Economia
Dorrit Harazim: Com bússola própria
Trump parece assumir estar cansado de ouvir pareceres de conselheiros, entediado com assessores econômicos, jurídicos
Enfileirados no Salão Oval da Casa Branca sob o monumental retrato de George Washington, ali pendurado desde 1800, eram quase 20 os selecionados por Donald Trump para compor sua tropa de choque. Naquele 22 de janeiro de 2017, a cerimônia de juramento coletivo rendeu fotos e fatos.
“Eles formam um time de primeira, vão desempenhar suas funções de forma fantástica. Tenho grande orgulho deles”, anunciara o também calouro 45º presidente. Trump acrescentou um gracejo para consumo dos jornalistas e, portanto, para divulgação nacional: “Vocês ficarão sabendo por mim mesmo se a equipe não trabalhar direito, OK? Vou elogiar se forem bons; e se não forem, eu mesmo vou informar vocês”. Bons tempos aqueles, para os retratados.
Há poucos sobreviventes. Depois de 13 meses de mandato e um estilo gerencial sem cerimônias, de descarte humano, Donald Trump chegou aonde nenhum de seus antecessores ousara chegar: fez praticamente tábula rasa. Está, enfim, mais à vontade para consertar o mundo. “Eu, sozinho, e só eu, consigo resolver”, garantira a seu eleitorado.
Parece assumir estar cansado de ouvir pareceres de conselheiros, entediado com assessores econômicos, jurídicos, diplomáticos ou de comunicação que tenham ideias próprias. Prefere ser seu próprio secretário de Estado, mesmo tendo nomeado um novo semanas atrás. Ao mesmo tempo em que se decepciona com quem está no seu entorno, procura com voracidade por caras novas. O que é comumente descrito como “caos na Casa Branca”, é definido por ele como “uma grande energia renovadora”, um saudável estado de conflito que lhe permite tomar decisões acertadas.
Entre demissionários exaustos, demitidos por tuíte, exonerados com escolta, ou recauchutados para outra função, já passaram pela porta giratória da Casa Branca 49% do time de excelência do juramento coletivo de 2017. Enquanto a maioria de seus antecessores precisou de dois mandatos para promover rotatividade tão alta, a Casa Branca de Trump está em faxina geral desde a inauguração. O atual ocupante não quer ver diluída por Washington a plataforma com que foi catapultado do 26º andar de seu QG na Quinta Avenida para a capital da maior potência mundial.
Esta semana, Trump empossou seu terceiro assessor de Segurança Nacional — o cargo de gabinete mais estratégico para questões de guerra e paz. H.R. McMaster, o general três estrelas defenestrado, havia substituído outro três estrelas, da reserva, pouco mais de um ano atrás — Michael Flynn ficara apenas 24 dias no cargo e hoje responde a processo por perjúrio ao FBI. O novo ocupante do posto é rombudo, para dizer o mínimo. Chama-se John Bolton, foi embaixador de George W. Bush na ONU, onde não deixou saudades, e, mais recentemente, atuava como comentarista da Fox News.
Em questões cruciais como a invasão do Iraque e o que fazer com a Coreia do Norte, Bolton e Trump não parecem feitos um para o outro. Não importa, o comandante-em-chefe gosta do estilo do seu escolhido do momento. Elogiou-o como sendo “um durão que sabe do que fala”. A partir da posse do recém-chegado, no próximo dia 9, o mundo vai acompanhar com interesse o quanto Trump se servirá ou não da retórica de Bolton.
Enquanto o presidente sempre qualificou a guerra iniciada em 2003 como catastrófica e falida, Bolton até hoje defende com ardor incomum a invasão, e considera uma calamidade a decisão americana de retirar as tropas terrestres a partir de 2011.
A posição de Bolton quanto à Coreia do Norte também está muitos decibéis acima do tom recentemente adotado pela Casa Branca. Poucas semanas antes de ser anunciado no novo cargo, Bolton publicou no “Wall Street Journal” um artigo cujo título já dizia tudo: “A legalidade de um ataque prévio contra a Coreia do Norte”. Em palestra recente na Daniel Morgan Graduate School of National Security, de Washington, ele já detalhara a necessidade de um ataque maciço preventivo caso falhem as sanções econômicas atualmente em vigor. Neste caso, será preciso “preciso destruir simultaneamente os sítios de misseis balísticos e nucleares, as bases submarinas, além das instalações de artilharia, morteiros e mísseis instaladas ao longo da fronteira entre as Coreias”. Papo reto, como gosta Trump.
Pelo que se sabe, o presidente só não aprova o bigodão extremo de Bolton. Durante o período de transição, quando currículos e entrevistas para a formação passavam pelo crivo de Steve Bannon, o guru trumpiano da época, Bolton havia sido considerado pela primeira vez para o mesmo posto. Mas Trump achara que ele não tinha o physique du rôle, o bigode destoava do figurino clean apreciado pelo presidente.
A ver, agora, quem vai durar mais: o bigode ou o dono.
Já Rex Tillerson , demitido na semana anterior através de um post no Twitter, tinha a estampa certa para secretário de Estado, além de uma oportuna conexão com Vladimir Putin e status de bilionário. Não bastou. Era posudo e independente demais para o gosto do presidente, jamais houve química pessoal entre os dois homens.
“Rex, coma a salada”, ordenara Trump a seu secretário de Estado durante a visita oficial à China de novembro ultimo. O anfitrião Xi Jinping oferecia uma recepção à comitiva americana e do menu constava uma salada Caesar, em deferência ao visitante. Temeroso de que Tillerson fizesse forfait, deu a ordem que fez a alegria das redes sociais. Trump nunca perdoara o secretário de Estado por tê-lo chamado de “bestalhão” em reunião fechada.
Cada vez mais confiante em seus instintos e avaliações, o Donald Trump de 2018 ruma em direção a seu destino com bússola própria, que só ele sabe decifrar.
* Dorrit Harazim é jornalista
Monica de Bolle : Azedume
A imagem do Brasil, hoje, é de país degradado pela corrupção e 'cupinizado' por um sistema político apodrecido
Nas palavras sábias de um amigo, a execução calculada de Marielle Franco e de Anderson Gomes no Rio de Janeiro há exatamente uma semana matou, de uma tacada, a vereadora e seu motorista, os fatos, e a civilidade política. A violência com fins políticos, modalidade recém-inaugurada no Brasil, as mentiras propagadas nas redes sociais, e a brutalidade dos comentários sobre o atentado somam-se aos aviltantes pronunciamentos de candidatos com aversão aos direitos humanos, aos insossos e desgastados presidenciáveis da chamada centro-direita, às propostas macroeconômicas fantasiosas da esquerda brasileira. Somam-se também à debilidade da retomada econômica que só o mercado festeja – o cidadão comum ainda pena para resgatar algum senso de segurança – e à visão nefanda de que o impeachment de Dilma mostrou que esse mesmo mercado tem o poder de remover governantes com pouca habilidade para gerir a economia do País.
O impeachment de coalizão – como na época chamei a remoção de Dilma com a preservação de seus direitos políticos contrariamente ao que diz a Constituição – foi por mim defendido por esse mesmo motivo: Dilma havia perdido a capacidade de gerir o País, e a funesta contabilidade criativa de seu governo levara a economia à beira da bancarrota. Confesso aqui sem medo algum de ser vilificada pelos autopresumidos destruidores de reputações que vivem de atacar os outros: já não tenho as mesmas convicções, ainda que continue a acreditar em meu relato sobre a condução devastadora da política econômica do governo Dilma no livro Como Matar a Borboleta Azul: Uma Crônica da Era Dilma.
Substituímos um governo péssimo na gestão econômica por outro tão marcado quanto o anterior pelas revelações da Lava Jato. A falta de escrúpulos estampada nas revelações do encontro de maio de 2017 na garagem do Jaburu enterrou de vez a reforma da Previdência, embora ela já estivesse na berlinda desde os primeiros dias do governo Temer, como disse em 2016. Afinal, o impeachment de coalizão e de conveniência não tinha como legitimar qualquer governo sucessor, por melhor que fosse sua agenda de transformação do País. Traduzo aí o sentimento de pelo menos algumas pessoas que vivem tanto no Brasil, quando fora dele. Mas, para alguns integrantes do mercado, essa é verdade, no mínimo, inconveniente – verdade azeda, corrosiva, pessimista. Verdade que atiça indignação, vituperações e ataques pessoais àqueles que a apontam. Denegrir é prática que se tornou ainda mais comum no Brasil desnorteado pós-impeachment. Rebater o argumento não interessa – interessa abater a pessoa para que se cale.
No meio dessa cacofonia, agora ampliada pelos assassinatos execráveis no Rio de Janeiro, poucos notam como é visto o florão da América fora de suas fronteiras. Trata-se não de indiferença ou descaso – antes ainda fosse assim. A imagem do Brasil, hoje, é de país degradado pela corrupção, “cupinizado” por sistema político apodrecido, violento e brutal, tão deploravelmente brutal. Ignorante de si, tenta o País emplacar o enredo do governo salva pátria, da retomada econômica cujo êxito se sobreporia à degeneração institucional e social em tão visível exibição. Quem vê de longe enxerga isso.
Alguém para por um momento para refletir porque membros do Parlamento Europeu proferiram palavras tão duras a respeito do Brasil? Alguém se dá conta de que na disputa pela atenção do governo americano na briga do aço nós estamos entre os últimos da fila? “Ah, mas que importa? O investimento estrangeiro continua a vir para cá, o mercado lá fora nos vê com bons olhos, portanto, que erro de análise!”, devem pensar os que com pouco precisam se preocupar, os 10% da população que detêm 55% da renda brasileira, segundo o último relatório World Inequality Report.
