por que durou pouco? Sem acesso a capitais e tecnologia externos, o nascente governo soviético centralizou a economia, estatizou o excedente agrícola e investiu tudo na industrialização acelerada.
Os custos humanos foram imensos. Mas esse desenvolvimento permitiu à URSS enfrentar e derrotar a máquina de guerra da Alemanha nazista, a um custo de 25 milhões de mortos - os americanos foram cerca de 500 mil. Não é juízo moral, mas político. Sem a industrialização soviética dos anos 30, Hitler teria arrastado as fichas na Europa.
Depois do conflito de 1939-45, após uma curta paz, veio a Guerra Fria. Ao final, a URSS não conseguiu competir e colapsou. Ironia: Mao rompeu com os soviéticos nos anos 60 também por discordar da "coexistência pacífica, competição pacífica" com o capitalismo, uma tentativa da URSS nos anos pós-Stálin de romper o bloqueio. Mais na frente, foi a China quem aplicou, com grande sucesso, a linha antes renegada.
Mas por que o socialismo soviético precisava da colaboração dos capitalistas? Não é uma contradição? Sim, e a resposta é sabida: por circunstâncias históricas, a revolução aconteceu na Rússia, o assim chamado "elo mais fraco na cadeia imperialista". Quando se tentou fazê-la em seguida na Alemanha, foi esmagada. Em vez de nascer num país capitalista maduro, ela eclodiu e ficou ilhada no país europeu com mais traços feudais.
A URSS acabou já faz um quarto de século. Enquanto isso, a República Popular da China, após quatro décadas de plena integração aos estoques de capital e aos mercados consumidores, decola. Na economia e na geopolítica. E, já que especular é grátis, fica a pergunta incômoda: o que teria sido Josef Stálin se lhe tivessem dado quatro décadas de paz e cooperação com o mundo capitalista desenvolvido?
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político na FSB Comunicação; foi secretário de Redação da Folha
Míriam Leitão: Depois da tempestade
Eletrobras se ajusta, e ação sobe 173%. A Eletrobras está mudando. A dívida líquida caiu, o número de funcionários foi reduzido, a administração foi reorganizada, e a ação já se valorizou em 173% até agosto. Estão sendo vendidas 77 SPEs no valor de R$ 4,6 bi. A devastação causada pela ex-presidente Dilma Rousseff impressiona: a Eletrobras perdeu de 2011 a 2015 quase a metade do patrimônio líquido e acumulou prejuízo de R$ 31 bi.
“Acompanhia tem 55 anos. Em quatro anos, só quatro, ela perdeu 40% do seu patrimônio líquido. Quase metade do patrimônio esfacelado em um prazo muito pequeno. Ao mesmo tempo ela aumentou muito a dívida para fazer frente a isso e aos planos enormes de investimento. Esse era o tamanho do problema 14 meses atrás” conclui Wilson Ferreira, olhando para os gráficos da companhia que preside.
Essa destruição de valor na Eletrobras aconteceu pelo mesmo motivo que houve um mar de prejuízos em todas as empresas do setor: a Medida Provisória 579. Dívidas e brigas judiciais ainda se acumulam entre os diversos segmentos do mercado por causa da MP. Com ela, a ex-presidente Dilma achou que estava reinventando a roda. Deu errado. Entre outras razões porque ela reduziu na marra o preço pago às geradoras, diminuindo em 20% a receita da Eletrobras. Mas a seca se agravou, tornando o valor pago ainda mais irreal.
A dívida comparada à sua geração operacional de caixa em um ano, a medida mais importante de endividamento — dívida líquida/Ebitda — era 8,8 vezes em setembro de 2016. Agora está em 4,1 e a meta é terminar este ano com 3,3, chegando a 2,4 em 2018.
— A empresa aumentou o endividamento e o país perdeu o grau de investimento. Uma combinação diabólica porque o banco te cobra mais caro e encurta a dívida. A Eletrobras chegou a tomar dinheiro a 16%, a 19%. O serviço da dívida aumentou 60% — explica Wilson Ferreira.
