Economia
Míriam Leitão: À espera da reforma
A reforma da Previdência ficará para o ano que vem. O relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) será lido em plenário nesta quinta-feira e discutido no início da próxima semana. A avaliação feita na Câmara é de que não há tempo nem apoio para aprovação. O governo acredita que ao voltar para suas bases os parlamentares encontrarão mais apoio à reforma e que isso pode elevar o número de votos favoráveis.
O Brasil precisa da reforma da Previdência. Todo partido no governo sabe disso. É por isso que todos propõem mudanças. O PT no poder aprovou uma reforma, na oposição faz proselitismo com o assunto para atender a grupos de interesse, trabalhadores de maiores salários e servidores públicos. O PSDB fez a primeira reforma, votou na do ex-presidente Lula, mas agora está dividido. Certas mudanças têm sido feitas a várias mãos por adversários políticos.
A proposta do governo Temer é uma tentativa de fazer valer e ampliar as reformas dos governos Lula e Dilma. Lula estabeleceu que servidor público federal que entrasse a partir de 2003 não teria paridade nem integralidade. Por trás desses nomes há absurdos que não existem no mundo, ou seja, o direito de o servidor se aposentar com o último salário e ter reajustes de acordo com quem está na ativa.
Lula acabou com isso e estabeleceu que o servidor também ganharia pelo teto do INSS e acima disso por um fundo. Mas houve dois problemas: primeiro, só estabeleceu a regra para servidores federais, e não para os de outras esferas administrativas. Segundo, o fundo de pensão dos servidores, proposto pela reforma lulista, não foi regulamentado e por isso não ficou valendo. A ex-presidente Dilma complementou a reforma de Lula e em 2013 criou o Funpresp. Foi por lei complementar, então tem sido contestado. O ex-presidente Lula também estabeleceu a idade mínima para funcionário público. O problema é que foi aprovada uma lei complementar que permitiu o desconto de um ano nessa idade mínima, a cada ano a mais trabalhado além dos 30 e 35 anos de contribuição. Na prática, os servidores têm se aposentado com idade abaixo da mínima.
A reforma do governo Temer, para os servidores, completa as mudanças de Lula e Dilma. Confirma o fim da paridade, integralidade, e a idade mínima, e a estende para os estados e municípios. Isso ajuda muito nos sistemas estaduais. As Forças Armadas, PMs e Bombeiros não entram na reforma. Professor tem idade mínima de 60 anos. No geral, o que faz a proposta de Temer é ampliar e confirmar o que havia sido decidido nos governos dos seus, hoje, arqui-inimigos.
No segundo mandato, a ex-presidente Dilma também tentou fazer mudanças no sistema de aposentadorias, quando propôs através da MP 664 reduzir o valor recebido pela viúva ou viúvo. Foi muito alterado no Congresso e foi usado como veículo para acabar com o fator previdenciário, que fora criado no governo tucano e, ao ser derrubado, contraditoriamente, teve o voto tucano. Na reforma de Temer esse assunto voltou. A proposta agora é que a pensão seja a metade do valor do benefício com o acréscimo de 10% do dependente. A reforma proíbe acumulação de pensão e aposentadoria que juntas somem mais do que dois salários mínimos. Esse valor cobre 65% dos aposentados do INSS.
Para os trabalhadores do setor privado, a reforma de Temer continua o que o governo Fernando Henrique tentou e não conseguiu: estabelecer a idade mínima. A de agora começa a valer em 2020, com 53 anos e 55 anos, e só chegará aos 62 e 65 dentro de 20 anos.
Outra mudança proposta é a do valor do que vai ser recebido por quem estiver se aposentando no regime geral. Antes era a média dos 80% dos salários, o que excluía os menores, do começo da vida profissional. Agora é média de 100% dos salários recebidos. Com 15 anos de contribuição, o benefício será 60% desse valor, e só se chega ao valor integral com 40 anos de contribuição.
A reforma foi reduzida mas ainda permanece importante para indicar a tendência das contas públicas. Quem hoje faz oposição à reforma, quando for governar o Brasil, fará proposta parecida. Os políticos de oposição sabem disso, mas têm preferido a incoerência com o que fizeram no passado, e a demagogia.
Nexo: Os tropeços no caminho do Brasil rumo à OCDE
Tentativa de entrada no ‘clube dos ricos’ da política internacional vem sendo frustrada. Diante da recusa da organização, cabe a pergunta sobre qual o interesse do país nesta adesão
Por Antonio Freitas
A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma espécie de clube dos ricos da política internacional, tem negado ao Brasil entrada como membro pleno. O pedido brasileiro foi feito em maio de 2017. A expectativa do governo era de que a aprovação inicial se desse em julho e que, antes do final de 2018, fosse possível cumprir com os requisitos e completar o processo. A adesão se faz em três momentos: primeiro, recebe-se sinal verde, numa votação por consenso, dos 35 países membros da OCDE, quando se inicia negociação de cronograma de reformas e ajustes em matéria tributária, ambiental, econômica e financeira, entre outras; depois, acordam-se os termos e, por fim, após um período de adaptação, que pode levar muitos anos, dá-se a entrada como membro pleno.
A adesão se faz em três momentos: primeiro, recebe-se sinal verde, numa votação por consenso, dos 35 países membros da OCDE, quando se inicia negociação de cronograma de reformas e ajustes em matéria tributária, ambiental, econômica e financeira, entre outras; depois, acordam-se os termos e, por fim, após um período de adaptação, que pode levar muitos anos, dá-se a entrada como membro pleno.
Expectativas à parte, há frustração e incompreensão. O Brasil é atualmente o último de uma fila que tem três países já em processo de entrada (Colômbia, Costa Rica e Lituânia) e outros cinco (Argentina, Romênia, Bulgária, Peru e Croácia) que aguardam o sinal verde. Há, portanto, pelo menos oito países à nossa frente. A mais otimista previsão indica meados de junho de 2018 para início da adesão brasileira. Um pouco de realismo, entretanto, sugere que os países membros provavelmente aguardarão o resultado das eleições brasileiras do final de 2018. Nesse meio tempo, é possível que Argentina e outros países confirmem a dianteira.
As razões imediatas do bloqueio, que por enquanto não é exclusivo ao Brasil, devem-se fundamentalmente aos norte-americanos, que não estão de acordo com a ampliação rápida e aparentemente sem critérios da organização. Há também resistências e relutâncias difusas de outros países. Qual o objetivo da OCDE com a incorporação de novos países, alguns deles, como o Brasil, em crise profunda? É bom que a organização, que já se alargou bastante desde 2010, cresça ainda mais? Por que isso deveria ser feito de forma tão acelerada? Quais os custos envolvidos?
O secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, tendo prometido adesão rápida às autoridades brasileiras, está em posição incômoda. Criticado pelo açodamento, e desautorizado nos bastidores, sua última cartada deu-se em fins de novembro de 2017, quando formalizou proposta aos 35 países membros para aceitarem o início da adesão dos seis países em blocos “2+2+2”. A formação dos pares depende de negociações, mas acredita-se que a Argentina estaria no primeiro bloco, para início imediato, e o Brasil no último.
