Economia

Míriam Leitão: Do pouco que até agora se sabe

Economistas de Bolsonaro preparam programa em segredo para, se ele ganhar, ser divulgado ao eleitor apenas depois das urnas

O pouco que se sabe do candidato que está na frente das pesquisas já está causando preocupação em alguns empresários. Jair Bolsonaro tem mostrado reservas em relação à China, sem explicar o que isso significa. O país é o investidor estrangeiro mais ativo na economia brasileira com projetos em energia e agora na conclusão do Comperj. O presidente da Vale alertou para a importância do país asiático como parceiro para a empresa e o Brasil. A Unica está preocupada com o abandono do Acordo de Paris. A reforma da Previdência é uma incógnita.

O que se sabe sobre a economia num eventual governo Jair Bolsonaro é excessivamente vago e estamos a 10 dias das eleições. O programa está sendo preparado por grupos temáticos sob o comando do economista Paulo Guedes, mas pouca coisa sai, até porque a estratégia é falar o mínimo possível para não atrapalhar a campanha. O Brasil fica assim na estranha situação de estar prestes a escolher um presidente — ontem ele disse na Polícia Federal que está com a mão na faixa — e sua equipe prepara um programa que será surpresa pós-urnas. Isso se houver concordância entre o candidato e os economistas, coisa que até agora não parece haver. “Não queremos flertar com o desconhecido”, disse ele ontem, mas na economia é exatamente isso que o pacto de silêncio dele e de sua equipe está oferecendo ao país.

Do pouco que se sabe, há esse temor sempre repetido pelo candidato em relação ao investimento chinês no Brasil. A China estaria “comprando o Brasil”, segundo ele. O país é o maior comprador de produtos brasileiros, o maior mercado da soja brasileira, portanto o agronegócio precisa manter essa relação estável e sem ruídos. O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, empresa que opera em 16 portos chineses, disse que há uma dependência mútua entre Brasil e China, e que em qualquer governo a Vale continuará tendo uma boa relação com eles. É ao capital chinês que a Petrobras está recorrendo para concluir o investimento no Comperj. A expectativa da estatal é concluir em dois anos as obras da refinaria de Itaboraí, a partir do momento em que fechar o acordo com a CNPC chinesa.

O medo que Bolsonaro nutre pela China remete a um pensamento nacionalista ultrapassado e está em total divórcio com qualquer ideia liberal. Se ela compra uma participação numa hidrelétrica, ou numa refinaria, em que isso nos ameaça? Ela levaria fisicamente as usinas para a China? Qualquer país precisa ter um quadro regulatório estável e transparente para os investimentos, mas discriminar alguma empresa pela origem do capital é um debate resolvido desde que no governo Fernando Henrique, em 1995, foi retirada da Constituição a diferenciação entre empresa nacional e estrangeira.

Os produtores de etanol estão preocupados com a possibilidade de rompimento do Acordo de Paris porque isso reduz as perspectivas dos biocombustíveis, segundo disse a presidente da Unica, Elizabeth Farina. A reação dos usineiros mostra como a economia de baixo carbono tem muito mais aliados do que se pensa.

Em entrevista à “Folha de S. Paulo” ontem, um dos economistas que estão trabalhando para o programa de Bolsonaro, Luciano de Castro, disse que será dada uma guinada de 180º no setor de energia. Esse é um setor que precisa mesmo de muitas mudanças e correções, mas a primeira parte do seu projeto, que é a diminuição da presença do Estado na geração e privatização da Eletrobras, bate de frente com a teoria econômica do galinheiro e do ovo defendida recentemente por Jair Bolsonaro. Ao falar que não quer a privatização da Eletrobras, ele disse que se vender as galinhas do quintal ficará sem o ovo cozido de manhã. Outra parte do programa de energia feito para Bolsonaro é a de manter a política da Petrobras de paridade de preços internacionais, proposta da qual o candidato discorda.

A reforma da Previdência é uma incógnita. A que está no Congresso foi muito criticada e combatida pelo que será o núcleo político de Bolsonaro. Tanto Onyx Lorenzoni quanto Major Olímpio acham que ela é dura demais, quando outros críticos acham o oposto. Afinal, a idade mínima de 62 e 65 anos só estará em vigor em 2038. Se não for feita alguma reforma não há possibilidade de pôr ordem nas contas públicas. O que Bolsonaro tem dito em economia é sobretudo desconexo.


Monica De Bolle: O caminho da prosperidade?

O plano de Bolsonaro foi feito em power point, não com texto articulado e dados para substanciar propostas

Em 2015, tivemos A Ponte para o Futuro, o plano de governo elaborado pelo então PMDB antes do impeachment de Dilma Rousseff. O documento até que era bom: falava na necessidade de conter gastos, na reforma da Previdência, nas reformas microeconômicas, pincelava algo sobre a reforma tributária, e até fazia acenos ao mundo com diretrizes para a abertura da economia brasileira. Como sabemos hoje, a ponte caiu no meio do caminho e o futuro resvalou para a desilusão e a raiva.

Há quase 20 anos, tivemos um voto indignado no Brasil que elegeu o PT – era a época do “temos de acabar com tudo isso o que está aí”. E por algum tempo, foi possível imaginar que o Brasil tivesse no “caminho para a prosperidade”. Mas, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. A pedra não foi fruto do acaso, mas moldada pelo PT e pelos demais partidos responsáveis pela inaudita corrupção que destruiu o Brasil e a civilidade dos brasileiros.

Agora, novamente nos oferecem O Caminho da Prosperidade, o plano de governo do candidato que lidera com margem ampla as pesquisas de intenção de voto. Eu li o plano de Bolsonaro, plano elaborado em power point, não em forma de documento com texto articulado e dados para substanciar propostas. Eis que logo na primeira página dei de cara com uma citação bíblica: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, João 8: 32. Trata-se da primeira vez que vejo a Bíblia citada em um plano de governo, o que não deixa de ser desconcertante. Mas, o que esperar de um candidato cujo mote da campanha é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”? Quem tem a primazia, o Brasil ou Deus? Pode parecer picuinha semântica, mas não é. Afinal, estamos escolhendo o governante do País, não o líder de uma seita ou igreja. Achei que tivéssemos nos libertado disso quando Lula foi afastado da política.

Na quarta página do programa, o cabeçalho exclama: Liberdade e Fraternidade! Contudo, de lado ficou a igualdade, que não parece ser bandeira de Bolsonaro. O plano diz que “qualquer forma de diferenciação entre os brasileiros não será admitida”, mas difícil é saber o que isso significa. O power point de Bolsonaro tem 81 páginas em que 11 são dedicadas a temas complexos como saúde e educação – nada há de conteúdo, de propostas.