O ajuste pelo qual a estatal está passando mexe com tudo. Para se ter uma ideia, além de todas as controladas, ela tinha também 178 Sociedades de Propósito Específico. Para cada novo negócio que o governo decidia que a Eletrobras iria entrar, criava-se uma SPE, que tinha que ter uma estrutura administrativa. A nova gestão decidiu vender 77, ao valor de R$ 4,6 bi. Outras foram encerradas e algumas incorporadas ao negócio porque não havia razão para não fazerem parte da estrutura. Com o plano de aposentadoria incentivada, a companhia reduziu em 2.100 o número de funcionários, e diminuiu em R$ 900 milhões o custo. Além disso, restringiu níveis administrativos, cortou 600 cargos de gerente, e eliminou 60% dos cargos de assessor. O plano de demissão incentivada deve despedir 2.300 funcionários até o ano que vem.
— Não faz sentido ter quatro níveis hierárquicos numa holding, ou ter 2.200 caras gerenciando 15.000. Parece muito cacique.
Tudo está sendo mexido na Eletrobras, que se prepara para a privatização. Mas esta palavra Wilson Ferreira não fala.
— Haverá uma democratização do capital, e com regras para evitar que haja concentração das ações, no modelo de grandes empresas do mundo.
Ferreira não acha um mau negócio a estatal ficar com as dívidas das seis distribuidoras que controla, e vendê-las por um preço mínimo. São as companhias do Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia, Alagoas e Piauí. A de Goiás já foi vendida.
— A Eletrobras perde muito dinheiro com essas distribuidoras. Nos últimos 10 anos foram R$ 20 bilhões. Só no ano passado foram R$ 6 bilhões de prejuízo. Ao vender, de largada, vamos reduzir em R$ 2,4 bilhões o custo de pessoal, material e serviços de terceiros.
A dívida de R$ 11 bilhões dessas companhias será transferida para a Eletrobras para tornar viável a venda das distribuidoras. Mas Wilson Ferreira diz que tudo já foi provisionado. A companhia tem apenas que usar o dinheiro, ou reverter a provisão. Por isso, ele acha que o impacto será “zero", e que o maior ganho é sair de um negócio que a estatal nunca dominou.
Para vender parte do capital da Eletrobras será preciso aprovar o projeto de lei no Congresso, e resistir à pressão dos grupos políticos em torno de cada uma das controladas. Mas, se conseguir, o maior ganho será proteger a companhia do enorme prejuízo que tem sido a persistente interferência dos políticos que sempre controlaram a estatal.
Samuel Pessôa: Reforma possível
Na sexta-feira da semana retrasada (10), meu colega Nelson Barbosa lembrou em seu artigo neste espaço que haverá necessidade de reformar a Previdência mesmo que o governo consiga aprovar uma versão mais reduzida da atual reforma.
Nelson afirmou: "As principais linhas da reforma devem ser a recuperação da receita do INSS, o aumento do tempo mínimo de contribuição, a fixação da idade mínima para a aposentadoria e, mais importante: o alinhamento entre regras aplicáveis ao trabalhador do setor público e do setor privado".
Noticia-se na imprensa que o governo desenha um modelo reduzido (em comparação ao relatório que havia sido aprovado na comissão da Câmara em abril) de reforma previdenciária, excluindo os temas mais polêmicos da elevação da idade de elegibilidade ao benefício assistencial, BPC/Loas, e das alterações na aposentadoria rural.
Adicionalmente, espera-se que, nessa versão reduzida, mantenha-se um importante passo em direção ao alinhamento dos dois sistemas. Refiro-me ao dispositivo que estabelece que os servidores que ingressaram no serviço público federal antes de 2003, ou seja, aqueles que têm a expectativa de direito à integralidade do salário na aposentadoria e à paridade do benefício com o salário da ativa, tenham que trabalhar até 65 anos –homens– e 62 anos –mulheres.
Finalmente, o governo faz grande esforço para reduzir a desoneração da folha de salários, iniciativa do primeiro mandato da presidente Dilma, que custou muito à Previdência e não teve impactos apreciáveis sobre o desempenho da economia. A aprovação do projeto de reoneração da folha de salários recuperará em R$ 11 bilhões por ano a receita da Previdência.
Parece-me, portanto, que há espaço para a construção de um projeto reduzido que seja consensual, inclusive para a atual oposição, que, como nos lembra Nelson, era governo até meados de 2016 e trabalhou por uma reforma muito parecida com a que tramita atualmente no Congresso.