A proposta teria o mérito de manter o processo vivo. Acomoda sinalização que os norte-americanos teriam feito em favor da candidatura argentina, à qual se somaria um país europeu para manter equilíbrio entre regiões. Posteriormente, outras duplas seriam chamadas a entrar. Ganha-se algum tempo, as aparências são mantidas, permitindo a Gurría e ao governo brasileiro salvarem um pouco a face diante das promessas e expectativas não cumpridas. Há dúvidas, entretanto, se a proposta será aprovada.
O tropeço na OCDE não haveria de ser vergonha para o Brasil, senão apenas falha de avaliação e talvez de condução diplomática. Erros acontecem, o cenário internacional é turvo e incerto. As ambições político-financeiras do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e de setores mais afobados do governo pesaram nas deficiências de julgamento. Um Itamaraty enfraquecido, sob o controle de senadores do PSDB paulista, decerto teve seu papel. Ao Parlamento cabe supervisionar a política externa, mas a crise torna mais complicada essa função.
Até aí, tudo bem, é uma bola fora, mas a vida segue. O problema é que a situação evoluiu de maneira atabalhoada. Refletindo em parte alguns problemas de coordenação na Esplanada dos Ministérios, há alguns meses o presidente Michel Temer foi levado por Aloysio Nunes, ministro de Relações Exteriores, a autorizar abertura de missão diplomática junto à OCDE. Um gesto obviamente um pouco precipitado, pois o caminho ainda não fora liberado pelos países-membros. Um gesto também caro, pois prevê gastos com imóvel, residência ao chefe da missão, assessores diplomáticos, assistentes administrativos, carros e motoristas, verbas para viagens e representação. Cabe lembrar que Paris, sede da OCDE, já conta com Embaixada, Consulado-Geral e uma missão brasileira junto à Unesco.
Dando sequência a esse movimento, o governo solicitou “agrément” — uma espécie de aceite do Estado que hospeda a missão — para a nova representação brasileira em Paris. Para nossa consternação, entretanto, o pedido foi negado. Fomos lembrados pelos franceses de que somos país observador, não membro pleno. Como oferecer imunidades e privilégios para missão diplomática se o processo de adesão nem sequer foi autorizado?
Será que há precedentes para essa situação na história diplomática brasileira? Não faço ideia. No mínimo, já fomos melhores. Enfim, o pequeno vexame do agrément pode ser considerado uma bobagem. Afora piadas que circulam na comunidade diplomática internacional, e certa orfandade daqueles designados para a nova missão, o impacto imediato é pouco relevante. É uma situação um pouco constrangedora, mas sobreviveremos. Pelo menos por enquanto economizamos algum dinheiro, pois os gastos com a OCDE seriam enormes. Nesse meio tempo, aguardamos as eleições de 2018, quando o ingresso na organização poderá ser melhor discutido com a população.
Este é o ponto central: no atual cenário da política brasileira e internacional, vale a pena envidar esforços para entrar na OCDE? Por que essa pressa aparentemente desordenada? Será que alguns países não se aproveitarão para extrair concessões importantes em outras negociações conosco? Quanto será gasto no sustento da burocracia em Paris? Estamos dispostos a acomodar nossas estruturas financeiras, tributárias, regulatórias e ambientais, entre outras, a legislações internacionais das quais não participamos do processo de formulação? Somos um país rico? Quais os impactos da adesão para nossas relações com outros países e grupos? Vamos enfraquecer as articulações com os países em desenvolvimento?
O Brasil é o único dos Brics que disputa adesão (a Rússia foi barrada em 2014 em função dos acontecimentos na Crimeia). Curiosamente, é o país que enfrenta a maior crise. Por que China, Índia, África do Sul e Indonésia, entre outros grandes países em desenvolvimento, não demonstram interesse em entrar para a OCDE? Se, como observador, o Brasil participa de dezenas de comitês e grupos da organização, acompanhando de perto debates, relatórios e exercícios coletivos, quais as vantagens concretas que teremos como membro pleno?
Entendo que com as dificuldades na candidatura, os brasileiros ganhamos tempo para melhor discutirmos essas questões. Temos assim uma janela para ponderarmos custos e benefícios, riscos e prioridades. Para a OCDE, o impasse também não é exatamente ruim. Após terem recebido Chile, Estônia, Eslovênia e Israel em 2010, a Letônia em 2016, e tendo Costa Rica, Lituânia e Colômbia a caminho, não está claro até onde vai e qual a finalidade de mais uma ampliação. A recusa norte-americana, nesse sentido, é bem-vinda, oferece tempo para reflexão.
Estamos em último na fila. Não vamos nos iludir. A visão internacional do Brasil é negativa. Os jornais da França, país sede da OCDE, estão coalhados de lamentos por nossa situação. Críticas duras, por vezes. Há desconforto entre diplomatas brasileiros e estrangeiros, também entre funcionários e a liderança da OCDE. Nossa capacidade de articulação segue decaindo, não somos convidados para alguns encontros, em outros não fazemos uso da palavra. Estamos alheios aos grandes temas, presos à pauta do Supremo Tribunal Federal, a intrigas partidárias, sob olhares desconfiados e distantes da comunidade internacional.
Um tanto de cautela, outro tanto de pudor. A OCDE afirma orgulhar-se de seus compromissos com os valores da democracia e da economia de mercado. Como incorporar em seus quadros as relações espúrias de financiamento e montagem de coalizões do sistema político brasileiro? A organização conta com centenas de trabalhos, grupos e iniciativas de combate à corrupção, evasão fiscal, lavagem de dinheiro e outros ilícitos. Como encaixar, nesse contexto, conversas pouco republicanas ocorridas nos porões do Jaburu? Como ignorar as aplicações de Meirelles nos paraísos fiscais que queremos combater?
Argumenta-se que a aprovação da entrada do Brasil, neste momento, feriria princípios, estatutos, declarações oficiais e códigos de ética da OCDE. Não seria surpresa que processos em tribunais franceses e internacionais sejam abertos caso a adesão brasileira prossiga de forma acelerada. Passaríamos constrangimento duas vezes maior. A OCDE correria o risco de, uma vez eleito novo governo, ter revisados os termos para nossa entrada. Na pior das hipóteses, o acordo poderia ser denunciado. A pressa é má conselheira. A prudência é virtuosa.
Antonio Freitas é diplomata licenciado e atualmente administra a livraria Tapera Taperá, em São Paulo. As opiniões contidas neste ensaio são expressas em caráter pessoal.
Míriam Leitão: Fora da hora e lugar
O governo está em plena temporada de fazer mais concessões e renúncias fiscais a grupos empresariais. Uma parte, com o pretexto de aprovar a reforma da Previdência, o que é uma contradição. Outra parte é renúncia fiscal fora de hora e lugar, como as que subsidiam petrolíferas ou a que pode renovar o programa de subsídio às montadoras. O governo quer gastar ou economizar?