Lá para a metade do monte de páginas chega-se aos temas relativos à Economia. Há uma página dedicada à retomada do crescimento, repleta de clichês. Há uma página dedicada à estabilidade macroeconômica, repleta de clichês. Há uma página dedicada à redução dos ministérios sem esmiuçar como será feita a unificação da Fazenda, do Planejamento, e da indústria e do comércio cujas pautas são bastante complexas. Lembra o esforço inútil de Collor em criar o Ministério da Economia. Há duas páginas, com três parágrafos de aproximadamente cinco linhas, dedicada aos temas eficiência do Estado e controle dos gastos. Duas páginas, quinze linhas.

Há uma página sobre juros da dívida e privatizações que contém a seguinte frase: “Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas”. Esse é todo o plano de privatizações de Bolsonaro, cuja frase é um tanto incompreensível.

Há uma página sobre a reforma da Previdência e outra sobre reforma tributária. A reforma tributária é um retalho de contradições. Fala-se em simplificar e unificar tributos, ao mesmo tempo em que se afirma a descentralização e a municipalização dos impostos. Fala-se em imposto de renda negativo “na direção de uma renda mínima universal”, sem explicar como isso será implantado ante as restrições fiscais que o País enfrenta. A parte sobre a Previdência é sofrível – em dois parágrafos menciona-se a migração para um sistema de capitalização, e ponto. Na mesma toada, o plano de Bolsonaro contém uma página sobre a legislação trabalhista, uma página sobre a abertura comercial, e uma página genérica sobre o aumento da produtividade. Esse é todo o “plano econômico” de Bolsonaro, resumido em parágrafos simplórios versando sobre temas extremamente complexos. Pitadas de “liberdade” ali, “liberalismo” acolá, e algumas menções do economista Milton Friedman são as migalhas que fizeram muitos acreditarem na miragem de que Bolsonaro tem, de fato, um caminho bem traçado para a prosperidade.

Se a sonhada ponte ruiu, corremos o imenso risco de que o caminho para substituí-la seja nada mais do que a estradinha de tijolos amarelos que leva ao Mágico de Oz, aquele que não é mágico, tampouco oráculo. Tudo acaba em tons de cinza, na melhor das hipóteses.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Monica De Bolle: A economia na escuridão

Ambos planos econômicos sofrem da mesma carência: não há conteúdo, não há diretriz, não há clareza

Cerca de 24 horas depois da apuração que deu a Jair Bolsonaro e Fernando Haddad a certeza de que haverão de se enfrentar no segundo turno das eleições, ambos falaram ao Jornal Nacional. Indagados sobre as ideias ventiladas durante a campanha de reescrever a Constituição que acaba de completar 30 anos, ambos afirmaram ter mudado de ideia. Pressionados sobre seus programas econômicos, os candidatos tergiversaram. Falaram por alto em reforma tributária, privatizações, e teto de gastos. Contudo não deram nenhuma indicação do que de fato pretendem fazer.

Mais cedo, o candidato Jair Bolsonaro havia postado vídeo nas redes sociais onde ao seu lado estava o assessor econômico Paulo Guedes. Guedes não disse palavra, enquanto Bolsonaro expôs sem deixar dúvidas que os planos de privatização antes anunciados por seu guru da economia seriam bem mais modestos do que este antecipara em entrevistas e sabatinas para emissoras de TV antes do sumiço e silêncio que precederam as semanas antes do primeiro turno. Referindo-se aos planos de privatização, disse Bolsonaro que empresas “estratégicas” como Banco do Brasil, Eletrobrás, Caixa Econômica Federal, e Petrobrás não seriam vendidas.

Dentre essa lista a única empresa realmente “estratégica” é a Petrobrás, que ainda mantém o monopólio em algumas operações. Privatizar monopólios nunca é uma boa ideia, mas não parece ser a isso que Bolsonaro se referia.

Em relação ao ajuste fiscal imediato, na ausência de cortes de gastos, não há muita alternativa que a de aumentar impostos. Bolsonaro, entretanto, rechaçou a ideia de Paulo Guedes de recriar a CPMF e nada sugeriu como alternativa. Falou sobre isentar indivíduos com renda até cinco salários mínimos do imposto de renda – assim como fez Haddad – e afirmou que adotaria alíquota única para outras faixas de renda de 20%. Ou seja, prometeu reduzir impostos diante de situação calamitosa para as contas públicas brasileiras. Mas mercados insistem em não enxergar o populismo implícito.

A questão da nova carteira de trabalho verde e amarela proposta por Bolsonaro tampouco está bem detalhada e não há nenhuma avaliação sobre se estaria ou não em consonância com a isonomia do trabalhador garantida pela Constituição. Por fim, prometeu o candidato reduzir o número de ministérios substancialmente sem levar em conta as restrições que isso imporia à construção de uma coalizão estável. Com a maior fragmentação do Congresso, cargos públicos serão ainda mais necessários para a formulação de coalizões – é triste, mas é a realidade brasileira. Falar em redução de ministérios nessas circunstâncias é demagogia pura que muitos insistem em não enxergar. Provavelmente será a primeira promessa a ser abandonada por um eventual presidente Bolsonaro.

Do lado de Fernando Haddad há, como no campo de Bolsonaro, muita fumaça e pouquíssima substância. O candidato fala em simplificar tributos com a introdução do imposto sobre o valor adicionado, mas não dá detalhes sobre como isso será feito. Fala em tributar dividendos, o que considero uma boa ideia diante da regressividade da estrutura tributária brasileira, mas não diz nada sobre alíquotas. Diz que vai revogar o teto dos gastos – já escrevi sobre os problemas do teto atual nesse espaço –, mas não diz o que vai colocar em seu lugar. Embora o atual teto tenha vários defeitos, é necessário que tenhamos mecanismos de controle das despesas, ou seja, é preciso ter algum tipo de teto, com formulação melhor do que a atual.

Haddad também afirma que fará uma reforma bancária sem dar detalhes, mas que de princípio soa bastante intervencionista. Tudo o que não precisamos é de mais intervencionismo. Promete que vai revogar a reforma trabalhista de Temer, mas não diz se fará outra melhor. Insiste no duplo mandato para o Banco Central, o que não seria uma má ideia a princípio salvo pelo fato de Dilma ter tentado instituí-lo na marra, o que acabou não funcionando. Por fim, não há clareza alguma sobre o que pretende na área da reforma da Previdência.