Em sua coluna, ao recuperar o histórico das reformas das últimas duas décadas, um fato escapou a Nelson. A reforma tucana, que, após não conseguir aprovar a idade mínima, teve que se contentar com o fator previdenciário, contou com a oposição vigorosa do petismo. Diferentemente, as reformas no período do petismo contaram com o apoio tucano.
É possível que a oposição se recuse a aprovar essa versão reduzida da proposta, que, como nota Nelson, representa um compromisso que, em princípio, congrega praticamente todas as forças políticas do Congresso Nacional -inclusive a oposição, incluindo o petismo, os deputados da Rede etc.
Afirmar que essa é uma reforma golpista não parece ajudar. Temos um enorme deficit público. Quem vencer em 2018 receberá de Temer um deficit primário de 2% do PIB, e não o superavit de 3% que Malan legou a Palocci. Adiar a reforma para o próximo governo significa aprofundar esse buraco em mais 0,2% do PIB, com consequências negativas sobre expectativas, crescimento, juros e inflação.
Quem tem alguma perspectiva de poder precisa apoiar a versão reduzida da reforma. Aliás, essa é a melhor alternativa para o país qualquer que seja o projeto eleito em 2018. A ausência de reforma resultará em uma imensa crise fiscal.
Insistir no discurso golpista tendo pela frente um ajuste fiscal relevante e necessário, de cinco pontos percentuais do PIB, significa apenas manter a lógica da vendeta na política que tanto tem custado ao país.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia
Sérgio C. Buarque: A refundação do Estado
O principal problema do Brasil é o Estado, grande, ineficiente, injusto e corrupto, capturado e dominado pelo patrimonialismo e pelo corporativismo, que se apropriam de grandes fatias dos recursos públicos. Mas a solução e o desenvolvimento futuro do Brasil dependem também do Estado. Precisamos de outro Estado. Como sugeriu Tibério Canuto em reunião da Roda Democrática no Nordeste, precisamos refundar o Estado brasileiro. E não se trata de rever o seu tamanho, mas redefinir seu papel e suas funções, suas prioridades e a estrutura organizacional.
O Brasil tem uma carga tributária de 35% do PIB, pouco menos que a Alemanha (cerca de 36,1% do PIB), e muito acima da Coréia do Sul com apenas 24,4% do PIB. E por que o resultado é tão diferente nesses países? O IDH-Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil é 0,754, muito abaixo da Alemanha, com 0,926, e da Coréia do Sul, com 0,901. Com um Estado muito mais leve que o brasileiro, a Coréia do Sul tem alto nível de educação, competitividade e qualidade de vida. Na avaliação do PISA, que mede a qualidade da educação no mundo, o Brasil ficou em 65º numa lista de 70 países, e a Coréia do Sul é o 7º melhor. Para onde estão indo os enormes recursos que o Estado arrecada? Estão saindo pelo ralo, numa mistura de apropriação indébita, privilégios, supersalários, insolvência do sistema de previdência, ineficiência, desperdício e corrupção.
A refundação do Estado brasileiro passa pela revisão do seu papel no desenvolvimento e na promoção da melhoria da qualidade de vida. Com a receita atual, o Estado brasileiro poderia promover uma profunda transformação na sociedade e na economia. O Estado deve concentrar todas as forças e recursos como provedor dos serviços públicos e, principalmente, do que prepara o Brasil e os jovens para o futuro: a educação pública de qualidade, como fez a Coréia do Sul, como fizeram os países desenvolvidos. Essa é a verdadeira promoção da justiça social, criando oportunidades iguais para todos os jovens, nada a ver com as gambiarras de distribuição de renda. O Estado não precisa ser empresário, mas deve atuar com firmeza na regulação do mercado, garantindo a concorrência e a qualidade dos produtos. O resto, deixa que os empresários fazem melhor e com mais eficiência que as estatais, manipuladas por interesses imediatos dos governantes de plantão, quando não utilizadas para as falcatruas, como o Petrolão. A economia tem que ser eficiente e o mercado não é o espaço da justiça. Quem tem que praticar a justiça é o Estado, mas não com distributivismo de renda, e sim com oferta equânime de educação, base para a igualdade de oportunidades.
