Economia
Zeina Latif : Atenção às mulheres
Em um ano eleitoral, é melhor prestar atenção nas demandas das eleitoras
Monica de Bolle: Realismo sem mágica
Entre as principais economias latino-americanas, tem ainda o Brasil as mais altas tarifas efetivas sobre as importações
O título de artigo recente do Financial Times sobre a economia brasileira não poderia ter sido mais gráfico ou duro: “A economia brasileira: de zumbi para walking dead”, ou de zumbi para espécie de múmia ambulante. Discorre a coluna sobre as graves distorções, todas conhecidas – o altíssimo custo de se produzir no País, o patético isolamento comercial, os descalabros das contas públicas, as horas e horas perdidas na preparação de declarações de imposto renda.
O artigo coincidiu com o mais recente relatório da OCDE sobre o País. Os dados são conhecidos, mas quando vistos em conjunto, ainda são capazes de assustar. Há muito o que destacar no realismo duro revelado nas análises rigorosas e desapaixonadas de quem vê o Brasil de fora, enorme contraste com o realismo mágico das avaliações de quem vê o Brasil de dentro.
Segundo a OCDE, o crescimento potencial da economia brasileira, hoje, não passa de 1,5%. Há dez anos, estimava-se que o crescimento potencial do País era de uns 3,7% – nada extraordinário, porém tampouco desprezível. O forte declínio da nossa capacidade de crescer sem descontrole inflacionário ocorreu entre 2011 e 2015, quando aos desvarios econômicos do governo Dilma somaram-se o declínio na população em idade ativa e a produtividade do Brasil.
Extrapolando a tendência dos últimos anos para o médio prazo, o baixíssimo potencial da economia brasileira significa que qualquer crescimento acima de 1,5% pode trazer de volta a aceleração da inflação, hoje ainda contida devido aos efeitos defasados da forte recessão de 2015-2016.
O relatório da OCDE traz outros gráficos e números mostrando o lamentável estado do investimento em infraestrutura, as barreiras para o funcionamento do mercado privado, os gargalos que afetam a capacidade de investir. Contudo, os dados que mais assombram são os relativos ao comércio exterior.
O relatório traz um gráfico sobre a integração de diversos países às cadeias globais de valor – trata-se da página 29 desta apresentação: http://www.oecd.org/eco/surveys/Towards-a-more-prosperous-and-inclusive-Brazil-OECD-economic-survey-2018.pdf. O que lá se vê é o Brasil desconectado de qualquer grande centro onde estão os principais vértices das cadeias globais. O Brasil é bolota verde, cercada por um grande vazio, e conexão única com a Argentina, igualmente solitária. México, Chile, Colômbia, e até Costa Rica têm sólidas ligações com os EUA, que conectam esses países ao resto do mundo.
Entre as principais economias latino-americanas, tem ainda o Brasil as mais altas tarifas efetivas sobre as importações, sobretudo nas compras de bens de capital. Há muito se sabe que há estreita relação entre a importação de bens de capital e a taxa de investimento. Se as importações de bens de capital são caras devido à existência de tarifas onerosas, difícil é acreditar que o investimento brasileiro possa superar os níveis extremamente baixos que nos tornam uma anomalia, inclusive na nossa própria região.
Isso para não falar do fetiche nacional, as regras de conteúdo local, praga de nosso sistema protecionista. Em 2015, tinha o País cerca de 16 regras de conteúdo local aplicadas a diferentes setores, três vezes mais do que a China, dez vezes mais do que o México.
As distorções e o isolamento brasileiros tornam o País especialmente suscetível às mudanças no ambiente internacional. Não à toa há tanta preocupação com a possibilidade de que o governo Trump venha a adotar salgadas tarifas sobre as importações americanas de aço e alumínio.
Ainda que o Brasil seja um grande exportador de aço semiacabado para os EUA – o que significa que a laminação e outros processos que adicionam valor sejam feitos em solo americano, ajudando a criar empregos nesses setores na terra de Trump –, é improvável que isso sirva como pretexto para que o País receba benesses de uma administração cuja sanha protecionista é evidente.
O baque, sobretudo quando se considera que com as tarifas de Trump seremos obrigados a concorrer com a China e com a Rússia na busca de novos mercados, deverá ser grande – e, como mostram os números da OCDE, nós não temos amortecedores para suavizar o impacto.
Realismo mágico é bom na literatura. Aplicado à economia, ele é não só ingênuo como perigoso.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Duas surpresas: Samuel Pessôa
O consumo das famílias cresceu menos do que se esperava, e o investimento superou as previsões
Na quinta (1º) o IBGE divulgou o crescimento da economia no quarto trimestre de 2017 ante o terceiro trimestre. O resultado frustrou um pouco as expectativas. O mercado esperava crescimento de 0,3%, nós no Ibre, de 0,2%, e o indicador foi 0,1%.
A frustração derivou de um crescimento do consumo das famílias menor do que se esperava, de 0,1%, em vez de 0,4%. Esse fato mais do que compensou a surpresa positiva do crescimento do investimento um pouco maior do que o projetado.
Os setores com desempenho abaixo do esperado foram o varejo e “outros serviços”, que são essencialmente serviços prestados diretamente às famílias.
A confiança do empresário tem voltado mais forte, compatível com a melhora do investimento. A confiança do consumidor, contudo, principalmente aquela que aparece no “indicador da situação atual”, ainda opera em níveis baixos.
A recuperação da economia é sólida, mas é lenta. É possível que o esgotamento do impulso fiscal advindo da liberação do FGTS explique a surpresa negativa no consumo.
Outra surpresa neste primeiro bimestre, agora positiva, foi a inflação bem mais baixa do que se esperava. O IPCA de janeiro foi de 0,29%, a prévia da inflação de fevereiro foi de 0,35%, sinalizando fechamento do índice em 0,30%. E é possível que em março a inflação seja de 0,20%. Ou seja, com as informações disponíveis até hoje, a inflação no primeiro trimestre será ao redor de 0,8%.
No relatório de inflação de dezembro, o Banco Central esperava inflação de 1,4% para o primeiro trimestre. É possível, portanto, que o ano se inicie com surpresa desinflacionária de 0,6 ponto percentual.
A maior parcela dessa surpresa desinflacionária tem ocorrido em serviços, item mais sensível à política monetária. Adicionalmente, pelo segundo ano consecutivo os modelos econométricos têm tido dificuldade de acompanhar a queda da inflação.
Há possibilidade real, apesar de não ser o cenário básico, de fechar o ano com inflação abaixo do piso de 3% estabelecido pelo regime de metas.
Aparentemente, a dinâmica da inflação brasileira mudou. É possível que a ociosidade da economia seja maior do que se imagina, provocando, portanto, maior força desinflacionária.
Adicionalmente, ocorreu uma alteração do regime de política econômica desde 2015, com o ajuste do ministro Joaquim Levy. Em um primeiro momento, em razão do ajuste do câmbio —necessário, pois o déficit externo em 2014 foi de 4,5% do PIB— e do descongelamento do preço da gasolina e de outras tarifas públicas, a inflação aumentou.
Demorou para cair em razão da elevada inércia e da baixa credibilidade do Banco Central à época. Passados esses fatores, estamos diante de um novo regime de política econômica.
Política fiscal e, principalmente, parafiscal (crédito dos bancos públicos), contracionista e maior credibilidade do Banco Central. É possível que, no novo regime de política econômica, o juro neutro seja substancialmente menor.
Juntando todos esses elementos, aparentemente mudou o processo de formação da inflação brasileira. Parece que navegamos mares desconhecidos. É, por um lado, uma boa notícia, pois ao longo da nossa história sofremos muito com inflações elevadas, e a novidade é que ela está surpreendentemente baixa. Por outro lado, esse novo regime demandará muito esforço de entendimento e abertura mental por parte da autoridade monetária.
Evidentemente, nada disso se manterá se não fizermos a reforma da Previdência.
* Samuel Pessôa é formado em física e doutor em economia. É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
Míriam Leitão: Futuro do PIB
Dentro de um ano, o país estará diante de um número melhor do que o 1% que colheu esta semana. O PIB de 2018 deve ficar, segundo as previsões dos economistas, em torno de 3%. Mesmo com o extremo nevoeiro do cenário político, o país deve dar mais alguns passos na recuperação do produto perdido. O consumo vai subir e até o investimento será positivo.
O crescimento de 2017 foi baixo e concentrado na agricultura, e o único fato a comemorar foi o fim da recessão de 2014-2016. Os indicadores foram positivos, mas magros, e não se sentiu a mesma temperatura em toda a economia. Em 2018, o PIB deve ser mais forte e espalhado pelos demais setores. A agricultura, por ter crescido muito no ano passado e batido recorde de produção, deve encolher 3%. Porém, as projeções estão ficando melhores do que as iniciais. Mesmo sendo menor do que a do ano passado, a colheita de grãos deve ter o segundo maior nível da história: 226 milhões de toneladas. Isso terá outros efeitos benéficos na economia, apesar de estatisticamente o setor entrar na conta com um sinal negativo.
Um dos pontos positivos será manter a recuperação do consumo. As famílias vão consumir mais pela soma de vários fatores positivos: a inflação está baixa, está havendo aumento discreto da renda mesmo com o quadro do desemprego. Os dissídios estão conseguindo reajuste acima da inflação. Haverá nova queda do comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas. E, como já foi dito aqui, isso significa um aumento de R$ 100 bilhões liberados para o consumo ou poupança, segundo projeção do BNP Paribas.