O balanço geral dos planos dos candidatos, portanto, é que ambos sofrem da mesma carência: não há conteúdo, não há diretriz, não há clareza. Enquanto mercados surtam de euforia com a fantasia que criaram sobre Bolsonaro, corremos o risco de não saber nada do que pretendem ambos os candidatos para colocar nos eixos a economia. Isso é grave.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


José Roberto Mendonça de Barros: Perigo nos extremos

Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativa de retomada sustentável, haverá turbulência

As pesquisas eleitorais mostram uma polarização nos extremos. Se isso realmente se materializar, será muito ruim para o País, qualquer que seja o resultado das urnas. Em primeiro lugar porque ambas as candidaturas já acenaram que só aceitarão uma vitória. Derrota será fraude ou golpe, e boa parte de seus eleitores mais religiosos aceitará isso, reforçando as dúvidas quanto ao apreço de seus líderes pela democracia.

Muita confusão à vista.

Em segundo lugar porque são populistas que buscam falar diretamente às massas, prometendo a solução de seus problemas sem explicar como vão fazê-lo. “Confie em mim, eu resolvo, e todos serão felizes” é o lema.

Em terceiro lugar porque seus programas econômicos levantam sérias dúvidas e têm, a meu juízo, pouca chance de trazer de volta o crescimento. Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativa fundada de retomada, depois da maior recessão de muitas décadas, veremos turbulências no País.

O caso mais óbvio é o da esquerda. O PT parte do princípio de que jamais cometeu um único erro de política econômica, que não tem culpa alguma pela queda na atividade e pelo crescimento do desemprego e que não existe uma crise fiscal. Mais uma vez, aplica-se aqui a famosa frase de Talleyrand: “Eles não aprenderam nada e não esqueceram nada”.

Não surpreende, portanto, que seu programa seja uma repetição de tudo que deu errado, girando em torno de uma proposta para o uso da política fiscal e creditícia para relançar a economia e fazer o “ajuste” via crescimento. A única novidade é uma pitoresca proposta de usar incentivos fiscais (!!!) para reduzir o “spread” bancário.

Embora seja certo que, eventualmente eleito, Haddad vai tentar uma ampliação ao centro, parece-me altamente certo que veremos uma política inconsistente, a elevação da inflação e o fracasso de trazer de volta o crescimento. No caso da direita, as dúvidas não são menores, a começar pela contradição entre a longa história de corporativismo e autoritarismo do candidato a presidente e o liberalismo radical de seu futuro ministro forte da Economia.

Tivemos um ensaio dessa questão há alguns dias, quando foi anunciado (com base em entrevistas de Paulo Guedes) o estudo da recriação de um imposto sobre movimentações financeiras destinado à Previdência.

Com a reação fortemente negativa que se seguiu, Bolsonaro anunciou que esse tipo de imposto não seria recriado, dizendo até que o objetivo do novo governo seria reduzir a arrecadação da União (!). O resultado foi o cancelamento de toda a agenda do economista, incluindo declarações à imprensa, o que levou à incerteza acerca da natureza do programa do candidato.

E essa incerteza tem razão de ser. A primeira notícia do programa dizia que seria possível arrecadar R$ 1 trilhão ou R$ 2 trilhões com a venda de ativos públicos, empresas e imóveis. Esses recursos seriam, então, destinados a reduzir a dívida pública e a bancar a transição do sistema atual de Previdência (em bases correntes) para um de capitalização (contas individuais).

Ora, só quem não tem experiência alguma de governo, como é o caso, pode imaginar que seja possível levantar essas quantias astronômicas com a venda de patrimônio público, mesmo supondo que existam ativos disponíveis para a venda nesses montantes.

A experiência mostra que as restrições legais e administrativas, a oposição de políticos, funcionários, fornecedores e outros tipos de interesse tornam as operações lentas, e poucos casos chegam ao final do processo com êxito.

Um governo totalmente empenhado no processo poderia, ao cabo de quatro anos, arrecadar, talvez, R$ 100 bilhões ou R$ 200 bilhões. Embora a privatização de empresas públicas, em geral, seja positiva, os valores possíveis de serem obtidos jamais pagariam a transição dos regimes de Previdência.

É bastante provável que a sugestão do imposto sobre transações financeiras tenha surgido como forma de resolver o impasse acima descrito. Entretanto, o candidato vetou essa rota. Como consequência, não existe programa econômico conhecido e o improviso prevalece.

O mercado financeiro supriu a ausência de informações com um ato de fé. Como disse um destacado operador financeiro, “eles sabem exatamente o que fazer”.

Não parece ser o caso.

*José Mendonça de Barros é economista


Luiz Carlos Azedo: Haddad repete Dilma

“O cardápio de medidas populistas e o discurso fácil do petista pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como na Venezuela”

Uma piada de mineiro sobre as diferenças de comportamento entre cariocas, paulistas e gaúchos ilustra o que pensa o candidato do PT, Fernando Haddad, em termos de condução da economia. O carioca costuma valorizar a isonomia nos negócios: “Quanto é que nós vamos ganhar?” O paulista, sua participação nos lucros: “Quanto é que eu vou ganhar?” O gaúcho, porém, estaria mais preocupado com os rendimentos do sócio: “Quanto tu vais ganhar?” A piada fez muito sucesso nos bastidores do governo de Dilma Rousseff, porque a então presidente da República estava mais interessada em arbitrar o lucro das empresas do que com o equilíbrio das contas públicas e os ganhos de produtividade do país. Com perdão da injustiça com os gaúchos, principalmente meus amigos queridos, o candidato do PT repete o comportamento em campanha.

Recentemente, em entrevista na tevê, disse que os bancos ganham muito e que vai reduzir os spreads bancários, que vêm a ser a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e quanto esse banco cobra para emprestar o mesmo dinheiro. O cliente que deposita dinheiro em conta-corrente, poupança ou outra aplicação faz um empréstimo ao banco, que remunera esses depósitos com juros chamados de taxa de captação; entretanto, quando o banco empresta dinheiro a alguém, cobra uma taxa pelo empréstimo superior à taxa de captação. Haddad quer reduzir os juros a fórceps, como fez Dilma Rousseff, baixando na marra os spreads bancários, cujo valor os bancos atribuem à alta inadimplência e ao depósito compulsório.

A proposta é sedutora, faz parte de um cardápio de medidas populistas e do discurso fácil de campanha, mas pode fazer o crédito simplesmente desaparecer e provocar uma crise de financiamento dos negócios, como a da Venezuela. A reação dos bancos para reduzir a inadimplência será arrochar o crédito de risco, a não ser que o governo reduza os compulsórios e os impostos, que acabam repassados aos clientes, mas isso não faz parte do programa de governo de Haddad, que é expansionista e intervencionista. Ontem, na Serra Gaúcha, por exemplo, anunciou que pretende usar o poder de compra da máquina federal para estimular a indústria nacional. Disse que vai reativar o polo naval gaúcho, localizado em Rio Grande, que na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou mais de 20 mil postos de trabalho, o que somente será possível com uma nova farra com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esqueceu-se de dizer que essa foi a gênese do escândalo da Petrobras, que deu origem à Operação Lava-Jato.