A recuperação vai ganhar força, a inflação vai continuar baixa, o desemprego vai continuar a cair, a intervenção militar no Rio vai dar conta do recado, os Estados quebrados vão se reerguer. Tudo vai se ajeitar, o Brasil vai eleger o reformista, o Brasil vai crescer, o Brasil vai voltar a ser respeitado, o Brasil será tratado como país sério, o Brasil é o futuro, eternamente.
“Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado
E diga o verde-louro dessa flâmula
Paz no futuro e glória no passado”
É mesmo?
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Mario Vitor Rodrigues entrevista Samuel Pessôa
"Uma boa parte da heterodoxia brasileira têm uma relação religiosa com o conhecimento"
Devo admitir que, em um primeiro momento, logo após acertar essa entrevista, a minha ideia de como seria o economista Samuel Pessôa não fugia do estereótipo. Pelo menos não daquele imaginado por alguém formado em humanas, como eu: cerimonioso, talvez até contido e muito provavelmente excêntrico. Além, é claro, de “gênio”, como amigos no mercado fizeram questão de frisar assim que souberam da notícia.
– Para mim foi super estranho, por que a notícia que foi divulgada, acho que numa quarta-feira, se me lembro bem, era sobre obstrução de Justiça. O presidente tinha obstruído a Justiça. Gravíssimo. Quando eu ouvi o áudio, o que tinha lá era uma possível prevaricação. Não estava totalmente claro.
– Isso, ele de fato ouviu um monte de barbaridades e não fez nada, nem na hora…
– …E nem depois […]. A minha avaliação é de que o Rodrigo Janot foi açodado. E depois isso ficou muito claro que houve açodo, tanto é que ele teve de recuar.
– Açodado ele ou o Lauro Jardim?
– Eu acho que […], bom, depois eu chego na imprensa, tem o Lauro Jardim e tem a Globo, acho que dá para entender tudo, mas primeiro, sobre o Rodrigo Janot, ele foi açodado. Tanto que o processo precisou ser desfeito e a gente descobriu depois aquele imbróglio envolvendo o Miller (procurador Marcello Miller) atuando dos dois lados do balcão. Uma coisa esquisitíssima. Viemos a saber depois que o Joesley não deu todas as informações. Ele enganou a Procuradoria e, dadas todas essas irregularidades, o acordo de delação precisou ser desfeito. Então, claramente foi mal feito. A minha interpretação é de que esse açodo se deveu ao interesse da procuradoria em reduzir o poder do Temer por que ele estava para aprovar a reforma da Previdência. Essa é a minha avaliação, eu não consigo provar isso […]
– Claro…
– […] E por que eu acho isso? Porque, ao contrário do que foi noticiado, a reforma da Previdência produziria uma forte mudança em relação aos servidores públicos. Não era só uma reforma do regime geral da Previdência. Para aquele servidor que ingressou antes de 2003, havia uma expectativa de que, cumprindo alguns anos, ele poderia se aposentar com o benefício da integralidade do vencimento e da paridade dos aumentos futuros em relação ao vencimento do ativo. Esses dois princípios, paridade e integralidade. E a reforma previa que para aqueles ingressantes no serviço público federal antes de 2003 se beneficiassem da paridade e da integralidade, eles teriam de trabalhar até os 65 anos, se fossem homens, e 62, se fossem mulheres. Isso gerava um impacto grande no gasto público. Não só porque seriam pagas menos aposentadorias, mas porque todos esses servidores teriam de trabalhar mais tempo e haveria menos necessidade de trocar servidores. E o impacto dessa medida seria cavalar porque, seis meses depois, se aprovada a reforma, ela também valeria para os regimes estaduais. Agora, eu entendo que uma pessoa que fez um concurso com uma expectativa de se aposentar aos 50, 55 anos, com paridade e integralidade, não queira que mudem as regras no meio do jogo. Ela não está preocupada com o Tesouro Nacional. Ela está preocupada é com a vida dela. Eu entendo isso. Também é um lado da moeda, né? Tem o equilíbrio das contas públicas e tem a expectativa de direitos que as pessoas têm, dadas as regras vigentes dos concursos quando elas passaram. Eu acho que isso tudo explica o açodo da procuradoria.
– Pois é, durante aqueles dias eu cheguei a ouvir que o Janot seria um cara simpático à esquerda, assim como a gente também escuta esse tipo de coisa envolvendo os ministros do Supremo, mas o que você está me dizendo…
– …Eu acho que foi por corporativismo. A gente está vendo, nesses anos do ajuste fiscal, que o corporativismo é fortíssimo. O corporativismo do Judiciário e das carreiras de elite do serviço público brasileiro são muito fortes. Essa é a minha avaliação. Repito, não consigo provar isso, mas tem o outro tema […]. Quer dizer, como que ecoou na imprensa? Eu acho que o Lauro Jardim é desses jornalistas que vive do “furo”, né? Um jornalista respeitado e muito bem informado…Houve um certo descuido, na minha opinião. Eu não acho que a Globo tinha algo contra o Temer. Não acho que ela tinha uma agenda contra o governo. Agora, eu acho que ela carrega um estigma por atos do passado. Uma imagem que eu acho injusta. Eu gosto da Rede Globo. Acho que ela fez e faz programas importantes…Penso na minissérie Grande Sertão Veredas, produzida na década de 80, que é linda. Toda a dramaturgia produzida e que tem um impacto imenso na nossa cultura…Eu acho a Globo uma empresa que produz conteúdo de boa qualidade. E não é melhor do que as outras por ser monopólio ou alguma coisa do tipo, mas por trabalhar bem. Eu vejo gente dizer: “ah, o Jornal Nacional é uma porcaria”…Eu via os jornais lá fora, quando eu morava nos Estados Unidos, e não acho muito diferente…Sei lá, é uma coisa meio padrão, eu imagino que um jornal daquele modelo não vai ser muito diferente do que é, mas, de fato, a esquerda e os intelectuais conseguiram pregar esse selo. Está associado com uma relação que a Globo teve com a ditadura, décadas atrás, e o erro que cometeram na edição do debate entre o Lula e o Collor em 89. Eu não acho que a derrota do Lula se deve àquilo, mas teve um peso. E também de certa avaliação que várias pessoas fizeram, e nesse ponto eu discordo de que a Globo teria pegado pesado com o PT agora, nesse processo do impedimento da presidente. Dizem que tinha muita reportagem, que era todo dia…Eu realmente não achei que a Globo foi especialmente errada no jornalismo dela. Tanto no mensalão quando agora. De todo modo, quando apareceu uma possível notícia importante que pegava o governo, eles foram compelidos…vamos dizer que a decisão jornalística pesou mais do que o cuidado com a apuração da notícia. E aí eu acho que a Globo cometeu um grande erro: na hora que a notícia inteira veio a público e ela viu que tinha errado, deveria ter feito um mea culpa. E não fez.
– Pelo contrário, fez um editorial, depois, pedindo a renúncia do presidente…
– …Eu acho que poderiam ter pedido a renúncia dele por prevaricação, o que é muito grave, mas não foi aquilo o noticiado. Teve até aquela jornalista, a Vera Magalhães…ela fez direitinho, no YouTube…eu já lia o que ela escrevia, mas a partir daquele momento ela virou uma referência pra mim, pela maneira como ela se comportou. Foi exemplar. E chamou a culpa pra ela, não ficou falando dos outros. Achei muito legal a postura da Vera […], então eu acho que é isso. Não tinha uma agenda da Globo, mas teve essa soma de fatores…Agora, eu acho que a culpa disso tudo é do Temer.
– Não tinha nada que se reunir com alguém do naipe do Joesley…
– …com ninguém do naipe do Joesley, às dez da noite, fora da agenda, o cara dando o nome errado para entrar… foi gravado? Dançou. Se houve açodo do Janot, não muda esse fato. Quem gerou o motivo que destruiu a possibilidade da aprovação da Reforma foi o próprio presidente.
– Você acha que, dado todo esse cenário, a equipe econômica atual conseguiu lidar da melhor forma possível?
– Eu acho que houve um erro… quer dizer, não sei se foi da equipe econômica, é muito difícil avaliar isso estando de fora, mas eu acho que houve um erro apontado pelo Marcos (Lisboa) desde o início, com muita clareza e publicamente. Eu até fui menos vocal do que ele, fui leniente no momento, mas que depois se mostrou grave: não rever aqueles aumentos salariais, feitos lá atrás, quando eles assumiram. Tinha aquele escalonamento de aumentos salariais que a Dilma havia negociado com o sindicato dos servidores públicos e o Temer deveria ter revisto, dada a natureza do problema fiscal. Quando o Temer assumiu e descobriu-se que a situação era muito grave, não dava para manter […]. Ficou uma situação anacrônica em que estados não podem emitir dívida e segurando salário dos servidores estaduais, enquanto a União, que pode emitir dívida, dando aumentos reais de salários para os servidores na situação em que o país estava. E esse impacto no orçamento não é pouca coisa. Então esse foi um erro e acho que foi um erro importante. Tirando isso, a equipe é espetacular e fez um trabalho excelente. Diante das circunstâncias, fez o que dava para fazer.
– Uma coisa que eu queria te perguntar, desde quando marcamos essa entrevista, é o seguinte: qual é a sensação de dominar um assunto tão importante para o País e perceber que esse entendimento não consegue superar as campanhas de desinformação? Que o Brasil patina mesmo após um momento tão grave, que deveria servir de aprendizado?
