Economia
Luiz Carlos Azedo: O mundo de Bolsonaro
“Os efeitos das tarifas impostas por Trump às importações chinesas, assim como das restrições de acesso a tecnologias americanas, já desaceleram o comércio mundial, o que não é bom para o Brasil”
Na montagem de sua equipe, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, já deu pistas de como a banda vai tocar no seu governo em relação a alguns temas da agenda nacional. Por exemplo, ninguém pode dizer que se enganou em relação ao futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, cuja pasta combaterá o crime organizado e a corrupção. A mesma coisa pode-se dizer quanto ao superministro da Fazenda, Paulo Guedes, que o mercado conhece muito bem. Idem para a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), indicada pelo agronegócio de exportação. O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também não engana ninguém: seu estilo e modo de operar no Congresso são conhecidos.
O que permanece uma incógnita é a relação do futuro governo com a política mundial. Os sinais de Bolsonaro eram no sentido de um alinhamento automático com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Deu várias declarações nessa direção, seja em relação aos acordos multilaterais, como o Mercosul e o de Paris, seja em questões mais específicas, como as relações comerciais com a China e a intenção de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Ocorre que essas declarações tiveram repercussão muito negativa, e as eleições norte-americanas de 6 de novembro mostraram que o vento mudou em relação a Trump. Com os democratas conquistando a maioria na Câmara, nada será como antes.
Nos bastidores da transição, com o roque do Ministério da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), as quatro estrelas do general Augusto Heleno passaram a brilhar mais do que todas as outras, inclusive as do vice-presidente, general Hamilton Mourão, que é mais “moderno”. Essa mudança tem impacto no posicionamento estratégico de governo sobre vários temas, um deles é a política externa. Desde a Guerra das Malvinas, quando os EUA deram apoio logístico aos ingleses e, inclusive, inviabilizaram a utilização de seus mísseis pelos argentinos, a velha Doutrina Monroe caducou.
Vigorava desde 2 de dezembro de 1823, quando o presidente James Monroe, no Congresso norte-americano, disse que o continente não deveria aceitar nenhuma intromissão europeia: “América para os americanos”, proclamou. De uma só vez, os EUA rechaçaram a criação de novas colônias no continente, a interferência de nações europeias em questões internas e a neutralidade norte-americana em conflitos envolvendo países europeus. Esses princípios funcionaram contra a Espanha e a antiga União Soviética, mas não contra o principal aliado dos EUA no Atlântico, a Inglaterra. A guerra das Malvinas aprofundou o chamado “pragmatismo responsável” dos chanceleres Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro. Durante os governos Geisel e Figueiredo, respectivamente, o Brasil abandonou o alinhamento automático aos Estados Unidos.
Guerra comercial
Nessa época, o redirecionamento da política externa para as relações Norte-Sul mirava principalmente a África e os países árabes; o eixo do comércio mundial não havia se deslocado do Atlântico para o Pacífico, como acontece agora. Mas, com essa mudança, a China acabou se transformando no principal parceiro comercial do Brasil, desbancando os Estados Unidos. Ocorre que nossa infraestrutura de comércio exterior e logística está voltada para o Atlântico, não temos escala de investimentos para redirecioná-la ao Pacífico com a eficiência e a rapidez necessárias. Quem paga o preço é a nossa indústria.
É nesse contexto que o jovem chefe do Departamento de Estados Unidos, Canadá e OEA do Itamaraty, o ministro de primeira classe Ernesto Henrique Fraga Araújo, encantou Bolsonaro com um artigo “presbítero” publicado na revista do Itamaraty, intitulado “Trump e o Ocidente”. No texto, afirma que o presidente norte-americano está salvando a civilização cristã ocidental do islamismo radical e do “marxismo cultural globalista”, ao defender a identidade nacional, os valores familiares e a fé cristã. Música para os ouvidos de Bolsonaro.
Entretanto, o cargo de ministro das Relações Exteriores exige muito mais do que uma visão religiosa de mundo. Outros nomes já foram sugeridos a Bolsonaro, entre os quais o atual embaixador no Canadá, Paulo Bretas, e os ex-embaixadores em Washington Roberto Abdenur, Sergio Amaral e Rubens Barbosa. A escolha de um deles definirá os rumos da política externa de Bolsonaro, num momento em que o Brasil, como outros emergentes, pode virar marisco na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Os efeitos das tarifas impostas por Trump às importações chinesas, assim como das restrições de acesso a tecnologias americanas, já desaceleram o comércio mundial, o que não é bom para o Brasil, a não ser que os Estados Unidos voltem a reduzir a sua taxa de juros, o que enfraqueceria o dólar e beneficiaria os emergentes. Mas aí já é adivinhação.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-mundo-de-bolsonaro/
César Felício: Ministério do Trabalho, cadáver metralhado
Menos pressionados, governos abandonam mediação social
O fim do Ministério do Trabalho retrata, mais que uma posição administrativa ou ideológica, uma constatação de natureza política: há uma decadência nítida, que não está restrita ao Brasil, da capacidade de trabalhadores urbanos em sindicatos influenciarem nas esferas de poder.
Se o Brasil vai acabar com uma instituição que cumprirá 88 anos de idade no dia 26, a Argentina já o fez este ano. Mauricio Macri fundiu o Ministério do Trabalho com o da Produção no país vizinho.
Menos pressionados, governos abandonam a função de mediadores de conflitos sociais. Lentamente, volta-se ao verdadeiro significado de uma frase dita na década de 20 pelo então governador de São Paulo, futuro presidente Washington Luiz. "A agitação operária é um questão que interessa mais à ordem pública do que à ordem social, representa o estado de espírito de alguns operários, mas não de toda a sociedade".
Macri está longe de ser um esquerdista e Bolsonaro pertence ao universo da ultradireita, mas o sapo não pula por boniteza, mas por precisão, como uma vez escreveu Guimarães Rosa. Outros fossem os tempos e dificilmente Bolsonaro deixaria de preencher a vaga do Trabalho. Do mesmo modo como a criação de vaga, na esteira da revolução de 1930, não encontra explicação em uma opção ideológica de Getúlio Vargas. Atendeu-se a uma demanda histórica.
O primeiro ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, avô de um futuro presidente, era um conspirador varguista de primeira hora. Montou a pasta com a colaboração de advogados de organizações de trabalhadores, como Evaristo de Morais Filho, e industriais, como Jorge Street. Sua principal tarefa era normatizar a existência dos sindicatos, empregados e trabalhadores. A meta era garantir espaços para cada um, e consequentemente, estabelecer limites. O Estado dirimia as controvérsias e tutelava a representação política das partes. Lindolfo rompeu com Getúlio, para nunca mais se reconciliar, dois anos depois.
Coube ao segundo ministro, Salgado Filho, que posteriormente seria o primeiro ministro da pasta da Aeronáutica, criar a carteira de trabalho de hoje, a azul, a que Bolsonaro menospreza diante da prometida "verde e amarela", suposto canal de criação de mais empregos com menos direitos.
O terceiro, Agamenon Magalhães, posteriormente um hierarca do PSD pernambucano, expurgou os sindicatos de todos os elementos com alguma ligação com as forças políticas que apoiavam o comunista Luiz Carlos Prestes. Ajustava-se a máquina à linha oficial. Uma no cravo, outra na ferradura: também foi Agamenon que criou o seguro contra acidente de trabalho e a indenização por demissão sem justa causa.
O quarto ministro, Valdemar Falcão, costumava substituir Getúlio em discursos nas primeiras transmissões do que hoje é a "Voz do Brasil". Foi em sua gestão que se criou a Justiça Trabalhista. Na democratização em 1945, tornou-se o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Seu sucessor, Alexandre Marcondes Filho, foi marcado pela promulgação da CLT, em 1943. Da pasta sairia para estruturar o PTB varguista. Mas nos anos 50 foi ministro da Justiça de Café Filho, alinhado com a UDN.