Corrupção e desperdício
A menina dos olhos da política de estímulo à indústria nacional dos governos Lula e Dilma foi a empresa Sete de Abril, criada com recursos públicos para fabricação de sondas para a Petrobras. Seu presidente, Pedro Barusco, deu início à série de delações premiadas de executivos e diretores da Petrobras ligados ao escândalo. Espontaneamente, devolveu US$ 100 milhões que havia arrecado de propina, para espanto até dos investigadores. Segundo a Lava-Jato, aproximadamente US$ 70 milhões em propina foram arrecadados pelo PT, agentes públicos da Petrobras e executivos da Sete Brasil em contratos bilionários com os estaleiros Jurong (Aracruz, ES), Brasfels (Angra dos Reis, RJ), Enseada do Paraguaçu (Maragogipe, BA), Ecovix (Rio Grande, RS) e Atlântico Sul (Fortaleza), a maioria hoje em recuperação judicial. O cálculo teve por base 1% de desvios nos contratos dos 21 navios-sondas encomendados pela Sete Brasil a serem fornecidos à Petrobras.

Só a Jurong, que tinha US$ 2,1 bilhões em contratos com a Sete Brasil, pagou US$ 18,8 milhões em propinas. Um dos réus confessou ter recebido pelos menos US$ 3,8 milhões em uma conta no exterior: o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que disse ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, que dois terços do total arrecadado foram para o grupo político do PT, em uma divisão que teria beneficiado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu e a legenda. Vaccari seria o arrecadador, e Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma Rousseff, o responsável pelo gerenciamento. Vaccari, também réu, ao prestar depoimento, preferiu ficar calado sobre o assunto. Lula e Dirceu negam o fato; Palocci negocia sua delação premiada.

O candidato do PT também se jactou de ter comprado 35 mil ônibus escolares em sua gestão à frente do Ministério da Educação e disse que dará atenção especial ao transporte público, repassando a receita arrecadada pela cobrança da Cide — contribuição que incide sobre o preço da gasolina — para os municípios. Ou seja, pretende resgatar o velho pacto automotivo, que deixou em segundo plano o transporte de massas — metrô, trens, volts — para favorecer a produção de veículos automotores no ABC, berço histórico do PT. Repete outro erro de Dilma, que comprou 3.401 veículos da Volkswagen e da Mercedes-Benz para o Exército, a um custo total de R$ 1,1 bilhão, ou seja, em média, R$ 323,4 mil por viatura. Os modelos comprados são o VW Worker e o Atego. O que foi uma festa nos quartéis no dia da entrega, virou um problema: o 72º Batalhão de Infantaria Motorizada, sediado em Petrolina, que tinha cinco caminhões, por exemplo, agora tem 50 veículos parados, sem recursos para manutenção.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-haddad-repete-dilma/


Luiz Carlos Azedo: O estelionato eleitoral

“Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa nova recessão”

Enquanto avança a disputa entre os candidatos a presidente da República, o fosso entre as expectativas criadas junto aos eleitores e as possibilidades efetivas de atendê-las se aprofunda. Surgem soluções mágicas para o desemprego, o endividamento das famílias, a violência e a ineficiência dos serviços públicos na educação e na saúde, mas muito pouco se fala sobre os cinco anos de deficit fiscal e o ajuste a ser feito, necessariamente, por quem ganhar a eleição, inclusive a reforma da Previdência que aumente a idade mínima e unifique as aposentadorias de servidores públicos e demais trabalhadores. Ou seja, vem aí mais um estelionato eleitoral.

O reflexo imediato das incertezas quanto à crise de financiamento do Estado brasileiro é a alta do dólar, que alcançou o maior valor da história do real: ontem, fechou negociado a R$ 4,19. A corrida pela moeda norte-americana é influenciada pelo cenário internacional desfavorável aos países emergentes. A guerra comercial e a alta dos juros protagonizada pelos Estados Unidos fazem a festa para os especuladores. E as promessas mirabolantes dos candidatos para seduzir os eleitores não ajudam a acalmar o mercado. Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa espiral de inflação alta e nova recessão. A maior prova disso é a lenta recuperação da atividade econômica no governo Temer, que está associada diretamente ao deficit fiscal. O atual governo conseguiu controlar a inflação e sair da recessão, mas não obteve taxas de crescimento capazes de resolver o problema do desemprego. O deficit fiscal de R$ 159 bilhões previsto para este ano barra o crescimento.

Vejamos, por exemplo, as promessas de campanha do candidato do PT, Fernando Haddad, que anuncia um cenário de bonança. O petista promete retomar o fio da história a partir do governo Lula, que registrou crescimento de 7,5% em 2010. Isso somente foi possível porque a economia estava anabolizada pela superoferta de crédito, pelas isenções fiscais e pelos subsídios das tarifas de energia e combustível. A tentativa de manter essa rota foi chamada de “nova matriz econômica” e levou o país ao colapso no governo Dilma Rousseff. Além disso, as condições favoráveis àquele regime de pleno emprego deixaram de existir: a forte expansão da economia mundial foi interrompida com a crise do mercado financeiro de 2008, o superavit fiscal herdado do governo de Fernando Henrique Cardoso foi canibalizado, e o bônus demográfico, que aumentou a renda média das famílias com a redução do número de dependentes, foi abduzido pela crise da seguridade social.

Haddad anunciou, ontem, a proposta de zerar as dívidas dos consumidores, macaqueando a proposta do candidato do PDT, Ciro Gomes, que prometeu limpar o nome de todos os endividados no SPC. Promete a retomada da “nova matriz econômica” do programa do PT. Ao mesmo tempo, sinaliza para o mercado que pretende convidar para o Ministério da Fazenda o economista Marcos Lisboa, um dos críticos da política de Dilma Rousseff, que fez parte da equipe do ministro Antonio Palocci no começo do governo Lula. Haddad faz campanha como se fosse sósia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, nos bastidores, manda recado para o mercado financeiro de que pretende adotar a tática do violino: segurar o governo com a esquerda para tocar a política econômica com a direita.

