Economia

Cida Damasco: Família vende (quase) tudo

Privatização ganha força. BB, Caixa, Eletrobrás e Petrobrás estão na mira

Não há quem duvide do papel das concessões e privatizações na política econômica do futuro governo. O compromisso com o liberalismo e a necessidade de ajuste fiscal a curtíssimo prazo tornam sua importância mais do que estratégica. Vital é o adjetivo apropriado. O perfil da equipe econômica, completada na semana passada, prova que o chefe Bolsonaro e seu superministro Paulo Guedes, até agora com carta branca, pretendem dobrar a aposta na privatização. Dois polos de poder cuidarão dessa tarefa: uma secretaria específica para desmobilização e desinvestimento sob o guarda-chuva de Guedes, que será entregue ao empresário Salim Mattar, dono da Localiza, e uma estrutura subordinada diretamente à Presidência, para tratar das concessões de infraestrutura.

É verdade que as previsões sobre desestatização divulgadas durante a campanha pecam pelo exagero, segundo economistas dos mais variados matizes. Primeiro, Guedes falou em se desfazer de todas as estatais – no total, são 144, sob controle direto e indireto da União –, depois Bolsonaro falou em sair de 100 delas e, já na boca das eleições, ambos cacifaram uma previsão de receita de R$ 2 trilhões com venda de participações nas empresas, de ativos e renovação de concessões.
Mas, mesmo considerando que a realidade vai derrubar alguns desses “sonhos”, está claro que levar adiante um programa parrudo de privatizações é indispensável para um governo que precisa reduzir o endividamento e, pelo menos num horizonte próximo, não tem como abater os gastos significativamente.

Nesta semana, uma iniciativa ainda da gestão Temer deve criar condições para que Bolsonaro, já na chegada ao Planalto, inicie uma ofensiva desestatizante. Está marcada para quinta-feira a divulgação dos editais de licitação de 12 aeroportos, quatro portos e uma ferrovia, que permitirão a realização de leilões já no primeiro trimestre – um pacote de concessões que deve resultar numa arrecadação de R$ 1,5 bilhão e investimentos de R$ 6,4 bilhões.

Mas, se a decisão de limpar a carteira de empresas pertencentes ao Estado é ponto pacífico, ainda há dúvidas sobre o destino de estatais que são ícones do patrimônio nacional. O que vai acontecer exatamente com a Petrobrás, com a Eletrobrás e com o Banco do Brasil? Muitos observadores ficam arrepiados só de ouvir falar na possibilidade de o Estado brasileiro abrir mão desses ativos. Mas, aos poucos, começam a ser estabelecidos alguns parâmetros para o “emagrecimento” dessas empresas, que buscam conciliar os desejos dos liberais com os limites dos nacionalistas, especialmente nas alas militares.

O BB e a Caixa deverão pôr à venda alguns “pedaços” relativos a atividades laterais das instituições, como já deixaram claro seus novos presidentes, Rubem Novaes e Pedro Guimarães – o mercado dá como certa, por exemplo, a oferta da área de seguros do BB. Segundo antecipou Novaes, essa venda em “pedaços” seria via mercado de capitais. A Eletrobrás, cuja inclusão na lista de privatizações do governo Temer foi objeto de grande debate, também deve seguir a linha de privatização parcial, com a preservação da área de geração de energia em poder do Estado.

Quanto à Petrobrás, o caso mais emblemático entre os emblemáticos, tudo indica que ficará concentrada na atividade de exploração e o foco será o pré-sal. A julgar pelas declarações do vice Mourão e do próprio Bolsonaro, a porta está aberta para a venda da distribuição de combustíveis e do refino – na primeira, a participação da Petrobrás no mercado já está abaixo de um quarto, embora, na segunda chegue à marca de 90%. Nos últimos dias, inclusive, a movimentação das ações da Petrobrás nas bolsas já reflete claramente essas indicações de reestruturação.

Mais uma vez, acertadas as diferenças entre as turmas que se abrigam no governo Bolsonaro, as discussões sobre privatização vão acabar no Congresso. E, quando se trata de estatais de setores estratégicos, pode-se imaginar o quanto essas discussões tendem a esquentar e, por isso mesmo, se alongar. Guardadas as devidas proporções, foi o que aconteceu na gestão Temer. Afinal de contas, é no Congresso que interesses de regiões e corporações se manifestam – seja por meio de partidos ou de bancadas. Um teste decisivo para a chamada “vontade política” do novo governo.