Entretanto, antes de qualquer coisa, é urgente conter a descontrolada vazão de recursos públicos arrecadado pelo Estado. A começar pela urgente reforma da Previdência e pela revisão dos salários dos servidores públicos, para acabar com as discrepâncias, os privilégios e os supersalários, especialmente no Judiciário. O orçamento da União para este ano destina R$ R$ 648,6 bilhões para a Previdência Social (INSS e servidores públicos), quase seis vezes mais que os R$ 110,7 bilhões destinados à Educação e 78 vezes mais do que é alocado para Ciência e Tecnologia. O Sistema Judiciário consome R$ 41,9 bilhões dos recursos públicos da União e o Congresso leva mais cerca de R$ 10,2 bilhões, custo este que se multiplica por Estados e municípios, para não falar na dívida que está sendo simplesmente rolada (jogada para o futuro). Com esta estrutura de despesa pública, com grande rigidez à baixa, o Brasil vai continuar andando de costas para o futuro. E o Estado brasileiro marchando rapidamente para a insolvência, que levará o país para o abismo. A não ser que um grande entendimento nacional promova a refundação do Estado .
Roberto Freire: Uma reforma para modernizar o Brasil
Apesar de todas as dificuldades próprias de um momento ainda delicado, o país dá sinais cada vez mais consistentes de que está no rumo certo para a retomada do crescimento. Depois de superar a maior recessão de sua história republicana, o Brasil pavimenta o caminho das reformas e fundamenta as bases para a superação da crise e o início de um ciclo mais próspero na economia. Nesse sentido, a entrada em vigor da reforma trabalhista é fundamental para a modernização do país e um melhor andamento do ambiente de negócios.
Foram nada menos que 74 anos sem praticamente nenhuma alteração significativa na legislação trabalhista brasileira, o que só revela o seu grau de anacronismo. Aprovada por decreto-lei em 1º de maio de 1943, em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já não dava conta de um novo mundo que emergiu a partir do processo de globalização e se modifica continuamente em meio à revolução tecnológica experimentada pela sociedade.
As novas regras aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo presidente da República alteram mais de uma centena de dispositivos da CLT e se orientam por um entendimento que hoje é seguido pelas democracias mais avançadas do mundo: o acordado entre empregador e empregado sempre deve prevalecer diante do legislado. Na prática, a partir de agora, o término do contrato de trabalho poderá ser definido de forma consensual – a demissão por acordo, antes uma ferramenta meramente informal, passa a estar abrigada na lei e com vantagens para o trabalhador.
A reforma trabalhista se conecta com um mundo marcado pelas novas relações profissionais que já se estabeleceram há algum tempo, mas careciam de regulamentação. As mudanças nas regras protegem os trabalhadores terceirizados e oferecem um leque maior de opções de jornadas e serviços. Enquanto estive à frente do Ministério da Cultura, acompanhei com especial atenção o setor que se convencionou chamar de indústria da cultura e tive a dimensão de seu grande impacto sobre a economia brasileira.
Nesse setor da cultura e da comunicação, já há muito tem se buscado novas maneiras de contratação de profissionais por meio do formato da pessoa jurídica, popularmente conhecido como “PJ”. Trata-se de um mecanismo utilizado para que essas contratações não sejam prejudicadas por entraves burocráticos de modelos arcaicos e superados que datam da sociedade industrial. Hoje, afinal, os trabalhadores exercem sua atividade em uma realidade que nada tem a ver com os antigos moldes previstos na velha CLT.
Especificamente na área cultural, o trabalho intermitente é muito comum e disseminado em amplos setores – tais como a música, a dramaturgia etc. A regulamentação da atividade exercida por esses profissionais pode levar à formalização de quase 18 milhões de trabalhadores que hoje se encontram na informalidade, como autônomos ou empregados sem carteira assinada.
Para citarmos apenas um exemplo, o meio televisivo, com uma série de produções e núcleos de dramaturgia, também adota essa maior flexibilização – artistas são contratados para trabalhos específicos e temporários. A partir de agora, esses funcionários estarão protegidos e amparados legalmente como jamais estiveram. Até a entrada em vigor da reforma, o trabalho intermitente não era regulamentado pela CLT – o contrato com menor número de horas reconhecido pela legislação era o parcial, que previa, no máximo, 25 horas semanais de trabalho. Agora, poderá ser estendido para até 30 horas por semana, o que aumenta a flexibilidade e beneficia o empregado.