A lista das despesas tem sido enorme. O Refis que virou um quase perdão de dívidas tributárias acabou sendo aprovado para que o presidente Temer escapasse da segunda denúncia. Agora, foi o parcelamento das dívidas dos empresários rurais com o Funrural, o Refis dos que não pagaram o Simples, um regime tributário já muito favorecido. As medidas juntas terão impacto maior do que o ganho que se terá se houver a aprovação da reforma da Previdência. É um contrassenso gastar tanto para se economizar.
Mas há nessa farra dos gastos do governo com os empresários muito mais do que a tentativa de comprar a aprovação da reforma. Tanto que estão sendo negociadas ou propostas mudanças no sistema de tributação das petrolíferas e das automobilísticas que não têm relação com o que está sendo votado. É apenas o atendimento dos velhos e conhecidos lobbies que rondam qualquer governo e que encontram mais respaldo em alguns deles.
É o caso do Rota 2030. O programa é para substituir o Inovar Auto do governo Dilma que foi condenado pela Organização Mundial do Comércio. Agora foi refeito para que o incentivo dure até 2030. O argumento dos empresários em defesa do subsídio que custa R$ 1,5 bi é que eles precisam se ressarcir dos investimentos em pesquisa. Antes de tudo é preciso saber que pesquisas são essas, porque a última novidade que foi desenvolvida no Brasil foi o carro flex e isso faz muito tempo. A chamada MP do Bem já continha o incentivo à pesquisa e desenvolvimento. O país tem barreiras à entrada do carro importado e além disso dá anualmente recursos públicos para as montadoras. Isso nunca fez sentido e menos sentido faz agora em que o país está em dificuldades fiscais e a tecnologia do carro está transitando do motor à combustão para o veículo elétrico.
O desconto de impostos para que as empresas invistam em pesquisa pode terminar com o contribuinte ludibriado e em mais uma anistia governamental, como está acontecendo agora com o setor de eletroeletrônicos. E pior: essa indústria recebe muita dedução na Zona Franca de Manaus.
No setor de petróleo há um mistério. O governo enviou a MP 795 que dá isenção na produção e importação de máquinas e equipamentos para a exploração de petróleo nos campos do pré-sal até 2040. É o Repetro, feito no governo Dilma mas que expiraria em 2019. Agora está sendo postergado por mais 20 anos. A Consultoria Legislativa da Câmara soltou um estudo do consultor Paulo César Ribeiro Lima falando que essas renúncias fiscais poderiam passar de R$ 1 trilhão.
“Nos vários campos do pré-sal, a redução de receita tributária de IRPJ e CSLL poderia ser superior a R$ 1 trilhão”, diz o texto.
Pouco tempo depois, o número foi contestado pelos consultores Francisco José Rocha de Souza e Cesar Costa Alves de Mattos, também da Consultoria da Câmara, que afirmaram haver “dois grandes equívocos” no estudo de Paulo Lima.
“Os cálculos apresentados no estudo técnico em avaliação que apontaram perda tributária de R$ 1 trilhão com a aprovação da Medida Provisória nº 795, de 2017, estão incorretos.”
A Receita Federal afirmou à coluna que não comenta projetos em tramitação. Só faz as contas quando eles são aprovados, porque podem sofrer alterações antes das votações. Deveria fazer, porque isso ajudaria o debate. O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), relator do projeto na Câmara, disse que o texto recebeu parecer favorável da Receita — em nota conjunta com o Ministério da Fazenda — e que não há renúncias fiscais à indústria de petróleo:
— Pelo contrário, o projeto vai atrair investimentos na área e aumentar a arrecadação do governo.
A divergência vai do zero ao trilhão. A questão é como aprovar renúncia fiscal quando falta dinheiro nos cofres públicos e ainda beneficiar a indústria de energia de origem fóssil. A soma de tantos benefícios aumenta o descontrole fiscal em momento de penúria.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: A busca dos juros baixos
Foi longa a luta do país por juros mais baixos. Em 11 de maio de 1988, a Constituinte aprovou uma lei que deixou a esquerda entusiasmada e o sistema financeiro apavorado: os juros reais foram limitados a 12%. Ontem a Selic caiu para 7%. Na véspera do Plano Real, superou 15.000%. O Banco Central tem criticado há anos a diferença entre a Selic e a TJLP e agora elas estão juntas pela primeira vez em sua longa relação de distanciamento.
Na busca por juros mais baixos, ontem foi um dia importante. A outra forma que se tentou na Constituinte não daria certo. O objetivo era bom, mas o caminho estava errado, tanto que nunca entrou em vigor. Não é assim que se resolve o problema, ainda mais naquele 1988 em que a inflação anual foi de 980%.
A grande questão agora é quanto tempo a Selic permanecerá neste patamar baixo? O comunicado do Copom de ontem teve um tom surpreendente. Alguns analistas achavam que o BC não seria claro sobre o próximo movimento porque a nova reunião acontecerá apenas daqui a 60 dias. Mas ele indicou que a redução pode continuar, ainda que em intensidade menor. “O comitê vê como adequada uma nova redução moderada na magnitude da flexibilização monetária.” O entendimento geral foi de outro corte, no começo de fevereiro, de 0,25 ponto percentual, o que levaria a taxa a 6,75%.
Uma Selic em patamar historicamente baixo, do ponto de vista nominal, poderá atravessar um ano de instabilidade política e de oscilação nos ativos que será 2018? A resposta é sim. A situação cambial está confortável, as reservas são altas, e isso dá munição ao Banco Central para enfrentar picos de incerteza. Mas tudo ficaria mais fácil se a reforma da Previdência fosse aprovada. A reforma não é panaceia, mas concretamente a dívida pública subiu muito e, com a reforma, o cálculo do aumento futuro da dívida passa a ser mais favorável. Quem vive de comprar e vender títulos dessa dívida precisa saber se ela terá uma trajetória segura ou não.
O fato de a Selic e a TJLP serem iguais reduz uma outra fonte de gastos que no ano passado foi de R$ 29 bilhões, pelos cálculos do secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto de Almeida, no “Valor” de ontem. O BC sempre criticou essa diferença de taxa de juros porque isso faz com que a ação da política monetária tenha efeito apenas numa parte do crédito.
Os juros precisam ser mais baixos no Brasil de forma permanente. A taxa alta é uma distorção que ficou do período inflacionário e aumenta os gastos do governo. Mas só pode cair quando as condições permitem e não por determinação legal ou vontade de um governante. A última vez que a Selic ficou em 7,25% era artificial, porque a inflação estava subindo. Caiu para atender a então presidente Dilma. Mas logo depois teve que voltar a subir.