Fernando Limongi: O Presidencialismo de delegação

Bolsonaro encontra conforto quando delega a gestão

Continua a montagem do governo Bolsonaro. Boa parte das pastas já foi distribuída e o perfil do governo do capitão ganha nitidez.

Fiel à promessa de campanha, o presidente eleito evitou o que chama de 'toma-lá-dá-cá', recusando-se a 'comprar' apoio dos partidos, por meio da distribuição de pastas ministeriais.

Em editorial, "O Estado de S. Paulo" saudou o princípio adotado para compor o novo governo, decretando a morte do malsinado presidencialismo de coalizão, responsável por "uma parte considerável das desventuras nacionais".

A lógica nem sempre convive bem com a análise política. Pode ser que, no passado, a distribuição de pastas ministeriais visasse tão somente a 'compra' de apoio, numa troca de cargos por votos no Legislativo, sem base em compromissos programáticos.

Mesmo que esta fosse uma descrição acurada do modus operandi dos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer, dela não decorre a impossibilidade do Executivo negociar com partidos em bases programáticas.

Tal raciocínio assume o fisiologismo como característica intrínseca dos partidos brasileiros, sobretudo dos 'partidos de aluguel'. Obviamente, seguidores de Bolsonaro não podem comungar do juízo, pois teriam que incluir o 'programático' PSL.

A inconsistência lógica do raciocínio não para aí. Assume-se que excluir os partidos garantiria lisura à transação. Contudo, cargos podem ser loteados de diversas formas. Se os nomeados representam grupos de interesse ou bancadas setoriais, como a ministra da Agricultura, o mesmo tipo de troca escusa poderia estar por detrás da nomeação.

O realismo político recomenda a leitura da Constituição, onde está dito que leis são aprovadas mediante a maioria dos votos dos legisladores e, no caso de emendas constitucionais, como a reforma da Previdência, por maioria qualificada de 3/5. Assim, se o presidente eleito tem uma agenda política, e esta agenda pede a aprovação de leis, terá que contar com o apoio de uma maioria organizada e consistente no Legislativo.

Em última análise, a suposição de que esta maioria só pode ser obtida à base de fisiologismo nada tem a ver com o grupo com qual se negocia, se com partidos ou bancadas setoriais. Se levados a sério, argumentos deste tipo questionam a legitimidade dos interesses representados pelos parlamentares, das demandas que fazem. Em outras palavras, a crítica ao presidencialismo de coalizão não condena a coalizão ou os partidos, mas a representatividade do Legislativo.

No presidencialismo, de coalizão ou não, sem as concordâncias do Executivo e do Legislativo não se muda o status quo legal. Simples assim. Como o PSL só controla algo como 10% das cadeiras, para obter o apoio necessário para aprovar matérias o presidente terá que contar com votos dos demais partidos de centro e de direita.
A esquerda pode querer fazer uma oposição intransigente, mas não tem cadeiras suficientes para paralisar o governo, pois o PT e seus aliados, em contabilidade generosa, não controlam mais do que 20% das cadeiras.

O fato é que os resultados eleitorais foram francamente favoráveis a Bolsonaro. Nenhum dos presidentes que o antecedeu encontrou condições tão cômodas para implementar seus propósitos. O folclórico MDB, para dar só um exemplo, foi reduzido a pó de traque, isto é, não há partidos com força suficiente para 'chantagear' Bolsonaro.

Até o momento, Bolsonaro e sua equipe ignoraram completamente o Poder Legislativo. O caso do orçamento é paradigmático. A equipe de transição desconsidera o trabalho da CMO, responsável pela elaboração da lei orçamentária que o governo terá que executar no ano que vem. Coisas miúdas e mundanas, como o organograma ministerial, devem ser previstos pela lei. A despeito dos pedidos reiterados do relator da matéria, a equipe de transição não envia as diretivas à comissão.

Voltando ao presidencialismo de coalizão, não é difícil perceber que a competência não oferece um guia completo para todas as decisões presidenciais. Como mostra o caso do Ministério da Educação, a qualificação do indicado varia de acordo com a fonte escutada, se Viviane Senna, a bancada evangélica ou Olavo de Carvalho.