O começo da história do Ministério do Trabalho explica porque ele durou até hoje, sobrevivendo ao regime militar. Era um freio, um garantidor da ordem social, montado por lideranças muito conservadoras.
O Ministério do Trabalho só esteve no eixo de uma guinada política, concentrando sobre si o fogo de toda a oposição, nos idos de 1953, quando comandado por João Goulart. O então ministro de Vargas definitivamente emulou Perón e mandou dobrar o salário mínimo. Soltava-se a válvula: o país vinha em uma onda de greves maciças e violentas, que aumentavam a influência comunista no meio sindical. A ação de Jango movia o PTB para a esquerda e continha a ação do proscrito PCB.
A pasta voltou a ganhar papel protagonista na gestão de Luiz Marinho, no governo Lula. Data daí a criação da política de reajuste do salário mínimo em vigor. O instrumento foi ferramenta importante para garantir alguns anos de calmaria para o petismo, depois do tumulto do mensalão.
É desnecessária a crônica dos últimos dez anos. Os movimentos sociais foram para a periferia política depois do advento da militância polarizada insuflada pelas redes e a pasta tornou-se pouco mais que um ninho de cavações e sinecuras de políticos de segundo time. A atuação do Ministério na tramitação da reforma trabalhista demonstra a tese.
Bolsonaro mata o que já estava morto. Não há mais redes de proteção, no universo institucional, para conflitos sociais de qualquer natureza, muito menos capital e trabalho. Bolsonaro é um produto desta anomia, não sua causa.
Semelhanças e diferenças
Com seus megaministérios e entusiasmados amadores na gestão pública à frente deles, o governo Bolsonaro lembra o de Fernando Collor. Nem mesmo falta a animosidade em relação à imprensa.
Collor criou uma superpasta da Infraestrutura, outra de Economia e enxugou também área sociais. Bolsonaro também vai por aí. Os dois eram desacreditados no início de suas campanhas. Os dois usaram à larga o anticomunismo e o discurso anticorrupção durante o processo eleitoral. Há três diferenças essenciais entre o governo de 1990 e o que toma forma agora.
Não existe um Paulo César Farias, para, entre outras coisas, construir uma animosidade entre o poder público e a elite empresarial. Não há um fenômeno econômico desestabilizador da sociedade como era a hiperinflação de então. E Bolsonaro na sua equipe ministerial monta um eixo na farda e na toga, duas áreas negligenciadas na gestão collorida. São diferenças essenciais e o insucesso de Bolsonaro, se sobrevier, não tomará a forma que tomou a desgraça de Collor. Tolstoi já dizia que cada um é infeliz à sua maneira.
João Domingos: Reforma da Previdência exige mais que torcida
A se julgar pelo que dizem parlamentares que conseguem medir as tendências do Congresso, no momento a reforma não passa
A aprovação neste ano da reforma da Previdência, ou de um remendo qualquer, como a idade mínima para se aposentar, seria o maior presente para Jair Bolsonaro depois dos 57.797.847 votos obtidos por ele no segundo turno da eleição. Começaria seu governo sem se preocupar com a idade mínima para a aposentadoria, a parte que sofre maior resistência por parte do Congresso e a que mais causa preocupação ao equilíbrio das contas públicas. Mais à frente poderia cuidar de outros detalhes menos polêmicos.
A questão a ser observada, porém, é que nesse momento a reforma não passa, a se julgar pelo que dizem parlamentares que conseguem medir as tendências do Congresso, entre eles o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG). Para mudar essa tendência, Bolsonaro teria de exibir suas armas de negociador. Em primeiro lugar, unir forças com o presidente Michel Temer. Ao eleito, interessa aprovar o projeto, mesmo que aos pedaços; ao que sai, deixar no currículo a reforma da Previdência seria o melhor dos mundos.
Em segundo lugar, Bolsonaro teria de negociar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o apoio à reeleição deste para mais um período de dois anos à frente da Casa. Sem esse acordo, Maia dificilmente fará um esforço maior pela reforma, pois dependerá dos votos do PT e de outros partidos de centro-esquerda numa eventual disputa pelo comando da Câmara com algum aliado do capitão. E esse campo político é contrário ao projeto.
É preciso considerar ainda que 243 deputados, ou 47,3% da Câmara, não se reelegeram. No Senado foi pior. Só oito se reelegeram na disputa que envolveu 54 cadeiras, com renovação de 85%. Como mobilizar esses parlamentares que estão se despedindo sem prometer alguma coisa para eles, nem que seja um carguinho no Estado para onde retornam?
Tanto Bolsonaro quanto Paulo Guedes, o futuro superministro da área econômica, têm dito que seria muito importante a aprovação da reforma da Previdência. Não poderiam dizer outra coisa. Eles sabem das dificuldades que tal empreitada carrega. Despejar otimismo sobre a possibilidade de aprovação da reforma tem efeitos benéficos para a economia. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles fez isso o tempo todo. Não aprovou a reforma. Mas animou o mercado.
Bruno Boghossian: Pauta ruralista e evangélica será chave de Bolsonaro no Congresso
O próximo ministro da Fazenda não gostou de ver um deputado dando palpite em sua área. “É um político falando de economia”, reclamou Paulo Guedes ao desautorizar Onyx Lorenzoni, articulador do futuro governo.
Guedes terá que se acostumar. As medidas que propõe para colocar as contas do país em ordem dependerão de 513 Lorenzonis na Câmara e outros 81 no Senado.
A capacidade de formar maioria no Congresso para aprovar propostas impopulares como a reforma da Previdência será uma das principais provas para Jair Bolsonaro. Sob a promessa de romper a tradição de distribuir cargos aos partidos aliados, o presidente eleito usará sua popularidade como chave para uma lua de mel com o Legislativo.
A plataforma conservadora que teve êxito nas urnas deve ser uma das peças centrais desse jogo. Ainda em campanha, Bolsonaro sugeriu que aproveitaria a pauta de costumes para adoçar a boca dos parlamentares e convencê-los a engolir a pílula amarga do aperto fiscal.
“Se nós tipificarmos ações do MST como terrorismo, será que a bancada ruralista não vai estar conosco?”, perguntou o então candidato em uma palestra a empresários, em julho. “Se nós buscarmos resgatar os valores familiares, não vamos ter simpatia dos evangélicos?”
O apoio do governo aos interesses do agronegócio, das igrejas e da bancada da bala seria um torrão de açúcar barato. “Não estou falando em construir uma ponte até Fernando de Noronha”, disse Bolsonaro.
Formados por deputados e senadores de várias siglas, os grupos temáticos do Congresso são os canais que o presidente eleito quer usar para driblar os caciques partidários. Pode até funcionar, mas essa articulação fluida deve se tornar custosa.
Bancadas informais não têm mecanismos para disciplinar traidores ou negociar detalhes dos projetos em votação. Quando estiverem em pauta mudanças nas aposentadorias ou a criação de tributos, não haverá economista capaz de acomodar os palpites de centenas de políticos.
Zeina Latif: O semblante do político
A bronca é generalizada e vai além da crise econômica, reclama-se da ação estatal
Com as urnas apuradas, vieram os discursos do vencedor e do derrotado.
O derrotado sorria e exibia um semblante leve, quase aliviado. Um desavisado acharia que ele teria ganho a eleição. Fernando Haddad provavelmente sabe que o PT teria muitas dificuldades para governar e fazer o País crescer. Além do isolamento político do partido, a agenda petista não dá conta dos desafios da economia. E com 2022 logo ali, o partido estará na confortável posição de oposição. Que ela seja responsável, pensando no bem do País.