Outra questão importante neste momento é saber como vão se comportar os bancos com suas taxas. Essa queda chegará à ponta final, de quem vai pegar empréstimos para as empresas ou para as pessoas? A Selic foi reduzida a menos da metade, de 14,25% para 7%, e a redução dos juros bancários foi proporcionalmente menor. Para as pessoas físicas, os juros médios do crédito livre, sem subsídios do governo, caíram de 74% para 59% em um ano. Já para as empresas, a redução foi de 29% para 23%.
Os bancos alegam que o spread é alto porque os custos no país são mais elevados do que em outros países, seja com inadimplência, impostos e operação. E além disso o recolhimento compulsório é muito alto. De fato, isso tudo pressiona as taxas, mas os juros seriam menores se a concentração bancária não estivesse recorde, com 70% de todos os ativos nas mãos dos quatro maiores no país.
O Brasil viveu tempos de loucura econômica como revela a série histórica das taxas de juros. Antes da estabilização, a forma de calcular era diferente e não havia a Selic como nós a entendemos hoje. Era uma taxa diária anualizada. Mas, no dia anterior ao Plano Real, o que os dados mostram é que os juros foram de 15.405%. Ontem, eles chegaram a 7% e isso deixaria feliz o constituinte Fernando Gasparian, autor da proposta dos juros reais limitados a 12%. Porém para uma economia tentando sair de uma recessão de três anos, e com inflação de 2,7% nos últimos doze meses, 7% ainda é uma taxa alta.
Monica De Bolle: Grandes expectativas tortas
Na realidade, as expectativas podem estar a revelar apenas o viés e os anseios políticos de cada um
“Não faça perguntas e não ouvirás mentiras”,
Charles Dickens,
Great Expectations
Em economia o termo “expectativas” refere-se às previsões e cenários que tomadores de decisão formam em relação à evolução dos preços, do consumo, da atividade econômica, das contas públicas, das contas externas. Expectativas podem ter impacto significativo nas decisões das empresas e dos consumidores: visões pessimistas sobre a economia podem levar firmas a desistir de investir, afetando empregos, a arrecadação futura do governo, a capacidade de consumo das famílias. Expectativas também influenciam a política econômica – se os formadores de preço acreditam que a inflação continuará a aumentar, provável será que o aumento necessário de juros para estabilizar preços tenha de ser maior do que o antecipado. Por fim, as expectativas têm papel político importante. Quantas vezes já não se ouviu dizer que “a melhora das expectativas mostra que o governo de xxx está fazendo um excelente trabalho”? Não à toa, muitas vezes as expectativas viram mote de campanha. O que poucos sabem é que as expectativas raramente são imaculadas. Em mundo cada vez mais polarizado, as expectativas estão crescentemente contaminadas pelo viés político de cada um, e isso é um problema para qualquer economista que queira delas extrair informações sobre o futuro da economia.
Como são apuradas as expectativas? De modo geral, são elas derivadas de pesquisas de opinião. Nos EUA, uma das fontes de expectativas mais utilizadas por economistas é a da Pesquisa de Consumidores da Universidade de Michigan. Nela, faz-se perguntas como “olhando à frente, o que você diria ser mais provável: que o país continuará bem nos próximos 5 anos, ou que haverá períodos de desemprego alto e recessão?”. Em seguida, respostas são compiladas e metodologias são aplicadas para transformá-las em algo mensurável que reflita relativo otimismo ou pessimismo. No Brasil, o Banco Central conduz a pesquisa Focus com participantes do mercado onde questionários são enviados para que cada instituição forneça sua visão sobre a inflação, os juros, o PIB, além de outros indicadores.
Pesquisas mais parecidas com a da Universidade de Michigan são feitas pela Fundação Getulio Vargas, além de outras instituições, onde o alvo é o público geral, não apenas o conjunto de pessoas que atuam no mercado financeiro. Essas informações são utilizadas para dar aos gestores de política econômica e para o resto da sociedade uma noção do estado da economia e de como deve ela evoluir nos próximos meses ou anos. Para que tal relação entre as revelações das pesquisas e o quadro econômico seja estabelecida, é necessário presumir que a amostra selecionada de indivíduos não contém qualquer viés que possa ser prejudicial às conjecturas formadas sobre a economia a partir das expectativas reveladas.
A premissa da ausência de viés nas expectativas é verdadeira? Estudos recentes feitos para os Estados Unidos e punhado de outros países onde o aumento da polarização política recente é visível revelam que não. Em artigo acadêmico publicado há poucos meses, três autores mostram que hoje, nos EUA, o viés político influencia diretamente e de forma crescente as expectativas sobre a economia (ver Mian, Sufi, e Khoshkhou, 2017, Partisan Bias, Economic Expectations, and Household Spending). Republicanos são mais otimistas em relação às perspectivas de crescimento, desemprego, inflação, enquanto democratas revelam o oposto. A eleição de Donald Trump em 2016 exacerbou essa tendência. Os autores também concluem que apesar das expectativas tortas, enviesadas, não há qualquer relação entre elas e a maneira como os consumidores se comportam. Ou seja, um republicano é capaz de dizer-se otimista com a economia sem que isso o torne um ávido consumidor. Tais evidências contradizem a tese dos economistas de que expectativas trazem informações valiosas sobre o futuro da economia. Na verdade, expectativas podem estar a revelar apenas o viés e os anseios políticos de cada um, sem qualquer relação com o andamento da economia ou com a avaliação de impacto da política econômica.
Não há, ainda, estudos semelhantes para o Brasil. Mas não é difícil imaginar que algo semelhante esteja ocorrendo no País e que as expectativas estejam prestes a ficar ainda mais enviesadas com as eleições que se aproximam. Para os economistas ansiosos em extrair da opinião pública “verdades econômicas” para justificar seus cenários, vale a advertência de Dickens, epígrafe desse artigo.
----------------------
* Monica De Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Míriam Leitão: O começo da volta
A economia está se recuperando. Há indicadores positivos mostrando que o país saiu do fundo do poço, mas há ainda um grande caminho a andar até chegar ao ponto do qual o país caiu na recessão. A produção industrial em outubro ficou 5,3% maior do que a de outubro do ano passado, mas ainda esta 17% abaixo do melhor momento, em 2013. A queda já chegou a ser de 21%. O caminho de volta só está começando.
Nada será como em outras recuperações. A volta será trilhada passo a passo e no meio do caminho haverá não apenas uma, mas várias pedras. Esta recessão não foi provocada por uma crise externa, foi feita aqui mesmo. Quando começou, o país já estava em desordem fiscal e ela se aprofundou pela queda forte da arrecadação. A dívida bruta subiu 20 pontos percentuais do PIB, desde o começo do governo Dilma. O cenário político é confuso, o governo não inspira confiança. Tudo isso é fator desestabilizador que dificulta o crescimento. Mesmo assim, há dados mostrando que a recuperação já começou.
No final de 2016, a economia estava 9,2% menor do que no final de 2014. Com os três trimestres consecutivos de alta este ano, ela está 5,8% menor, na mesma comparação. Ou seja, ainda não é o que era, mas está reduzindo o PIB perdido. O consumo das famílias está em queda de 6,6%, e os investimentos, apesar de terem voltado a crescer, estão 22% menores.