No caso, Bolsonaro quis abrir uma nova franquia do Posto Ipiranga. Como fez com Guedes e Moro, procurou apoio fora de seu círculo restrito para legitimar sua indicação. Entretanto, não foi possível encontrar para algum notável disposto a aderir integralmente ao seu programa para a educação. Sem alternativas, Bolsonaro voltou ao seu círculo íntimo, recrutando o novo ministro entre os ungidos por seu guru.

Para dizer o mesmo de outra forma, não são nada claros os critérios usados para aferir a competência de Ricardo Vélez Rodríguez ou Luiz Henrique Mandetta. No caso deste último, Bolsonaro esclareceu que o conhece há pouco e que não trocaram mais do que algumas poucas ideias. Ainda assim, mesmo contando com informações tão limitadas, Bolsonaro o guindou à posição de Marechal, confiando-lhe a missão de "provar a todos de que a saúde tem jeito com pessoas de bem e apoios dos mais variados."

No início da campanha, sempre que indagado, Bolsonaro não escondia sua falta de preparo e conhecimento sobre economia, educação e saúde. Em mais de uma oportunidade, como na sabatina da CNI, pediu ajuda e deixou claro que estava disposto a deixar que os interesses organizados assumissem a gestão das políticas setoriais.

Em suma, Bolsonaro constrói um governo balcanizado e compartimentalizado. É meio cada um para um si, sem a coordenação de uma liderança unificadora, autorizada a resolver os inevitáveis conflitos entre os titulares das pastas.

O presidente eleito encontra conforto quando delega a gestão. Por enquanto, este foi o modelo adotado para distribuir pastas ministeriais. Nasce o presidencialismo de delegação. Tem tudo para dar errado.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro no apocalipse estatal

Presidente delegou a gente que mal conhece a liberdade de fazer uma revolução

A esquerda dizia que o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) era "neoliberal". A esquerda, petistas inclusive, dizia até que o primeiro governo de Lula da Silva (2003-2006) se rendera ao "neoliberalismo". Que nome vai dar ao projeto de governo da economia de Jair Bolsonaro?

Sim, projeto, pois sabe-se lá o que vai Paulo Guedes "entregar", como diz o anglicismo horrível dos mercadistas.

Guedes levou para o governo seus companheiros de escola, mercado, conselhos empresariais e dos institutos Liberal e Millenium, as bestas do apocalipse, aliadas do Satanás da conspiração liberal globalizada, segundo a demonologia de esquerda.

Desde que há um Estado com derramamentos importantes pela economia (isto é, depois de Getúlio Vargas), não houve no governo do Brasil equipe liberal como esta de Guedes. Relaxando as dificuldades de comparação, mesmo quando o Estado era uma merreca, sob o governo dos fazendeiros de Império e República Velha, jamais houve essa unanimidade liberal radical.

Sim, ainda é projeto, é ambição, restritos desde o início porque a Casa Militar e o velho espírito de Bolsonaro acham que o "Petróleo é Nosso" e que bancos públicos têm funções sociais e estratégicas. Sabe-se lá o que Jair Bolsonaro vai pensar desse projeto, se e quanto dele for implementado, se e quando compreendê-lo, se ou quando houver revolta antiliberal (de servidores a industriais, passando por políticos e o povo das aposentadorias).

Assim como a esquerda não tem nome para a coisa, Bolsonaro não sabe e, aparentemente, não quer saber do sentido e do tamanho da coisa. Gosta mesmo é de cruzadas, para as quais nomeou essas pessoas que vão comandar Itamaraty e Educação, as quais também mal conhece, no entanto.

O presidente eleito converteu-se a alguma ideia vaga liberal em algum momento do governo Dilma Rousseff, uma história que ainda se está a apurar. Conheceu Guedes de fato apenas no ano passado.

Jamais teve ligação com grupos organizados da elite econômica, menos ainda de grupos de estudo ou de pensamento da elite econômica, liberais ou outros. A julgar pela sua incompreensão quase total do que seja um Banco Central, do que se passa com a dívida pública ou o que são estatísticas econômicas, deve ter remota ideia das consequências do que propõe Guedes, se alguma.

No entanto, não parece dar a mínima para isso, como ficou evidente desde que encaminhou todas as questões de programa a Paulo Guedes durante a campanha. Apenas calou seu economista-chefe quando a conversa econômica baixava às redes sociais como polêmica (o caso da CPMF, por exemplo). Como vai ser se houver mais furor nas redes insociáveis?