Teto de gastos
Presidente do Insper, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, Marcos Lisboa foi professor da Universidade de Stanford e diretor-executivo e vice-presidente do Itaú-Unibanco de 2006 a 2013. Fez duras críticas ao governo Dilma em 2015: “A causa imediata da grave crise é o desequilíbrio fiscal e a tendência de aumento da dívida pública, que significa risco para a sustentabilidade das contas públicas nos próximos anos. As razões desse desequilíbrio não se resumem apenas às escolhas de política econômica dos últimos anos, ainda que essas escolhas o tenham agravado. O gasto público no Brasil apresenta uma tendência de crescimento maior do que o da renda nacional, decorrente de diversas regras legais e da transição demográfica. A população idosa cresce 4% ao ano, enquanto a população em idade ativa cresce apenas 1% ao ano, implicando a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para preservar os benefícios previdenciários previstos”.

Para Marcos Lisboa, reverter a trajetória de crescimento do gasto passa pela reforma da Previdência, com adoção de observadas nos países desenvolvidos e a eliminação dos regimes especiais. O economista defende regras de vinculação dos gastos públicos ao aumento da renda nacional e ao aumento da produtividade, o que requer uma extensa agenda de reforma das políticas públicas adotadas no governo Lula e a manutenção da lei do teto de gastos. É difícil acreditar que venha a ser ministro da Fazenda de um eventual governo petista, a não ser que Haddad faça mesmo uma ruptura com as políticas que vem defendendo na campanha eleitoral.

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Míriam Leitão: O que pesa sobre a lira turca

Brasil tem vulnerabilidades nas contas públicas, e risco da lira turca é virar uma crise em dominó que afete outros emergentes

Agora é o momento em que as autoridades econômicas vão lembrar que o Brasil não é a Turquia. E não é mesmo, há várias diferenças entre os dois países. A Turquia enfrenta os déficits gêmeos — fiscal e externo — e está sendo hostilizada pelo governo Trump. O Brasil tem uma boa situação externa e uma grande fragilidade fiscal. A questão é que quando há uma crise em país emergente todos os outros recebem olhares de desconfiança. O ideal era não sermos vulneráveis, mas somos.

Desde abril, quando começou este período de aversão a risco que pegou Argentina, Brasil e outros, a Turquia já estava com problemas. O real se desvalorizou, o Banco Central teve que vender dólares e fazer operações de oferta de garantia contra risco cambial. Logo depois a volatilidade foi controlada. Mas com a lira turca a situação continuou piorando. A Turquia tem problemas parecidos com os da Argentina: inflação alta, em torno de 16%, déficit nas contas públicas e uma grande exposição cambial.

O endividamento bruto do governo turco é baixo, de apenas 28% do PIB, segundo o FMI. Mas o problema é a dívida privada extremamente elevada que chega a 170% do PIB. Para se ter uma ideia, segundo a economista Monica de Bolle, diretora de estudos de mercados emergentes da SAIS/Johns Hopkins, nos EUA, as empresas privadas turcas têm US$ 66 bilhões em papéis para rolar nos próximos 12 meses, e os bancos, US$ 76 bilhões. As reservas cambiais turcas, que chegam a US$ 100 bilhões, ficam pequenas diante de um serviço de dívida tão alto e com prazos tão curtos.

— A Turquia precisa desesperadamente de entrada de dólares, e o que está acontecendo é justamente o contrário. A briga com Trump dificulta ainda mais as coisas, porque os EUA têm poder de veto no FMI. O país não tem a quem pedir ajuda, nem ao Fundo. Além disso, nos anos 2000 a Turquia recorreu ao FMI, mas não cumpriu nada do que estava no acordo. Portanto, o histórico não é bom — explica Monica de Bolle, que trabalhava no FMI nesse período.

A Turquia vive também uma profunda crise institucional. O presidente Erdogan fez um plebiscito para aumentar seus próprios poderes e o país se tornar presidencialista. Houve uma tentativa de golpe e a resposta dele foi uma violenta repressão. A prisão de um religioso americano, que está na Turquia, desencadeou a reação dos EUA. Trump incluiu o país na lista suja do comércio. Os turcos já têm déficit comercial com os americanos e agora podem ter parte de suas exportações, principalmente de aço e alumínio, barradas pelas sobretaxas impostas pelo governo Trump.

Mônica de Bolle explica que a crise tem um ingrediente ainda mais delicado que é o conflito com a própria União Europeia. Os países europeus têm todo o interesse em evitar a crise turca porque a entrada de imigrantes se dá pela Turquia. Ou seja, de novo EUA e UE estão com visões diferentes diante de um problema. A Alemanha particularmente tem boas e densas relações com a Turquia.

A política econômica do governo Erdogan, executada pelo próprio genro, nomeado ministro da Fazenda, é de crédito farto para estimular consumo e aumento do gasto público. Soa familiar? Mesmo com a desvalorização da lira turca, o Banco Central não sobe os juros porque Erdogan não deixa. Mas estimular consumo, via crédito, no meio de uma crise cambial, é como jogar gasolina no fogo. Apesar de o país ter crescido forte no ano passado, 7%, o desemprego está em 10%. O quadro é de desajuste e desequilíbrio.

A realidade da Turquia é bem diferente da nossa, mas o Brasil tem seus próprios riscos. O país enfrenta uma eleição de extrema incerteza e está no quinto ano consecutivo de déficit primário com a dívida pública crescendo. A dívida da Turquia é em grande parte junto a bancos europeus e por isso teme-se o contágio de outros países. Nossa dívida é interna, com uma parte muito pequena dolarizada. O Brasil não tem déficit importante em suas contas externas e tem reservas cambiais altas.

A inflação já foi reduzida e os juros caíram fortemente nos últimos dois anos. A Argentina ontem mesmo elevou de 40% para 45% a taxa de juros. Nosso maior desequilíbrio macroeconômico é o fiscal. Mas quando há um ambiente de crise em dominó, os fluxos de capitais se invertem e vão em direção a portos mais seguros. O risco da lira é virar uma crise em dominó.

 


IFI: A variação da receita em resposta à atividade econômica

Veja a Nota Técnica n° 19 publicada pela IFI. O trabalho analisa a relação entre receita pública e PIB, a chamada "elasticidade" 

Por Alessandro Ribeiro de Carvalho Casalecchi e Gabriel Leal de Barros

O objetivo desta nota técnica é estimar um parâmetro conhecido como “elasticidade da receita em relação ao PIB”. Tal parâmetro será utilizado futuramente na tarefa de prever a receita governamental a partir de projeções do PIB nominal, além de fazer parte de outros estudos da Instituição Fiscal do Senado (IFI). Este texto é apenas um primeiro passo no sentido de divulgar, com certa regularidade, estimativas desta elasticidade, procurando (a) tornar cada vez mais claros para o público seu significado e suas implicações para os cenários fiscais, e (b) incorporar métodos econométricos cada vez mais apropriados, além de alinhados à literatura internacional. Por ora, nossos resultados indicam que após 2008 a elasticidade de longo prazo das receitas recorrentes caiu para um valor abaixo de 1. Ou seja, muito embora a sensibilidade da receita recorrente (aquela mais diretamente ligada à atividade econômica) ao PIB tenha variado de período a período, ela oscilou em torno de valores menores que 1. Assim, de forma geral, para cada 1% de aumento (queda) do PIB nominal, obteve-se, após 2008, um aumento (queda) de menos de 1% na receita recorrente.