No mercado de trabalho, a situação é mais preocupante. O Brasil chegou a ter apenas 6 milhões de desempregados em 2013, mas viu o número disparar para 14,1 milhões no pior momento deste ano, em março. Em outubro, havia diminuído para 12,7 milhões. Mesmo assim, ainda é muita alta a quantidade de brasileiros procurando empregos sem encontrar.
O mercado financeiro vem revisando para cima as projeções para o PIB deste ano e do ano que vem. O chefe de economia e estratégia do Bank of America no Brasil, David Beker, passou de 0,6% para 1% a estimativa para 2017 e prevê alta de 3% em 2018, puxada pelo consumo. Mas ele define a recuperação como gradual e diz que há vários fatores impedindo uma retomada mais forte.
— Esta não é uma recuperação como as outras. Temos uma crise fiscal ainda não solucionada, com endividamento crescente do governo, desemprego alto, e muitas empresas também endividadas. Além disso, o Brasil perdeu produtividade. Nossa capacidade de crescer hoje é menor — explicou.
Ontem, o Bank of America lançou um relatório anual com perspectivas para a economia mundial em 2018. De um lado, a expectativa é de mais um ano de forte crescimento, o que ajudará o Brasil. Mas, por outro, o banco espera condições financeiras mais apertadas, com aumento de juros nos Estados Unidos e diminuição dos estímulos monetários na Europa. Com isso, os mercados emergentes, e principalmente os países com risco fiscal, como o Brasil, poderão ter mais dificuldades para atrair investimentos.
— A reforma tributária de Trump vai pressionar os gastos do governo americano. Com isso, o Banco Central dos EUA pode ter que elevar mais os juros do que o mercado previa. Isso afetará os emergentes — disse.
Uma das mudanças favoráveis do quadro brasileiro é o ajuste externo. O país chegou a ter um déficit em conta-corrente de 4% do PIB e hoje é de 0,4%. O Banco Central tem alto volume de reservas e o Investimento Estrangeiro Direto continua forte. Por isso as oscilações externas poderão ser enfrentadas. O Bank of America acredita que o Banco Central poderá manter os juros baixos durante todo o ano que vem. A expectativa dos economistas para hoje é que o Copom reduzirá a Selic para 7%, a menor taxa da série histórica. Dependendo do comunicado, o Banco Central poderá indicar novas quedas, para a casa de 6% no ano que vem.
— O Brasil poderá ter juros menores do que os do México, que está com a taxa em 7%. Isso vai ajudar na recuperação — explicou Beker.
A percepção da população é diferente da visão do mercado financeiro e do que dizem os índices. Apesar da melhora nos indicadores, a sensação de crise permanece porque o país melhorou mas está distante ainda do ponto em que estava. Quando um indicador sobe, como a produção industrial de outubro, divulgada ontem, consegue apenas reduzir a dimensão da queda.
Luiz Carlos Azedo: Ponto de inflexão
Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada
Digamos que foi um bom acordo de cavalheiros o resultado da brevíssima conversa de ontem, em Limeira (SP), entre o presidente Michel Temer e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que deve assumir o comando nacional do PMDB no próximo fim de semana. “Será uma coisa cortês e elegante, como é do meu estilo e do estilo do governador”, como bem explicou Temer o desembarque do PSDB do governo federal sob comando de Alckmin, que é pré-candidato à sucessão presidencial. Ambos se encontraram para a entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida no interior de São Paulo, mas não avançaram em negociações sobre o futuro.
Aparentemente, há convergência entre ambos quanto a mais crucial das reformas propostas pelo governo Temer, a da Previdência. “Vamos fazer o possível e o impossível para poder aprovar. Teremos reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, que estão entusiasmados. Entusiasmados em nome do Brasil”, exagerou Temer, ao falar sobre o assunto. O planejamento do governo prevê uma maratona de conversas ao longo da semana com lideranças dos partidos que integram a base de apoio de Temer no Congresso Nacional.
Alckmin ainda não fala em nome do PSDB, mas não esconde seu apoio à reforma. Na sexta-feira, em entrevista à Mariana Godoy, fora explícito: “Eu sempre defendi um regime geral de Previdência Social. Não tem sentido você ter um regime de Previdência para quem é funcionário público e outro regime de Previdência para quem é funcionário da indústria, da agricultura, dos serviços, do comércio, nós sempre defendemos um regime geral de Previdência.” Do ponto de vista objetivo, aprovar a reforma da Previdência agora será melhor para quem vier a ser eleito presidente da República em 2018.
Temer sabe que a votação da reforma da Previdência será um momento decisivo da trajetória do governo, que entrará em declínio antecipado se a mesma não for aprovada, em razão dos desgastes já conhecidos e do desembarque do PSDB. Esse é o cardápio político do almoço deste domingo com os ministros e aliados e do jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No primeiro encontro, fará uma avaliação real da situação e iniciará consultas sobre a nova configuração do governo sem a presença do PSDB na Esplanada; no segundo, o assunto principal e a viabilidade ou não de alinhar a base com a aprovação da reforma.
A economia já mandou recados de que o otimismo ufanista dos governistas sobre a retomada forte do crescimento não se sustentará sem a reforma da Previdência: a Bovespa caiu, a previsão de crescimento do PIB deste ano continua abaixo de 1%. E a Lava-Jato permanece fustigando aliados próximos de Temer, que se livrou de duas denúncias do ex-procurador Rodrigo Janot para continuar no comando do barco, mas não tem condições de recolher os seus náufragos, como os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Ou seja, a crise ética continua sendo a variável predominante na avaliação popular sobre o governo; a economia não terá a menor condição de alterar esse peso da Lava-Jato sem a aprovação da reforma da Previdência, porque as projeções são de que, nesse caso, o crescimento do PIB em 2018 não passará de 2,5%.
O rei do Rio
O procurador regional da República José Augusto Vagos, da Lava-Jato no Rio de Janeiro, criticou duramente nas redes sociais o habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes ao empresário Jacob Barata Filho, que foi solto pela terceira vez. “Chega a ser constrangedor o acesso que esse acusado tem para obter decisão em último grau de jurisdição sem passar pelas demais instâncias, como se desfrutasse de um foro privilegiado exclusivo para liminares em habeas corpus, mesmo sendo acusado de destinar dezenas de milhões de reais aos maiores líderes políticos do Rio, como se isso constituísse crime de menor potencial ofensivo, crime de bagatela.”
Sem entrar no mérito da polêmica jurídica, o fato é que Barata é uma eminência parda da política fluminense e tem enorme poder político na antiga capital federal. Mas é uma ilusão achar que é o único empresário do setor de transportes urbanos que manda e desmanda numa assembleia legislativa e nas câmaras municipais. O padrão de mobilidade urbana do país é um contrassenso total (10% da população ocupam 90% das vias) e reproduz, em maior ou menor escala, a relação entre políticos corruptos e empresários inescrupulosos que os financiam.