O vencedor, por sua vez, exibia semblante tenso e abatido. O desafio de governar passou a pesar sobre seus ombros. O Brasil não é um país fácil e o momento atual é particularmente difícil.
Não se sabe ainda qual o escopo da aguardada agenda liberal. As falas do futuro ministro da Economia são contundentes, mas ainda superficiais e conflitantes com as dos conselheiros políticos de Jair Bolsonaro. Caberá ao futuro presidente arbitrar os conflitos, superando seu desconhecimento de políticas públicas e a inexperiência na gestão pública dele e dos que o rodeiam.
A pouca experiência do novo governo seria menos preocupante não fossem o quadro econômico frágil, as reformas fiscais urgentes e a sociedade ansiosa por mudanças. Uma combinação assim não era vista, possivelmente, desde o governo do presidente Fernando Collor.
Segmentos da classe média e do setor produtivo são os que mais depositam esperanças no futuro presidente, a julgar pelas clivagens sociais nas pesquisas de intenção de voto e pelo resultado das urnas por regiões do País. São os que sentiram mais intensamente a crise econômica e sofrem muito com o mau funcionamento do Estado brasileiro.
A classe média, que não conta com redes de proteção social, perdeu status. Precisou rebaixar seu padrão de consumo diante do desemprego de membros da família e exibe ainda elevado volume de dívidas em atraso como proporção de sua renda (4% considerando apenas a dívida bancária). A inflação baixa, certamente, ajudou na melhora da confiança do consumidor. O medo do desemprego, no entanto, continua em níveis máximos, afligindo mais de 65% da população, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Empresários que viram suas empresas e patrimônio ameaçados engrossam o coro dos descontentes. Apesar da melhora das condições financeiras das empresas desde o fim de 2016, os sinais de alerta ainda estão acesos. Há ainda volume desconfortável de dívidas em atraso como proporção do faturamento e os pedidos de recuperação judicial não estão recuando em relação a 2017. A capacidade ociosa na indústria e nos serviços está em patamares recordes, em torno de 20%. Não se voltou à normalidade, o que limita a geração de empregos, ainda muito concentrada na informalidade.
A bronca é generalizada e vai além da crise econômica. Reclama-se da ineficiente e injusta ação estatal, sendo que, sem crescimento, tudo fica mais difícil. O Estado brasileiro maltrata o capital privado e protege alguns poucos setores. Bolsonaro soube captar esse sentimento.
O médio produtor é o mais castigado, pois sofre com o elevado custo Brasil, sem conseguir diluí-lo pela menor escala de produção, e não conta com benefícios tributários como as pequenas empresas. Sofrem com o Estado intervencionista, que muda regras com frequência e sem critérios, mas que é incapaz de prover serviços de qualidade e segurança jurídica. Não faltam reclamações de abuso de poder e complacência dos últimos governantes com os excessos de alguns grupos.
Um Estado que funcione melhor é o desejo de todos. No entanto, não se trata de ter mais recursos públicos ou simplesmente autoridade, ainda que ela seja necessária. Um exemplo recente da sua falta foi a ausência de responsabilização de agentes públicos pelo incêndio do Museu Nacional.
Será necessário apoio no Congresso, diálogo com o sistema judiciário e reforço no arcabouço institucional, definindo as responsabilidades dos órgãos e agências públicas.
Um presidente pode menos do que se pensa.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Roberto Macedo: Bolsonaro precisa de uma reforma pessoal
Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo "pode Jair se acostumando". Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o "Jair já era".
Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército, enfrentará em Brasília muitos e grandes problemas. Alguns, de enorme magnitude e de difícil solução, são carentes de reformas específicas, como a previdenciária e a tributária.
Mas ele precisa fazer também uma reforma de si mesmo, começando por cair na real e perceber que sua vitória não resultou de sua genialidade. Como disse o filósofo espanhol Ortega y Gasset, o ser humano é ele e as circunstâncias. Ou seja, suas ações pessoais são importantes, mas circunstâncias favoráveis ou não também podem contribuir, e muito, para seu sucesso ou fracasso. Bolsonaro foi claramente beneficiado por uma onda de descrença e desilusão com políticos tradicionais e com o lulopetismo. Essa onda veio também da insatisfação com a crise econômica, que entre outras mazelas trouxe enorme desemprego. Some-se a isso a corrupção endêmica, também envolvendo políticos, que, felizmente, passou a ser desnudada pelo Judiciário. E a falta de segurança que grassa pelo País, entre outros aspectos. Até a facada que sofreu em Juiz de Fora, um episódio lamentável, revelou-se circunstância favorável, pois estimulou a compaixão e a solidariedade de muitos eleitores e o poupou de debates de alto risco com outros candidatos.
O talento de Bolsonaro esteve em perceber essa onda favorável e surfar nela para que o povo o sufragasse nas urnas. Não é pouca coisa, mas sem essas circunstâncias o cenário eleitoral poderia ter sido outro. No fim, ele ganhou a eleição, mas também a imensa responsabilidade do cargo de presidente e dele se esperam soluções para os muitos e graves problemas de que o Brasil padece.
Ao reformar-se também precisaria aumentar, e muito, o tamanho do seu curtíssimo pavio. E não se iludir com essa conversa de mito, merecedora de um pito. Outro ponto importante seria dispor-se a discutir assuntos sem opiniões preconcebidas, ou mesmo erradas, o que, aliás, se estende a membros do seu núcleo duro. Por exemplo, o deputado Onyx Lorenzoni, cotado para a chefia da Casa Civil, disse há dias que o projeto de reforma previdenciária de Temer, em exame no Congresso, é uma "porcaria". Mas depois, na terça, dia 30, os jornais noticiaram que Bolsonaro quer negociar com Temer a aprovação imediata de pelo menos uma parte desse projeto. O que seria correto, pois ele tem muitos méritos.
Muita gente não gosta de Bolsonaro, que teve 39,2% do número total de eleitores, que inclui votos em branco, nulos e abstenções, revelando que não é a unanimidade que muitos imaginam. Mas teve maioria (55,1%) dos votos válidos e democracia é isso. Espero que tenha êxito em tirar o Brasil da encrenca em que se meteu por obra e desgraça do lulopetismo, além de começar a afastá-lo de uma estagnação econômica que já está próxima de completar quatro décadas e o deixou para trás no contexto dos países emergentes. Mas no curto prazo de seu mandato o objetivo imediato deve ser o de superar a crise que prostrou a economia desde 2015 e aumentou o desemprego e a pobreza.
E vai ser muito difícil. Por isso, na reforma de si mesmo também seria importante preparar-se para a gestão pública, em que não tem experiência. E essa gestão é de alta complexidade. O governo federal é o maior ente econômico do País, está em seriíssimas dificuldades orçamentárias e só não chegou à lastimável situação de alguns Estados, como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, onde se registram até atrasos de salários, porque não tem limite de endividamento. Seus altos déficits viram mais dívida acumulada. Se continuar nessa rota, vai quebrar mais à frente, quando os credores derem um basta no endividamento forte e ininterrupto.
O que viria com essa quebra? Entre outras consequências, o dólar subiria muito, agravando o problema inflacionário e exigindo medidas recessivas no sentido contrário. O governo também poderia, num incesto financeiro, emitir mais dinheiro para se financiar, igualmente levando a movimentos do dólar e da inflação na mesma direção. E assim viria outra crise sobre a crise ainda em andamento, complicando demasiadamente a situação.