* Alessandro Ribeiro de Carvalho Casalecchi é analista da IFI
* Gabriel Leal de Barros é diretor da IFI

Leia o relatório da IFI na íntegra:

http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/wp-content/uploads/2018/08/NT_Elasticidade.pdf

 


Zeina Latif: Corrida maluca

O problema é a ausência de reflexão e a incapacidade do PT de modernizar sua agenda

Sobram truques, oportunismo e trapalhadas nessa corrida eleitoral. Difícil dizer o que é pior: o silêncio de Jair Bolsonaro sobre temas básicos de economia ou a incapacidade do PT de renovar sua agenda econômica.

Bolsonaro exerce seu 7.º mandato de deputado federal desde 1991 e já passou por 9 partidos. Apesar disso, ele se apresenta como “cara nova” e antiestablishment. O marketing parece funcionar, ironicamente, devido à sua exígua atividade parlamentar.

Em um país com tantos desafios, surpreende um parlamentar tão longevo ser principiante. Ele insiste, pois, em delegar ao coordenador de seu programa econômico, Paulo Guedes, as questões centrais de seu plano de governo, sendo que a agenda de cunho liberal de Guedes contrasta com sua atuação no Congresso. Isso alimenta as incertezas de como seria seu governo de fato.

Um estudo da XP, elaborado por Victor Scalet, sobre a atuação do parlamentar aponta que 46% das suas proposições tiveram cunho corporativista, com destaque para a defesa de militares e profissionais de segurança. Outros 10% vão para temas relacionados a porte de armas, que ganharam relevância mais recentemente. A segurança pública, curiosamente, não foi contemplada.

Bolsonaro foi contra as reformas estruturais, a começar pela oposição ao Plano Real. E assim seguiu para a quebra dos monopólios do petróleo e das telecomunicações e as reformas administrativa e da Previdência na gestão Fernando Henrique Cardoso.

Bolsonaro diz ter mudado de opinião. Não há problema nisso. É o que fazem políticos comprometidos ao se defrontarem com seus equívocos. Mas, se ele mudou, o que exatamente pensa? O eleitor está no escuro em relação às suas reais pretensões.

Aprendemos com a experiência malsucedida de Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff em 2015, a falta que faz a convicção do presidente. Não basta delegar.

Fernando Haddad, possível candidato e coordenador da campanha do PT, silencia sobre a culpa do governo Dilma pelo desastre econômico. Sem surpresas aqui. O problema é a ausência de reflexão e incapacidade do PT de modernizar sua agenda, diferente de outros segmentos da esquerda que buscam uma renovação.

Os “choques liberais” que Haddad promete não são observados em suas propostas, que são intervencionistas, imediatistas e superficiais. Lembram o governo Dilma, com improvisos, busca de atalhos e pouco apreço a diagnósticos cuidadosos. Distanciam-se bastante do primeiro mandato de Lula, que seguiu uma política econômica responsável e mais moderna.

Haddad tem o mérito de admitir a importância da reforma da Previdência, ao contrário de Marcio Pochmann. Suas propostas econômicas, porém, são incompreensíveis.

A proposta de elevar a tributação de bancos com juros mais altos reflete uma incompreensão das principais causas do spread elevado – inadimplência alta e cara devido à insegurança jurídica, carga tributária, crédito direcionado, dificuldade de acesso a informações e questões regulatórias – e de como funciona a economia. Se a medida for implementada – algo particularmente difícil por conta da complexidade do mercado de crédito –, a oferta de crédito diminuiria e o spread voltaria a subir com o tempo. Tiro no pé. Melhor implementar a agenda proposta pelo Banco Central para redução do spread bancário. Não precisa inventar.

Outra medida equivocada seria a venda de reservas internacionais para financiar investimentos, o que demandaria mudanças nas regras que regem sua utilização. O impacto seria pontual e muito limitado, pois o problema do Brasil não é a falta de recursos, mas sim o pouco apetite para investimentos produtivos em um país caro e onde as regras do jogo são complexas e mudam com frequência.

Ao final da corrida, a esperança é que Bolsonaro tenha realmente mudado de opinião e que evite temas econômicos por reconhecer seu despreparo. E com Haddad, a esperança de que não consiga implementar o que pretende.

*Zeina Latif é economista-chefe da XP Investimentos


Luiz Carlos Azedo: A maré é brava

A maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos

Considerado um excelente gestor público e exemplo de político com responsabilidade fiscal, o governador Paulo Hartung (PMDB) anunciou que não pretende concorrer à reeleição, surpreendendo o mundo político. Aparentemente, cansou da política e do esforço de Síssifo que é equilibrar as contas públicas e atender às demandas populares. Os adversários dizem que jogou a toalha porque, nas pesquisas eleitorais, perde para o ex-governador Renato Casagrande, que derrotou em 2014 mas agora lidera a corrida pelo Palácio Anchieta.

O político capixaba é um dos mais bem-sucedidos da geração de jovens que reorganizaram a UNE e se tornaram políticos profissionais na transição à democracia. Caiu nas graças dos economistas da Casa das Garças (PUC-RIO) ao enfrentar uma greve de policiais militares sem fazer concessões, o que exigiu uma intervenção federal no estado. O desgaste político provocado pelo ajuste fiscal não foi apenas o descontentamento da corporação, as obras paradas de responsabilidade do estado, inclusive na capital, também pesam na balança, além do rompimento com antigos aliados, como o prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), e o ex-prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas, que deixou o PSDB e se filiou ao PPS.

O desgaste de Paulo Hartung, porém, não é um fenômeno local. Um balanço da situação eleitoral nos estados revela que a maioria dos governadores está em risco eleitoral, seja por causa das dificuldades financeiras e dos ajustes fiscais feitos durante a recessão, seja por envolvimento na Lava-Jato ou outros escândalos. A vida não está fácil para quem tem mandato e exerce o poder, essa é a realidade às vésperas da campanha eleitoral. Como não se desincompatibilizou do cargo, Hartung não pode concorrer ao Senado ou ser candidato a vice-presidente da República. Vai concluir o mandato e fazer um sabático. Mas, quem quiser que se iluda, se não voltar atrás, tentará fazer o sucessor.