Também relevante, Bolsonaro não se importa ou faz questão de ser um estranho no ninho da imensa equipe econômica. O presidente eleito arrendou a economia a Guedes e o insulou do restante do governo ou, melhor dizendo, do seu núcleo palaciano, sob controle maior dos generais, seus amigos de escola, irmãos mais velhos, conselheiros maiores.

É neles, nos oficiais-generais, que Bolsonaro confia a fundo, com eles compartilha mentalidade e camaradagem, faz mais de 40 anos. São eles que vão coordenar seu governo, formal ou informalmente. No limite, Guedes e seus colegas de mercado são fusíveis que podem queimar. Os militares são a estação de força.


Míriam Leitão: O batismo do Novo em Minas

Romeu Zema, do Novo, enfrentará um rombo ainda maior: Minas tem atraso de salários e de repasse para municípios, a Cemig antecipou impostos

O Partido Novo fará um batismo de fogo como administrador público. O governador eleito de Minas, Romeu Zema, vai assumir com um déficit maior do que o até agora divulgado. Além da dívida com o governo federal, dos atrasos de salários, o estado deve R$ 10 bilhões de repasses aos municípios, já sacou depósitos judiciais, a Cemig antecipou pagamento de imposto. “Estamos levantando todos os artifícios para que no dia primeiro de janeiro tenhamos condição de apresentar para o mineiro a real situação do estado”, diz Zema.

O governo Fernando Pimentel não quis negociar a entrada no Regime de Recuperação Fiscal e conseguiu liminar no Supremo para não pagar as parcelas da dívida. Assim, ele tem o bônus de suspensão do pagamento das parcelas mensais ao Tesouro, mas não teve que se submeter ao ajuste fiscal que faz parte do programa. Isso fez com que a situação se agravasse, principalmente por esses artifícios contábeis. Mesmo assim, o empresário Romeu Zema se diz animado.

— Estou animado. Eu digo que só para a morte não tem jeito. Minas tem um potencial muito grande, da mesma forma que o Brasil, e eu vejo que este atual governo errou muito. Então dá para reverter muita coisa que ficou a desejar nesses quatro anos, e é o que eu vou fazer com uma equipe muito boa — disse Zema.

Ele divulgou na quinta-feira que o ex-secretário do Rio Gustavo Barbosa será o secretário de Fazenda, que conhece já os caminhos para a entrada no Regime de Recuperação Fiscal. A dificuldade, contou Zema, é conhecer os dados reais. Ele afirma que a transição não está sendo tranquila, porque sua equipe não tem tido acesso aos documentos necessários. Isso é o oposto do que ocorre em outros estados. Recentemente, ouvi tanto de Wilson Witzel, governador eleito do Rio, quanto de Eduardo Leite, governador eleito do Rio Grande do Sul, que a transição está ocorrendo de forma tranquila.

Eu perguntei, nesta entrevista feita com o governador eleito de Minas para a Globonews, se ele está disposto a entregar a Cemig para a privatização, caso seja esse o pedido do Tesouro para a entrada do estado na recuperação fiscal. Do jeito mineiro, ele afirma, mas nega:

— Com toda certeza, sim, mas vale lembrar que a Cemig está subavaliada. Está com gestão longe de ser adequada. Perdeu 70% do valor dela por ingerências políticas, e eu gostaria de recuperar o valor dela, com outra gestão, para ela ser privatizada no momento oportuno.

Zema desistiu de unir as secretarias de agricultura e meio ambiente. Houve manifestações de contrariedades dos dois lados, e por bons motivos. Na Secretaria de Meio Ambiente, 85% dos processos são de outras áreas, como indústria e, principalmente, mineração. A Agricultura responde por um terço do PIB do estado e, por isso, precisa de uma atenção especial. Ponderei esses dois pontos, e Zema respondeu:

— Você está totalmente correta, o plano na campanha era juntar. Mas nestas duas semanas discutimos exaustivamente e é possível que tenha segregação porque cada uma tem seu trabalho. E depois do desastre de Mariana a Secretaria de Meio Ambiente se tornou mais eficiente e as pessoas de indicações políticas saíram.

Ele acha que a Samarco tem que voltar a operar, mas quer que as seguradoras monitorem os riscos das barragens.