Uma coisa são os índices agregados, outra é o que os empresários sentem na ponta da produção. Pegue-se por exemplo embalagem para margarina. O Brasil consome 220 milhões de embalagens de margarina por mês. Um número espantoso, mas é esse mesmo. Segundo a empresa Fibrasa, um dos produtores dessas embalagens, com duas fábricas, no Espírito Santo e em Pernambuco, o consumo está parado e até teve uma pequena queda na demanda em fevereiro. A saída desta recessão será assim, com idas e vindas.
Prova disso é a indústria. Ela dará um susto na semana que vem. Na terça-feira, será divulgada uma queda na produção industrial de janeiro e há projeções de tombo de 3%. Na língua própria dos economistas, ela vai “devolver a surpresa positiva de dezembro”. Mas ela está saindo do buraco, como mostra a redução da capacidade ociosa. A indústria caiu 13 trimestres consecutivos e terminou 2017 em zero, mas teve números positivos a partir de meados do ano passado. A previsão é de que suba 4,6% no ano, segundo o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Serviços, também pela previsão do Itaú, ficará em 3%.
Os investimentos devem voltar para o azul, depois de quatro anos consecutivos de recuo. A expectativa é de alta de 5%. Só que estará longe de recuperar-se da perda de mais de 25%. Os empresários não farão grandes investimentos porque não confiam que esteja se iniciando um período de crescimento sustentado, mas pelo menos estão substituindo máquinas e equipamentos que ficaram antigos e sofreram o desgaste de uso.
Certas consultorias e bancos preveem um crescimento do PIB até maior do que 3%. A MB Associados, por exemplo, acredita que a alta será de 3,5%. O Itaú estima uma taxa mais forte em 2019, de 3,7%, mas no seu cenário conta com a eleição de um governo que aprove a reforma da Previdência no primeiro ano de mandato.
Esse é o grande problema das estimativas para o crescimento. O impulso que vai ganhar corpo em 2018 pode se transformar em voo de galinha se o problema fiscal não for resolvido. Os economistas explicam que a recuperação, neste momento, é “cíclica”, ou seja, está apenas repondo o que foi perdido pela crise. Por isso, não é sustentável sem que o governo enfrente o problema do rombo em suas contas. O raciocínio de economistas como Fernando de Holanda Barbosa Filho, da FGV, que entrevistei esta semana na Globonews, é que até aqui o estímulo monetário empurrou a economia para fora da recessão, mas a política fiscal precisa fazer parte do esforço de crescimento e, para isso, o ajuste das contas é fundamental. Ele arrumará a casa para um novo período de crescimento.
Money Report: Ajuste fiscal demanda esforço de R$ 350 bilhões, diz Felipe Salto, da IFI
Por Humberto Maia Junior
Qual o efeito da não aprovação da reforma da Previdência nas contas públicas?
Não diria que é um cenário de terra arrasada. A reforma da Previdência volta ano que vem como um tema de primeira grandeza porque a prioridade no ajuste fiscal continua muito evidente. E o ajuste só será realizado plenamente se avançarmos na agenda dos gastos obrigatórios, não focando apenas nas despesas previdenciárias, mas também em gastos com pessoal. Caso contrário, o risco de descumprimento da Lei do Teto dos Gastos em 2019 é alto.
Qual o esforço fiscal o governo terá de fazer?
O superávit primário para estabilizar a dívida em 86,6% do PIB está na casa dos 2,5% do PIB. Dado que temos um déficit primário, o esforço fiscal para isso seria de 4,5 pontos percentuais do PIB. Isso exige um esforço de cerca de R$ 350 bilhões. Para efeito de comparação, o orçamento do Bolsa Família é de R$ 30 bilhões e o déficit da Previdência ficou em R$ 268,7 bilhões ano ano passado, incluindo INSS e setor público. Ou seja, é um esforço muito grande. Por isso a agenda fiscal precisa ser prioridade do próximo governo.
E que medidas o governo poderia adotar?
A IFI não dá recomendação de política, mas pode discutir o cardápio. Atacar salários e benefícios acima do teto do funcionalismo e rever algumas transferências sociais são medidas que precisam ser debatidas. O gasto público com pessoal, incluindo inativos, corresponde a 4,5% do PIB, enquanto investimentos não passam de 0,8% do PIB. Como se reduz esse custo? Congelando reajustes. Também precisamos discutir o custeio da máquina pública. Eu fiz um estudo com o Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas, que mostrou que o setor público paga um sobre preço médio de 30% em compras na comparação com o setor privado. Essa diferença, que pode ser zerada com mais eficiência nas compras governamentais, significaria uma economia de cerca de R$ 140 bilhões em dez anos. Também temos que olhar para a receita. Vemos muito espaço para melhorar a eficiência da arrecadação e reduzir a regressividade, que prejudica os mais pobres.
No Brasil, ajuste fiscal é identificado como uma agenda de conservadores que defendem o Estado mínimo. Faz sentido isso?
Questão fiscal não é ideológica, é questão de sobrevivência do Estado. Se você pegar o pessoal sério, da direita e da esquerda, todos pensam em como resolver a questão fiscal. Há divergências em relação ao caminho a ser adotado. Estado com contas em frangalhos perde a capacidade de investimentos e de adotar medidas para estimular a economia, o que é ruim para todos.
O senhor acredita que o tema será debatido na eleição, ao contrário do que ocorreu em 2014?
Acho que sim. Diferente de 2014, não há espaço para um político prometer “terrenos na Lua”. Quem fizer isso será classificado como irrealista. Até pessoas menos informadas sabem que estamos vivendo uma crise fiscal.
Mas a impressão que passa é que o Congresso não viu a urgência do tema.
Há uma preocupação com o tema. E a própria criação do IFI é uma prova disso, já que estamos ligados ao Senado. Há uma visão mais realista de que não dá para continuar empurrando o problema. Sem o ajuste fiscal faltarão recursos para fazermos o mínimo. O país já passou por crises mais sérias no passado. Mas, do ponto de vista fiscal, a atual é uma das mais graves.
Então por que o Congresso nem sequer votou a reforma da Previdência?
Nossos políticos refletem a sociedade. Nós, técnicos, podemos ter boas soluções, mas é a política que define. O que falta não é a conscientização da classe política, mas do país como um todo. A reforma da Previdência reflete isso. Precisamos explicar melhor à sociedade. Se fizermos isso, ela vai apoiar. Houve problemas na comunicação para explicar a importância do tema. E, também, fica mais difícil aprovar uma reforma como essa se outros setores continuam com privilégios.
Míriam Leitão: Ritmo da economia
Quando o IBGE divulgar o PIB de 2017, no dia 1º de março, o número deve ficar em torno de 1%, mas o resultado do último trimestre ficará pequeno, entre 0,1% e 0,3% em comparação com o terceiro. Vai parecer que o PIB está desacelerando. Mas os economistas acreditam que a economia está ganhando fôlego. As famílias vão gastar R$ 100 bilhões a menos com dívidas e isso alavancará o consumo em 2018.
O Itaú Unibanco estima que o PIB do quarto trimestre subiu apenas 0,1% em relação ao terceiro. O Bradesco e o BNP Paribas projetam 0,3%. Por essa forma de se olhar, a economia parece estar perdendo vigor, já que no primeiro trimestre houve uma forte alta de 1,3%, seguida de um número de 0,7%, no segundo, e de 0,1% no terceiro. O problema, explicam os economistas, é que o crescimento da agropecuária ficou concentrado no primeiro trimestre e agora está “roubando” PIB dos outros trimestres, do ponto de vista estatístico:
— O quarto trimestre deve ser baixo, em relação ao terceiro, mas por uma questão estatística. O PIB da agricultura ficou concentrado no primeiro trimestre e por isso ele ficou negativo nos outros três. Mas quando a gente olha para as outras duas formas de comparação do PIB, sobre o trimestre do ano anterior e no acumulado em 12 meses, a tendência de aceleração é clara — explica o economista Artur Passos, do Itaú.
A taxa em 12 meses, de fato, mostra isso. Depois de afundar 4,6% no segundo trimestre de 2016, o PIB ficou cada vez menos negativo a cada trimestre e fechará 2018 com uma alta em torno de 1%, voltando para o azul pela primeira vez desde 2014. Em 2018, continuará acelerando, podendo fechar em 3%, como estimam tanto o Itaú quanto o BNP Paribas, ou até mais.
— O índice de difusão do PIB, calculado pelo Itaú, que mostra quantos setores estão crescendo, estava em 46% em janeiro. Em novembro já havia subido para 54%. O crescimento está mais espalhado — completa Passos.
O economista Gustavo Arruda, do banco BNP Paribas, aposta que o crédito será uma das alavancas para o crescimento. Ele chama atenção para a queda do endividamento das famílias, que irá liberar renda para o consumo. O Banco Central tem um indicador que mede o comprometimento da renda mensal com o pagamento de dívidas. Em dezembro, ele caiu para 20%, o percentual mais baixo desde 2011. Pela estimativa do BNP, o número continuará caindo este ano, para 18,5%, o que significa R$ 100 bilhões a menos de gastos com dívidas em 2018 em relação a 2017.
— A média entre 2011 e 2016 foi de 22% de comprometimento da renda com pagamento de dívidas. Agora, já percebemos uma queda mais acentuada e isso vai continuar. É significativo o impacto disso no consumo — explicou.
O grande problema continuará sendo o desemprego. Apesar das estimativas de queda ao longo deste ano, e com mais criação de vagas formais, não há qualquer projeção de que a taxa, que hoje está em 11,8%, volte rapidamente aos patamares anteriores à crise. O presidente da Associação Brasileira da Indústira Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, conta que o seu setor perdeu 130 mil vagas entre 2015 e 2016. No ano passado, abriu apenas 2 mil postos e este ano deve gerar 20 mil:
— Se esse ritmo for mantido, o setor vai precisar de mais seis anos para recuperar o que perdeu. As empresas aprenderam a ficar mais “magras”, ou seja, a produzir mais com menos funcionários. E, além disso, há as incertezas na economia e na política que têm travado os investimentos em novas plantas.