Míriam Leitão: Necessidade imediata
Atuação do governo e do Congresso ameaça sabotar a recuperação. O desemprego, depois de atingir o pico de 13,7%, vem caindo e estava, ao fim de outubro, em 12,2%. A massa de rendimentos no começo do 2016 registrava queda de 4%, agora está em alta de 4,2%. O mercado de trabalho começa a se recuperar da destruição em massa de postos de trabalho iniciada em dezembro de 2014. Mas o Brasil faz o errado de imediato e posterga o certo, e isso enfraquece a recuperação.
É certo incluir mais 18 mil pessoas dentro do inchado serviço público federal? Pois, uma proposta de emenda constitucional acaba de ser aprovada na Câmara para que servidores de Roraima e Amapá, que entraram nos serviços dos ex-territórios entre 1988 e 1993, passem a ser servidores da União. O autor da proposta é o senador por Roraima, Romero Jucá. O mesmo que fala em necessidade de ajuste fiscal em nome do governo Temer. E ele apresentou essa PEC por que? Interesse eleitoral e demagogia. Esse não é o momento de aumentar o número de servidores. Da mesma forma que, em maio de 2016, com o desemprego aumentando em avalanche no setor privado, não era hora de aprovar aumentos salariais para funcionários públicos até 2019. Agora, o governo tenta adiar o reajuste do ano que vem, mas o Congresso não se move para votar.
O mercado de trabalho vai se ajustando aos poucos. A economia dá sinais discretos de recuperação. Talvez o PIB do terceiro trimestre traga a boa notícia de ter sido positivo — calcula-se algo em torno de 0,3% — e com o sinal bom de alta no investimento. É o que se prevê sobre o dado, que sai hoje. Olhando os números do mercado de trabalho, o que se vê é que a máquina de destruir emprego, ligada pela recessão iniciada no governo Dilma Rousseff, começa a reduzir seu apetite.
Há 586 mil desempregados a menos do que no final de julho e 868 mil pessoas a mais com emprego. A maioria aceitou uma ocupação informal ou criou seu próprio trabalho. Os dados comparados com o trimestre anterior (maio-junhojulho) mostraram melhora, mas em relação ao mesmo trimestre do ano passado, houve piora. Ainda assim, o economista José Márcio Camargo acha que o quadro já inspira alguma confiança. Ele acredita que o país está perto de uma virada nessa comparação anual. No começo do ano, a diferença em relação à taxa do início de 2016 era de 3,1 pontos percentuais; agora é de 0,4. Ele acha que o país terminará 2017 melhor do que no fim do ano passado, com o desemprego em 11,5%. Quando a taxa começou a subir no início do segundo mandato de Dilma, José Márcio previu que chegaria a 13%. Parecia exagero. E chegou a 13,7%.
O pior passou no mercado de trabalho, mas o desemprego ainda é muito alto. Portanto, a taxa de criação de emprego tem que ser acelerada para dar algum conforto às famílias. Mas isso não acontecerá com o Congresso se recusando a aprovar medidas de ajuste, fechando os olhos para a urgência de uma reforma no sistema de aposentadorias e pensões. O governo está em contradição sistemática, como nesse episódio da entrada de 18 mil funcionários a mais na folha da União. E o que disse a equipe econômica? Nada. E o que fez o Planalto para impedir a aprovação desse aumento de gastos? Nada. O governo parece dizer: ajuste, ajuste, minha clientela à parte.
O IBGE tem divulgado dados impressionantes da realidade brasileira. O país precisa urgentemente aumentar o esforço para tirar do trabalho infantil quase um milhão de menores em situação irregular, por não serem registrados ou por terem entre 5 e 13 anos. Trinta mil dessas crianças têm entre cinco e nove anos. O Brasil é desigual, extremamente, mais do que as lentes do instituto captam porque o que está sendo medida é a desigualdade na renda do trabalho. A população de 60 anos ou mais cresce em ritmo acelerado, como também mostra o IBGE; de 2012 para 2016 aumentou 16%.
Diante da necessidade urgente de proteger as crianças e preparar a Previdência para a elevação da idade da população, o que é feito? Desidrata-se a proposta de reforma que estabelece a idade mínima para se aposentar em 53 anos e 55 anos agora e que só em vinte anos chegará aos níveis em que já estão México e Chile, de 62 e 65 anos. E a reforma pode nem ser votada. Este governo, com suas contradições e seu labirinto, vai acabar em 12 meses e 30 dias. O Brasil permanecerá com suas urgências imediatas, pedindo que o país seja capaz de tomar as decisões certas. Antes que seja tarde.
Merval Pereira: Democracia em crise
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca defendeu ontem, em palestra na Academia Brasileira de Letras (ABL), que o patrimonialismo que domina o Estado brasileiro é a principal causa da disfunção de nossa democracia e, por isso, a Operação Lava-Jato tem importância como a principal ação corretiva de uma situação que predomina desde que o Brasil foi descoberto pelos portugueses.
O painel de que ele participou, dentro do ciclo “Brasil, brasis” da ABL, tinha o título genérico de “Crise e metamorfose da democracia” e foi coordenado pela escritora e acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira. Ao apresentar os participantes, Giannetti e o ex-presidente do Supremo Ayres Britto, Rosiska ressaltou a atualidade do tema do debate, já que a democracia estava em xeque em várias partes do mundo, devido à falta de credibilidade dos políticos e à sensação de que eles não representam os cidadãos.
Ela lembrou que nas últimas eleições pelo mundo a radicalização política foi a tônica, levando à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e ao aumento de votação em partidos extremistas, à esquerda e à direita, em diversos países da Europa. Outro aspecto ressaltado por Rosiska é o fenômeno, disseminado pelo mundo, do voto de protesto, que se reflete no aumento dos votos brancos e nulos e o não voto, com o aumento das abstenções.
São tendências já sentidas no Brasil com o aumento gradativo dos votos brancos e nulos nas últimas eleições, inclusive a mais recente, para governador do Amazonas, quando votos brancos, nulos e abstenções registraram quase 50%.
Para Giannetti da Fonseca, o patrimonialismo brasileiro tem sua origem na formação de nosso país. Ao contrário dos Estados Unidos, país que foi organizado pelos e para os imigrantes que lá chegaram, o Brasil, segundo Giannetti, foi criado para abrigar a Coroa portuguesa, e até hoje o Estado serve aos governantes. Ele vê essa tensão entre o governo e a sociedade num ponto à beira de uma ruptura e disse que não se espantará se chegarmos num momento revolucionário desencadeado por uma fagulha qualquer, como em 2013, quando uma campanha contra o aumento do preço dos ônibus desencadeou um movimento popular que encurralou o governo Dilma.
Outro ponto de quase ruptura, na sua análise, foi a campanha de 2014, quando Marina Silva, a quem apoiava, tornou-se candidata devido à tragédia que matou o ex-governador Eduardo Campos, e quase teve condições de desbancar a polarização entre PT e PSDB, cujos candidatos afinal foram para o segundo turno.