A maré é brava. A imagem náutica é perfeita para a situação dos políticos com mandato: a maioria está na arrebentação, furando as ondas para não morrer afogado. Pode tentar um “jacaré” e correr o risco de levar um caixote para chegar na praia. Poucos políticos são capazes de surfar a onda do voto raivoso dos eleitores. A situação somente não é mais dramática para os parlamentares federais porque a nova legislação eleitoral e o financiamento público de campanha deixaram os políticos com mandato em situação de vantagem estratégica em relação aos demais candidatos, inclusive nos grandes partidos. Entretanto, ninguém sabe direito qual será a eficácia das novas mídias e redes sociais na campanha, em comparação com a tevê, o rádio e os acordos eleitorais tradicionais.

Levantamento realizado pela consultoria Arko Advice mostra que, dos 20 candidatos à reeleição, somente largam com índices de intenção de voto acima de 40% os governadores Renan Filho (MDB), em Alagoas; Rui Costa (PT), na Bahia); Camilo Santana (PT), no Ceará; Flávio Dino (PCdoB), no Maranhão; e Wellington Dias (PT), no Piauí. Na sequência, quem estava em melhor situação, era Hartung, com 28%. É óbvio que esse cenário pode ser alterado, para isso existe a campanha eleitoral, na qual os atuais governadores têm a vantagem de poder exibir os serviços prestados e as obras realizadas. Foi assim, por exemplo, que o governador fluminense Luiz Fernando Pezão (MDB), que tinha apenas 15% de intenções de votos nessa época de 2014, conseguiu se reeleger. É o mesmo índice, por exemplo, do governador Fernando Pimentel (PT), em Minas. Rodrigo Rollemberg (PSB0, com 9%, tem o precedente de José Melo (PROS-AM), que se reelegeu em 2014 com o mesmo percentual.

Coligações

Os partidos estão empurrando suas convenções para o começo de agosto, em função da indefinição do quadro nacional. Normalmente, a armação da chapa de candidatos ao Senado e à Câmara passa pelas coligações eleitorais no plano nacional e local. É uma engenharia que os políticos com mandato conhecem bem, principalmente os deputados federais. A coligação errada pode custar o mandato de um parlamentar bem votado e catapultar para o Congresso um político estreante com menor votação. Cabe aos candidatos a governador liderar a formação de sua coligação. Para isso, geralmente, eles esperam a definição dos candidatos a presidente da República, pressionando a cúpula de seus partidos na direção que lhes parece mais conveniente.

Como a disputa pela Presidência da República está muito estranha, essas definições estão atrasadas. Exemplos de partidos embananados com isso são o PSB, que deriva para a candidatura de Ciro Gomes (PDT), e o DEM, que não sabe se apoia o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDDB). Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL) correm por fora, sem conseguir uma grande coligação, embora liderem as pesquisas com Lula fora do baralho. Apesar de o ex-presidente se dizer candidato, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad já é considerado seu substituto, até com chances de chegar ao segundo turno. Quando essas definições ocorrerem, o cenário eleitoral estará armado e a campanha eleitoral começará para valer.

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Luiz Carlos Azedo: Caiu a ficha

Como o governo, deputados e senadores foram surpreendidos pela greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas para o abastecimento e os serviços públicos

Parece que caiu a ficha de que o governo Temer e a cúpula do Congresso são sócios da crise e não adianta ninguém tirar casquinha, porque a situação é desastrosa. Estão em risco a economia do país e a estabilidade política. Ontem, Temer e os presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), divulgaram uma nota na qual se comprometem a colocar em prática o acordo feito com os caminhoneiros: “Neste momento, os poderes Executivo e Legislativo estão unidos na defesa dos interesses nacionais. Assumem o compromisso de aprovar e colocar em prática, no menor tempo possível, todos os itens do acordo”. Maia vinha se estranhando com Temer; Eunício, com Maia. Enquanto isso, caminhoneiros radicalizados dificultam a normalização do abastecimento e pregam uma intervenção militar.

Apesar da nota, o clima no Congresso é de apreensão e perplexidade. Como o Palácio do Planalto, deputados e senadores foram surpreendidos pelo vigor da greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas do movimento para o abastecimento da população e funcionamento dos serviços públicos. Os políticos estão descolados da sociedade e demonstram incapacidade de respostas positivas para situações complexas e graves.

Resultado: o país ainda não saiu do sufoco causado pela greve dos caminhoneiros, e os petroleiros já anunciam uma paralisação de 72 horas, com apoio das centrais sindicais. Detalhe: fora da data-base, com o objetivo de inviabilizar a normalização do abastecimento de combustível. É uma greve política, na linha do “Fora, Temer!”, cuja intenção imediata, a deposição do governo, não difere em nada da “intervenção militar” defendida pelos caminheiros que permanecem em greve: derrubar o governo.

O Caroço
Quem quiser que se iluda, tem caroço nesse angu. Análise realizada pela AP/Exata — Inteligência em Comunicação Digital — no Twitter sobre as redes nos primeiros dias da greve dos caminhoneiros mostra que o movimento foi deflagrado pelas hashtags #TemerAbaixaAGasolina e #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. Em meia hora, foram realizados 2.772 tweets. O monitoramento do fluxo em tempo real revelou um perfil específico muito influente: @JqTeixeira. Trata-se de um perfil fake, que dissemina ideias conservadoras, a partir de uma elevada carga moral e da defesa do militarismo. “Personagem do bom pai de família honesto, cristão e patriota”, um perfil fictício, a conta possui mais de 207 mil seguidores e está sendo investigada pelos órgãos de inteligência.

A conta não tem conteúdo pessoal, costuma partilhar e publicar com regularidade assuntos de teor político de extrema direita. Possui ainda outros perfis, com centenas de milhares de seguidores, nos quais realiza igual tipo de posts sobre as mesmas temáticas. As publicações e os perfis já foram suspensos mais de uma vez por Twitter e Instagram, mas depois retornaram.

O post que turbinou a greve foi o seguinte: “Sextou? Não vai ter álcool no bar nem cigarro. O X beicon acabou. Não há munição pro revólver. Del Rey com tanque vazio. Prostitutas paralisadas. É o fim da sexta-feira como a conhecemos. Que Deus nos proteja. #TemerAbaixaAGasolina”. Após 447 compartilhamentos, com 51 comentários, o tweet viralizou. O engajamento foi mecanizado, promovido por perfis de interferência: fakes, robôs e perfis militantes. As redes sociais foram operadas para transformar a greve num movimento de desestabilização do governo.