Ao contrário do que propagam as forças do atraso que se opõem a toda e qualquer reforma, as necessárias mudanças na legislação trabalhista não retiram nenhum direito do trabalhador. Todos eles estão absolutamente assegurados: férias, 13º salário, seguro-desemprego, licença-maternidade e os demais direitos históricos previstos na Constituição de 1988 estão preservados.
Também é importante ressaltar que a modernização levada a cabo pela reforma trabalhista tem um enorme potencial para aumentar a produtividade e gerar novos postos de trabalho. Recentemente, uma renomada instituição financeira que atua no Brasil e em outros países fez uma estimativa de que, apenas em função das novas regras, podem ser criados de 1,5 milhão a 2 milhões de empregos nos próximos anos.
Com um cenário menos hostil para empregados e empregadores, em que se dê prioridade para os acordos e a negociação direta entre funcionários e empresas, o país dá um passo fundamental em direção ao mundo do futuro. Só daremos o salto necessário para o desenvolvimento se desburocratizarmos as relações trabalhistas, oxigenarmos o ambiente de trabalho e conectarmos essas relações profissionais àquilo que de mais avançado existe no mundo. É hora de superarmos as amarras do passado. Um Brasil mais moderno é um Brasil mais desenvolvido.
Míriam Leitão: Candidatos e mercado
Nem um transplante salva o pensamento econômico de Jair Bolsonaro, e as ideias de Lula variam conforme o ambiente. Mercado financeiro não ganha eleição e agradá-lo, ou não, faz efeitos apenas na oscilação dos ativos. Bancos costumam convidar candidatos para encontros e eles vão como se isso fosse relevante. Jair Bolsonaro foi perguntado sobre o que pensa da dívida pública. Respondeu que chamaria os credores para conversar. Essa resposta é tão sem noção que deixou os interlocutores mudos.
É preciso desconhecer coisa demais para dar uma resposta dessas. Todos os brasileiros que aplicam em títulos da dívida são credores. Todos os bancos, empresas, órgãos governamentais, não governamentais, cotistas de fundos, compradores de Tesouro Direto, investidores estrangeiros e locais, grandes e pequenos são credores da dívida pública. Imagina o governo fazendo a convocação geral a tão grande multidão para uma reunião de rediscussão da dívida. Seria a senha para uma corrida bancária de dimensões apocalípticas.
O fato foi contado por quem fala seriamente sobre eleição no mercado financeiro, e mostra o grau de incerteza de 2018. Não bastará um economista liberal fazer um transplante de ideias no candidato. Ter um economista que se disponha a representar um candidato não é o mesmo que ter um programa econômico. Em outro contato, perguntado sobre retomada de crescimento, o deputado fez um longo discurso sobre o nióbio. É importante, tem aplicações diversas, o Brasil tem reservas estratégicas, mas o elemento representa apenas 0,7% das exportações brasileiras. Enéas era grande defensor do nióbio. Com ele não se movimenta uma economia complexa como a brasileira.
O candidato da extrema-direita pode ser aceito por corretores desavisados, mas nenhum analista sério se deixa convencer apenas pelo fato de que agora ele tem ao lado dele um economista que está falando em privatização. Suas verdadeiras crenças na economia são mais bem definidas como o nacional-estatismo dos governos militares. Isso põe o deputado próximo ao pensamento de raiz do PT.
Lula não foi eleito porque agradou o mercado com a Carta aos Brasileiros, mas porque prometeu defender a estabilidade monetária que havia sido conquistada oito anos antes. O temor era da volta da inflação. Esse compromisso de Lula foi parte da estratégia para conquistar os votos da classe média. Ela sim ganha eleição.
É muito cedo para os cenários eleitorais, mas essa é certamente a disputa presidencial mais difícil da redemocratização pelo nível impressionante de incertezas. A grande questão que permanece aberta é a situação jurídica de Lula. A Justiça está diante de uma falha no Direito brasileiro: um réu não pode ser presidente, mas pode ser eleito presidente. Contradição insanável. Lula sabiamente tem executado a estratégia de fazer campanha com a ideia de quanto maior for sua chance eleitoral mais difícil será o dilema da Justiça Eleitoral e do STF em relação a ele. O pensamento de Lula na economia é mutante, como se sabe. Ele defendeu na campanha de 2002 algo diferente do que implementou e que é diferente do que está dizendo agora. Lula defenderá qualquer proposta que achar mais conveniente para seus propósitos eleitorais e certamente terá mais de um ideário durante a campanha.