Esse rompimento só não se deu, segundo Eduardo Giannetti, devido a uma campanha de violência inaudita contra Marina, cuja presença na disputa teria uma característica disruptiva, interrompendo uma situação política tradicional que dominava a disputa eleitoral brasileira há 23 anos.
Segundo Giannetti, a Operação Lava-Jato, por si só, não tem condições de alterar essa cultura patrimonialista, mas as eleições de 2018 têm condições para isso, caso a sociedade as utilize para forçar uma mudança de paradigma, que seria consolidada com uma reforma política.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, outro palestrante do painel, mostrou-se mais otimista na manutenção de nossa democracia, que, segundo ele, está em crise, mas em metamorfose, parafraseando o título geral do debate, que era “Crise e metamorfose da democracia”.
Para Ayres Britto, o ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que ele presidiu no Supremo. A partir dali, teria sido aberto um caminho para concretizar a máxima de que todos são iguais perante a lei. O ex-presidente do Supremo utilizou-se da Constituição de 1988 para defender uma visão otimista do futuro do país, garantindo que é possível encontrar-se no texto constitucional a solução para todos os problemas que afligem nossa democracia.
Demétrio Magnoli: Para onde vai a ‘nova esquerda’?
Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional em Harvard, identificou um “trilema”, isto é, um problema que só admite a conciliação de dois entre três objetivos. Não podemos ter, simultaneamente, soberania nacional, democracia e hiperglobalização. É preciso escolher duas dessas coisas, descartando uma terceira, assegura-nos, para concluir que a renúncia à hiperglobalização seria a única forma de triunfar frente ao desafio da direita populista. O “trilema” existe, de fato, mas que tenha solução mais sutil, menos angulosa que a de Rodrik.
A opção por democracia mais hiperglobalização, às custas da soberania nacional, orientou o Ocidente desde o encerramento da Guerra Fria. O célebre “fim da História”, de Francis Fukuyama, foi uma síntese triunfalista dessa opção, que sofreu o golpe econômico da grande depressão de 2008-2009 e da ascensão populista iniciada em 2016. O Brexit, Donald Trump, Marine Le Pen, a direita nacionalista alemã e a crise separatista catalã evidenciam um perigoso deslocamento dos EUA e da Europa, as placas tectônicas principais da ordem global. Seguir o curso, pura e simplesmente, implica colocar em risco tanto a globalização quanto a democracia.
No Fórum de Davos, Xi Jinping explicitou a alternativa chinesa: soberania nacional mais hiperglobalização, sem democracia. A via chinesa inspira líderes autoritários na Europa (Rússia, Turquia), na Ásia (Vietnã), na América Latina (Cuba, Venezuela) e na África. Efetivamente, desde a queda do Muro de Berlim, a utopia socialista praticamente deixou a cena, substituída por variantes do capitalismo de Estado.
Rodrik não é exatamente original quando prega uma combinação de democracia com soberania nacional, às expensas da globalização. Sua saída envolve “uma disposição de atacar muitas das vacas sagradas do establishment — especialmente a liberdade de ação dada às instituições financeiras, o viés em favor de políticas de austeridade, a visão negativa do papel do governo na economia, a movimentação irrestrita de capitais pelo mundo e a fetichização do comércio internacional”. Quase se ouvem, atrás de sua sentença, as vozes de Bernie Sanders, o candidato democrata derrotado por Hillary Clinton nas primárias americanas, e de Jeremy Corbyn, o líder esquerdista atual do Partido Trabalhista britânico.
O “viés em favor de políticas de austeridade” manifesta-se na Europa, como reflexo das posições alemãs, mas não nos EUA. A referência é uma forma de ocultar a crise do Welfare State, que provoca desequilíbrios orçamentários insustentáveis. As políticas de bem-estar social foram contaminadas pela acumulação de privilégios corporativos e curvaram-se sob o peso do envelhecimento demográfico. A necessidade de reinventar o Welfare State não deriva da ideologia, mas de impasses estruturais.
Já a menção à “fetichização do comércio internacional” revela a inclinação da “nova esquerda” a reproduzir o discurso do nacionalismo de direita. Sanders e Trump investiram juntos contra o projeto da Parceria Transpacífica e contra o Nafta. Na campanha do plebiscito, Corbyn declarou-se protocolarmente contra o Brexit mas, nos escassos eventos que promoveu, fez da União Europeia o alvo preferencial de seu bombardeio. A direita populista responsabiliza os “estrangeiros” pela estagnação da renda da classe média tradicional. A esquerda emite a mesma mensagem, trocando palavras: no lugar de “China”, “México” ou “imigrantes”, aponta o dedo acusador para o “neoliberalismo”, o “globalismo” ou o “livre comércio”.
A solução de Rodrik equivale a ingressar numa cápsula do tempo e retornar várias décadas atrás, até a era gloriosa das políticas social-democratas tradicionais. A viagem, porém, exige tanto a interrupção (ou reversão) da onda de inovações tecnológicas quanto a construção de sólidas barreiras protecionistas para conter os fluxos de mercadorias e capitais. No fundo, Sanders e Corbyn só poderiam aplicar as políticas protecionistas que advogam numa Fortaleza América ou numa Fortaleza Europa. A opção fundamentalista pela soberania nacional é a ponte que interliga a direita populista a uma “nova esquerda” sem rumo.
No tripé de Rodrik, ao menos do ponto de vista do Ocidente, só a democracia deveria ser classificada como um bem inegociável. Fora da caixa estreita da ideologia, existem inúmeros compromissos legítimos entre globalização e soberania nacional. O ultraliberalismo não funciona nas democracias de massas, como se sabe há quase um século. A inovação tecnológica acelerada, fonte principal da crise da classe média nos EUA e na Europa, solicita contrapesos equilibradores, na forma de serviços públicos e gastos sociais. O Welfare State precisa ser reinventado (ou inventado pela primeira vez, no caso da China), não descartado como relíquia ou anacronismo.
Nada disso será feito por uma esquerda que cultua o Estado-Nação, entoando hinos nostálgicos a uma “idade de ouro” perdida no horizonte dos mitos. O nacionalismo é a trincheira da direita. Quando a esquerda aprenderá essa verdade óbvia?
* Demétrio Magnoli é sociólogo
Rubens Bueno: O país que buscamos
Cada um de nós, homens e mulheres, imagina um país ideal, um país que consiga assegurar a liberdade e possibilite a todos desfrutarem do desenvolvimento econômico e social. Um país que garanta a todos igualdade de oportunidades para que cada um de nós construa sua história de acordo com a sua capacidade e o seu sonho.
Inegavelmente, independentemente do modelo de país imaginado por cada um de nós, é fato que estamos mais perto de atingir nosso sonho. Desde o início da redemocratização, sedimentamos este caminho.
O Governo Sarney, com todos os problemas, conseguiu assegurar uma transição política difícil que nos deu uma nova Constituição.