A reforma trabalhista, diz Pimentel, é positiva, mas ainda vai precisar de uns 4 ou 5 anos para ser pacificada nos tribunais. Esse é o tempo estimado para que a Justiça julgue as ações da nova legislação e crie uma jurisprudência que retire as dúvidas sobre as novas regras.
— A reforma foi muito positiva porque viabiliza a formalização de outras formas de emprego e de relação entre empregador e empregado. Mas levará tempo para se ter um panorama mais claro sobre os seus efeitos — disse Pimentel.
A economia está em recuperação. As travas para uma retomada mais rápida continuam sendo a incerteza política e a ausência de solução para o desequilíbrio crônico das contas públicas.
Economia brasileira: Notas breves sobre as décadas de 1960 a 2020
Este texto reúne notas breves sobre as sucessivas décadas da economia brasileira, de 1960 a 2020, escritas para livro comemorativo dos 60 Anos da Itaú Asset Management
DÉCADA DE 1960
Por André Lara Resende
No início dos anos 1960, as tensões entre o esforço desenvolvimentista e a falta de mecanismos institucionais para criação de poupança atingiram o ponto de ebulição. Desde a metade dos anos 1940, a partir da controvérsia entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, duas visões alternativas de como proceder para recuperar o atraso da economia tinham se consolidado. O liberalismo tecnocrático acreditava que a estabilidade monetária e os mecanismos institucionais indutores da formação e da canalização da poupança para o financiamento do investimento eram pré-condição para o desenvolvimento sustentado. O nacional-desenvolvimentismo defendia a ação empresarial do Estado e considerava a inflação, não necessariamente como um fator inibidor do crescimento, mas como uma forma de viabilizar o investimento estatal.
Embora a vitória intelectual na chamada Controvérsia do Planejamento, entre Gudin e Simonsen, tenha sido inegavelmente do liberalismo de Gudin, a vitória política foi do nacional-desenvolvimentismo de Simonsen. Desde a primeira tentativa de estabilização monetária, ainda no governo Café Filho em 1954, sob a liderança do próprio Eugênio Gudin na Fazenda, até o último esforço de estabilização monetária antes do regime militar, o Plano Trienal sob a coordenação de Celso Furtado, todas as tentativas de controlar a inflação enfrentaram insuperáveis resistências políticas e sociais. Todas as tentativas de implementar um programa de estabilização da inflação e das contas públicas foram abandonadas antes de atingir seus objetivos.
O sucesso do nacional-desenvolvimentismo, na segunda metade da década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, reforçou a percepção de que o desenvolvimento requeriria uma economia fechada à competição externa e que o processo de industrialização acelerada, baseado na substituição das importações e nos investimentos estatais, dispensaria um arcabouço institucional que induzisse à formação de poupança. A economia efetivamente cresceu e o país se industrializou, mas sem as bases institucionais para o financiamento do investimento, esteve sempre ameaçado pelo desequilíbrio externo e pela pressão inflacionária. Nos primeiros anos da década de 1960, a crescente instabilidade política e a aceleração da inflação intensificaram as tensões.
Ao tomar posse em janeiro de 1961, Jânio Quadros defrontou-se com a herança macroeconômica do período Kubitschek. Sem mecanismos institucionais para a criação de poupança, o esforço de industrialização acelerada provocara profundos desequilíbrios internos e externos. O tímido esforço de enfrentar o desequilíbrio externo, sem um programa de estabilização coerente, associado a uma base de sustentação política frágil, levou à renúncia de Quadros e ao colapso de seu governo em agosto de 1961. Seguiu-se um período de intensa turbulência política e instabilidade econômica, com a instauração do parlamentarismo, a volta do presidencialismo, até a instauração do regime militar em março de 1964. Entre janeiro de 1961 e março de 1964, o país teve três presidentes e seis ministros da fazenda, a economia se estagnou e chegou à beira da hiperinflação. A incapacidade de levar a cabo um programa de estabilização bem-sucedido explica-se, tanto pela turbulência política, quanto pela falta de consenso dos formuladores de políticas públicas em relação à estabilidade monetária como condição para o crescimento sustentado. Em março de 1964, o regime militar destituiu o governo de João Goulart. Alguns meses depois, sob a coordenação de dois expoentes do liberalismo tecnocrático, Roberto Campos e Otávio Gouvea de Bulhões, respectivamente nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, foi anunciado um ambicioso plano de estabilização. O Programa de Ação Econômica do Governo, (PAEG), listava entre seus objetivos conter o processo inflacionário, reequilibrar as contas externas e retomar o crescimento da renda e do emprego.
Para isso pretendia reduzir o déficit do governo e fortalecer a capacidade de poupança, através de uma política tributária que levasse ao aumento da arrecadação e de uma política monetária que a fortalecesse o sistema creditício. Estava claro que os formuladores do PAEG subscreviam o diagnóstico liberal ilustrado, segundo a formulação original de Gudin, mas não se pautavam integralmente pelos cânones da ortodoxia monetária da época. Estavam convictos de que não poderia haver crescimento sustentado sem mecanismos institucionais de formação e canalização da poupança, mas suas intenções demonstravam excessiva preocupação com a rápida recuperação do crescimento.
Tinham consciência de que o combate à inflação deveria ser gradualista e que a estabilidade do sistema financeiro deveria ser preservada. Seu diagnóstico apontava para a incompatibilidade entre as parcelas reinvindicadas pelo Estado, pelas empresas para investimento e pela sociedade para consumo, como causa do quadro de desequilíbrio inflacionário. A inflação era entendida como resultado da “inconsistência da política distributiva”. A despesa pública era superior ao arrecadado através do sistema tributário e a política salarial era incompatível com a propensão a investir. A expansão monetária era entendida como apenas sancionadora dos desequilíbrios decorrentes da “inconsistência da política distributiva”. A adoção de uma fórmula de reajustes salariais que restabelecia, não o pico, mas o salário real médio dos últimos 24 meses anteriores ao mês do reajuste, foi peça fundamental para que a escalada inflacionária fosse interrompida sem aumento significativo do desemprego. A compreensão de que, mesmo com reajustes periódicos baseados na inflação passada, o salário real médio é função decrescente da taxa de inflação, e não pode ser corrigido pelo pico sem perpetuar a espiral inflacionária, foi contribuição intelectual do jovem Mário Henrique Simonsen, para o PAEG.
A política econômica do primeiro governo militar foi muito além do receituário ortodoxo simplista. Do diagnóstico à implementação, os formuladores do PAEG deixaram claro ter convicção da importância de reformas institucionais, sem as quais não haveria estabilização monetária nem crescimento sustentável. Três áreas foram destacadas como os principais pontos de estrangulamentos institucionais: primeiro, a precária estrutura tributária; segundo, a inexistência de um mercado de capitais e o mercado de crédito subdesenvolvido; e, por último, as ineficiências provocadas pela economia fechada e as restrições ao comércio internacional. As bem estruturadas e modernizantes reformas institucionais implementadas pelo PAEG serviram de base para o período de rápido crescimento observado já a partir de 1968.
Infelizmente, concluída a estabilização, os governos militares retomaram a cartilha nacionaldesenvolvimentista, baseada na economia fechada e nas empresas estatais. Quando, na segunda metade da década de 1970, os desequilíbrios das contas externas e as pressões inflacionárias reapareceram, agora combinados com a correção monetária, instituída para tentar viabilizar o mercado de capitais com o resíduo inflacionário, estava montado o quadro para quase duas décadas de estagnação e de aceleração inflacionária.
DÉCADA DE 1970
Por Pedro S. Malan
O Brasil ingressou na década dos 70 em invejável situação macroeconômica. Ao encerrá-la, encontrava-se em situação insustentável, cuja superação demandaria pelo menos outra década. Este artigo discute os marcos essenciais desse impressionante movimento pendular.
O ano de 1970 encontrou o Brasil já no terceiro ano do que viria a ser o mais forte ciclo de expansão de sua economia no século XX. Em seis anos (1968-1973) o país cresceu a uma taxa média anual de mais de 10% em termos reais. O crescimento da indústria superou 13% ao ano e alcançou 15% (1968 e 1973). A inflação declinou de cerca de 25% para cerca de 15% ao final do período. O balanço de pagamentos foi superavitário em cada um desses seis anos e levou à simultânea acumulação de reservas internacionais (de U$200 milhões ao final de 1967 para U$6,4 bilhões em 1973) e de dívida externa (de U$5,3 para 12,6 bilhões). As importações de bens de capital e de insumos intermediários foram sempre superiores a 75% da pauta total, sem prejuízo à indústria instalada: a produção doméstica de bens de capital cresceu a uma média de cerca de 20% ao ano em termos reais no período.
Esse desempenho espantoso foi possível devido a conjunção inédita de fatores domésticos e internacionais. A expansão do volume de comércio global foi mais que o dobro da taxa de crescimento entre 1968 e 1973. As exportações globais em dólares cresceram a 18% ao ano; as brasileiras, 25%. (Vinham de base muito baixa: os U$1,7 bilhões de 1951, devidos à alta dos preços do café do início dos anos 50, somente foram superados em 1968). As importações cresceram 27% no período.
Foi igualmente fundamental a retomada gradual, a partir dos anos 60, dos fluxos internacionais de capitais privados, praticamente inexistentes desde a crise de 1929. O retorno à plena conversibilidade das principais moedas europeias (a partir de 1959) e do Yen (a partir de 1964) conferiu impulso aos fluxos de comércio como a seu financiamento; e também, em escala crescente, ao financiamento privado de déficits em conta corrente do balanço de pagamentos.