– Então […] O que é esse patinar? Esse patinar é justamente não haver aprendizado. Tem alguma coisa no nosso processo social, na forma como a nossa sociedade funciona, que a gente não aprende com os eventos. Talvez aprenda até, mas seja um aprendizado muito lento. Eu vejo, por exemplo, as declarações do pré-candidato Ciro Gomes, ou leio a entrevista do economista Nelson Marconi, meu colega na Fundação [Getulio Vargas], e me parece que não houve aprendizado com o período que vivemos nesse passado recente. Tem uma dificuldade, que não é só brasileira, é também argentina e venezuelana, ligada à existência de um núcleo na Academia, em economia, que são os heterodoxos. Que têm uma visão diferente do mundo. E eu acho que essa visão é meio amalucada. Por exemplo, eu vejo esse pessoal falando…eles acreditam, no meu modo de entender, numa economia do moto-perpétuo. E o que é a economia do moto-perpétuo? É o seguinte: o Estado aumenta o gasto dele, e, claro, para aumentar o gasto ele tem de aumentar a dívida…mas esse impacto é tão grande sobre o crescimento e na receita de impostos, que, no final do dia, depois de todos esses efeitos, a relação dívida/PIB cai. É um mundo maravilhoso, uma coisa meio pedra filosofal… e tem gente relevante que acredita nisso. Agora, o que eu faço quando uma parte grande dos profissionais de economia tem visões de mundo que no meu entender são totalmente amalucadas? […] Veja, esse grupo de pessoas que pensam de maneira muito diferente existe em todo lugar, na França, nos Estados Unidos, no Chile… agora, nesses lugares acontece alguma coisa que essas pessoas nunca viram o ministro da Fazenda, nunca viram o secretário do Tesouro Nacional ou o presidente da República […]. Estão na Academia, fazendo lá as suas críticas, umas pessoas ouvindo, outras não ouvindo e vida que segue. Não têm relevância na formulação da política econômica do País. Elas podem fazer uma formulação crítica que gere literatura, uma reflexão que resulte em algum eco, mas não vão lá formular a política econômica. No Brasil elas vão. Na Argentina, na época da Cristina, tinha aquele sujeito lá de costeletas [Axel Kicillof, ministro de Cristina Kirshner entre 2013 e 2015], na Venezuela tem outro lá…agora, olha o Chile. Saiu o Piñera, entrou a Bachelet, que todo mundo diz que é de esquerda, e olha lá os ministros dela: é MIT, Stanford, Princeton… não tem gente maluca. É gente mais social-democrata. Aí sai a Bachelet, entra o Piñera e pegam um cara de Chicago, outro de Minnessota, do Arizona…sei lá, um cara mais de centro-direita. Do ponto de vista da economics, da teoria positiva, todos pensam igual. A Bachelet não põe gente que acredita no moto-perpétuo. Aqui, quando a esquerda ganha, fazem isso.
– Deixa eu te fazer uma pergunta que eu fiz para o Marcos: quando o Lula assumiu, todo mundo ficou com medo, mas ele não botou fogo em Roma. Pelo contrário…
– …muito pelo contrário! Ele foi mais conservador […]. Deixa eu te dizer uma coisa: eu votei no Lula em 2002. E o motivo é muito simples. Não tenho nada contra o José Serra, muito pelo contrário, ambos somos palmeirenses, mas eu tenho um pé atrás com o intervencionismo a lá Getulio Vargas nos anos 50, o segundo PND do Geisel… eu acho que isso não funciona. O Brasil cresceu ali por outros motivos e eu sei que o Serra é um cara muito intervencionista. Ele tem saudades lá dos anos 50 e para mim era muito claro que o Lula, por ter vindo do povo, sofreu muito com a inflação. Quem é pobre e viveu os anos 80, 90, sabe que a inflação machuca. Então, era muito claro para mim que o Lula seria conservador na economia pela própria experiência de vida […]. Olha, antes de entrar nisso eu preciso voltar um pouco sobre o porquê do nosso aprendizado ser tão lento. Acho que um dos motivos é que entre os nossos profissionais de economia não existem acordos mínimos.
– Não existem?
– Exato, não existem. Como falei antes, você tem profissionais de economia para quem o gasto público se autofinancia eternamente. Essas pessoas […] Você olha para a Coreia. A Coreia, em 1960, era 1/3 do Brasil em renda per capita, hoje é três vezes mais. Eles construíram um dos melhores sistemas educacionais do mundo. Ou seja, se eram quase analfabetos em 1940, hoje todo mundo estuda no ITA, faz o PISA… as taxas de poupança da Coreia são 35% do PIB. As famílias da Coreia poupam muito e a carga tributária é baixa. O Estado, apesar de tributar pouco, produz com eficiência metrô, estradas e infraestrutura. Então veja, parece que isso explica o crescimento econômico, mas tem um monte de economista que acha que educação, poupança, contas equilibradas, uma política econômica fiscal e macroeconômica em ordem, são desimportantes. Que a Coreia ficou rica por causa do BNDES deles, dos campeões nacionais deles…que os fundamentos são consequência e não a causa. Entende? E essas pessoas são muito atrativas para o populismo.
– …estamos melhores agora do que há 2 anos, há 3 anos, mas a tinta ainda não deveria estar fresca para essas pessoas?
– …eu vou te falar uma coisa: vai lá em Campinas e converse com os economistas da nova geração. Eles vão te dizer que a crise foi culpa do Levy. Do ajuste fiscal do Levy. Nunca fizeram uma conta. São incapazes de fazer um artigo técnico rigoroso, bem estimado, e submetê-lo a uma revista brasileira de economia. Qualquer revista. E o fato de serem incapazes de produzir um paper acadêmico de alto nível, com as melhores técnicas, que sustentem essa visão amalucada deles, não faz com que eles tenham dúvida. E ainda assim eles continuam achando…
– …mas então é uma questão de fé? Não vira fé?
– Vira! Eu acho que essas pessoas têm uma relação religiosa com o conhecimento. Eu acho isso. Acho que uma boa parte da heterodoxia brasileira, de Campinas e da UFRJ, é religiosa. Eles não olham dados, não constroem modelos que possam ser estimados estatisticamente e não testam as hipóteses deles. Eles acreditam. É um ato de fé.
– Escuta, você mencionou o Ciro…
– Isso…
– A pergunta é: você não fica aflito quando ouve o Ciro falar? Não te causa certo receio? Inclusive pelo fato dele ser capaz de distorcer dados e datas, por falar em rever medidas…
– Em primeiro lugar eu devo dizer que compartilho do seu medo. E acho que as chances do Ciro chegar no segundo turno são elevadíssimas. No meu entender, o Ciro Gomes tem o melhor discurso da política brasileira. Ele tem um português muito bonito. Ele fala bonito sem ser pedante. Eu adoro ouvir o Ciro Gomes falar…
– Mas tem de tirar o conteúdo…
– Exatamente. Se você tirar o conteúdo, é o melhor. O estilo dele… é um discurso melhor do que o do Lula, inclusive. Se você notar, nos discursos do Ciro Gomes não tem uma muleta linguística. Não tem “sabe”, “aí”, “né”…é tudo conectado, sujeito, predicado, vocabulário rico… é um anti-Dilma. Só fala barbaridades, mas eu fico pensando […]. No ano passado, ele veio fazer uma palestra na Escola de Sociologia e Política, aqui na Vila Buarque, e eu fui. Inclusive para conhecer um pouco o pensamento dele. E eu fiquei ouvindo ele e pensando, “ora, eu sou um professor de economia, se eu tivesse de debater com ele, como que eu desmontaria as bobagens que ele está falando?”…e não seria fácil, porque eu precisaria me explicar demais. Você tem toda a razão, ele pega um dado e distorce um pouco. Vou dar um exemplo. Nessa palestra […] Ele adora falar mal do FHC. É uma coisa engraçada, o FHC saiu há 15 anos, mas ele tem lá um problema. O FHC não fez ele ministro e ele ficou amargurado. A gente pode até discutir um pouco futebol e amargura, porque eu tenho uma tese sobre isso envolvendo a campanha da seleção na Copa da África do Sul…
– Opa! Vamos, claro!
– …mas, sobre o Ciro, a relação que ele tem com o FHC é amargurada, de dor… Então, lá pelas tantas, ele falou: “ah, a dívida externa com o FHC chegou a x”. Eu não chequei, provavelmente o número estava certo. Tenho certeza que estava certo. E ele continuou: “A gente tinha uma dívida pública tal, em tal data, e era 60% do PIB, o que eles estão reclamando da dívida agora?”, foi alguma coisa assim. Bem, a gente sabe, o país tem uma história complicada, vinha de uma hiperinflação e fez uma estabilização. O PSDB cometeu os seus erros e os seus acertos; uma parte da dívida pública naquela época era denominada em dólares, houve o risco do Lula ganhar e o PT é um partido que ficou vinte anos só falando bobagem. Quando o risco deles ganharem aumentou, o mercado se assustou e o risco-país explodiu, levando junto aquela parte da dívida denominada em dólares. Pois bem, como a gente estava falando, o Lula assumiu de uma maneira muito responsável, pôs um ministro da Fazenda espetacular, meio gênio (Antônio Palocci) e aí o câmbio voltou, fazendo a dívida cair. Obviamente, quando foi discursar, o Ciro pegou o pico da situação. Ele não contextualizou que tinha uma parte dolarizada, apenas pinçou o momento ideal para fazer o seu argumento. Essa desonestidade o Ciro comete a rodo. Hoje mesmo, na Folha, aquela seção em que checam as falas dos políticos, pegaram umas quatro dele. Ele faz isso o tempo todo e, como fala bem, com muita fluência, você acha que os dados estão certos. A forma contamina o conteúdo […]. Por outro lado, o legado dele e do irmão dele, quando estiveram à frente do Estado do Ceará, é positivo. O que é uma ótima notícia para o Brasil. Agora o crime estourou lá, ficou meio chato, mas o saldo é positivo. Também lá ele foi um homem de responsabilidade fiscal. Sempre teve cuidado com as contas públicas. Quando ele foi ministro do Itamar Franco, substituindo o Ricupero, foi um cara super liberal. Brigou com a FIESP para abrir mais a economia. Então ele é um cara paradoxal. O discurso dele hoje é brizolista, intervencionista, nacional-desenvolvimentista dos anos 50, não tem nada a ver com a ação dele. Eu olho e acabo ficando super… em inglês tem aquela palavra, puzzled… eu fico apatetado. Fico me perguntando “por que ele virou brizolista?”. Por que ele quer esse intervencionismo que só deu errado?