Outro trabalho difícil será na educação, onde Minas já foi exemplo e agora está estagnada há dois Idebs. Ele diz que as escolas do fundamental que ainda são do estado devem deixar de ser, para que o foco seja no ensino médio. Não defende que os professores sejam fiscalizados e filmados pelos alunos, mas quer que as escolas mineiras priorizem o ensino de matemática e português. Diz que não é a favor de “caça às bruxas”.

Zema é de Araxá, sede da maior empresa de nióbio do país, a CBMM, mesmo assim ele não compartilha do entusiasmo que o presidente eleito manifesta sobre o nióbio:

— Ele tem características especiais, que tornam qualquer liga mais leve e mais resistente, mas existem metais nobres que são concorrentes do nióbio. Se acharmos que o Brasil tem a maior mina do mundo, pode aparecer um substituto que torne o nosso produto sem valor.

Encontrei o governador de Minas em São Paulo porque ele tem feito sucessivos encontros com empresários tentando atrair investimento para o estado. Perguntei em que área, ele disse que quer qualquer empresa que crie empregos.


João Domingos: Falta articulação

Comissão de Orçamento tomou decisões sem a presença de representante do novo governo

Jair Bolsonaro soube passar para o eleitor a mensagem de que era o candidato anti-PT, anti-Lula, antitudo o que está aí. Em resumo, o candidato antissistema. Vencida a eleição, veio a fase da montagem do governo. Até agora, pelo que se viu, Bolsonaro mantém uma coerência muito forte com o que disse na campanha e com suas escolhas: liberal na economia, conservador nos costumes e ideológico nas relações exteriores e na educação. Nessa parte, nenhuma surpresa, portanto.

Surpresa é a forma pouco política como Bolsonaro tem lidado com o Congresso. Se ele não fosse deputado há quase 28 anos, se não conhecesse as estruturas da Câmara e do Senado, poderia se dizer que o presidente eleito não sabe como é que o Parlamento funciona. Mas ele sabe como é que são as coisas por lá. Sabe, por exemplo, que se não tiver uma articulação política competente, presente, vigilante e influente, vai enfrentar problemas.

Bolsonaro pode dizer que ainda não assumiu o governo, que o próximo Congresso só tomará posse no ano que vem. Então, paciência, deixa a roda girar. Mas não é assim que as coisas funcionam. O que o Congresso decidir agora terá reflexos em todo seu governo. Como já ocorreu com a aprovação do reajuste para o Poder Judiciário, que representará gastos suplementares de pelo menos R$ 4,1 bilhões no ano que vem, além da aprovação de incentivos para montadoras, o que não estava na contabilidade do novo governo.

Para evitar que decisões desse tipo voltem a ser tomadas, Bolsonaro tem de se convencer de que, apesar de não ter assumido a Presidência, precisa pôr uma equipe de articuladores no Senado e outra na Câmara. Fisicamente. Como disse o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que elogiou a escolha da equipe econômica do futuro governo, não adianta só ter boas intenções. É preciso que essas boas intenções tenham a companhia de uma boa articulação política.

Nesta semana, a Comissão de Orçamento do Congresso esteve reunida para tomar decisões importantes sobre o orçamento do ano que vem, o que diz respeito integral ao governo de Bolsonaro.

Sem receber qualquer indicativo de interesse da equipe de transição na adaptação agora do orçamento de 2019 à estrutura que será adotada pelo novo governo, a Comissão de Orçamento selou um acordo que vai dificultar uma eventual alteração da lei orçamentária. A proposta, fechada pelo colegiado, restringe o prazo para a equipe de transição solicitar mudanças ao relator-geral, senador Waldemir Moka (MDB-MS), ao fim da votação dos relatórios setoriais, prevista para 28 de novembro.

Um ajuste agora do Orçamento seria importante para que o novo governo já inicie o próximo ano executando as despesas sob o novo arranjo de ministérios e órgãos que está sendo preparado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Sem isso, a nova equipe econômica pode enfrentar problemas para executar alguns gastos, atrapalhando o funcionamento da máquina nos primeiros meses da gestão.