Na questão administrativa, inexperiente, ele não tem o que reformar. Deve delegar muito, mas preservar para si a missão que cabe ao presidente, a de liderança do processo de transformações, buscando soluções, motivando seus auxiliares, cobrando providências e desempenho. Numa foto recente, ele estava diante de uma mesa onde mostrou quatro livros que presumivelmente anda lendo: a Constituição, uma Bíblia em linguagem contemporânea, um livro sobre as memórias de Churchill - um grande modelo de liderança - e um do filósofo Olavo de Carvalho, importante mentor da direita brasileira. Caberia um sobre gestão pessoal e de negócios, a meu ver também aplicável a governos, e pensei no Stephen Covey, Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes (Rio de Janeiro, Best Seller, 2014). Lançado em 1989, já teve mais de 25 milhões de exemplares vendidos internacionalmente, tendo sido considerado pela revista Forbes o livro mais influente na sua área no século 20.
Uma de suas lições ensina que a boa gestão deve dar prioridade a questões urgentes e importantes, mas também é preciso cuidar das importantes e não urgentes, pois com o passar do tempo podem passar à primeira categoria, numa situação agravada por soluções procrastinadas. É o caso do problema previdenciário no Brasil. Empurrado com a barriga por sucessivos presidentes e pelo Congresso, acabou por se tornar um problema crônico e de solução cada vez mais difícil, agora tão importante como urgente.
Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo "pode Jair se acostumando". Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o "Jair já era".
* Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior
Ricardo Noblat: Bolsonaro preside e Guedes governa
De um único posto a uma rede de postos
Nem Delfim Netto em certo período da ditadura militar de 64, ou talvez somente foi ou aparentou ser mais poderoso do que será a partir de janeiro próximo o economista Paulo Guedes, que de uma só tacada acumulará os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.
A confirmar-se o que ontem foi anunciado, Bolsonaro presidirá o país – para isso se elegeu no último domingo com expressiva votação. Mas quem governará será Guedes, o Posto Ipiranga ungido por Bolsonaro, que de simples posto não terá nada. Guedes estará mais para uma rede de postos, a única do mercado, da qual dependerá tudo mais.
Será um tremendo desafio para um economista que nunca serviu a governos em cargos executivos, não tem experiência em lidar com políticos e nem mesmo é reconhecido como uma sumidade por seus pares. Eles reverenciam sua inteligência e seu reconhecido dom para a polêmica, e é só. Caberá a Guedes provar as demais qualidades que imagina ter.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento já foram um só no passado. Deixaram de ser quando o conhecimento avançou e a administração pública se tornou muito mais complexa. A fusão dos dois é considerada um retrocesso por economistas de grosso calibre. Juntá-los com Indústria e Comércio, uma temeridade. Mas vamos que vamos. Bolsonaro tem muitas fichas para gastar.
Se a experiência, afinal, for malsucedida como se teme, ou se o temperamental Guedes acabar se desentendo no futuro com parte dos demais ministros, Bolsonaro sempre poderá dizer que tentou o que lhe parecia o melhor para o Brasil, que não tem e jamais terá a obrigação de entender de tudo, engatando em seguida uma meia volta, volver.
Moro, o Pelé de Bolsonaro
Jogada brilhante
O juiz Sérgio Moro já deu todas as indicações possíveis de que aceitará o convite do presidente Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça e daqui a dois anos ou menos ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga a ser aberta com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello.
Se o convite para ministro da Justiça não trouxesse embutido o acerto para que dali ele saltasse para o STF, até que Moro o recusaria. Mas esse não é o caso. Um lugar na mais alta corte de justiça do país é o sonho de qualquer juiz. Moro acha que sua obra como juiz federal está completa. E sua mulher também concorda.
Quem o suceder no comando do braço original da Lava Jato no Paraná estará obrigado a ser tão rigoroso quanto ele tem sido. E Moro considera que seu trabalho ali está praticamente concluído. Pouco se lhe dá que o PT possa aproveitar sua entrada no governo Bolsonaro para tentar desacreditá-lo. Ele se acha blindado.
Um amigo de Moro, que ainda duvida que ele aceite o convite, lembrou ontem à noite que Fernando Henrique Cardoso, no seu primeiro governo, teve Pelé como ministro dos Esportes. Moro seria o Pelé do governo Bolsonaro. Só que Pelé não desfalcou a Seleção para ser ministro, ele já aposentara as chuteiras.
Moro desfalcará o combate à corrupção como seu líder inconteste. Enfraquecerá a operação da qual se tornou um símbolo. Porá em dúvida sua imagem de juiz isento de paixões políticas. E dará forte munição para que desafetos tentem desqualificar suas decisões. Um prato cheio a ser devorado por um PT faminto.
Quanto a Bolsonaro, será aplaudido pelos seus devotos e também por aqueles que sempre quiseram ver Moro removido de onde está. Uma jogada brilhante de um político que muitos ainda subestimam.
El País: A advertência da China e o desconcerto da Argentina ante os sinais de Bolsonaro
Futuro presidente deve visitar primeiro o Chile, e não Argentina, como de praxe, e quer relação especial com EUA e Israel. Duro editorial do jornal estatal chinês 'China Daily' adverte eleito dos riscos econômicos de querer ser um "Trump tropical"
Jair Bolsonaro reservou um momento de seu curto discurso da vitória no domingo para prometer libertar o "Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos". Era mais uma arenga com os Governos do PT, cujo antagonismo lhe ajudou a chegar à Presidência. Se analisados os primeiros sinais da diplomacia do futuro governo, no entanto, a guinada se projeta mais profunda e, em alguns aspectos, inédita, a ponto de desconcertar a Argentina, país estratégico para Brasília no pós-ditadura, e provocar advertência da China, principal parceiro comercial do Brasil.
Nas primeiras horas como presidente eleito, Bolsonaro celebrou um trunfo: um imediato telefonema de boas-vindas de Donald Trump. O presidente dos EUA ainda escreveria horas depois um tuíte efusivo descrevendo como "excelente" a conversa com Bolsonaro. Era tudo que desejava o futuro mandatário de extrema direita, cuja meta é explorar, apesar das grandes diferenças, a ideia de que é um "Trump tropical" e construir uma relação preferencial com os norte-americanos como não havia desde os anos 60. Como essas sinalizações vão evoluir, ainda não se sabe, mas parece ser o prenúncio da volta da diplomacia com marca presidencial animada pela afinidade com outros líderes populistas no poder.
Ao movimento se seguiu um da China. Além das felicitações protocolares, Pequim enviou um duro recado ao futuro Governo brasileiro, com o peso de quem manteve um intercâmbio comercial da ordem de 75 bilhões de dólares no ano passado com o país (20 bilhões de superávit brasileiro) e é a origem de vultuosos de investimentos. O jornal estatal China Daily, espécie de braço de relações públicas controlado pelo Partido Comunista chinês, dedicou um editorial a Bolsonaro chamado "Não há razão para que o 'Trump Tropical' revolucione (disrupt) as relações com a China". O texto afirma que Bolsonaro foi "menos que amigável" na campanha – o brasileiro já defendeu que a China não compra no Brasil, mas “o Brasil”. Os chineses cobram que, como presidente, Bolsonaro aplique uma avaliação "objetiva e racional" das relações porque, do contrário, "o custo pode ser árduo para a economia brasileira". O Global Times, outra publicação chinesa considerada porta-voz informal, chamou distanciamento de Bolsonaro de "inconcebível".
Não foi o primeiro ruído com o Governo chinês. “Pequim vê a ascensão de Bolsonaro com muita preocupação. Ninguém na equipe do futuro Governo tinha consciência do custo político que poderia ter a visita que o presidente eleito fez a Taiwan em março”, diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e colunista do EL PAÍS. À época, Pequim reagiu com "indignação" porque considera a ilha taiwanesa uma parte rebelde do território chinês.