– Mudando de assunto, hoje você é colunista em um jornal importante, mas como essa vontade de se comunicar com o público surgiu?
– É engraçado isso, Vitor, mas a economia demora a entrar […]. Para você virar um bom economista acadêmico, que faz pesquisas de alto nível, é super difícil, requer muito trabalho, mas é uma coisa que dá para aprender com uma maior rapidez. Os jovens tendem a ser melhores nisso, por serem mais criativos, mais inventivos…Agora, você ter um conhecimento econômico amplo e conseguir usar isso para falar sobre o mundo, pelo menos para mim, demorou décadas. E como eu sou formado em Física, eu tinha sempre uma certa insegurança de ter vindo de outra área. Tinham umas coisas básicas que eu não havia estudado…depois eu estudei tudo, estudei contas nacionais a fundo, mas eu demorei muitos anos para me sentir proprietário desse conhecimento e desse saber. Com independência intelectual para usar ele, para conversar com você, para falar publicamente, escrever em um jornal… só comecei a fazer essas coisas cinco anos atrás.
– E você consegue pensar em um momento específico?
– […] a minha passagem pelo gabinete do senador Tasso Jereissati foi fundamental para que eu me transformasse no que eu sou hoje. Acho que, para um profissional de economia, trabalhar no gabinete de um senador atuante, ativo no Senado e na Câmara, é uma experiência única. E eu fui muito abençoado, porque trabalhar com um político do nível do Tass foi uma das experiências profissionais mais gratificantes que eu tive. Um privilégio.
– Por falar em Tasso… Você acha que o PSDB foi o adversário ideal para o PT, por não ter sido tão combativo na oposição quanto os petistas foram durante os governos tucanos? É possível fazer essa crítica?
– Eu acho que não. Acho que não dá. Eu acho que a maneira como o PSDB fez oposição é a maneira correta.
– Mesmo?
– Acho. A nossa Constituição é de 1989. Desde então, já foram aprovadas mais de cem emendas constitucionais. Temos um sistema que os cientistas políticos chamam de democracia consensualista, que é um sistema cujas regras são todas desenhadas para obrigar a construção de consensos o tempo todo. Há imensas instâncias de negociação e muitos grupos com poder de veto. A gente pode mudar o sistema, mas ele foi feito assim. O presidente é eleito com 18% do Congresso. Então, ter uma oposição predatória, como o PT foi, é muito disfuncional.
– Eu não estou defendendo o “quanto pior, melhor”…
– …mas eu acho que o erro do PSDB não foi esse, no papel da oposição. O erro foi não ter digerido bem a derrota em 2002 e as qualidades e os defeitos durante os oito anos que eles ficaram na Presidência da República. Não defenderam o próprio legado […]. A transição de poder é normal, mas, se quando você perde, você defende o seu legado e olha a longo prazo, quando a sua vez de voltar chegar você estará pronto.
Luiz Sérgio Henriques: O caos ao redor
A esquerda abdicou da renovação do sistema político, contribuindo para sua deterioração
Os sinais de alarme agora soam com estridência e vêm das mais variadas partes: a democracia política, tal como a conhecemos, está submetida a tensões talvez inéditas, ameaçada por inimigos inesperados e considerada por muitos como incapaz de se expandir e garantir uma vida cívica à altura de suas promessas. A eleição de Donald Trump em 2016, mesmo descontado o fato não irrelevante de sua derrota no voto popular, como que acentuou brechas até então pouco percebidas: aqui e ali, vozes que se supunham definitivamente ultrapassadas ou, quando muito, com vocação minoritária adquiriram novo fôlego e, como se tornou comum dizer a partir de então, passaram a amplificar o mal-estar dos “perdedores” da globalização.
Na desorientação não só política, mas sobretudo cultural, que nos marca a todos e encurta nossos horizontes, houve quem, à esquerda, saudasse a ascensão do novo presidente americano como um revés fatal para o neoliberalismo globalista, tal como, algum tempo antes, a queda do Muro de Berlim havia selado a sorte do socialismo real. O nativismo e o protecionismo econômico de Trump seriam uma estratégia a ser imitada, com as devidas alterações, pela esquerda dita soberanista, que pressupunha assim as fronteiras nacionais como as mais adequadas para a defesa da cidadania política e social. Nenhuma reminiscência, nessa esquerda, do clássico internacionalismo do Manifesto marxiano, que cantava em prosa e verso a capacidade capitalista de arquivar provincianismos, dissolver barreiras nacionais e unificar, ainda que contraditoriamente, a sociedade dos homens e das coisas.
E talvez mais grave ainda: subestimava-se o impacto que a nova presidência teria, como tem tido, sobre a democracia na América e, consequentemente, em todo o mundo. De fato, as pulsões extremistas que sustentaram o triunfo de Trump, com sua carga de racismo, sexismo e xenofobia, inevitavelmente produziriam um efeito corrosivo sobre a coesão social. A polarização destrutiva viria a se confirmar como o novo padrão de enfrentamento político, amplificado, ainda por cima, por “guerras de cultura” em desfavor da mais recente geração de direitos, ambientais e de gênero, que pouco a pouco abria caminho. Projetando-se para além dos Estados Unidos, o trumpismo reforçaria tendências francamente reacionárias um pouco por toda parte, como nos é dado ver até bem perto de nós, entre outras coisas, com a instrumentalização irresponsável de valores familiares e religiosos.
Uma após outra, e já com exceções contadas, as democracias europeias entraram em sofrimento, arrastando nisso o extraordinário projeto da casa comum. A social-democracia alemã agora refaz sua aposta, não isenta de riscos, na grande coalizão com os democratas-cristãos de Angela Merkel, uma dirigente de exceção, como se viu no acolhimento dos fugitivos das guerras no Oriente Médio em 2015. Não fosse o fenômeno Emmanuel Macron, a repropor um “centro” que queremos ver ousado e renovador, a velha França de 1789 seria palco, hoje, de aventuras irresponsáveis. E na Itália, país de rica tradição de esquerda, duas modalidades relativamente distintas de populismo, uma das quais de extrema direita – a Liga de Matteo Salvini –, amealharam os votos de expressiva maioria. Ainda que por ora não se saiba o que farão exatamente com o largo consenso obtido, trata-se de uma mudança de tal ordem que faz do notório Silvio Berlusconi um exemplo de “moderação”. E a esquerda, quer a reformista do Partido Democrático, quer as formações radicais, terá de se reconstruir em condições críticas, com déficits programáticos e dificuldades de inserção, dada a mudança verdadeiramente epocal das estruturas econômicas e sociais.
O ciclo da esquerda latino-americana no poder não foi a luz no fim do túnel. A transição exemplar no Chile, com a passagem de bastão entre Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, entre o centro-esquerda e o centro-direita, é acontecimento a ser saudado efusivamente na perspectiva de uma regular democracia de alternância. Processos muito diferentes entre si – eleições no Equador e na Argentina, impeachment no Brasil – sofrem o estigma do “golpe”, palavra que se vulgariza no pensamento único de uma certa esquerda populista e autoritária, que, como mostra o caso chileno, está longe de ser a única possível. Na Bolívia, reeleições indefinidas para sagrar o mesmo mandatário, ainda que contra o veredicto formal de um plebiscito, são justificadas como expressão de respeito aos direitos humanos do mandatário: nada mais do que um acinte. E a infeliz Venezuela, à beira de tragédia humanitária, contribui para desonrar o conceito de esquerda aos olhos dos democratas de todos os matizes. A insanidade, com efeito, não se detém diante de limites ideológicos. Será, ao contrário, uma das propriedades mais bem distribuídas entre dramas e atores de qualquer orientação.
A esquerda latino-americana, na floração mais recente, deu sua chancela à polarização que destrói o terreno comum representado pelas democracias constitucionais. Fugiu do tema crucial do centro político, apostando na contraposição entre povo e “elites”, aí incluídas as modernas classes médias e as profissões liberais, que seriam reacionárias por definição. Ou, então, considerou aquele tema de modo matreiro, acionando mecanismos de cooptação dos adversários/inimigos a partir do controle das alavancas estatais. Como mostrou o exemplo brasileiro, abdicou do papel histórico de renovação do sistema político, contribuindo antes para sua deterioração e ruína.
Os sinais são múltiplos e contraditórios – e nem todos auguram bom desfecho. Na falta de uma gazua ideológica, só por tentativa e erro será possível lê-los. Em outras ocasiões de risco extremo, houve uma esquerda, inclusive comunista, que soube interpretar o mundo real e acorrer em defesa da civilização. Só venceremos o caos ao redor se assim for também desta vez.
Luiz Paulo Vellozo Lucas: Para pensar uma Política Industrial contemporânea
A maioria dos economistas liberais ilustrados(1) que tornaram-se hegemônicos no Brasil, principalmente depois do sucesso do Plano Real, considera que não deve haver uma politica industrial. A ideia de uma política de governo voltada para produzir crescimento econômico orientando e incentivando setores e produtos que devem ser produzidos internamente no país é percebida como sendo equivocada. Apenas políticas econômicas transversais, que atuem sobre toda a estrutura produtiva são recomendadas. Segundo essa visão, as vantagens competitivas do ambiente econômico, a competição internacional e a competência empresarial determinam o resultado final em relação aos produtos e serviços que o país consegue produzir competitivamente. Pretender alterar este resultado por ação do estado seria voluntarismo governamental definido pela expressão “pick the winner”, traduzida livremente como sendo a estratégia dos “campeões nacionais” usada para desqualificar liminarmente qualquer tipo de politica industrial.
A origem desta controvérsia remonta ao final da segunda guerra mundial com a polêmica entre Roberto Simonsen e Eugenio Gudin(2) . A vitória do projeto nacional desenvolvimentista consagrou a política industrial de substituição de importações que orientou a economia brasileira por mais de seis décadas. Foi ideia força principal em particular no segundo governo Vargas e nos governos Kubitschek e Geisel. O nacional desenvolvimentismo e a política de substituição de importações foi uma verdadeira estratégia nacional durante todo o pós guerra(3).