A repórter Idiana Tomazelli, do Estadão/Broadcast, acompanhou toda a reunião da Comissão de Orçamento. Ela procurou Moka para saber o que é que estava acontecendo. Moka respondeu: “Esse pessoal não tem muita ideia de governo, eu acho. Porque é esquisito eles ficarem anunciando fusão (de ministérios) e nós estarmos fazendo um relatório para a estrutura atual. Se essas fusões não estiverem previstas no orçamento, eles vão levar o ano inteiro (para resolver a questão). Ou eles estão fazendo propositadamente, ou é um desconhecimento”.

Moka lembrou ainda que em 2010, quando presidiu a Comissão de Orçamento, a equipe de transição de Dilma Rousseff indicou interlocutores que pediram alterações no Orçamento, todas acatadas pelo colegiado. A equipe de Bolsonaro ainda não fez nada disso.


Luiz Carlos Azedo: O enxugamento da Petrobras

Para Castello Branco, futuro presidente da estatal, a empresa precisa intensificar a exploração e a extração de petróleo, porque, em algumas décadas, o combustível “perderá relevância”

A indicação do economista Roberto Castello Branco para a presidência da Petrobras, confirmada ontem pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, consolidou o poder do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, na equipe econômica e sinaliza que nenhuma empresa estatal está a salvo de enxugamento e fora do programa de privatizações. “É uma indicação do Paulo Guedes. Eu estou dando carta branca a ele. Tudo que é envolvido com economia é ele que está escalando o time. Eu só, obviamente, e ele sabe disso, estamos cobrando produtividade. Enxugar a máquina e buscar, realmente, fazê-la funcionar para o bem-estar da nossa população”, disse Bolsonaro.

O futuro presidente da estatal, que é formado em Chicago, como Guedes, já anunciou que a empresa vai focar sua atuação nas áreas de exploração e extração de petróleo. Para Castello Branco, a Petrobras precisa intensificar a exploração e a extração de petróleo, porque, em algumas décadas, o combustível “perderá relevância”, ou seja, será substituído por outras fontes de energia. Também defende que a empresa, que praticamente monopoliza o refino, venda suas refinarias. Não adiantou se pretende privatizar a BR Distribuidora, mas esse é o espírito da coisa. O atual presidente da empresa, Ivan Monteiro, que também estava cotado para presidir a Petrobras, talvez seja indicado para comandar o Banco do Brasil.

A indicação de Castello Branco encerrou uma queda de braços entre Guedes e o grupo de militares encabeçado pelo vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, e o general Augusto Heleno, futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pelo controle da estatal. Ícone do desenvolvimentismo brasileiro e fruto da maior campanha nacionalista da história do país, “O petróleo é nosso”, a Petrobras sempre foi uma linha divisória do nosso patriotismo, explorada em sucessivas campanhas eleitorais. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, alavancou sua campanha à reeleição contra o tucano Geraldo Alckmin, acusando-o de pretender privatizar a estatal e o Banco do Brasil.

A Petrobras, porém, foi alvo do maior escândalo de corrupção investigado pela Operação Lava-Lato, o que levou à prisão diversos executivos da empresa. Ontem mesmo, a juíza substituta Gabriela Hardt condenou o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque em uma ação da Lava-Jato pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e dissimulação de produto de crimes. Duque foi condenado a três anos e quatro meses apenas, e não a 6 anos e 8 meses, porque colaborou com a Justiça. Segundo as investigações, era o principal quadro ligado ao PT na operação de caixa dois da Petrobras. A juiza Hardt é a mesma que interrogou o ex-presidente Lula na semana passada.

Também foram condenados João Bernardi Filho e Julio Gerin de Almeida Camargo, a 5 anos e 6 meses de reclusão, mas ambos têm acordo de delação premiada e cumprem penas acordadas com o Ministério Público. Renato Duque e João Bernardi Filho participaram de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro para favorecer a empresa italiana Saipem na contratação de obras da Petrobras. Bernardi, que era representante da Saipem, ofereceu e prometeu o pagamento, em 2011, de vantagem indevida a Renato Duque em troca da obtenção pela Saipem de um contrato para a instalação do gasoduto submarino de interligação dos campos de Lula e Cernambi com a Petrobras.

Haddad
A propósito, ontem, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) virou réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, após o juiz Leonardo Barreiros, da 5ª Vara Criminal da Barra Funda, aceitar denúncia do Ministério Público com base em delações feitas na Operação Lava-Jato. Além de Haddad, cinco pessoas viraram rés na ação, incluindo o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o doleiro Alberto Youssef. De acordo com a denúncia, entre abril e maio de 2013, Ricardo Ribeiro Pessoa, presidente da empreiteira UTC Engenharia S/A, recebeu um pedido de Vaccari da quantia de R$ 3 milhões para pagamento de uma dívida de campanha de Haddad nas eleições de 2012.