Stuenkel aposta que, nos bastidores, os chineses convencerão à futura gestão brasileira a agir de forma pragmática. Já um diplomata brasileiro, que preferiu não de identificar, avalia que há diferenças internas da equipe bolsonarista que vão se refletir na política externa: de um lado, há o receituário liberal do Paulo Guedes, que será o superministro de economia, e, de outro, a postura mais soberanista que o próprio Bolsonaro costumava defender. "As relações com a China darão a senha para compreendermos qual dessas visões prevalecerá", diz o funcionário.
Argentina e a crise na Venezuela
Como em quase tudo relacionado aos planos de Bolsonaro, em política externa os detalhes também são poucos, e as idas e vindas, muitas. No final da campanha, o presidente eleito elogiou a China, por exemplo. Bolsonaro também conversou com os parceiros de Mercosul: o presidente da Argentina, Mauricio Macri, e com Mário Abdo Benítez, presidente do Paraguai, ambos com visões de economia afins à de Paulo Guedes. Entretanto, logo após a vitória, Guedes foi rude com uma jornalista argentina, afirmando que o bloco sul-americano "não era prioridade" e que tinha "viés ideológico". Além disso, integrantes da equipe de Bolsonaro afirmam que sua primeira viagem ao exterior será ao Chile de Sebastián Piñera, e não à Argentina, como de praxe na diplomacia brasileira.
Tudo foi lido como um alerta para o conservador Macri – que tinha simpatia por Fernando Haddad, com quem manteve uma relação cordial quando o candidato derrotado do PT era prefeito de São Paulo e Macri de Buenos Aires. O relacionamento com o Brasil, primeiro destino de suas exportações argentinas, é fundamental para o país. A Argentina vendeu 58 bilhões de dólares ao mercado brasileiro, o equivalente a 20% do total exportado para o mundo. Por isso, Buenos Aires tomou cautelosamente as declarações bolsonaristas, esperando que os fatos deem uma dimensão real às ameaças. A incerteza é o que mais preocupa o governo argentino, especialmente porque o Mercosul está em arrastadas negociações com a União Europeia para um acordo de livre comércio. Macri foi o condutor dessas conversas, ainda que, na avaliação da diplomacia brasileira, aconteça o que acontecer com o Governo Bolsonaro, é o lado europeu que trava a negociação por causa do protecionismo no agronegócio. O chanceler argentino, Jorge Faurie, pediu que esperem para avaliar o que dizem os ministros de Bolsonaro "fora da campanha". E ele concordou com Guedes na avaliação de que a integração regional "deveria se afastar de processos que têm um alto contexto ideológico".
Além do comércio, no lado latino-americano, todas as expectativas estão colocadas no papel que Bolsonaro terá na crise e na deriva autoritária da Venezuela. Durante a campanha —como em tantas outras—, o país vizinho se transformou em munição para atacar seu rival, Fernando Haddad. Bolsonaro, da mesma forma que milhões de seus seguidores, criticou a proximidade que o Partido dos Trabalhadores (PT) teve com o regime chavista, mesmo que o apoio dado por Lula em sua época a Hugo Chávez seja bem diferente do que teve Maduro em anos posteriores. É evidente que Bolsonaro cortará qualquer tipo de relação com o chavismo e se alinhará a outros Governos, como o da Colômbia do conservador Iván Duque. Mas precisará assumir a crise migratória dos venezuelanos que procuram refúgio no Brasil, com uma fronteira cada vez mais quente.
Acordo de Paris e Israel
No plano global, Bolsonaro sinaliza que quer seguir os passos de Trump, e no movimento ganha o reforço do ex-assessor da campanha do presidente norte-americano Steve Bannon. Oferecendo-se como ideólogo a ligar nomes de uma onda populista de global de direita, Bannon, que se reuniu com um dos filhos de Bolsonaro há alguns meses, declarou sua simpatia pelo político brasileiro. O problema é que ser "Trump tropical" pode ter custos altos para um emergente como o Brasil. Bolsonaro chegou a ameaçar retirar o país do Acordo de Mudança Climática de Paris —algo que depois condicionou— e do Conselho dos Diretos Humanos da ONU. Se concretizado, isso poderia provocar reações, sobretudo na Europa.
Oliver Stuenkel, assim como outros analistas, dão como certo que Bolsonaro mudará a Jerusalém a embaixada do Brasil em Israel, alinhado a Trump e para cumprir uma promessa eleitoral que contentaria grande parte dos líderes evangélicos que o apoiaram e à comunicada judaica direitista, também crucial em sua campanha. Isso marcaria um antes e um depois na história da diplomacia brasileira, que até durante a ditadura manteve suas diretivas em relação ao conflito na região. Há inquietação com o passo, especialmente entre grandes produtores brasileiros de carne e frango que vendem parte expressiva da produção para o mundo árabe e temem uma retaliação.
Nesta quarta, começa formalmente a transição de Governo, e as bolsas de aposta para o nome do próximo chanceler estão abertas. A dúvida é se será nomeado alguém da carreira ou outra liderança. Entre os nomes que circulam está o da embaixadora Maria Nazareth Azevedo, que está atualmente em Genebra.
Angela Bittencourt: Espera-se que Paulo Guedes "governe" na medida certa
Câmbio é "calcanhar de Aquiles" dos estrangeiros
A lua de mel do mercado com o novo presidente eleito neste domingo vai durar até a cerimônia de posse? Esta pergunta foi feita, na semana passada, repetidamente à Coluna, que devolveu a questão, recebeu várias respostas e considerou esta a mais instigante: "Vai durar até que o ministro da Fazenda descubra que o tempo da economia é um e o tempo da Política é outro. O tempo da economia é o da urgência; o tempo da política é o da negociação. Há um excesso de otimismo com Paulo Guedes exatamente porque o economista ainda não se apropriou adequadamente da figura de ministro que exercerá a partir de segunda-feira", afirma o interlocutor.
Para um profissional do mercado financeiro, Paulo Guedes pode cometer um equívoco - ou meter os pés pelas mãos - se decidir se apressar para fazer anúncios assim que formalizada a vitória de Jair Bolsonaro. "O que se espera é que ele volte a falar. Que não se tranque em copas. Que sinalize que a equipe que já está na Fazenda e no Tesouro e no BC permaneça ou diga que seguem conversando e isso vale também para Bolsonaro. Vale até um 'tamo junto' de Bolsonaro, referindo-se às equipes ou parte delas que já estão no governo", diz a fonte.
Outra clara indicação observada pela Coluna é quanto à formalidade esperada para as reformas. Questionados sobre a independência do Banco Central (BC), os profissionais do mercado financeiro são positivos quanto ao assunto, acreditam que o governo fruto dessa eleição preocupa-se com legitimidade das instituições e perseguirá a independência do BC. E, também por esse motivo, consideram indispensável a aprovação de um projeto de lei que discrimine todas as condições a serem cumpridas pela instituição para que ela tenha o selo de "independente".
Nesse sentido, o momento é considerado perfeito pelo fato de Ilan Goldfajn, presidente do BC, estar chegando ao final do segundo mandato, podendo ser reeleito por mais dois e quebrando mandatos por períodos coincidentes aos dos poderes Legislativo e Executivo. O que também vale para a diretoria da instituição. Um dos entrevistados da Coluna acredita que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fará das tripas coração para que Ilan tenha esse legado no currículo. E ele também, inclusive, porque, das 513 cadeiras da Câmara, 251 foram renovadas nessas eleições. E Maia, que era considerado um deputado forte na Casa, agora é considerado forte no Centrão.
Embora Jair Bolsonaro não seja Geraldo Alckmin, o candidato de fato cobiçado pelo mercado desde o minuto inicial da campanha eleitoral para presidente da República, a corrida acabou e o resultado agradou. Afinal, Bolsonaro não é PT e está ainda mais à direita.
Quadro posto já na sexta. "Há ou não um rali armado para a segunda?", questiono. "Resposta de US$ 10 milhões", devolve o analista.