A vitória do nacional desenvolvimentismo aconteceu em grande parte em função da restrição cambial oriunda da baixa capacidade de importar da economia primário exportadora. O café só deixou de ser o principal produto de exportação do Brasil em 1984 e assim a balança comercial, dependente da importação de petróleo e bens industrializados, era estruturalmente deficitária da mesma maneira que a balança de serviços. Na medida em que o investimento direto estrangeiro era virtualmente inexistente, a conta de capital era incapaz de equilibrar os déficits acumulados nas balanças comercial e de serviços. Assim a politica industrial substitutiva de importações era útil na prevenção e no enfrentamento de crises cambiais e para o equilíbrio do balanço de pagamentos. Perseguir metas de geração de superávits comerciais era um objetivo macroeconômico, particularmente na eminencia de crises de balanço de pagamentos reforçando o argumento dos beneficiários de proteção e subsídios, ajudando-os a serem vistos como patriotas defensores do interesse nacional.
Além disso , no receituário macroeconômico de Gudin o combate a inflação era peça central. Sabe-se hoje que a contração monetária e creditícia por ele defendida e executada quando no comando da área econômica era derivada da teoria quantitativa da moeda que foi abandonada em todo o mundo e sua aplicação em economias como a brasileira tornava-se mais veneno do que remédio.(4) O efeito recessivo e contracionista da politica antiinflacionária reforçava o argumento nacional desenvolvimentista e ajudava a consolidar a opção pela politica industrial de substituição de importações.
Na esteira do golpe de 1964 e reagindo ao quadro de desordem macroeconômica herdado do governo João Goulart, o primeiro general presidente Castelo Branco adotou o PAEG(5) sob a coordenação de Roberto Campos e Otavio G. de Bulhões, discípulos de Gudin. O plano concentrou-se em reformas institucionais que desenharam o arcabouço regulatório da economia brasileira moderna e um novo sistema financeiro. A abertura da economia , as privatizações e o Plano Real, nos governos Collor, Itamar Franco e FHC(6) avançaram na direção de politicas transversais e desmontaram os principais instrumentos de intervenção governamental criados para induzir a substituição de importações. A estratégia da Integração Competitiva lançada pelo BNDES em 1986(7) e a PICE(8) lançada no governo Collor em 1990 tiveram alcance limitado com avanços pontuais importantes como o inicio das privatizações, o fim da reserva de mercado na informática e a abertura comercial mas não lograram seu intento de fazer uma “nova politica industrial” capaz de ser articuladora de um ativismo governamental sem o voluntarismo e o intervencionismo extensivo das épocas áureas da substituição de importações.
Tratava-se agora de perseguir um novo objetivo: o crescimento econômico pela conquista de competitividade no mercado global entendida como sendo a capacidade de produzir produtos e serviços com padrões internacionais de preço e qualidade. A criação do Ministério do Desenvolvimento no segundo governo FHC , tendo Luiz Carlos Mendonça de Barros como ministro foi outra tentativa de organizar um ativismo governamental moderno, que fosse desenvolvimentista mas sem ter a substituição de importações como estratégia nem o voluntarismo estatal como método. Sua atuação foi periférica e a saída do ministro foi vista como um funeral da politica industrial, sempre tratada com muita desconfiança pela equipe econômica completamente dedicada `a estabilização da moeda que claramente ainda não estava consolidada.
O Programa Nacional de Desestatização PND foi a iniciativa mais abrangente em termos de decisões de governo com impacto estrutural na economia. Iniciado no governo Collor teve continuidade com Itamar Franco e FHC, inclusive com a manutenção de seu coordenador, o presidente do BNDES Eduardo Modiano. Foram privatizadas 256 empresas entre 1990 e 2002. O PND evitou fazer escolhas e formular estratégias setoriais para orientar as privatizações preferindo contratar um estudo por licitação pública. Este modelo era conhecido como a privatização da privatização, uma recusa explicita em se fazer algum tipo de política industrial.
Quando o setor petróleo entrou na pauta o caminho escolhido foi outro. A quebra do monopólio da Petrobras necessitava de emenda constitucional e para aprova-la assim como uma lei que regulamentasse o modelo concorrencial aberto seria preciso um amplo debate e um processo de convencimento publico. A Lei 9478/97 relatada pelo então deputado Alberto Goldman foi uma reforma estrutural completa. Uma verdadeira estratégia de politica industrial. Seus resultados extraordinários em 10 anos culminaram na descoberta do pré sal em 2007 no inicio do segundo governo Lula despertando a cobiça populista do governo. Destruir o modelo concorrencial exitoso foi o marco zero da recaída nacional desenvolvimentista em sua marcha batida para o desastre.(9)
Michael E. Porter em seu livro “A vantagem competitiva das Nações” publicado em 1990 já continha os fundamentos do que deveria ser uma revisão estrutural da politica industrial brasileira em direção a objetivos de aumento da produtividade visando ganhos crescentes de competitividade. Novos e modernos instrumentos deveriam entrar no lugar do intervencionismo grosseiro que marcou o período anterior, compatíveis com uma economia de mercado integrada a economia mundial. Como sabemos, a luta contra a hiperinflação era mais urgente e foi ela que dominou a agenda econômica do Brasil.
Nas décadas onde prevaleceu o nacional desenvolvimentismo produziu-se um sem numero de normas e criaram-se instituições com pouco ou mesmo nenhum efeito na geração de capacidade produtiva. Quase sempre o principal efeito foi o aumento dos custos de transação e redução da competitividade. O corporativismo e o voluntarismo estatal foram postos a serviço de incontáveis interesses econômicos localizados com baixa ou nenhuma funcionalidade, mesmo considerando-se os objetivos autárquicos da substituição de importações. Ineficiências estruturais de grandes dimensões na estrutura produtiva e o aparato regulatório herdado da substituição de importações colocaram a necessidade de reformas e reestruturação institucional como uma espécie de agenda antecedente de uma nova politica industrial.
A recaída nacional desenvolvimentista a partir do segundo governo Lula não teve a motivação macroeconômica da crise de balanço de pagamentos e por isso foi muito diferente dos ciclos anteriores. Sua motivação foi essencialmente de natureza política vinculada ao objetivo de perenizar o projeto de poder lulo-petista. O oportunismo populista ressuscitou o modelo “pai dos pobres e mãe dos ricos” na forma de um desconjuntado portfolio de ações supostamente promotoras de crescimento econômico iniciado com o PAC em 2007. Seguiu-se a hipertrofia do BNDES com recursos do Tesouro Nacional, a mudança do marco regulatório do petróleo depois da descoberta do pré sal em 2007, a MP 259 do setor elétrico e a chamada nova matriz econômica. O resultado é trágico e feio como uma colisão frontal entre dois trens de passageiros. O desastre econômico, social e político do projeto Lulo-petista deu perda total, provocou o impeachment de Dilma Roussef e nos legou a maior recessão da história, a maior destruição de valor já registrada, crise fiscal e desequilíbrio macroeconômico, além de desconfiança generalizada e desmoralização progressiva das instituições.
Reestruturação competitiva e reformas
Uma politica industrial para o século XXI possui necessariamente duas dimensões sendo a primeira voltada para uma agenda de reformas institucionais, transversais na estrutura produtiva, com destaque absoluto para a reforma tributária. Inclui também a revisão de marcos regulatórios obsoletos e disfuncionais muitas vezes chamada de agenda de reformas microeconômicas. Novos arranjos regulatórios que assegurem segurança jurídica para empreendedores e investidores privados e também para os governos subnacionais apequenados pelo federalismo de subserviência que amedronta e inibe o poder local impedindo a reinvenção modernizante do estado brasileiro e o próprio desenvolvimento.
Naturalmente os desafios relacionados com a superação da crise fiscal estarão presentes e se articulam com a reestruturação competitiva já iniciada no governo Temer no setor de petróleo e energia. A reforma do sistema financeiro, dos bancos e fundos públicos e o fortalecimento do mercado de capitais também devem ser tratados tanto para dar sustentabilidade fiscal ao equilíbrio macroeconômico quanto para viabilizar a poupança interna e o investimento produtivo. A financeirização(11) e a globalização são características do mundo dos negócios no século XXI e uma nova política industrial não pode ser mercantilista nem autárquica.
O Brasil não se beneficiou da expansão de cadeias globais de valor como os países em desenvolvimento que forçaram sua integração nos últimos anos e passaram a se apropriar de uma parcela maior da renda mundial. Como é sabido a recaída nacional desenvolvimentista promovida nos governos Lula-Dilma, fez o contrário, incentivou substituição de importações e o adensamento das cadeias de fornecedores. A reestruturação competitiva tem que desfazer-se do entulho institucional do passado ainda existente além de remover os escombros do desastre petista para ser possível empreender um novo ativismo em direção `as oportunidades e desafios do mundo contemporâneo.
A reestruturação competitiva é a primeira dimensão de uma nova politica industrial mesmo sabendo que a agenda de reformas é usualmente vista apenas por sua importância na defesa do equilíbrio fiscal e da estabilidade macroeconômica. As politicas de curto prazo em situações de crise nem sempre se articulam de forma saudável com a estratégia de longo prazo orientada para empreender transformações estruturais. No pós guerra elas coincidiram. Hoje também existe convergência entre os objetivos conjunturais vinculados ao equilíbrio macroeconômico do país e a agenda da reestruturação competitiva.