Esse é o quadro das propostas econômicas dos candidatos que estão na frente na disputa eleitoral. Lula já governou o Brasil e sabe-se que ele tem opiniões mutantes sobre economia e tudo o mais. Neste começo de campanha tenta reconstituir a aliança com suas bases e por isso volta ao velho discurso. Já Bolsonaro tem um entendimento raso sobre o tema. A avaliação de que ele possa defender um pensamento liberal porque teve quatro aulas com um economista com essa crença só pode ser feita por quem tenha uma capacidade de análise igualmente superficial.
Estamos a um ano das eleições num país em que os cenários eleitorais são voláteis, e há inúmeros casos de candidatos que pareciam viáveis até que perderam o pleito ou deixaram de estar na disputa. É cedo ainda. O ideal seria que os candidatos e suas equipes não formatassem ideias artificiais para receber elogios do mercado financeiro. É preciso muito mais do que isso para tirar o país da crise e levá-lo a um ciclo de crescimento sustentado.
Luiz Carlos Azedo: Temer e o queremismo
A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot
Começa a ser urdido nos bastidores do Palácio do Planalto o projeto de reeleição do presidente Michel Temer, que já se movimenta como quem pretende ser candidato, quando nada para estancar o processo de desagregação do seu governo, que se acelerou ontem com o pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE). Um dos quatro tucanos no primeiro escalão de Temer, o parlamentar pernambucano chegou a anunciar sua saída do governo quando foi divulgada a gravação da conversa comprometedora entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, mas voltou atrás a pedido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, porém, saiu para valer.
A tese da candidatura à reeleição vem sendo defendida pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, como uma necessidade para segurar a base do governo e evitar a deriva antecipada de setores do PMDB e outros aliados para a campanha de candidatos da oposição, em razão da proximidade das eleições. Isso já aconteceu com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), engajado na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi à toa que o petista alertou o seu partido que os “golpistas” que o apoiarem nas eleições de 2018 serão recebidos de braços abertos nos seus palanques regionais.
Temer ainda não se convenceu inteiramente da ideia, mas resolveu fazer um esforço em várias frentes para melhorar a imagem do governo. A propaganda oficial trabalhará em três frentes: primeira, comparar os indicadores econômicos de quando assumiu com os do seu primeiro aniversário de governo, que são quase todos excelentes, diante da profunda recessão em que o país foi lançado no governo Dilma Rousseff; segunda, a manutenção dos programas sociais do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que será reajustado acima da inflação, conforme anunciou ontem o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra; terceira, a reforma da Previdência, que Temer voltou a defender, convencido de que enfrentar as corporações aumentará sua popularidade e criará condições de o país crescer a taxas acima de 3% no próximo ano, na avaliação de seus estrategistas, a premissa para o projeto eleitoral dar certo.
A tese audaciosa ganhou mais força com o desembarque do PSDB do governo, que estava previsto para a convenção de 9 de dezembro, mas acabou antecipado por Bruno Araújo. Temer não pretende esperar a deserção dos aliados para fazer a reforma ministerial. A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Temer obteve apenas 240 votos na votação, o suficiente para blindá-lo constitucionalmente, mas não para aprovar as reformas. Acontece que a reforma da Previdência é uma bandeira dos aliados que estão deixando o governo, o que permitiria atender a base fisiológica que barganha mais cargos no governo para aprová-la e, ao mesmo tempo, também negociar com os tucanos e outros aliados que deixaram o governo.
Um dos argumentos para convencer Temer a concorrer às eleições de 2018 é o fato de que o ex-presidente José Sarney, em 1989, virou saco de pancadas de todos os candidatos e não teve como se defender porque não disputava a reeleição. O próprio Sarney costuma avaliar que o governo, na pior das hipóteses, garantiria de 15 a 20% dos votos do primeiro turno para seu candidato. Temer teria oportunidade de se defender e capitalizar suas realizações. Não é uma ideia sem sentido, em razão do tempo de televisão e dos recursos do fundo partidário do PMDB, que teria, além do peso da máquina do governo a seu favor, grande capilaridade nos grotões do país.