Ainda mais determinante foi o fato de esse contexto internacional favorável ter coincidido com importantes mudanças no “front” doméstico:
1.a) Avanços institucionais e legais introduzidos nos anos 60 nas áreas tributária, (instituição do imposto sobre valor agregado - ICM), da dívida pública (títulos do Tesouro), trabalhista (introdução do FGTS) e na legislação habitacional; e, não menos importante, no sistema financeiro (criação, em 1965, do Banco Central).
1.b) A recuperação da economia baseada na utilização de capacidade instalada gerada no ciclo de investimentos da era Kubitschek, que tivera utilização reduzida no conturbado período de 1962-1966.
1.c) A política econômica pós-1967, caracterizada por pragmatismo e aposta na aceleração do crescimento da produção doméstica e das exportações, ajudada pelo contexto interacional e por uma política de minidesvalorizações do câmbio (crawling peg ) a partir de 1968; o resultado foi uma expansão nominal do crédito ao setor privado superior a 40% na média do período 1969-1973, para uma inflação inferior a 20%.
O ano de 1973 foi um divisor de águas. Marcou o fracasso do arranjo monetário internacional acordado em Bretton-Woods em 1944 - o dollar-gold exchange system , ou sistema de taxas fixas – mas – ajustáveis”, ancoradas em uma relação fixa entre o dólar e o preço do ouro. Desde o início de 1973 ficou claro que o mercado teria que mudar para um sistema de taxas flexíveis entre as moedas relevantes, e que o ouro havia se transformado na relíquia bárbara a que se referiu Keynes. As consequências foram históricas, e o dólar se desvalorizou cerca de 30% em relação às principais moedas do mundo. Somou-se a esse quadro a quase quadruplicação dos preços internacionais do petróleo, decidida pela Organização dos Países Exportadores do Petróleo ao final do ano. Esses preços haviam permanecidos relativamente estáveis nos anos 50 e 60, subido ligeiramente com o “boom” da economia global no início dos anos 70; e encontravam-se em torno de U$3 no início de 1973. Como eram denominados em dólar, a desvalorização dessa moeda representava perdas para os exportadores do petróleo. A guerra do Yom Kippur em fins de 1973 e a decisão de elevar os preços via controle da oferta levaram o barril do petróleo a U$12 ao final do ano. O Brasil importava mais de 80% do consumo doméstico de petróleo; de cerca de 10% da pauta total de importações, o produto passou a representar, abruptamente, mais de 25%.
Haveria ainda um fato novo e de maior importância para países que, como o Brasil, procuravam diferir no tempo os inevitáveis custos do ajuste derivados do choque dos termos de troca e da resultante perda de renda real. A “reciclagem” dos superávits comerciais dos países exportadores de petróleo através dos grandes bancos internacionais privados permitiu a esses países, Brasil incluído, passar de uma fase de “growth led debt” (1968-1973) para fase de “debt led growth” (1974-1980). Nossa dívida externa saltou de U$12,6 bilhões em fins de 1973 para U$ 50 bilhões em 1979, dos quais U$34 bilhões constituídos por empréstimos em moeda, concedidos a taxas de juros flutuantes.
Durante o Governo Geisel (1974-1978), o recurso ao endividamento externo e a adoção de medidas de estímulo às substituições de importações, incluindo notadamente o Pro-Álcool, permitiram que a taxa média de crescimento da economia continuasse expressiva até o final da década: 8,2% em 1974 aos 6,8% de 1979, incluindo surpreendentes 10,3% em 1976. Entre 1974 e 1978 os preços internacionais do petróleo permanecerem praticamente constantes e, portanto, declinantes em termos reais dada a inflação global acelerada pelo primeiro choque. Alguns analistas consideraram satisfatório o ajustamento dos balanços de pagamentos.
No entanto, o déficit do balanço de pagamentos em conta corrente acumulado de 1974 a 1979 chegou a U$ 40 bilhões, financiados por ingressos via conta de capital praticamente da mesma magnitude. Sem perdas de reservas internacionais, mas com aumento do endividamento externo. Esse desequilíbrio expressava um nível de gastos (público e privado, em consumo e investimento) e distribuição de renda incompatíveis com o crescimento da economia com inflação sob controle. Tratava-se da recorrente armadilha macroeconômica brasileira - inflação e desequilíbrio do balanço de pagamentos como resposta a tentativas de aumentar a demanda, na expectativa de pronta resposta da oferta doméstica. Dois dramáticos choques externos foram mortais para a aposta no ajuste via crescimento com endividamento externo “transitório”: a drástica elevação dos juros americanos, decidida pelo Fed em 1979; e o segundo choque dos preços do petróleo, que os levou para mais de U$30 por barril em fins de 1979.
O Brasil entraria nos anos 80 com desequilíbrios, externo e interno, insustentáveis. Expressos, o primeiro, por déficits potenciais no balanço de pagamentos não mais financiáveis através de ingressos via conta de capitais, além de uma dívida externa impagável nos termos (prazos e taxas de juros flutuantes) contratados. O segundo, por uma taxa anual de inflação que evoluíra de menos de 20% no início dos 70 para cerca de 40% em meados da década; e que, ao final de 1979, caminhava para três dígitos, como de fato chegou em Ano em que a década, que começara tão auspiciosamente, terminou em situação insustentável. Mas essa é outra história.
DÉCADA DE 1980
Por Mário Mesquita
Os anos 1980 marcaram uma dupla transição para a economia e sociedade brasileira. Sob o ponto de vista político-institucional, a década marcou a transição do regime autoritário para a democracia, cujos símbolos maiores foram a assembleia constituinte eleita em 1986 e seu produto, a Constituição de 1988. Infelizmente, sob o ângulo econômico a década marcou também uma inflexão negativa da taxa de crescimento brasileira. Foi, também, um período marcado por fortes e recorrentes intervenções (altamente discricionárias) do estado na economia, nada menos que quatro planos heterodoxos, com congelamento mandatório de preços, e alterações também voluntaristas e unilaterais das regras que regiam a remuneração dos investimentos. Houve um forte aumento da instabilidade nas equipes econômicas, ainda que, especialmente na segunda metade da década, muitas das políticas, de corte fortemente heterodoxo, fossem similares.
Do ponto de vista de orientação geral da política econômica, a década tem um divisor de águas claro em 1985. A política econômica do governo Figueiredo, depois do fracasso da tentativa de fuit en avant de 1979-80, voltou-se quase que exclusivamente para o ajuste externo, em especial após a eclosão da crise da dívida latino-americana em 1982 – cuja gestação, cabe assinalar, ocorreu na década anterior, quando governos da região, inclusive o nosso, apostaram em uma estratégia de crescimento com endividamento externo que aumentou em muito a vulnerabilidade a um possível aperto monetário nos EUA, o que acabou ocorrendo. Sob o ponto de vista do reequilíbrio externo, a política foi exitosa, o déficit em conta corrente saiu de 5,4% para um superávit de 0,1% do PIB entre 1980 e 1984, ainda que ao custo de uma recessão, com taxas de crescimento anuais médias de -0,3% entre 1981 e 1984, ante uma média de 6,5% no quadriênio anterior.
Adicionalmente, as medidas de ajuste cambial, notadamente a maxidesvalorização de fevereiro de 1983, em ambiente de indexação intensa, contribuiu para aumentar a inflação anual da faixa de 100% para a de 200% (mais especificamente, 99,3% em 1980 a 215,3% em 1984).
Na segunda metade da década, já sob o regime civil, a prioridade voltou-se para o combate à inflação. Mas tratava-se de um combate à inflação de corte puramente heterodoxo, com seguidas tentativas de desindexação da economia sem grande apoio das políticas de demanda, fiscal e monetária, seja por questão de viés de diagnóstico ou de falta de suporte político – políticas de demanda contracionistas eram, e seguem sendo, tabu para certas correntes de economistas que tinham grande influência na época. O resultado é conhecido, aumento da volatilidade e do nível da inflação, crescente dificuldade no financiamento da dívida pública e a moratória da dívida externa de 1987.
O crescimento médio da economia retrocedeu para 2,9% (1980-89), ante 8,8% na década anterior, um declínio liderado pelo setor industrial. A queda da produtividade, seja em termos absolutos ou relativos, frente ao comportamento da mesma em economias na fronteira tecnológica, como os EUA, foi provavelmente consequência do aumento das barreiras comerciais, crescimento do peso das empresas estatais, e favorecimento à substituição de importações no segmento de bens de capital (com produtos mais caros e menos eficientes do que os importados), que caracterizou a política de industrialização forçada dos anos setenta.
Sem resolver o problema da dívida externa, muito menos controlar a inflação, e com uma forte desaceleração do crescimento, a década de 1980 foi mesmo, do ponto de vista econômico, uma década perdida – em contraste com o grande avanço das liberdades democráticas. Mas, cabe reconhecer, assim como as raízes da abertura e transição política remontam ao renascimento da oposição civil a partir das eleições de 1974, a deterioração da performance da economia vivida nos anos 1980 teve em parte origem nos erros estratégicos e táticos da gestão econômica da década anterior.
DÉCADA DE 1990
Por Edmar Bacha
Turbulência e transformação. Dois termos que sintetizam a evolução da economia brasileira na década de 1990. Ela se abriu com as mais altas taxas de inflação da história brasileira. Era a antecipação do congelamento de preços que se esperava com a posse de Fernando Collor na presidência em março de 1990.