"Uns dizem que sim, outros dizem que não. Mas hoje começa a doer carregar dólares em carteira. É alta a propensão a 'stopar'. A vender para conter o risco de assumir novas perdas", explica o analista de um grande banco. Ele lembra que o dólar ficou um bom tempo ao redor de R$ 3,70 e chegou a R$ 4,20, com o PT avançando nas pesquisas. Até aqui, só lucro. Mas a queda foi rápida e, abaixo de R$ 3,70, é perda. Já estamos a R$ 3,65.
Esse profissional alerta que a grande maioria dos investidores estrangeiros deixou o Brasil até duas a três semanas antes do 1º turno das eleições. O resultado do 1º turno, com vantagem para Bolsonaro, não atraiu essa modalidade de investidor para novas compras. "Neste caso, o D+1 não funcionou", diz.
O interlocutor da Coluna lembra que os estrangeiros continuam mantendo posição de compra em instrumentos derivativos de câmbio representados por contratos de dólar futuro e contratos de cupom cambial ou juro em dólar negociados na B3.
Essas compras começaram em março, quando o saldo era de US$ 11 bilhões. Em abril já estavam em US$ 23 bilhões; em maio, em, US$ 26 bilhões; em junho, US$ 34 bilhões; em julho, US$ 32 bilhões; agosto, US$ 39 bilhões; e, na última quinta-feira, em US$ 38,5 bilhões. Estas posições são utilizadas como garantia para transações com juros e ações no Brasil normalmente. Contudo, o analista entrevistado informa que boa parte desses dólares é hedge de aplicações feitas em outros países emergentes. E que alterações expressivas na taxa de câmbio no Brasil poderão desorientar grandes mercados.
Este profissional não descarta a possibilidade de a taxa de câmbio declinar a R$ 3,50, mas considera o futuro imprevisível, de fato, caso a reforma da Previdência não tome a direção prevista pelo mercado, o que pode ocorrer caso o governo não obtenha uma maioria solidária ou, ainda, caso o PT faça uma oposição ruidosa ao governo na Câmara dos Deputados, onde terá a maior bancada.
Um outro analista, também muito atento aos movimentos cambiais, tem uma avaliação diferente por contemplar um novo elemento: maior oferta de dólares ao Brasil pelo petróleo do pré-sal. Para este profissional, a vitória de Jair Bolsonaro vai recuperar a imagem do Brasil, o Investimento Direto no País (IDP) seguirá na ordem de US$ 70 bilhões ao ano, o superávit comercial ficará próximo a esse valor e o país ainda terá a receita adicional do pré-sal.
"Creio que teremos sim esse problema cambial. Uma apreciação do real que pode chegar a 20%. E, a se confirmar, será grave porque não há produtividade que compense essa variação de câmbio e não podemos imaginar que o mercado não vai fazer o que sabe, que é antecipar o movimento, o 'overshooting'", lamenta.
Uma preocupação que está no ar quando se pensa em dólar no Brasil é a intensa queda das Bolsas americanas. Em outubro, o Nasdaq tombou 10,93%, o que fez evaporar mais de US$ 1 trilhão de valor de mercado de seus componentes.
Mas Pedro Martins, estrategista de ações para o JPMorgan, em entrevista a José de Castro, do Valor, diz que é prematuro considerar que o mais longo "bull market" da história dos EUA chegou ao fim. E avalia que o nível "descontado" das ações emergentes em 2018 acaba deixando esses mercados mais atrativos neste momento.
Política Democrática: Eleição escancarou intolerância na sociedade, dizem especialistas
Em artigos publicados na revista Política Democrática online, sociólogo e economista avaliam campanhas eleitorais e democracia
O período eleitoral escancarou a intolerância na sociedade, revelando o clima de tensão e ódio entre adversários que vai exigir, do presidente eleito neste domingo (28), um grande esforço para desarmar os espíritos. No entanto, o contexto brasileiro serve para mostrar que a democracia entra em crise porque não tem resposta às novas demandas da sociedade, provindas de uma profunda mudança social.
A avaliação é de analistas políticos autores de artigos publicados na edição de lançamento da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Com acesso totalmente gratuito, a publicação foi lançada no dia 23 de outubro.
Em seu artigo, que recebeu o título “Ameaças à democracia”, o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento explica que uma das dificuldades na construção de respostas por parte dos governos democráticos reside no que ele chama de “morte das ideologias”. Segundo o autor, a ideologia sobrevivente é o liberalismo.
No entanto, conforme acrescenta Elimar, o próprio liberalismo “torna-se cada vez mais incapaz de dar respostas aos novos problemas que emergem das mudanças estruturais da sociedade, particularmente oriundas da disseminação das novas tecnologias e da crise ambiental”.
Além de não ter considerado a importância de temas ambientais, o período eleitoral não explorou outros campos necessários para o desenvolvimento da sociedade, de acordo com o economista Sérgio Buarque. Ele é autor do artigo “Atropelado pelas emergências”, que também está publicado na revista.
De acordo com Sérgio, a campanha também escondeu os temas econômicos e fiscais incômodos que devem ser enfrentados pelo próximo presidente. Com isso, segundo ele, desmobilizou a sociedade para a necessidade de medidas que são inevitáveis ao reequilíbrio das finanças públicas. “Propostas enganosas e simplistas foram vendidas como mágicas para todos os males do Brasil”.
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El País: Brasil à flor da pele vota sem debater como tirar a economia da marcha lenta
A campanha eleitoral debateu ideologias e estilos distintos de governar. Mas nenhum candidato respondeu à pergunta que mais grita: quem será capaz de colocar o país no caminho da recuperação econômica firme?
O Brasil vai hoje às urnas para definir o nome do presidente que conduzirá seu destino nos próximos quatro anos. Os 147 milhões de eleitores decidem entre o ultradireitista Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores. A campanha eleitoral que os colocou em lados opostos debateu ideologias e estilos distintos de governar. Mas nenhum respondeu à pergunta que mais grita hoje nas casas brasileiras: Quem será capaz de colocar o país de 209 milhões de pessoas no caminho de uma recuperação econômica firme, após dois anos de uma que foi apenas letárgica?
A campanha agressiva, que foi marcada inicialmente pela batalha jurídica pelo nome do ex-presidente Lula para ser o candidato do PT, e depois pela liderança de Bolsonaro, alvejado no início de setembro por um lunático com uma faca, acabou deixando em segundo plano a realidade cotidiana das pessoas, que tentam recuperar as ilusões perdidas ao longo da crise política e econômica que o país vive nos últimos quatro anos.
"O dinheiro parou de circular aqui", lamenta Maria Ferreira Lima, dona de um minúsculo quiosque de camisetas na popular rua 25 de Março, no centro de São Paulo. Lima passou 35 de seus 58 anos trabalhando na área que reúne centenas de lojas que vendem desde roupas de bebê, a panelas e enfeites domésticos. A região da 25 de Março se transformou em um termômetro da economia brasileira. E Lima, em uma testemunha da temperatura atual. “Em outros anos não se conseguia andar por aqui de tanta gente que comprava”, recorda. Aqueles eram tempos em que faltava mão de obra no Brasil, quando a nova infraestrutura em torno da Petrobras movimentava a economia. Agora os tempos são outros. A gigante do petróleo está no centro de uma investigação que paralisou a política e os negócios, e desde então o país não é o mesmo. Lima, que já teve uma loja na mesma rua, viu como a crise, que começou a dar os primeiros sinais em 2014 —no mesmo ano em que teve início a investigação da Lava Jato sobre corrupção na petroleira—, reduziu o público da 25. Ela mesma teve de fechar as portas de sua loja e ficar com o quiosque de camisetas. As que mais vendem são aquela com a cara de seu candidato a presidente. Vai votar em Bolsonaro e espera vê-lo governar a partir de janeiro de 2019.