Integração Competitiva
A integração da estrutura produtiva brasileira `as cadeias internacionais de agregação de valor é o objetivo principal que preside a segunda dimensão da política industrial brasileira para o século XXI.(10) velocidade com que as inovações tecnológicas criam e destroem mercados e competências adquiridas fazem com que a certeza da mudança seja a única coisa realmente previsível. A materialização desta integração acontece quando novos contratos acontecem. Contratos de compra e venda de mercadorias e serviços nos mercados “spot”; contratos de compra e venda de m&s com garantia firme de suprimento em “suply chains” e contratos de capital em “joint ventures”, fusões, aquisições e participações minoritárias. A presença e o investimento de empresas brasileiras em outros mercados é fundamental para que as oportunidades surjam e se concretizem em novos contratos.
Fundos de investimento desempenham um papel fundamental nos negócios internacionais e seus gestores são hoje os principais atores do mercado internacional. Os executivos das empresas que são “global players”, CEO`s, CFO`s , conselheiros, consultores e gerentes trabalham em regimes rigorosos de metas de desempenho sempre com remuneração variável em função do resultado e possuem uma rotatividade muito maior do que nas empresas produtivas do passado. Os fundos participam temporariamente de inúmeras operações (empresas) buscando sempre melhorar sua performance em termos de retorno dos investidores.
Os governos também mudaram sua maneira de intervir e incentivar o que interessa aos seus países. Fóruns multilaterais, diplomacia comercial e acordos bilaterais são decisivos e ocupam os agentes governamentais que precisam ser preparados para estas tarefas. A relação de parceria e cumplicidade entre o interesse do país e o mundo dos negócios não pode se degenerar em tenebrosas transações mafiosas nem ser transformada, relações de compadrio nem a politica industrial deve institucionalizar o capitalismo de laços. Bancos de investimento e de comercio exterior estatais também desempenham um papel relevante no processo de integração e na concretização de novos negócios.
O livro “Porque as nações fracassam” de Daron Acemoglu e James Robinson, já é um novo clássico. Sua receita para o sucesso é a adoção de instituições econômicas e políticas includentes, que são capazes de reconhecer, incentivar e premiar comportamentos inovadores que agregam valor e também coibir praticas predatórias “extrativistas” que capturam renda da sociedade por mecanismos espúrios . Uma politica industrial que articule agentes públicos e privados para objetivos comuns de integração competitiva e desenvolvimento sem promiscuidade precisa funcionar e ser reconhecida como sendo uma instituição includente, capaz de angariar o respeito e a confiança da sociedade e dos mercados.
A boa governança nos mercados privados, na gestão das empresas, nos negócios velozes e inovadores do século XXI significa antes de tudo o reconhecimento de que é a confiança(11) que assegura e garante a expectativa de valorização dos ativos. Mais do que nunca no mundo moderno a riqueza é lastreada fundamentalmente em confiança. Os governos e as politicas publicas, particularmente a politica industrial precisa ter governança transparente e “acountability”, procedimentos e normas aceitas por todos os atores públicos e privados, compromisso com padrões de conformidade para que possa inspirar confiança e exercer um ativismo governamental saudável , reconhecido como “fair trade” no contexto das relações internacionais.
Notas
- André Lara Resende se refere `a “tecnocracia liberal ilustrada” e a Gudin como seu primeiro expoente para designar os economistas que estiveram, como ele, na linha de frente do Plano Real em Juros Moeda e Ortodoxia, Portfolio-Penguin 2017.
- André Lara Resende: Linhas mestras Gudin e Simonson em Juros Moeda e Ortodoxia, Portfolio-Penguin 2017
- Sergio Besserman Vianna e André Villela: O pós-Guerra (1945-1955) em Economia Brasileira Conteporânea. Organizado por Fabio Giambiagi, André Villela, Lavínia Barros de Castro e Jennifer Hermann. Campus Elsevier 2004.
- André Lara Resende. Juros e conservadorismo intelectual. Artigo para Valor Econômico em janeiro de 2017.
- Jennifer Hermann. Reformas, endividamento externo e o “Milagre” econômico. Em Economia Brasileira Conteporânea. Organizado por Fabio Giambiagi, André Villela, Lavínia Barros de Castro e Jennifer Hermann. Campus Elsevier 2004.
- Edmar Bacha. Década de 1990. Em Economia Brasileira: Notas breves sobre as décadas de 1960 a 2020. Livro comemorativo dos 60 anos da Itaú Asset Management.
- Júlio Olimpio Fusaro Mourão. Integração Competitiva e o Planejamento Estratégico do BNDES. Em Revista do BNDES dezembro de 1994.
- Diretrizes Gerais de Politica Industrial e de Comercio Exterior. Portaria MEFP Nº 365, De 26 De Junho de 1990. DOU 27/06/1990.
- Luiz Paulo Vellozo Lucas. A derrota de um modelo de sucesso. Em Petróleo: Reforma e contra reforma do setor petrolífero brasileiro. Organizado por Fábio Giambiagi e Luiz Paulo Vellozo Lucas. Campus Elsevier 2012.
- Ricardo Tavares: Trazer a política industrial para o século XXI. Em FAP Fundação Astrogildo Pereira
- Gustavo H.B.Franco. A construção da moeda fiduciária é a historia da confiança, base do sistema financeiro. Em A Moeda e a Lei. Uma história monetária brasileira 1933-2013. Zahar 2017.
Demétrio Magnoli: A OMC na Rodada Trump
Roberto Freire: A recuperação econômica vai à mesa
Depois de enfrentarmos três anos da maior recessão econômica da história brasileira, não são poucos os dados que apontam o início de um processo cada vez mais consolidado de retomada. Se, até há pouco tempo, grande parte da população ainda não sentia os efeitos mais visíveis de uma evidente recuperação, nos últimos meses houve uma mudança significativa justamente nos hábitos de consumo das famílias – que, aos poucos, voltaram a incluir em sua lista de compras alguns produtos e mercadorias que haviam sido cortados em função da crise.
Para que se tenha uma ideia do impacto desse fenômeno, um levantamento realizado pela consultoria Kantar Worldpanel mostra que, em 2017, a manteiga retornou à mesa de nada menos que dois milhões de lares brasileiros ao menos uma vez no ano, ao invés da margarina. No ápice da grave crise que assolou o país durante o governo de Dilma Rousseff, o produto marcava presença em 32,9% dos lares – esse índice saltou para 36,8%. Ainda de acordo com a pesquisa, é algo semelhante ao que ocorreu com o azeite de oliva, que desbancou o óleo de soja e retomou o seu lugar na lista de compras de 1,4 milhão de famílias. O requeijão, a batata congelada e o pão industrializado também retornaram ao cardápio dos brasileiros.
Não há dúvidas de que, entre os fatores que permitiram essas mudanças nos hábitos de consumo, estão a inflação baixa, a taxa de juros em seu menor patamar histórico, o aumento da renda e certo reaquecimento do mercado de trabalho, embora ainda tímido. Além de tudo isso, houve uma expressiva redução no endividamento das famílias – que comprometia 19,9% da renda mensal em dezembro do ano passado, de acordo com dados do Banco Central, índice inferior aos 22,8% registrados em 2015.
Especialistas têm estimado, de forma reiterada e praticamente unânime, que a economia brasileira seguirá firme na rota da recuperação nos próximos meses. O varejo, por exemplo, deve registrar um crescimento de mais de 4% em 2018 – o que pode ser fundamental para que as previsões de expansão de 3% do PIB ao final do ano se concretizem. Segundo a Tendências Consultoria Integrada, São Paulo e alguns estados da região Norte devem ser os maiores responsáveis por puxar o consumo. Economistas do banco Santander, por sua vez, já projetam um ganho de mais de R$ 120 bilhões para a economia nacional somente em função do aumento da massa salarial e da retração do endividamento das famílias.
Diante de tantas notícias auspiciosas, que agora se transformam em realidade palpável para a grande massa da população em seu dia a dia, é cada vez mais nítido que o trabalho desenvolvido pela equipe econômica do governo de transição merece ser reconhecido. Só não o é, como era de se esperar, pela oposição histriônica liderada pelo PT, refém da própria desfaçatez criada por meio de narrativas que pouco ou nada tem a ver com o mundo real, desprovidas que são de maior credibilidade e cada vez mais isoladas da opinião pública e da sociedade em geral.
Apesar de todo o descalabro deixado como herança perversa pelos governos lulopetistas, sobretudo com uma economia destruída após 13 anos de incompetência e irresponsabilidade na condução do país, o fato é que a população brasileira vem superando os momentos mais dramáticos da recessão e já começa a olhar para frente, em direção a um futuro mais digno.
Ainda há muito por fazer, é evidente. Mas não há como negar que o Brasil voltou aos trilhos e está novamente no caminho certo. Mais do que nunca, agora é necessário consolidar a recuperação da nossa economia, aprovar as reformas, ampliar a geração de empregos e aguardar com grande expectativa as eleições de outubro próximo.
Será a hora em que o povo brasileiro, de forma livre e soberana, dirá que país deseja pelos próximos quatro anos. Sem nenhum exagero, de forma emblemática e categórica, os alimentos de volta à mesa constituem a melhor e mais contundente resposta àqueles que desejam voltar ao passado. Derrotamos a recessão. Não podemos retroceder.
Monica de Bolle: Alta rotatividade
Que o Brasil trate de se cuidar, pois o País é a vítima mais vulnerável às vicissitudes de Trump
Não dá nem para chamar de dança das cadeiras. Não há música, nem brincadeiras. A rotatividade dos mais altos escalões do governo Trump em meio às complicadas negociações do Nafta, à imposição de tarifas sobre o aço e o alumínio e ao repúdio global que as medidas geraram, ao possível encontro entre Trump e Kim Jong-un – o volátil líder norte-coreano –, é de arrepiar os cabelos. Depois da saída ruidosa de Gary Cohn, o principal assessor econômico de Trump e única pessoa do círculo íntimo capaz de frear os piores instintos protecionistas do ocupante da Casa Branca – agora irrefreáveis – foi a vez do secretário de Estado, Rex Tillerson, ir para o olho da rua. Não era surpresa que Trump e seu escolhido para o posto mais alto da diplomacia norte-americana já não se entendiam havia tempo. Contudo, a demissão de supetão conseguiu arregalar os olhos de todos os insiders aqui de Washington. Como outros antes dele, Rex Tillerson foi demitido por um tuíte.