O choque foi maior do que o esperado. O Plano Collor incluiu um inédito confisco da riqueza financeira dos brasileiros, na visão canhestra de que um tiro de canhão desse porte daria cabo da hiperinflação. Seguiu-se uma queda temporária da inflação, acompanhada da mais profunda recessão até então experimentada pelo país. O congelamento de preços e salários pouco durou e as chamadas torneirinhas monetárias logo tiveram que ser abertas, devolvendo aos brasileiros o dinheiro que lhes havia sido subtraído. Houve uma retomada na economia, mas também o retorno de uma virulenta inflação. No entremeio, o governo Collor introduziu duas importantes novidades na condução da economia brasileira: privatização das empresas estatais e abertura às importações.
Acusado da montagem de um amplo sistema de corrupção, para não ser destituído Collor renunciou à presidência no final de 1992. Substituiu-o seu vice-presidente, Itamar Franco, que em sete meses trocou por três vezes o ministro da fazenda, aparentemente incapaz de encontrar uma maneira de lidar com uma inflação descontrolada. Mas, num golpe de mestre, em maio de 1993 convocou Fernando Henrique Cardoso, até então seu ministro das relações exteriores, para o ministério da fazenda. Este trouxe para o ministério e o banco central economistas que, na PUC-Rio, vinham há anos estudando formas de lidar com a superinflação brasileira. Alguns deles haviam participado do Plano Cruzado em 1986. O Plano Real foi estruturado e uma bem-sucedida reforma monetária introduzida em julho de Depois de quinze anos da mais alta inflação acumulada da história mundial em tempos de paz, o Brasil conquistou a estabilidade de preços e uma nova era se abriu para o país.
Na esteira do sucesso do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da república no final de 1994 e reeleito em 1998. Seus oito anos na presidência foram um período de profundas transformações no país: estabilização de preços, retomada do crescimento, renegociação da dívida externa, saneamento do sistema bancário, redefinição do papel do Estado na economia, lei de responsabilidade fiscal, autonomia operacional do Banco Central, recuperação do poder de compra dos salários, ampliação da escolaridade, fortalecimento do sistema de saúde, introdução dos programas de transferência condicionada de renda.
Também foram anos de extraordinária turbulência na interação dos mercados financeiros internacionais com os países emergentes. Após uma expansão desmesurada da entrada de capitais estrangeiros nesses países, as consequências negativas do endividamento externo excessivo se manifestaram de forma sucessiva: crise mexicana em 1995, crise do sudeste asiático em 1997, crise russa em 1998.
O Brasil foi atingindo por essas turbulências num período em que a estabilização de preços ainda se consolidava. Sob a pressão de gastos públicos crescentes, apesar de aumento dos impostos o superávit primário das contas públicas se evaporou. O governo procurou então se ancorar numa taxa de câmbio apreciada e em juros elevados. Em consequência, piorou a balança comercial e aumentou o peso da dívida no déficit público.
O Brasil passou a ser a bola da vez do mercado financeiro internacional. Sob a pressão de uma fuga de capitais, o esquema de política econômica não conseguiu se sustentar. A economia estancou em 1998 e o câmbio administrado sucumbiu em janeiro de 1999.
O último ano da década foi de redefinição da política econômica. Em março de 1999, estabeleceram-se novas regras para as políticas cambial, monetária e fiscal: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário nas contas do governo. Após alguns meses de turbulência, a tempestade se amainou. O país estava então preparado para colher os frutos das auspiciosas transformações porque passou na turbulenta década de 1990.
DÉCADA DE 2000
Por Ilan Goldfajn
A década de 2000 foi um período rico em acontecimentos relevantes. No âmbito internacional, foi a década do boom de commodities e do forte crescimento global, com impactos no Brasil. Mas também foi a década da crise financeira internacional e da estagnação que se seguiu. Internamente, foi a década do sucesso do tripé macroeconômico e das reformas microeconômicas, mas terminou com uma mudança de direção que culminaria, na década seguinte, com o experimento fracassado da Nova Matriz Econômica.
Foi essa sequência de políticas econômicas domésticas, adotadas ao longo da década, que determinou o desempenho macroeconômico nesse período e também fundamentou o que se seguiu. A adoção do tripé macroeconômico e as reformas microeconômicas tornaram a economia mais sólida, o que permitiu que o crescimento global levasse ao crescimento acelerado entre 2003 e 2010 no Brasil. Já a partir de 2006, com a troca no comando da equipe econômica, houve mudança de direcionamento. Intervenção e expansionismo em excesso, sob o pretexto de se contrapor à desaceleração global, pesaram sobre a economia brasileira na década seguinte.
Na década de 2000 se consolidaram os três grandes pilares do famoso tripé macroeconômico:
(i) a implantação do sistema de metas para a inflação em 1999, que proporcionou um regime de política monetária que combinava flexibilidade e credibilidade, tendo como principal objetivo atingir metas para a inflação;
(ii) a consolidação fiscal, com o estabelecimento de metas de superávits primários e o acordo com os Estados, além da importante aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em maio de 2000, que promoveu o equilíbrio das contas públicas; e
(iii) o estabelecimento do regime de câmbio flutuante, que permitiu absorver choques ao longo da década.
Além do tripé macroeconômico, o esforço do governo entre 2003 e 2006 na implementação de reformas microeconômicas – como a nova lei de falência, a introdução do crédito consignado, as mudanças das regras para alienação fiduciária e o aperfeiçoamento do patrimônio de afetação e do valor incontroverso – contribuiu para o aumento da produtividade que se seguiu.
Em termos de resultados imediatos, a década foi um sucesso. As reformas microeconômicas aliadas ao cenário externo de forte crescimento global e elevação do preço das commodities entre 2003 e 2010 marcaram fortemente o desempenho da economia brasileira. O crescimento médio foi de 4,6% ao ano nessa década e foram obtidas importantes conquistas sociais – como a redução da desigualdade da renda do trabalho, com queda de 10% do índice de Gini, e a queda de 29% da pobreza.
Esse sucesso na redistribuição da renda e na queda da pobreza se deveu ao forte crescimento do salário real e do emprego na década. Mas se deveu também, à rede de proteção social, com a criação do Bolsa Família, em 2003, que colocou sob um mesmo arcabouço várias iniciativas que haviam sido testadas nos anos anteriores. O consequente crescimento de renda da população deu suporte à entrada no mercado de consumo de milhões de brasileiros.
A bonança internacional e as políticas adotadas no começo da década permitiram a reconquista da confiança dos investidores internacionais. O declínio da dívida bruta e da dívida líquida, como percentual do PIB, a acumulação de reservas internacionais e liquidação da dívida externa, e a queda sucessiva da avaliação do risco Brasil culminou com o recebimento do grau de investimento das agências de risco em 2008 – em abril da Standard & Poor’s e em maio da Fitch Ratings.
Mas nem tudo foi vento a favor. Houve choques negativos. Por exemplo, entre julho de 2001 e fevereiro de 2002, o Brasil enfrentou forte crise de fornecimento de energia que restringiu o crescimento da economia. A situação foi muito agravada em 2002 por uma também forte crise de confiança, resultante das eleições e das dúvidas sobre as intenções do novo governo.
Houve saída de capitais e consequente overshooting do câmbio. A inflação aumentou substancialmente e só voltou para a meta após anos. No final, o governo eleito conseguiu reverter os humores do mercado ao seguir a política econômica instalada pela administração anterior.
Se, por um lado, a década pode ser caracterizada por sucesso nos resultados imediatos, por outro, seu legado deixou a desejar. Ao sentir os efeitos da crise financeira internacional, o Brasil adotou uma política econômica anticíclica, tanto na esfera fiscal quanto na monetária e na creditícia. A perenização dessa política anticíclica nos anos que se seguiram é a marca inicial da adoção da Nova Matrix Econômica que desestruturou o tripé macroeconômico e resultou em desequilíbrios. Anos mais tarde, esses desequilíbrios nos levaram à maior recessão enfrentada pela economia brasileira.
DÉCADA DE 2010
Por Armínio Fraga Neto
Curioso que a década dos 2010 tenha começado com um ano de 7,5% de crescimento, festejado à época como um sinal de que o Brasil tinha encontrado um novo caminho para o desenvolvimento acelerado. Em meio ao otimismo, os brasileiros festejavam a década na qual o futuro parecia finalmente ter chegado: iniciamos o período imersos na preparação e na execução de duas festas de renome global, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Entre os projetos grandiosos e a esperança de um futuro melhor, no entanto, nos deparamos com um presente muito menos charmoso. Não demoraria até que os sinais dos erros acumulados ao longo de vários anos viessem à tona.
Passados apenas cinco anos, teve início a maior recessão de nossa história, agora próxima do fim, mas não antes de uma queda de 10% no PIB per capita. Como se não bastasse o fiasco econômico, esse período foi também caracterizado por uma série de episódios de corrupção em grande escala e pelo inevitável descrédito da maioria dos políticos e seus mais de trinta partidos. Que diabo aconteceu? Como chegamos a esse ponto? Tem cura?
Em primeiro lugar, é fundamental que se entenda a natureza dessas crises, suas origens e interseções. O principal sintoma é uma falência generalizada do Estado, hoje quebrado, corrupto, injusto e ineficaz. Quebrado pois está no cheque especial, se endividando de forma galopante, corrupto pois virou um balcão de negócios privados e partidários, injusto pois subsidia mais aos ricos do que aos pobres, e ineficaz pois na prática pouco faz para dar à maioria das pessoas reais oportunidades de progresso.
Ainda que seja tentador apontar uma ou outra medida em particular, a verdade é que não foram poucas as escolhas que divergiam do receituário adotado nos quinze anos anteriores. O conjunto da suposta nova obra era tão único, que ganhou um nome: a Nova Matriz Econômica.