Não colou
Mas sempre é bom lembrar o risco de a proposta não colar, como aconteceu com o movimento Queremista em 1945, cujo objetivo era defender a permanência de Getúlio Vargas na Presidência da República. O nome se originou do slogan utilizado pelo movimento: “Queremos Getúlio”. Naquela época, diante do esgotamento da ditadura do Estado Novo e do fim da II Guerra Mundial, as forças políticas que haviam se oposto ao regime iniciaram o ano reivindicando a redemocratização do país. Pressionado, Vargas comprometeu-se a realizar eleições e manteve-se numa posição dúbia em relação à possibilidade de se candidatar.
No fim de outubro, quando Vargas tentou substituir o chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, por Benjamin Vargas, seu irmão, a manobra acabou interpretada por seus adversários como um golpe para preparar a continuidade no poder. No dia 29, o alto comando do Exército, tendo à frente o ministro da Guerra, general Góes Monteiro, depôs Vargas da presidência, que em seguida foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.
Samuel Pessôa: Sem Previdência, não haverá opção além de aceitar inflação
Desde meados de maio, em seguida à divulgação da reunião do presidente Temer com o empresário Joesley Batista, em circunstâncias nada republicanas, no Palácio do Jaburu, vivemos um período de descolamento entre a política e a economia.
Apesar do agravamento da crise política e de o presidente ter que gastar seus cartuchos políticos para defender seu mandato e, portanto, de o espaço para seguir com a tramitação da reforma da Previdência ter se estreitado, a economia prosseguiu em sua trajetória de recuperação. O câmbio e o risco-país se mantiveram contidos.
Dois fatores explicam a calma do mercado em meio ao crescimento insustentável da dívida pública.
Primeiro, uma surpresa desinflacionária na economia americana. A inflação roda hoje por lá a uma taxa um ponto percentual abaixo do que se previa para 2017 no fim do ano passado. A redução generalizada dos juros americanos, em razão da queda da inflação, nos deu tempo.
Segundo, uma forte surpresa desinflacionária no Brasil. Em agosto de 2016, eu esperava que o IPCA fecharia 2017 em 5,5%. Hoje, meu número é de 3,2%. Erro de 2,3 pontos percentuais. Uma parcela importante do erro deveu-se à desinflação de serviços maior do que se esperava.
A surpresa desinflacionária sugere que o BC poderá praticar juros por alguns trimestres inferiores ao que imaginávamos no final de 2016.
Essas duas surpresas positivas, que levam a menores juros, permitiram que o agravamento da crise política em meados de maio não contaminasse os mercados.
Aparentemente a janela representada por esse descolamento entre a política e a economia está se fechando.
Por um lado, a economia americana tem crescido mais do que se imaginava. Crescimento acima de 3% ao ano nos segundo e terceiro trimestres e o acompanhamento da atividade no quarto trimestre indicam nova expansão acima de 3%. Será a primeira vez, desde a crise de setembro de 2008, que a economia dos Estados Unidos cresce nesse ritmo por tantos trimestres. Estamos nos aproximando do momento em que os juros internacionais caminharão para o terreno positivo, mesmo que baixos.
Por outro lado, as medidas de inflação no Brasil sugerem que o processo de desinflação pode estar se aproximando de seu final e que, daqui para a frente, os juros irão, não se sabe quando, iniciar um ciclo de subida (após o BC terminar o atual ciclo de queda com mais um ou dois cortes na taxa de juros).
É nesse contexto que uma frustração com a reforma da Previdência pode acelerar um processo que esteve adormecido desde maio. A dívida pública nesse período continuou sua elevação. No próximo ano e nos subsequentes a alta persistirá.
O problema é que, quando for o momento de iniciar um novo ciclo de subida da taxa de juros, o endividamento estará muito elevado. Se não tivermos aprovado um conjunto de reformas –a previdenciária é de longe a mais importante–, estaremos na situação conhecida por dominância fiscal. Não haverá opção à política monetária além de aceitar inflação. Retomaremos nossa caminhada em direção aos anos 1980.
Trata-se de uma situação dramática. Quando olhamos os diversos atores, todos têm suas razões. É perfeitamente compreensível que os políticos, às vésperas de um processo eleitoral, não desejem tratar de pauta tão espinhosa. Os interesses individuais dos deputados podem nos jogar no abismo inflacionário.