Disse Trump sobre a demissão de Tillerson e sobre sua substituição por Mike Pompeo – ex-dirigente da CIA – que Pompeo e ele estão sempre “na mesma página”, isto é, não têm desentendimentos, sublinhando tacitamente as desavenças com Tillerson. “O Acordo do Irã foi terrível”, mas Tillerson não concordava com essa posição de Trump. Assim como dissera recentemente que o envenenamento do ex-espião na Inglaterra ocorrido na semana passada fora culpa da Rússia, tema que o governo Trump não quis discutir. O anúncio de que Trump deverá se encontrar com o líder da Coreia do Norte tampouco passou pelo crivo de Tillerson – o presidente norte-americano fez questão de dizer à imprensa que tomou essa decisão sozinho. Fossem os EUA qualquer outro país bananeiro, os estrondos ininterruptos da Casa Branca seriam o suficiente para jogar a economia no buraco.
Mas os EUA ainda são país onde a economia é pouco afetada pela turbulência constante do ocupante da Casa Branca. E, é quase unanimidade que Tillerson concorre ao posto de pior secretário de Estado nos últimos anos. Ainda assim, o rompante, a ruptura, e a indicação de Pompeo terão consequências. O novo secretário de Estado é tiete de Trump, além de ser a favor do cancelamento do acordo nuclear com o Irã apoiado pelos principais aliados dos EUA. Depois de irritar aliados com a imposição de tarifas sobre o aço e ao alumínio que afetam principalmente esses mesmos aliados, Trump agora torna o parco esforço diplomático de seu governo ainda mais tóxico. Geopolítica e comércio internacional, afinal, são dois lados de uma mesma moeda – aquela que é desbastada impiedosamente pelos caprichos de Trump.
Por quanto tempo aguentará a economia americana, sujeita a tantos sacolejos? Há pouco tempo comemorava-se a redução dos impostos e os bons ventos para a continuidade da expansão da atividade, com excelentes repercussões para o crescimento global. Ainda que alguns chamassem a atenção para os déficits crescentes e a dívida galopante dos EUA, tais alertas não foram suficientes para atenuar a euforia. O estímulo fiscal trumpista é choque de demanda positivo, impulsionando o crescimento e ateando fogo à inflação, ainda que ela tenha se mantido bem-comportada até o momento. Nas últimas semanas, entretanto, elementos adicionais foram somados a esse quadro: o protecionismo desenfreado de Trump e suas tarifas sobre matérias-primas representam choque de oferta negativo, o tipo de choque que reduz o ímpeto da atividade e atiça os preços simultaneamente.
Ora, se há estímulos de demanda e choques negativos de oferta ocorrendo ao mesmo tempo, só os muito ingênuos ou ignorantes a respeito da política econômica para acreditar que os preços permanecerão estáveis aqui nos EUA. É cada vez mais provável que a inflação ganhe fôlego em algum momento, forçando o Fed, o banco central americano, a intensificar o ritmo das altas de juros. Mercados estão atentos aos riscos associados ao estímulo fiscal, porém pouco preocupados com os riscos relativos ao protecionismo exacerbado.
A alta rotatividade do governo americano, e a ainda mais alta voltagem da retórica e da prática protecionista prometem, em algum momento, desarticular a expansão econômica. Que o Brasil trate de se cuidar, pois o País é a vítima mais vulnerável às vicissitudes de Trump.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Luiz Carlos Azedo: As cinco pontes
Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas com 467 mil empregados
Na corrida mundial para reinventar o Estado e modernizar a economia, a China comunista leva vantagem em relação aos Estados Unidos, assim como outros regimes da Ásia em relação às democracias do Ocidente em crise de representação, porque reprime duramente greves e protestos. É a face política mais obscura da globalização, na qual crescem a concentração de renda e as desigualdades, num processo no qual o regime de pleno emprego e os chamados exércitos industriais de reserva perderam a razão de ser. No Brasil, pela primeira vez, o contingente de trabalhadores do mercado informal suplantou o número dos com carteira assinada. As mudanças em curso provocam reações quase ludistas em relação ao surgimento de atividades que substituem as tradicionais, gerando milhares de postos de trabalho, como acontece na disputa entre taxistas e o Uber nas grandes cidades.
O ludismo foi um movimento social ocorrido na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812. Impactados pela Revolução Industrial, os ludistas protestavam contra a substituição da mão de obra humana por máquinas. O movimento ganhou esse nome por causa de seu líder, Ned Ludd. Com a participação de operários das fábricas, os “quebradores de máquinas”, como eram chamados os ludistas, fizeram protestos e revoltas radicais. Invadiram diversas fábricas e quebraram máquinas, por causa do desemprego e das péssimas condições de trabalho no período. O ludismo perdeu força com o surgimento das trade union, os sindicatos da época.
A briga entre taxistas e motoristas de Uber é um bom exemplo do choque de interesses provocado pelas mudanças em curso. Reproduz em escala global um episódio ocorrido na Baía de Vitória em 1927. Uma ponte de aço construída na Alemanha chegou à capital capixaba para permitir a primeira ligação da ilha com o Continente. É um patrimônio histórico e arquitetônico, um conjunto de cinco pontes ferroviárias de aço, interligadas. Tão logo ficou pronta, um açoriano empreendedor criou uma linha de lotação ligando Vila Velha a Vitória, mas houve violenta reação dos catraieiros que faziam a travessia do canal que separa as duas cidades. Ainda hoje é possível fazer a travessia do cais do Paul para o centro da capital do Espírito Santo de catraia, um barco a remo seguro, que transporta até oito pessoas e virou até atração turística. Mas a greve dos catraieiros não tinha a menor chance de dar certo. Assim é o progresso.
Correios
A greve por tempo indeterminado dos funcionários dos Correios pode ter o mesmo destino. Balanço da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), que engloba 31 sindicatos, mostra que a paralisação atinge os estados do Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo (regiões de Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Santos e Vale do Paraíba), além do Distrito Federal. Amazonas e Amapá a qualquer momento podem aderir à paralisação. É uma rajada no próprio pé.
Um dos cases de reforma bem-sucedida na corrida para reinventar o Estado é o Deutsche Post AG, uma empresa alemã de serviços postais e de entregas expressas, a maior em todo o mundo. Com sede em Bona, a empresa tem 467 mil empregados em mais de 220 países. Surgiu em 1995 como resultado da privatização da empresa de correios alemã, Deutsche Bundespost. O escritório federal alemão de correios era um serviço postal e de telecomunicações fundado logo após o final da II Guerra Mundial. Inicialmente foi o segundo maior empregador federal durante seu tempo, mas seu pessoal foi reduzido para cerca de 543.200 funcionários em 1985. A empresa foi dissolvida em 1995 e dividida em três empresas de capital aberto: a Deutsche Post AG, a Deutsche Telekom e a Deustsche Postbank.
Com 5% do comércio mundial nas mãos, hoje a Deutsche Post não entrega apenas correspondências e outras encomendas. Com a subsidiária DHL, a Deutsche Post cobre não apenas as exportações da Ásia para a Europa ou América, mas também entre os países asiáticos. Opera na China com uma rede nacional de transporte com cerca de 300 pontos de apoio. Com a compra da Airborne, a Deutsche Post se tornou a terceira maior empresa de serviço de entrega “express” nos Estados Unidos. Na América do Norte e na do Sul, a companhia alemã de correios conta com mais de 40 mil funcionários. Nos países europeus, excetuando-se a Alemanha, são 75 mil funcionários e um faturamento de 10 bilhões de euros. Incluindo-se as atividades na Alemanha, a empresa movimentou 60 bilhões de euros no ano passado, obtendo um lucro líquido de 2,7 bilhões de euros.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-as-cinco-pontes/
Cristovam Buarque: A ineficiência é injusta
Uma economia pode ser eficiente e injusta, mas uma economia ineficiente não consegue ser justa. Sem democracia os sistemas políticos não têm mecanismos de correção de erros e reorientação de rumos. Dentro do PT repeti isso inúmeras vezes e volto nisso ao assistir a programas na televisão sobre os pobres imigrantes que chegam em Roraima, vindos da Venezuela. Dois repórteres diferentes falaram da extrema pobreza dos venezuelanos, mas também de não haver analfabetos entre eles. Esse fato é a prova de que não se constrói sociedade justa sobre economia ineficiente.
Isso me lembra quando estive em Caracas, em 2006, para o lançamento da versão em espanhol de Um Livro de Perguntas, de minha autoria. Na ocasião, fui convidado pelo então presidente Hugo Chávez para a solenidade em que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarava a “Venezuela Território Livre do Analfabetismo”. Antes do evento, em horas livres da minha agenda, percorri as ruas do centro da cidade com um pequeno papel no qual escrevi o nome e o endereço de uma livraria, que eu mostrava a vendedores ambulantes, pedintes, pessoas que pareciam vagar nas ruas, perguntando como chegar lá. Todos foram capazes de ler o texto.
À noite, em um jantar na casa dos editores do livro, contei o resultado dessa minha experiência ao ex-ministro da Educação de Chávez, Aristóbulo Istúriz, mas disse também o que eu ouvira de diversos críticos ao chavismo: benefícios sociais esbarrariam na irresponsabilidade com as finanças públicas, nas interferências estatais na economia e no desprezo à democracia.
O primeiro compromisso de quem deseja construir uma sociedade justa é manter compromisso com a eficiência econômica: responsabilidade fiscal; não gastar mais do que o arrecadado; manter o endividamento público dentro dos limites prudenciais; não interferir, irresponsavelmente, no mercado, tabelando preços ou manipulando taxas de juros.