A dona do quiosque é um reflexo do Brasil que o próximo presidente herdará. Um país em que as pessoas não aguentam mais rebaixar suas expectativas sobre o futuro, esperando que o dinheiro volte a circular e a economia ressurja novamente após quatro anos de paralisia. Foram dois anos de recessão, entre 2015 e 2016, e mais dois com uma recuperação anêmica. O país ainda não retomou a atividade dos anos pré-crise, embora os especialistas indiquem que, talvez, em 2020, possa conseguir isso.
A previsão é que em 2018 o PIB aumente 1,4%, após ter crescido apenas 1% em 2017. São resultados anêmicos para um país com tantos desafios a serem atendidos. "Neste momento não há garantia de que esse ritmo será mantido", explica Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas. Tudo indica que será Bolsonaro, com 8 a 10 pontos de vantagem sobre Haddad, de acordo com as últimas pesquisas, que terá de lidar com esse quadro econômico. Aos olhos dos cidadãos, a tarefa mais urgente para o novo presidente é retomar a confiança de um país dividido em dois pela política e, ao mesmo tempo, melhorar o ritmo da atividade econômica para quebrar o círculo vicioso instalado há alguns anos, como afirma o empresário Marcio Nahas, que também tem um negócio na rua em 25 de Março. "O desemprego cresceu. Com mais gente desempregada, vende-se menos nas lojas. E com vendas inferiores, os empregadores tiveram que cortar", comenta ele, dono de uma tradicional loja de tecidos, perto do quiosque de Lima. Nahas teve de reduzir em 30% sua folha de pagamento para sobreviver a tempos difíceis.
No total, o Brasil soma 12,7 milhões de desempregados, com uma taxa de desemprego de 12,1%. Nas eleições de quatro anos atrás, o desemprego era de 4,8% e o país estava satisfeito por ter uma situação de pleno emprego. Hoje, esse passado parece uma miragem. No caminho explodiram alguns problemas fiscais que fizeram aflorar uma bolha no mercado de trabalho. Entre estas medidas estavam subsídios fiscais a empresas, com a intenção de incentivar o consumo, e investimentos públicos equivocados do Governo de Dilma Rousseff (que presidiu o país entre 2011 e 2016, quando foi destituída pelo Congresso). Ambos os incentivos expandiram os gastos públicos sem uma contrapartida em termos de cobrança de impostos.
A dívida pública passou de 55,4% do PIB em 2014 para 77,3% neste ano, de acordo com os cálculos do Banco Central do Brasil. Pela metodologia do Fundo Monetário Internacional (que inclui títulos do Tesouro como garantia de compromissos), o quadro clínico é ainda mais agudo, com 85,92% (dados de agosto) de dívida sobre o PIB. Essa é outra espada na cabeça do próximo presidente. Segundo os especialistas, trata-se de uma bomba-relógio que pode explodir e aprofundar o quadro negativo da economia se os ajustes não forem feitos a tempo. Já faz cinco anos que o Brasil não consegue obter superávit nas contas públicas. Mesmo tendo congelado os gastos públicos em 2017.
O déficit primário esperado para este ano excede 139 bilhões de reais, um valor equivalente a 2% do PIB, e a expectativa para 2019 é que o resultado permaneça negativo. "Quem for o próximo presidente do Brasil, encontrará uma situação extremamente frágil", alerta o economista Claudio Frischtak. E não há milagres para reverter a situação, apesar de isso ter sido prometido durante a campanha eleitoral. Bolsonaro, por exemplo, garante que levará o déficit a zero em 2019 sem aumentar impostos, algo que exigiria crescimento de 4,5%. "Isso é impossível", diz Frischtak. Por sua vez, Haddad tem propostas de investimento público em setores que empregam muita mão de obra, como o de infraestrutura, algo que ajudaria a criar uma onda de otimismo para o crescimento do consumo e a arrecadação do Governo.
Reforma da Previdência
Qualquer que seja a solução a curto prazo, os economistas consultados por EL PAÍS coincidem em apontar a reforma da Previdência como base para uma sólida transformação do Brasil. A queda na taxa de natalidade e a maior expectativa de vida reverteram a pirâmide demográfica. O sistema dificilmente será sustentável sem se mudar a matemática. Em 2017, o déficit do caixa das aposentadorias foi de 268,8 bilhões de reais, 18,5% superior ao de 2016. "A reforma do sistema previdenciário é a espinha dorsal de um ajuste fiscal", defende Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. "Uma agenda de ajustes é prioritária. Se não houver um senso de urgência nesta questão, o preço a pagar será muito alto ", acrescenta.
As mudanças na aposentadoria não são fáceis em nenhum país, e o Brasil não seria exceção. O atual presidente, Michel Temer, tentou avançar nesse assunto e o Congresso a princípio lhe deu apoio. Mas na véspera de um ano eleitoral este apoio se evaporou porque a reforma implicaria aprovar medidas impopulares num momento em que muitos estavam buscando a reeleição (as eleições parlamentares foram realizadas em 7 de outubro, coincidindo com o primeiro turno da presidencial). Nesse contexto de interesses cruzados, a reforma ficou na gaveta, esperando o que o próximo presidente decidir.
A legislação vigente estabelece que os brasileiros podem se aposentar de acordo com o tempo de contribuição para a previdência —30 anos para as mulheres e 35 para os homens. Portanto, quem começou a trabalhar aos 16 ou 18 anos, consegue se aposentar antes dos 50 anos, ainda tendo uma idade produtiva pela frente. A proposta de Temer era estabelecer uma idade mínima de aposentadoria de 53 anos para mulheres e 55 anos para os homens, e elevar esse limite para 62 e 65 anos, respectivamente, ao longo de duas décadas.
No entanto, mais de 70% dos brasileiros são contra a proposta, de acordo com uma pesquisa recente, o que mostra que não será uma tarefa fácil para o próximo governo. Até o momento, as propostas dos candidatos nesta questão são superficiais. Os dois disseram que buscarão iniciativas diferentes das de Temer. Bolsonaro, por exemplo, quer seguir o modelo de capitalização, como o adotado pelo Chile, com a possibilidade de que um trabalhador opte por um plano de previdência privada. Haddad defendeu o combate aos privilégios daqueles que recebem aposentadorias muito altas —políticos, militares, entre outros— e atribui o equilíbrio nas contas da previdência à recuperação da economia, uma vez que um maior crescimento significaria empregos e o aumento das contribuições.
DESIGUALDADE GALOPANTE
Nas últimas décadas Brasil conseguiu reduzir de forma notável a taxa de pobreza. No entanto, continua sendo um país muito desigual desde o ponto de vista econômico. As seis maiores fortunas do país acumulam uma riqueza equivalente aos recursos que possuem os 100 milhões de habitantes mais pobres, segundo um relatório publicado por Oxfam International.
A aposta Bolsonaro
Desde o início do processo eleitoral o mercado financeiro brasileiro aposta em Bolsonaro como o candidato mais preparado para levar a cabo as reformas de que o país precisa. A cada pesquisa em que o ex-militar aparecia à frente, a Bolsa de Valores brasileira subia e o dólar caia frente ao real. Deputado há 28 anos, tendo passado por oito partidos diferentes, o extremista de direita coleciona polêmicas e não mede as palavras, com discursos belicosos para atacar os oponentes "Vamos fuzilar a petralhada”, disse ele em um comício se referindo aos membros do PT. "Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia", declarou no domingo passado, o que levou seus seguidores ao delírio. Nem mesmo sua reputação como machista, homofóbico e adorador da ditadura tirou pontos dele entre os investidores. A narrativa agressiva lhe outorga, aos olhos de quem o apoia, uma autoridade que seria fundamental para promover as profundas mudanças que a economia requer.