Joaquin Teixeira também publica ocasionalmente posts em apoio ao deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). A AP/Exata encontrou vários elos em comum. O ritmo de publicações do perfil é similar em ambas as contas, registrando aproximadamente 100 tweets semanais. E tem relação com a formação de comunidades em torno da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. No começo da greve, em meia hora, foram realizados 4.192 tweets. Essa rede é muito mais orgânica que a anterior, visto que o protagonismo de influência está dividido em vários perfis, entre os quais Patriotas Caminhoneiros, que defende a intervenção militar; Caminhoneiros Brasil; Brasil Caminhoneiro; Caminhoneiros; e Blog do Caminhoneiro, que propagam vídeos e material publicitário sobre a greve. Após a reunião do governo com os caminhoneiros, na quinta-feira passada, essas páginas imediatamente difundiram vídeos dizendo que o movimento continuaria.

Apesar de as interações da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros serem predominantemente orgânicas, houve interferência de perfis de apoio a Jair Bolsonaro, anti-PT e de “direita”, mas perfis de “esquerda”, anti-Temer e pró-PT também aderiram à comunidade. Essa convergência entre radicais de direita e de esquerda nas redes se materializa agora com a anunciada greve dos petroleiros, com apoio das centrais sindicais CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB. Se a greve for bem-sucedida, a crise de abastecimento recrudescerá.

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Luiz Carlos Azedo: Governo fraco

A União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam por um acordo que jogue a conta no colo do consumidor

“Isso é coisa de governo fraco”, sapecou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao criticar a mobilização das Forças Armadas para enfrentar a crise de abastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros (na verdade, um grande locaute das transportadoras, que só agora começa a ser enfrentado pelo governo como manda a lei). Na quarta-feira, Maia foi protagonista de uma votação na Câmara que complicou ainda mais a situação, ao induzir os deputados a votarem pela extinção do Pis-Cofins no diesel dizendo que a perda seria de R$ 3 bilhões, quando na realidade seria de R$ 10 bilhões. Disse que as contas da receita estavam erradas, ao contrário dos cálculos da assessoria técnica do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-RJ).

O último presidente da Câmara a se aproveitar de um governo fraco foi o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que abriu o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), aliado à oposição, mas hoje está cumprindo pena em regime fechado. Dilma havia passado por um tremendo desgaste em 2013, quando foi surpreendida por grandes manifestações de protestos em todo o país, mas, mesmo assim, conseguiu a reeleição. Não resistiu, porém, quando as mobilizações de rua convergiram para as articulações no Congresso, em razão do colapso de sua “nova matriz econômica”, que jogou o país na maior recessão de sua história e provocou desemprego em massa. Seu vice, Michel Temer, entrou na conspiração e assumiu seu lugar. É um presidente fraco pela própria natureza.

Ao contrário de Cunha, Maia é hoje o primeiro na linha de sucessão de Temer. Na semana passada, o ambiente na Câmara era de vaca estranhar o bezerro, como gostam de afirmar os políticos. Os que haviam votado contra a denúncia contra Michel Temer diziam que sua manutenção no cargo foi um erro. Estava-se pagando um preço muito alto por isso, pois o governo não se recuperou da crise ética, apesar da queda da inflação e dos juros baixos. Aliados de Temer admitem que estão sendo muito cobrados pelos eleitores por causa do voto contra a denúncia. O ambiente na Câmara não é favorável ao governo. Resumindo, se houver uma nova denúncia, Temer será afastado do poder.

Maia sabe disso e parece arrependido do apoio a Temer. Teve os destinos do país nas mãos, mas não atendeu ao apelo da maioria dos seus pares, depois de um puxão de orelhas de sua mãe, uma chilena que viveu os dias dramáticos da queda de Salvador Allende ao lado do ex-prefeito Cesar Maia, então um jovem professor de economia exilado no Chile. Mariangeles Ibarra Maia, em mensagem encaminhada ao filho, pediu: “Não conspire contra Temer”. A pré-candidatura de Maia a presidente da República parecia uma jogada para garantir a recondução ao comando da Câmara; agora, começa a ter outro sentido.

Caso Temer fosse afastado, Maia assumiria a Presidência e poderia concorrer à reeleição no cargo. Há dois caminhos para isso: abrir um processo de impeachment, o que teria uma conotação golpista para o presidente da Câmara; ou esperar a terceira denúncia contra Temer, com base na investigação do Porto de Santos. Nos tempos de Janot, isso já teria ocorrido. A procuradora-geral Raquel Dodge, porém, não tem a mesma gana do antecessor contra Temer, por quem foi nomeada para o cargo, sendo a segunda mais votada entre os procuradores.

Abastecimento

O Brasil já teve muitos governos fracos, alguns acabaram depostos, como a Regência da princesa Isabel, em 1889, e os governos de Washington Luiz, na Revolução de 1930, e o de João Goulart, em 1964. Mas nenhum foi tão fraco como a Regência Provisória que assumiu o comando do país com a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, formado pelo paulista José da Costa Carvalho, o maranhense João Bráulio Munis e o general Francisco de Lima e Silva. Num dos seus piores momentos, o governo passou seis dias cercado por mercenários amotinados, traficantes e fidalgos insatisfeitos. Nessa crise, avultou-se o ministro da Justiça, o padre Diogo Antônio Feijó, e um jovem major do Exército, Luiz Alves de Lima e Silva, filho do general, que enfrentaram os amotinados e, depois, uma série de rebeliões. Era uma época em que o nosso Estado-nação estava nos seus primórdios.

Hoje, temos um governo fraco, mas um Estado forte, com instituições sólidas e mão pesada. É uma ironia, mas a crise que estamos vivendo decorre mais do segundo do que do primeiro aspecto. Resulta de um conflito distributivo no qual a conta já não fecha, além de uma estratégia de desenvolvimento que tem como polos mais dinâmicos da indústria a produção de veículos automotivos e a exploração e o refino de petróleo do pré-sal, de um lado; a construção civil nas cidades e a produção de commodities agrícolas no campo, de outro. O Estado forte vive de aumentar impostos de combustíveis, telecomunicações e energia elétrica, para financiar governos ineficientes e subsidiar setores privilegiados da economia.

A paralisação colapsou a economia, enquanto a União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam para ver quem vai ganhar mais ao jogar a conta no colo do consumidor. Por essa razão, a greve dos caminhoneiros gerou sentimentos contraditórios na população, que num primeiro momento ficou contra o governo, porque abraça a ideia de reduzir impostos para baixar o preço do combustível, muito inflacionado pela alta do dólar. Até o abastecimento entrar em colapso. Agora, a opinião pública se volta contra os grevistas, mas não refresca o governo. A crise política instalada só se resolverá nas eleições

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-governo-fraco/