Em consonância com este receituário, a taxa de juros alcançou o seu mínimo histórico no início da década, em uma decisão que desafiava os fundamentos econômicos vigentes e as deficiências estruturais de nosso país. As boas intenções também geraram severas distorções no mercado de crédito: em um espaço relativamente curto de tempo vimos uma forte expansão do estoque crédito no país, em larga medida mantido pela concessão de subsídios bilionários que não trouxeram os dividendos sociais prometidos à época.
Em câmera lenta, os primeiros sinais do desastre anunciado começaram a aparecer. Com um crescimento que cada vez mais se distanciava dos bons resultados iniciais, o governo fez uso de medidas intervencionistas em diversos segmentos da economia, cavando espaço para os “campeões nacionais” à custa da maioria dos brasileiros. No apagar das luzes dos estádios superfaturados, choramos mais lágrimas do que seríamos capazes de imaginar após o 7x1. A goleada sequer tinha começado, e se estenderia por muito mais do que noventa minutos. Somente depois de dois anos de uma crise sem precedentes, começamos a ver a luz no final do túnel.
Reconhecidas as origens dos desequilíbrios que nos trouxeram até aqui, cabe à sociedade definir quais serão os próximos passos. A agenda econômica requerida passa por temas que já foram pauta de outros carnavais. A verdade é que várias manchetes vistas nos jornais de hoje em muito podem lembrar os leitores daquelas que também marcaram outras fases difíceis da economia brasileira. Muitas delas fazem menção ao compromisso com o equilíbrio fiscal, que tanto foi relegado a segundo plano nos últimos anos. Alguns passos importantes já foram tomados, mas é preciso mais. A forte dependência de receitas extraordinárias e o elevado grau de rigidez dos gastos públicos são os desafios mais óbvios. Do lado da produtividade, além de atacarmos de frente as históricas deficiências de nossos sistemas de educação e saúde, será preciso avançar na ampla agenda microeconômica, que inclui além de passos importantes como aqueles dados recentemente no campo trabalhista e no âmbito do BNDES, a reforma tributária, a abertura da economia e a privatização da grande maioria das estatais.
A economia depende da política para fazer as correções de rumo necessárias no longo caminho que temos pela frente. No entanto, e apesar da aprovação recente de algumas reformas estruturais importantes, a política não tem sido capaz de encarar uma ampla reforma do Estado pois carece de credibilidade. Esta carência por sua vez parece de difícil cura no curto prazo, posto que a política se encontra amplamente carcomida pelo cupim da corrupção. As crises se auto alimentam, e exibem raízes comuns. A solução vai exigir esforços paralelos no campo político, econômico e moral, algo impensável até pouco tempo atrás, mas talvez agora alcançável através do próprio funcionamento das instituições em ambiente de liberdade de expressão e de imprensa.
DÉCADA DE 2020
Por Marcos Lisboa
Nem tudo é má notícia. É certo que tivemos uma severa recessão, a mais severa desde que temos dados disponíveis. Também é igualmente correto que o ambiente de negócios não colabora. A complexidade institucional desafia o empreendedor mais otimista. Das regras tributárias, passando pela legislação trabalhista, até as normas de comércio exterior, muitas das nossas instituições parecem desenhadas para reduzir o investimento privado e a geração de renda e de emprego. Além disso, precisamos fazer um ajuste fiscal de 300 bilhões de reais para evitar a paralisia do setor público ou que a dívida pública se torne insustentável. Para agravar o quadro, devem ser reformar as regras da previdência, ou as contas públicas vão se agravar ainda mais.
As condições podem não ser boas, mas não são novas. Há vinte anos sabemos que adiar a reforma da previdência iria resultar em graves problemas. O Brasil atravessa uma rápida transição demográfica. Nos anos 1960, as famílias tinham, em média, mais de 6 filhos por casal. As novas gerações têm, atualmente, menos de 1,8. Nos próximos 35 anos, a população idosa irá aumentar mais de 260%. A população que trabalha, por outro lado, irá se reduzir em 6%. Com as regras atuais da previdência, o gasto irá aumentar em 6 pontos do PIB, agravando o já severo desequilíbrio fiscal.
Há dez anos sabemos que as contas públicas do Rio de Janeiro são insustentáveis e o principal desequilíbrio ocorre na aposentadoria dos servidores. Desde o fim da década passada, alertou-se que a retomada da agenda nacional desenvolvimentista iria ser um tiro no pé, com queda da produtividade, desperdício de recursos públicos e o resultado seria mais a repetição do fracasso do Governo Geisel.
Todos esses problemas eram menosprezados até recentemente. A campanha presidencial de 2014 simplesmente os ignorou.
Pois bem, a boa nova é que os problemas estão sendo discutidos e o atual governo desistiu da criatividade que dominou a política econômica durante quase uma década, além de iniciar uma agenda de reformas, apesar das crises da política. O resultado foi desanuviar as perspectivas de insolvência fiscal que parecia inevitável há pouco mais de um ano. A curva de juros de mercado fechou, o que permitiu a queda da Selic e da inflação. A opção por uma política monetária convencional e que prima pela comunicação precisa resulta na retomada da atividade e do emprego um ano depois.
A reforma da previdência deixou de ser tabu. Muitos reconhecem os imensos fracassos das políticas de desenvolvimento resgatadas a partir de 2008, como a expansão do crédito subsidiado para empresas selecionadas ou as regras de conteúdo nacional. Foram aprovados a emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos públicos, a reforma trabalhista e a criação da TLP. Aos poucos, o debate público parece preferir à análise da evidência ao preconceito. A agenda de reformas no Congresso avança mesmo quando a coordenação política do governo se ausenta.
As mudanças são imensas no setor privado e na política. Empresários criticam os subsídios desmedidos e defendem a concorrência e a abertura comercial. Políticos são eleitos governadores prometendo ajustar as contas públicas. Começa a existir um debate sobre os problemas e os difíceis dilemas a serem enfrentados.
É verdade que ainda impressiona o montante do ajuste fiscal para evitar a paralisia do setor público nos próximos anos, além do risco de a dívida entrar em uma trajetória insustentável, um ajuste que vai necessitar da revisão de diversas normas legais nas políticas sociais e nos benefícios para diversos setores produtivos, como as desonerações e diversos subsídios. Mas, ao menos, os problemas estão mais claros e ocorre o debate sobre como enfrenta-los.
A norma constitucional conhecida como Regra de Ouro proíbe o país se endividar além das despesas de capital, que inclui os investimentos e a amortização da dívida. A boa regra veda dívida para pagar despesas correntes. O seu descumprimento implica crime de responsabilidade. Trata-se de uma regra que colabora com a sustentabilidade das contas públicas.
Em 2018, a necessidade de financiamento do setor público deverá ultrapassar em 184 bilhões de reais o permitido pela Regra de Ouro. Medidas excepcionais, como a devolução dos recursos emprestados ao BNDES, contribuirão para cobrir a diferença. Nos anos seguintes, entretanto, o cumprimento da Regra de Ouro somente será possível com diversas reformas que reduzam os gastos obrigatórios, caso contrário assistiremos a paralisia do setor público.
O país encontra os limites de uma longa tradição de criação de despesas obrigatórias que se revelam incompatível com o crescimento da renda. A boa notícia é que os problemas estão claros e o país começa a enfrenta-los.
Além disso, caso o país consiga fazer o ajuste fiscal, existe uma extensa agenda de reformas para retomar o crescimento econômico por muitos anos à frente. Essa agenda passa por reduzir a burocracia desnecessárias, simplificar o sistema tributário e melhorar o ambiente de negócios. A infraestrutura se beneficiaria do fortalecimento das agências reguladoras e da melhora da governança do setor público. Metas claras de desempenho e a avaliação independente da qualidade da política pública contribuiria para a melhor qualidade dos serviços oferecidos, sobretudo em educação, onde nossos resultados são inferiores aos obtidos nos demais países emergentes.
A evidência disponível indica que a progressiva implementação dessa agenda pode ter impactos imediatos e significativos sobre a produtividade e permitir uma agenda de desenvolvimento econômico. Na década passada, reformas tímidas, como a introdução do consignado e a alienação fiduciária, permitiram o forte crescimento do crédito privado, que passou de 10% para 30% do PIB em poucos anos.
A agenda de reformas passa também pela melhora da qualidade da política pública. O Brasil gasta mais do que muitos países emergentes em várias políticas, como educação. Apesar disso, nossos resultados são piores nas comparações internacionais. Melhoras na gestão pública podem ter impactos significativos sobre a eficácia e eficiência do gasto público.
Não se trata, porém, de agenda fácil, afinal nossas distorções não decorrem de acidentes. Grupos de interesse e empresas ineficientes se beneficiam das muitas distorções e privilégios concedidos pelo poder público. Apesar das resistências, aos poucos avança a agenda republicana de tratar igualmente os iguais, com a uniformização das regras tributárias, a abertura comercial e a melhora da gestão da política pública.
Quem sabe consigamos realizá-las e, na próxima década, estejamos discutindo, apenas, os novos problemas de um país que, finalmente, comece a cumprir a sua promessa de desenvolvimento com inclusão social. Dessa vez, de forma sustentável.
Folha de S. Paulo: Não há solução simples para colocar contas públicas no eixo
Os números das contas do governo, em 2017, apontaram um quadro mais benigno que o esperado pela IFI, pelo mercado e mesmo pela equipe econômica. Contudo, a vitória é apenas parcial.
Ela não exime o país de realizar mudanças que promovam a convergência do quadro fiscal a padrões adequados de controle do deficit e da dívida pública nos próximos anos. Isso dependerá da capacidade deste e do próximo governo de realizar profundo ajuste nas contas públicas.