O Governo Collor, com toda a sorte de defeitos e pecados, nos fez enxergar a necessidade de abrirmos a nossa economia e de nos integrarmos à economia mundial.
O Governo Itamar Franco, a partir da sua solidez ética, iniciou o processo de estabilização monetária.
O Governo Fernando Henrique Cardoso implementou o Plano Real e deu a todos nós cidadãos e às empresas a oportunidade de construir um novo futuro a partir da estabilização da nossa moeda.
Já o Governo Lula incrementou o processo de inclusão social.
O fato é que cada um desses governos, apesar das dificuldades e das contradições que apresentava, deixou, de uma ou de outra forma, um legado, contribuindo para que chegássemos mais perto do País dos nossos sonhos.
Infelizmente, o Governo Dilma Rousseff aprofundou o processo de corrupção e aparelhamento do Estado herdado de Lula e deixou este nosso País imaginário mais longe do nosso alcance. Promoveu a maior crise econômica e ética da nossa história. Nos últimos anos retrocedemos em termos econômicos, sociais, políticos e institucionais. Não conseguimos dar continuidade ao processo de desenvolvimento rumo àquele país que desejamos.
Veio o governo Temer, que se mostrava compromissado com as reformas que são tão necessárias para a retomada de nosso crescimento. No entanto, nos métodos sucumbiu as práticas da velha política. Loteou ministérios entre investigados na Lava Jato e denunciados por corrupção. Se enredou, pessoalmente, em tramas para atrapalhar a apuração de casos de corrupção e jogou o país novamente em uma crise política a ponto de ter sido denunciado pelo Ministério Público por corrupção e organização criminosa.
No Congresso, escapou de ser afastado do cargo. Mas pagou caro por isso. Perdeu as condições, a confiança para tocar adiante um processo de renovação política e econômica de nosso País que mirasse a sociedade como um todo e não beneficiasse apenas determinados grupos dos quais se tornou refém.
Caberá ao próximo presidente tocar adiante essa batalha. O ano de 2018 bate a nossa porta com a certeza de que teremos a eleição mais importante das últimas décadas. Digo isso porque, no cenário atual, ainda não se vislumbra um candidato que possa representar plenamente os anseios da sociedade, alguém que lidere essa virada do Brasil rumo ao novo mundo. Corremos o sério risco do reacionarismo se tornar a novidade.
Mas a porta está aberta e o voto é o principal instrumento para essa mudança. Em 2018, poderemos voltar ao caminho que estávamos traçando rumo àquele Brasil com que sonhamos e que desejamos construir para nossos filhos e netos.
São poucas as vezes em que um país tem a chance de acertar as contas com sua história e de poder retomar o rumo de seu destino. Não a desperdicemos.
* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná
Míriam Leitão: O interior das despesas
Primeiro gasto a cortar é o subsídio ao capital. Este ano, em viagens pelo Brasil, encontrei duas vezes inovações resultantes de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina, uma em energia e outra em tecnologia para a agricultura. Recorri a professores de universidades públicas em questões ambientais, tanto no Nordeste, quanto no Sul, porque eles tinham pesquisas sobre cada um dos biomas. Difícil encontrar isso nas universidades privadas.
A universidade pública sempre teve mais alunos ricos e da classe média, mas comparar gasto de universidades privadas e públicas por aluno tem uma distorção: no Brasil são as públicas que fazem pesquisa. A pergunta que o Banco Mundial faz, em relatório sobre as despesas federais, é essencial para um país desigual como o nosso: a quem se destina o dinheiro público? Este é o principal mérito do estudo. No caso do ensino superior público, o estudo alerta que 65% dos alunos estão entre os 40% mais ricos. Universidades Federais custam 0,7% do PIB ao ano, e o Banco Mundial propõe reduzir 0,5% do PIB. Evidentemente isso não é realista. A proposta de ampliar o Fies para as públicas não funciona. Este programa de crédito está sendo contido porque cresceu demais. Os alunos de escolas particulares pagam pelo ensino médio e podem pagar pelo ensino superior. Não resolveria o financiamento, mas reduziria a regressividade.
O relatório do Banco Mundial é resultado de uma análise das contas brasileiras pedida pelo governo Dilma. O olhar profundo sobre os números ajuda o país a fazer escolhas em época de escassez. Não exatamente as que foram propostas. Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil, e Antonio Nucifora, economista-chefe, me disseram que esses estudos serão detalhados ao longo de 2018 por áreas específicas. Haverá tempo para novos debates. A reação ideológica ao estudo, como se ainda vivêssemos na era do monitoramento da economia brasileira pelos gêmeos de Bretton Woods, é desatualizada. A aceitação acrítica das propostas do Banco Mundial é igualmente sem sentido.
O ponto alto do estudo é mostrar que o Brasil transferiu, em 2015, 4,5% do PIB para o capital. Isso dá em dinheiro perto de R$ 269 bilhões. Antes do governo do PT, eram 3%. O que era excessivo ficou extravagante. Grande parte desse dinheiro vai para empresas sem exigências de contrapartida e sem transparência. Para que mesmo dar dinheiro para multinacional do setor automobilístico? Por que o governo deu tanto subsídio para um frigorífico comprar outros frigoríficos e se expandir no mundo, enriquecendo uma família rica? Mesmo se não tivesse ocorrido o que sabemos hoje sobre o grupo de Joesley Batista, já seria absurda essa opção preferencial pelos ricos nos aportes de recurso no governo de um partido que se diz de esquerda. Os subsídios ao capital, eis o primeiro ponto a ser atacado. O curioso é que no relatório se coloca “incerto” na avaliação sobre se a redução desses subsídios melhorará a equidade.
O Banco Mundial propõe fundir os programas sociais como BPC, aposentadoria rural e salário-família com o Bolsa Família. E diz que esta proposta aumenta a equidade. Eles constatam que, de todos os programas, o Bolsa Família é o mais eficiente e chega realmente aos mais pobres. Fazer essa fusão melhora os outros ou reduz a qualidade do Bolsa Família? Entre seus méritos está o de ser um benefício com contrapartida, que é o de manter a criança na escola. O programa piorou quando relaxou com essa exigência. Misturar tudo pode tirar esse mérito.
Outra proposta é a de que a pessoa demitida saque primeiro o seu Fundo de Garantia em parcelas mensais e só depois receba o seguro-desemprego. O cálculo do Banco Mundial é que isso diminui em 95% esse gasto. Reduzir tanto assim é, na prática, acabar com o programa. Essa proposta exigiria também controlar ainda mais o acesso do trabalhador ao FGTS. O seguro-desemprego é um direito de apenas parte dos trabalhadores. Os que estão no mercado formal. Ele é desigual porque reflete a desigualdade do mercado de trabalho. Mas acabar com ele não é a resposta.
O Brasil cria e reproduz desigualdades nas escolhas que têm feito nas despesas públicas. Esse é um bom diagnóstico. Mas é preciso cuidado na hora de escolher receitas para enfrentar esse velho mal.