Bolsonaro foi atrás de Paulo Guedes, economista liberal que passou por Chicago, para ser seu fiador no mundo econômico. Guedes é visto como a panaceia para todos os males da economia. Bolsonaro afirma que ele será seu ministro da Economia, e promete incentivar o livre mercado, as privatizações e um ajuste fiscal severo. Tudo isso fez com que investidores vissem com bons olhos a sua candidatura. "O mercado vive uma lua de mel com Bolsonaro", reconhece Silvio Cascione, da consultoria Eurasia. "Mas esse idílio pode ser mais curto do que se imagina." Cascione lembra que não há soluções rápidas para os problemas complexos do Brasil. Também é uma incógnita a reação da sociedade quando perceber que o plano desse candidato é buscar um ajuste que, na prática, irá cortar direitos e pode não entregar as respostas às altas expectativas que o candidato vem alimentando. Pelo contrário, nesse jogo de equilíbrios que teria que promover no caso de chegar à Presidência, suas respostas poderiam não estar à altura de suas promessas, decepcionando assim o mercado.
Mais mudanças
Os agentes econômicos esperam que o próximo presidente também faça outras reformas, como a tributária. E que isso fortaleça uma agenda de mudanças para que o Estado seja mais eficaz e melhore os investimentos produtivos. De uma taxa de investimentos de 20,4% do PIB em 2014, o Brasil passou a 15,6% em 2017, longe das necessidades para alcançar um crescimento sustentável. Difícil desvincular esta redução do gasto da crise política que eclodiu com as investigações da Lava Jato sobre a Petrobras. As empresas de construção e infraestrutura se viram implicadas nas denúncias de suborno, e o país assistiu a um efeito dominó. Tudo estancou. "Estamos vivendo uma crise política que não foi totalmente resolvida com a destituição de Dilma ", lembra Silvia Matos, da FGV.
A paralisia econômica também contaminou o comércio exterior do Brasil. As exportações caíram de 256 bilhões para 225 bilhões de dólares no ano passado. "Nós não sabemos como vai terminar a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, e que nos afeta", diz José Augusto Castro, presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior. "A isso devemos acrescentar que a Argentina está passando por uma crise severa, e não há mercado que possa compensar sua menor atividade", afirma. Bolsonaro lembrou que é necessário aprofundar as relações com os Estados Unidos, hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil, depois da China. A Argentina é o terceiro. Isso pode deixar em segundo plano o projeto de expansão dos países emergentes (BRICS), que era uma meta dos diferentes governos do PT (2003 a 2016). O candidato conservador também fez gestos de aproximação com o presidente argentino, Mauricio Macri, e o presidente chileno, Sebastián Piñera, indicando por onde pode caminhar sua diplomacia.
No entanto, outras decisões necessárias para dar suporte às mudanças econômicas passarão pelo Congresso, que tomará posse em janeiro de 2019 com uma renovação sem precedentes de 50% dos 513 assentos e com 30 partidos representados. Com a popularidade em alta, Bolsonaro conseguiu eleger 52 deputados pela sua legenda, o Partido Social Liberal (PSL). E também ganhou o apoio de outros grupos que se identificam com ele, como os ruralistas, evangélicos e deputados que apoiam o armamento da população. Terá, porém, que negociar com todas as cores, incluindo o próprio PT, que elegeu 56 deputados, a maior bancada da Câmara dos Deputados. "A credibilidade de um Governo Bolsonaro só se concretizará se houver uma boa relação com o Congresso", diz Frischtak.
É aí que começam as dúvidas sobre o futuro de um eventual Governo ultradireitista. "Não vejo Bolsonaro com facilidade para controlar o Congresso", diz Sergio Vale, economista da MB Associados. Como ele, Silvia Matos teme que as reformas necessárias para impulsionar a economia não sejam aprovadas. "Essa é uma das maiores incertezas do mercado", diz Matos. A população que o apoia majoritariamente, porém, joga todas as suas esperanças em que a mão dura traga o otimismo de volta ao país. Se as pesquisas estão corretas e Bolsonaro vencer, a verdade vai começar a ser conhecida em janeiro.
Samuel Pessôa: Debater com a heterodoxia cansa
Eles falam, andam em círculos, mas conta que é bom não fazem; é mais fácil chamar os que calculam de inimigos dos pobres
Ninguém discorda de que o Brasil é muito desigual e que o peso dos tributos sobre os mais pobres é maior do que deveria ser.
É comum afirmar que tudo se resolveria facilmente com a criação de um imposto sobre grandes fortunas.
As pessoas que têm se debruçado sobre esse problema espinhoso, a maneira de a política tributária reduzir as desigualdades sociais, têm um pouco mais de dúvidas sobre como fazer isso do que Pochmann e Feldman demonstraram em colunas recentes nesta Folha.
Em um primeiro momento, eles dizem literalmente que o déficit primário previsto para 2019 "poderia ser superado pela cobrança de 1% sobre grandes fortunas".
Quando demonstrado que seus números não se sustentam, escrevem que, com "a reformulação do Imposto sobre Heranças e Doações (ITCMD) e a taxação de dividendos e grandes fortunas, o potencial arrecadatório aproxima-se de 1,5% do PIB".
Passam assim de uma base tributária possível para outra como se elas fossem intercambiáveis e como se, no final, fosse tudo a mesma coisa.
Instados a apresentar os cálculos, eles silenciam. Feldman argumenta que dados da Receita Federal mostram que as 70 mil famílias mais ricas do país pagam um imposto efetivo de apenas 6% da renda, enquanto a classe média paga 12%.
Esses são dados conhecidos sobre as distorções da tributação da renda. Qual é mesmo a arrecadação possível? Nossos economistas heterodoxos escrevem, falam, andam em círculos, mas conta que é bom mesmo não fazem. É mais fácil chamar os que calculam de inimigos dos pobres.
As distorções do sistema tributário brasileiro são conhecidas. A complexidade da tributação indireta é a principal. Mas também a tributação da renda precisa ser revista. Minha coluna da semana passada apontou haver consenso da necessidade de elevação da carga tributária sobre os mais ricos.
O que se espera daqueles que pretendem efetivamente contribuir para o debate é que enfrentem cuidadosamente o desafio de pensar como isso pode ser feito.
Um primeiro passo pode ser o de apresentar estimativas que tenham algum respaldo na realidade. Também contribuiria para o debate se os conceitos fossem empregados como um mínimo de rigor. Imposto sobre grandes fortunas incide sobre as grandes fortunas. Aumento de alíquota do ITCMD eleva a tributação sobre heranças e doações.
Ainda que o imposto sobre as grandes fortunas tenha sido abolido em quase todos os países da Europa, nada impede, em tese, que esse seja um caminho possível por aqui.
Mas, nesse caso, seria interessante que fossem analisados os problemas envolvidos na sua criação e implantação. Um problema conhecido é o da fuga de capitais.
Não é à toa que propostas recentes de criação de um imposto sobre grandes fortunas na Europa pensam o tributo no contexto da União Europeia como um todo, e não de cada país isoladamente.
Quando se trata da tributação da riqueza, a base "heranças e doações" é preferível em relação à base "grandes fortunas".
Estimativas fantasiosas em nada contribuem para a avaliação das potencialidades e riscos dos diversos caminhos possíveis.
Na coluna passada, mencionei o famoso discurso em que Churchill disse ao povo inglês que somente tinha "sangue, suor e lágrimas" para lhes oferecer. O correto é "sangue, labuta, lágrimas e suor". Escapou-me a labuta. Não deve ter sido simples esquecimento! Agradeço a meu amigo Manuel Thedim pela correção.
*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.