A conta do setor público fechou no vermelho, em 2017, em R$ 110,6 bilhões, com peso importante de receitas atípicas e corte das chamadas despesas discricionárias (não obrigatórias), no caso do governo federal.
A meta de deficit primário (sem contar juros da dívida) de R$ 163,1 bilhões foi cumprida com folga — uma bênção e uma maldição, simultaneamente. A sinalização de curto prazo é positiva, mas a sustentabilidade de um programa de ajuste focado na derrubada de investimentos e em cerca de R$ 90 bilhões de receitas atípicas é de baixo alcance. A despesa com pessoal, para que se tenha ideia, cresceu acima de 6% em termos reais.
É verdade que houve avanços importantes, sobretudo a adoção de um teto para os gastos. No entanto, o que vem pela frente exigirá maturidade bastante superior dos gestores de política econômica, das instituições, da política e, na realidade, de toda a nação.
Nas contas da IFI, o deficit primário deverá reverter-se em superavit apenas em 2023, com a dívida crescendo até esse período, para então iniciar gradativa trajetória de queda. Trata-se de um cenário desafiador.
Em 2018, a ajuda de receitas extraordinárias pode ainda ser elevada, mas o deficit primário tende a ser pior do que no ano anterior. A partir de 2019, será cada vez mais importante aprovar medidas que tratem efetivamente o comportamento da despesa obrigatória, em particular, bem como das receitas não financeiras.
A estratégia de política fiscal deve ter como diretriz a recuperação da solvência e sustentabilidade do Estado brasileiro, medido na sua relação dívida/PIB.
Apesar das melhores expectativas para o crescimento econômico de médio prazo, de 2% a 2,5% ao ano, a dívida continuará em expansão e demandará um superavit primário em torno de 2,5% do PIB para sua estabilização. Resta, portanto, uma profunda consolidação fiscal da ordem de 4 a 4,5 pontos percentuais do PIB.
A magnitude do ajuste per se revela que nenhuma medida isoladamente será suficiente para equacionar o desequilíbrio fiscal, mas sim uma inteligente combinação de medidas tanto pelo lado do gasto quanto da arrecadação. Não há bala de prata.
Por Felipe Salto, diretor-executivo da IFI e Gabriel Barros, diretor da IFI.
Monica de Bolle: Fragmentação e ajuste
O interregno Temer afastou por dois anos o espectro do descalabro fiscal, mas nada fez para eliminá-lo
Aqui em Washington começa a despontar algum interesse sobre as eleições brasileiras. Nas últimas semanas foram vários os eventos em que participei pela cidade onde acadêmicos, integrantes do governo americano e membros do setor privado têm se reunido para refletir sobre os cenários e suas implicações. Pouco se estranha que as atenções estejam majoritariamente concentradas em mapear os presidenciáveis e as chances de cada um. Tampouco surpreende que muitos dos participantes desses seminários acreditem que, apesar da imprevisibilidade, há chance de que algum candidato favorável às reformas consiga chegar ao segundo turno, ecoando o otimismo cauteloso que hoje caracteriza muitas análises do Brasil produzidas no Brasil. Mas é quarta-feira de cinzas. Acabou nosso carnaval. Ninguém ouve cantar canções. Portanto, é necessário pensar sobre os custos econômicos crescentes da fragmentação política.
Muito se fala sobre os presidenciáveis, pouco se reflete sobre o Congresso. Como bem sabem os cientistas políticos – brasileiros ou não –, tem o País o poder legislativo mais fragmentado da América Latina. Usando métricas como os índices que medem o número efetivo de partidos, isto é, medidas que ponderam o número de partidos no Congresso por seu peso, seja por número de assentos ou poder de voto, o Brasil é absolutamente fora de padrão. Em 2014, quando das últimas eleições gerais, exibia o País índice de fragmentação política cerca de 4 vezes maior do que a média da região. A tendência da fragmentação política brasileira também assusta: somente entre 2010 e 2014, a fragmentação aumentou ao redor de 30%; entre 2002 e 2014, os índices de fragmentação revelam aumento de quase 50%. Diante da notável polarização do País revelada nas pesquisas de opinião e na boca do povo que hoje ocupa as redes sociais, as chances de que vejamos novo salto na fragmentação legislativa em 2018 são enormes.
Como mostra vasta literatura acadêmica sobre a relação entre fragmentação política e qualidade da política fiscal, tais constatações são assustadoras. De modo geral, há forte correlação positiva entre fragmentação política e gastos, déficits e dívida pública. Estudo recente do FMI usando dados para 92 países entre 1975 e 2015 mostra que um maior grau de fragmentação política está geralmente associado a aumentos na dívida pública. Além disso, a análise revela que a corrupção acentua tal correlação, ou seja, em países onde há mais corrupção, a relação entre fragmentação política e aumento da dívida é mais forte.
No caso específico do presidencialismo de coalizão brasileiro não é difícil explicar porque isso ocorre: quanto mais fragmentada a política, mais precisa o governo gastar – com emendas parlamentares, por exemplo – para manter uma coalizão relativamente estável. Coalizão que aprove, por exemplo, seus planos de reformas e ajustes. Se os planos de reformas e ajustes requerem redução dos gastos, dos déficits, das dívidas, percebe-se com facilidade que a maior fragmentação do poder legislativo é incompatível com a consolidação fiscal. Eis o nosso nó górdio.
O Brasil tem, hoje, situação fiscal insustentável. Com ou sem a diluída reforma da Previdência que voltará brevemente à pauta depois do carnaval, os déficits fiscais continuarão altos nos próximos anos, a dívida pública seguirá aumentando. Atualmente, segundo a metodologia do FMI, nossa dívida bruta está na faixa dos 83% do PIB. Sem ajustes ou reformas profundas, é fácil traçar cenários em que a dívida alcança os 100% da renda gerada na economia brasileira em apenas dois anos. Há quem acredite que esse cenário não haverá de se concretizar pois o País acabará elegendo alguém que defenda as reformas. A ingenuidade dessa tese está na premissa implícita de que o novo governante conseguiria tudo reverter independentemente da composição do Congresso. Contudo, diante das evidências empíricas e da possibilidade de que o fogo e a fúria dos eleitores entregue-nos poder legislativo ainda mais fragmentado do que temos hoje, cai por terra qualquer tese esperançosa.
O interregno Temer afastou por dois anos o espectro do descalabro fiscal, mas nada fez para eliminá-lo. A herança para lá de maldita, construída por anos a fio com a ajuda do próprio presidente, ficou para o próximo governo. Cinza é pouco para descrever nossa situação.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Míriam Leitão: Visão de mercado
O Ibovespa afundou ontem 2,6% num dia em que no mundo inteiro houve quedas fortes. O temor é que o banco central americano suba os juros mais rapidamente este ano. O S&;P teve queda de 4,1%, e o Dow Jones, o maior recuo em pontos da história. No Brasil, espantosa foi a alta anterior. A bolsa teve o melhor janeiro em 12 anos, e a entrada de capital estrangeiro em um mês foi quase do tamanho de 2017.
Em janeiro, a alta no mercado brasileiro foi de 11% e houve quebras de recordes sucessivos. Nos últimos 12 meses, em que o país viveu crise fiscal e tensão política, as ações na bolsa tiveram uma valorização, segundo cálculo feito pela Economática para a coluna, de mais de R$ 800 bilhões. O cálculo foi feito com o pico, antes das últimas duas quedas.
O movimento de ontem foi mundial e não tem muita ligação com o que acontece aqui. Mas o interessante é se perguntar, mais do que a oscilação negativa dos últimos dois pregões, o que levou ao movimento de alta.
Num seminário na semana passada do banco Credit Suisse, continuava a aposta de que as reformas seriam aprovadas. Se não forem pelo governo Temer, deverão ser por quem for eleito em outubro, independentemente do viés político. Outro motivo da visão positiva é que a previsão mais comum é de crescimento por dois ou três anos, para recuperar a perda da recessão.
Quem cruza os dados da conjuntura política e fiscal do país com o movimento do Ibovespa não pode deixar de se espantar. Nos últimos 12 meses, terminados no fim de janeiro, o índice saiu da casa dos 60 mil pontos para 85 mil, o que representou uma valorização nominal de R$ 823 bilhões das empresas brasileiras, segundo o estudo elaborado por Einar Rivero, da Economática. A queda de sexta e de ontem levou o índice para 81 mil.
Apesar do temor de mudança da política monetária americana, o cenário externo não é ruim. Os EUA estão com PIB mais forte, assim como a Europa, e não há risco de desaceleração abrupta da China. Há bastante liquidez no mundo, e esses dólares buscam mercados emergentes como o Brasil porque estão mais dispostos a correr riscos. Em janeiro, o saldo do investimento estrangeiro na bolsa foi de R$ 9,54 bi. No ano passado inteiro foi de R$ 13,4 bi.
Mas, além disso, há a avaliação interna. O economista Luis Stuhlberger, que gere o Verde, um dos fundos de investimento mais rentáveis do país, explicava na semana passada o movimento positivo com a tese de que o mercado financeiro está olhando para o curto prazo e para a possibilidade de crescimento mais forte do Brasil nos próximos dois ou três anos. Pelas suas contas, a alta do PIB pode ficar acima de 3% entre 2018 e 2020.
Amanhã o Banco Central deve reduzir novamente a taxa Selic, para 6,75%. Essa sequência de quedas, que levou a taxa de juros de 14,25% para a nova redução esta semana, será um dos motores da alta do PIB em 2018. Como a inflação está baixa, o mercado financeiro estima que os juros reais também ficarão baixos, o que irá facilitar o pagamento de dívidas, os investimentos e o consumo.