Em 1998, defendi que, se eleito, Lula deveria manter o ministro Malan, na Fazenda, ao menos por 100 dias. Fui muito criticado dentro do PT, mas depois o ex-presidente entendeu a importância da eficiência econômica e fez um governo responsável, com base em sua “Carta ao Povo Brasileiro”.
A partir de 2004, os governos Lula e Dilma ficaram longe do compromisso de Chávez para abolir o analfabetismo que chegou a aumentar no ano 2012. A partir de 2011, especialmente com a proximidade das eleições de 2014, apesar de muitos alertas, o governo brasileiro, assim como o da Venezuela, passou a descuidar do seu dever para sustentar uma economia eficiente. Os partidos de esquerda chegaram a afirmar que a economia era uma questão de vontade política, sem necessidade de seguir regras técnicas.
Apesar da triste realidade que vemos na Venezuela, políticos que se consideram de esquerda continuam até hoje, seja por ilusão ideológica, defendendo a ideia de que a justiça social pode ser construída sem necessidade de uma base econômica eficiente, seja por incompetência técnica, achando que a economia será eficiente mesmo que suas bases sejam desrespeitadas.
Foi essa visão que levou a Venezuela ao estado em que está, apesar de toda a riqueza petrolífera. Foi a corrupção, o descuido com as contas públicas e a ilusão com o pré-sal que levaram o Rio de Janeiro ao seu colapso. Isso estava levando o Brasil ao desastre em 2014 e 2015, e ainda pode levar se descuidarmos da regra de que “economia ineficiente não constrói justiça social”.
Se não quisermos olhar para o desastre na Venezuela, basta compararmos os resultados do populismo argentino com a responsabilidade chilena para percebermos o valor dessa regra e sua consequência: os pobres são os primeiros a pagar pelos desastres da ineficiência econômica. Eles podem até ganhar no primeiro momento, com os gastos estatais sem base sólida, com os deficits fiscais para financiar despesas sociais, com o aumento das dívidas, mas são os primeiros a pagar com o desemprego e a inflação.
Por isso, entre os venezuelanos que chegam, não há analfabetos; mas também não há ricos. Estes se beneficiam da economia eficiente e injusta nos governos ditos de direita e se protegem na economia ineficiente e demagógica nos governos ditos de esquerda.
A justiça social não se faz mais por dentro da economia ineficiente, mas usando os recursos criados pela economia eficiente para investir especialmente na construção de um sistema educacional de igual qualidade para todos, na velocidade que a responsabilidade fiscal permitir. (Correio Braziliense – 13/03/2018)
* Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)
Samuel Pessôa: Excesso de liberalismo econômico está por trás do crescimento da China
Quem tem Estado mínimo, o Brasil ou a China? Aqui, a carga tributária é de 32% do PIB, e lá, de 21%
Laura Carvalho, minha colega que ocupa este espaço às quintas, abordou em sua coluna da semana passada o relatório da OCDE(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgado em 28 de fevereiro em Brasília.
Como apontou Laura: "O relatório da OCDE recomenda, além de abrir mais a economia para a concorrência estrangeira e reformar a Previdência, tornar o Banco Central independente, pôr fim à política industrial, desvincular os benefícios sociais do salário mínimo e reduzir o papel do BNDES, entre outras medidas. O conjunto de reformas estruturais propostas, acredita, seria capaz de elevar o crescimento do PIB brasileiro em 1,4 ponto percentual ao longo dos próximos 15 anos".
Segundo Laura, o relatório repisa temas de receitas antigas que não funcionaram. Poucos países se deram bem. Laura escreve que "a exceção são os países que conseguiram acelerar muito suas taxas de crescimento por não terem cumprido a cartilha, entre os quais a China é o maior exemplo".
Para Laura, o crescimento espetacular da China deve-se ao fato de não ter cumprido a cartilha da liberalização dos mercados.
Quem será que tem Estado mínimo? O Brasil ou a China? A carga tributária no Brasil é de 32% do PIB, e na China é de 21%. O gasto com saúde, educação, aposentadoria do setor privado e assistência social no Brasil é de 20% do PIB e na China é de 8,5% do PIB. Será que a China gasta tão menos do que o Brasil porque há poucos idosos por lá? Não é o caso. A população com 65 anos ou mais na China é de 8,5% da população total, ante 7% para o Brasil.
Será que nosso gasto em educação é elevado em razão de termos mais crianças? De fato, a população com 15 anos ou menos no Brasil é de 25%, ante 18% na China. Como a China gasta 3,7% do PIB com educação, para mantermos a mesma proporção, teríamos de gastar 5,1%. Nosso gasto é superior a 6% do PIB.
O mercado de trabalho chinês, até 2007, antes da edição de uma nova lei trabalhista, era algo mais próximo da Inglaterra de Charles Dickens do que de qualquer coisa remotamente aparentada ao que se encontra nas economias modernas.
São comuns ainda na China os casos de pais que migram para outras cidades ou províncias e, em razão do sistema de passaporte interno, perdem o direito de pôr os filhos nas escolas públicas. Ou deixam os filhos aos cuidados dos avós na cidade de origem ou são obrigados a pagar escolas particulares de pior qualidade.
Evidentemente esse gasto social diminuto e essas condições que há até pouco tempo lembravam a primeira Revolução Industrial explicam a elevadíssima taxa de poupança familiar: algo próximo de 50% da renda do domicílio. Aproximadamente 45% da poupança gigante chinesa, de uns 45% do PIB, é familiar!
Assim entende-se os motivos de os juros serem baixos e de a capacidade de investir no setor produtivo, com ênfase na indústria, e de acumular infraestrutura —metrô e saneamento nas grandes cidades e uma respeitável rede de trens de elevada velocidade— ser tão elevada.
Provavelmente Laura acha que o crescimento da China é fruto do câmbio e do juro. Talvez também da conta de capital fechada.
No entanto os números são claríssimos. O crescimento da China deve-se a ser um caso de excesso de liberalismo econômico (não político, evidentemente).
Gostar da China é comum entre nossos economistas heterodoxos. Eles sofrem da síndrome do adolescente. Desejam algumas características, mas não outras. Não notam que são faces de uma mesma moeda.
* Samuel Pessôa é formado em física e doutor em economia. É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
Luiz Carlos Azedo: O drama dos bons políticos
O Brasil está mais ou menos como aquele cavaleiro descrito pelo escritor tcheco Franz Kafka, no conto A Partida:
— Para onde cavalga, senhor?
— Não sei direito — eu disse —, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.
— Conhece então o seu objetivo? — perguntou ele.
— Sim — respondi — Eu já disse: “fora daqui”, é esse o meu objetivo.
É mais ou menos assim que vamos às eleições de 2018. As pesquisas mostram uma desorientação muito grande da maioria dos eleitores. Não é por causa da inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem em razão da liderança resiliente do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O percentual de indecisos na eleição varia de 38% a 42%, considerando-se todos os candidatos pesquisados. Numa eleição relâmpago, com 45 dias de campanha, qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada de extraordinário.
Comecemos, pois, pelo extraordinário.
Os projetos mais radicais à mesa são os de Bolsonaro e de Guilherme Boulos, o líder dos sem-teto lançado pelo PSol. Radicais de direita e esquerda, respectivamente. Ambos são regressistas do ponto de vista do papel do Estado e da relação do Brasil com o mundo. São projetos excludentes entre si, mas que têm em comum o anacronismo ideológico de direita e de esquerda. Eleitoralmente falando, Bolsonaro tem muito mais densidade do que Boulos. É beneficiado por uma certa reação conservadora de parcelas da sociedade à violência, ao desemprego e à corrupção, principalmente, o eleitorado evangélico. Boulos busca os órfãos de Lula com o antigo radicalismo petista, que não cola mais, por causa da Operação Lava-Jato.
Fora esses dois extraordinários, temos Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM) com candidaturas formalizadas. O presidente Michel Temer ainda costeia o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. E o PT não sabe ainda quem será o substituto de Lula, embora o nome mais cotado seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Os eleitores de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita estão sendo disputados por essa turma. Por enquanto, todo mundo pode virar ou continar japonês.
O que pode fazer diferença na campanha para esses candidatos? Em primeiro lugar, o recall de campanhas anteriores. Casos de Marina, Ciro e Alckmin. Em segundo, os recursos financeiros e o tempo de televisão. Vantagens para Haddad, Alckmin e Maia. Em terceiro, as estruturas de poder e capilaridade partidária, idem. Quarto, a imagem do candidato em relação à Lava-Jato e às propostas que seduzam os eleitores. É aí que o jogo pode haver muita diferença. Finalmente, a proposta política. Nesse quesito, ninguém apresentou ainda um programa exequível. E, ademais, como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a proposta precisa ser traduzida e “fulanizada” para seduzir os eleitores.
O rumo
De volta ao cavaleiro kafkiano, os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum. A saída pode ser um não caminho, um precipício. O ambiente facilita a vida dos demagogos e dos populistas, que oferecem soluções fáceis para uma situação difícil e complexa. Na eleição, todos são tentados a isso. Mas há os que acreditam nesse tipo de narrativa, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que deu com os burros n’água, e os que sabem que não é por aí. O caminho a percorrer é pedregoso, difícil, e não dará vida fácil para ninguém.
O Brasil precisa da estabilidade da moeda, de taxas de juros baixas, de crédito acessível e de investimentos maciços em infraestrutura. Mas não pode garantir um cenário dessa ordem com o governo gastando mais do que arrecada e sem a reforma da Previdência. O país precisa crescer e gerar empregos, mas não tem como fazer isso sem aumentar a produtividade. Para isso, precisa melhorar a qualidade da educação, de saúde da população e de segurança dos cidadãos. O rol de necessidades de um ciclo virtuoso de desenvolvimento não se resolve com mágica. Entretanto, é difícil vencer as eleições com esse discurso, depois de uma recessão que gerou 14 milhões de desempregados. Esse é o problema dos bons políticos.
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