O dólar normalmente sobe em anos de muita incerteza eleitoral, mas em 2018 alguns pontos são favoráveis: o déficit em conta-corrente é muito pequeno, e as reservas cambiais, muito altas. Esse abundância de dólares aqui, que se soma ao fluxo de entrada de capital, faz com que o cenário mais provável seja de a volatilidade ser menor do que em 2002. Haverá, claro, volatilidade. E ontem isso ficou claro.
Em qualquer evento do mercado os dados apresentados são de um país em grave crise fiscal em que os gastos obrigatórios, entre eles o previdenciário, têm subido demais, reduzindo outras despesas necessárias. E, apesar disso, a bolsa teve sucessivas altas.
A conclusão é a de que o Brasil tem um bom curto prazo, com crescimento do PIB, inflação e juros baixos, altas reservas cambiais. O futuro tem entraves que parecem imensos, mas a avaliação mais comum feita no mercado é a de que a situação chegou a tal ponto que qualquer que seja o eleito ele será naturalmente empurrado para uma agenda de reformas para aumentar sua capacidade de governar.
Evidentemente não é tão simples. Se o mercado mundial entrar numa fase de queda de bolsas e aversão a risco, as análises todas terão outro viés. E as crises brasileiras pesarão muito mais.
Luiz Carlos Azedo: Os gastos da União
Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal do que a União, porque não podem fechar o ano no vermelho
O falecido historiador carioca José Honório Rodrigues, autor de Conciliação e reforma no Brasil, era um crítico da história focada na construção do Estado nacional e seus protagonistas. Era fã incondicional do cearense Capistrano de Abreu, autor de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, obra que revolucionou a historiografia brasileira e motivou seus grandes intérpretes, de Euclides da Cunha, com os Sertões, a Jorge Caldeira, que acaba de lançar História da Riqueza do Brasil. Honório dizia que o grande problema das reformas no Brasil era o distanciamento entre a União e a sociedade brasileira. Formado em Direito pela Universidade do Brasil, em 1937, fez parte de uma geração que mudou o modo de olhar o Brasil, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Américo Jacobina Lacombe, Nelson Werneck Sodré e Caio Prado, entre outros.
Liberal moderado, às vésperas do golpe militar de 1964, fez um diagnóstico sobre a política nacional que vem bem a calhar, embora o contexto seja completamente diferente: “As aspirações atuais do povo brasileiro crescem mais rapidamente do que os níveis de satisfação promovidos pelas minorias dominantes. A diferença entre o padrão de vida que possui e o nível de vida a que aspira aumenta sempre mais. Nem por isso ele busca soluções extremistas porque é, como convém repetir, infenso, por feitio, às ideologias. Sua posição não é engaiolada, doutrinária, fechada, dogmática, mas flexível, conciliável, personalista; ele aceita as mais esdrúxulas alianças, promovidas pelas cúpulas, e rejeita, de um ou de outro lado, as atitudes discriminatórias, fanáticas, indiscutíveis, extremas…”(Aspirações Nacionais, 1963).
Ao prefaciar a 4ª edição da mesma obra, em 1970, nos anos de chumbo do regime militar, Honório fez uma afirmação premonitória do que viria a ser a transição à democracia, com a eleição no colégio eleitoral de Tancredo Neves, em 1985: “A situação política atual se caracteriza pela existência de três minorias e uma maioria. Duas minorias exaltadas e neuróticas, uma liberticida e outra libertária, ação e reação conviventes, irmãs no extremo da conduta política, embora se apresentem como adversárias. A terceira minoria moderada pode e deve vencer as outras duas e trazer para o seu lado a maioria desprezada”. Diante do cenário de radicalização política e incertezas eleitorais que estamos vivendo, nada mais atual!
O divórcio
O secular divórcio entre a União e a sociedade permanece. Somente não é mais grave porque a maioria da sociedade preza a democracia e não endossa as narrativas de desestabilização, seja à esquerda ou à direita. Esse divórcio se reflete também no pacto federativo, acirra desigualdades e idiossincrasias regionais, esgarça a relação entre os entes federados. Basta examinar as contas da União de 2017. A arrecadação líquida do governo federal, depois das transferências de receitas para Estados e municípios, terminou 2017 com um aumento de 2,5%, em termos reais, na comparação com 2016.
O ex-secretário da Receita Everardo Maciel, em artigo publicado na sexta-feira, no Valor Econômico, destaca que estados e municípios registraram superavit primário de R$ 7,5 bilhões em 2017, de acordo com dados do Banco Central divulgados quinta-feira, ante uma previsão de deficit de R$ 1,1 bilhão. O governo controlou as despesas, que caíram 1% em relação a 2016, em termos reais, mas o deficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 118,4 bilhões, abaixo da meta de R$ 159 bilhões prevista em lei. Maciel indaga: “por que razão o setor público vai passar de um deficit primário de R$ 110,6 bilhões, registrado em 2017, para um deficit de R$ 161,3 bilhões, que é a meta fiscal definida em lei para este ano? Como isso será feito?”
Estados e municípios, com a exceção dos que já entraram em colapso, investem mais e melhor do que a União e têm mais responsabilidade com o equilíbrio fiscal porque não podem fechar o ano no vermelho, ao passo que o governo federal pretende aumentar o rombo nas contas públicas em R$ 50 bilhões. “Além da generosa meta fiscal, o governo está autorizado, constitucionalmente, a aumentar os seus gastos deste ano em R$ 89 bilhões”, destaca Maciel. É obvio que essa “folga” existe para facilitar a vida da base do governo nas eleições, em vez de aproveitar a reforma ministerial para cortar na própria carne.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-gastos-da-uniao/
Míriam Leitão: Por conta própria
Um em cada quatro brasileiros que está trabalhando inventou seu próprio emprego e está na categoria “trabalhador por conta própria”. É a principal causa da leve queda da taxa de desemprego divulgada ontem. Há uma melhora da economia que se vê em vários indicadores, mas o número de desempregados é absurdo. Nos EUA, Trump tem comemorado a queda do desemprego, um feito do governo Obama.
O presidente Donald Trump, no discurso que faz anualmente no Congresso, o Estado da União, prometeu, na noite de terça-feira, mais crescimento e disse que será decorrência do corte de impostos sobre empresas. Quando Obama assumiu, o desemprego estava em disparada e se aproximava de 11%. Ele recuperou a economia do caos financeiro da crise de 2008 e entregou o país crescendo, com desemprego em queda. Mesmo assim, seu partido perdeu a eleição. Hoje, o desemprego americano está abaixo de 5%. Trump tem surfado nessa onda e a apresenta como sua. O corte de impostos ainda nem teve tempo de produzir efeitos.
No Brasil, tudo tem outra escala. O desemprego caiu pela primeira vez, desde 2014, na comparação com o mesmo período do ano anterior, mas ligeiramente: de 12% para 11,8%. Na média de um ano contra outro, a taxa ficou maior. E olhando-se os números, o que tem puxado a melhora é o trabalhador por conta própria. Um milhão e cem mil brasileiros entraram nesse grupo quando se compara o último trimestre de 2017 contra o mesmo trimestre de 2016. Nessa categoria está desde a pessoa que realiza o sonho do empreendedorismo até aquela que “se virou” diante do ambiente inóspito da destruição de postos de trabalho.
Após a devastação da crise econômica, que se prolonga por três anos, quem poderá crescer na intenção de votos com o alívio modesto que aconteceu ou com a promessa de prosperidade? Que o ambiente melhorou não há dúvida para quem olha os números, mas percepção é diferente de estatística. Na Nota de Crédito do Banco Central veio a informação de que aumentou a oferta de empréstimo para as famílias. Os resultados fiscais mostraram subida da arrecadação. Mas quem pode comemorar isso, ou mesmo sentir, diante de tantas dificuldades diárias da prolongada crise, do bombardeio das más notícias sobre as negociatas em que os políticos se envolveram? Ontem, a 7ª Vara Federal aceitou mais uma denúncia contra o ex-governador Sérgio Cabral. Já são tantas que o país perdeu a conta.
A demanda dos eleitores está ainda difusa, mas certamente os brasileiros vão querer mais segurança, mais emprego, melhores serviços públicos. A pesquisa do Datafolha mostrou que o ex-presidente Lula permanece na frente nos cenários em que aparece, com perto de um terço das intenções, e que o segundo é o deputado Jair Bolsonaro. O primeiro está longe da urna, depois da condenação. O segundo não melhora além da margem de erro no cenário sem Lula. O que cresce é o grupo dos nulos, em branco ou não sabe, que chega a um terço das intenções. A campanha não começou e tudo o que os dados mostram é a confusão. Para fazer a pesquisa, foi preciso ter nove cenários para apresentar aos entrevistados. Fica também claro que há uma avenida para ser ocupada por pessoa que traga esperança para além da polarização raivosa.
Há economistas prevendo que o país pode ter um ciclo longo de crescimento se resolver o nó fiscal que tem pela frente, e que o horizonte da solução começará a aparecer se a reforma da Previdência for aprovada. O debate “E agora, Brasil?”, publicado hoje no jornal, mostra esse pensamento. E os números indicam a importância do tema para a definição do futuro. Um dos vários dados impressionantes exibidos pelo economista José Márcio Camargo é o de que Brasil gastou em 15 anos, com o pagamento das aposentadorias do servidores públicos federais, R$ 1,2 trilhão. Isso é 50% mais do que gastou com educação no período. É dramático, mas a maioria dos candidatos vai tentar fugir de assuntos áridos como a Previdência.
A tantos meses das eleições, qualquer previsão é porosa. Esta é a eleição mais incerta da história recente. No Brasil real, as pessoas inventam seu próprio emprego e buscam soluções diárias para os problemas que o governo — ou a falta de — cria para o país. O brasileiro continua vivendo por conta própria.