O ex-prefeito de São Paulo e candidato derrotado do PT à Presidência da República nega as acusações. Segundo a denúncia, o valor serviria para o pagamento de uma dívida de campanha do então prefeito de São Paulo Fernando Haddad com gráfica do ex-deputado estadual do PT Francisco Carlos de Souza, o Chicão. João Vaccari Neto, segundo a acusação, representava e falava em nome de Haddad. A denúncia é uma pedra no sapato do petista, que obteve 47 milhões de votos (44% do total) no segundo turno das eleições presidenciais. Com Lula preso, Haddad seria o principal líder da oposição a Bolsonaro, mas sua transformação em réu, sem direito a foro especial, limitará sua capacidade de atuação.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-enxugamento-da-petrobras/


O Globo: Brasil deve passar por um novo ciclo de redução de taxas de importação

Corte de tarifas reduziria preços, mas 3 milhões de trabalhadores precisarão de requalificação

Por Eliane Oliveira, de  O Globo

BRASÍLIA - Considerado um dos países mais fechados do mundo, o Brasil está prestes a passar por um novo ciclo de redução de tarifas de importação, visto somente no início dos anos 1990, durante o governo Collor. A forma e a velocidade em que esse processo vai acontecer ainda são desconhecidas, mas estimativas conservadoras da equipe de transição do presidente eleito, Jair Bolsonaro, projetam que, 20 anos depois de concluída a abertura comercial, haverá uma queda de até 16% nos preços domésticos. As exportações, por sua vez, vão crescer, mas cerca de 3 milhões de trabalhadores terão de ser requalificados para buscar oportunidades em outras áreas.

Segundo estudo produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, encaminhado para análise pela equipe de transição, esse contingente de trabalhadores estaria concentrado, principalmente, nos segmentos de couro, têxteis, vestuário, automóveis e bens de capital. A tendência é que essas pessoas migrem para a área de serviços, ou caiam na informalidade. Os autores da pesquisas recomendam a adoção de políticas públicas, como a oferta de programas de qualificação profissional, para realocar os desempregados.

Apesar dessa projeção, o estudo indica que o efeito final sobre o emprego formal será positivo. Em 85% de um total de 558 microrregiões (conjunto de cidades de médio porte ou polos habitacionais) pesquisadas, o resultado se concentraria num intervalo de -0,25% a +0,25% de variação no emprego formal. Mesmo os casos mais extremos variam entre -2% e +2% da força de trabalho.

Queda média de 5% no preço
O estudo estima uma queda média de 5% nos preços de produtos de 57 setores econômicos em função do aumento da concorrência por causa das importações. Os cálculos foram feitos levando em conta informações como produção, emprego, salário, preços, importação e exportação. Em setores que hoje são muito protegidos, como automóveis, maquinários, couro, têxteis e vestuários, a redução seria ainda mais expressiva: de 6% e 16%.

Os autores do estudo defendem a liberalização comercial. Ressaltam que uma redução nas tarifas médias brasileiras e uma maior abertura ao comércio internacional tenderiam a aumentar não só as importações brasileiras, mas também as exportações e o grau de eficiência da economia. Citam como exemplos bem-sucedidos Chile, Indonésia, Coreia do Sul e Taiwan.

Os sinais emitidos por fontes da equipe Bolsonaro é que esse processo deve ser feito gradualmente ao longo do mandato. O agronegócio, com algumas exceções, como vinhos, leite e derivados, já é bastante aberto nas trocas comerciais e, por isso, não deve ser tão afetado pela abertura. Por outro lado, quanto mais longa a cadeia produtiva e mais elevada a tarifa de importação, maior será o impacto. Hoje, os produtos industriais importados no Brasil são taxados em até 35%, alíquota máxima permitida pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

- O setor industrial teria dificuldades para resistir a uma abertura comercial acelerada - afirma Welber Barral, consultor internacional e secretário de Comércio Exterior no governo Lula.

Uma grande preocupação, hoje, é como se dará a queda das alíquotas de importação. A avaliação do setor industrial é que ela deveria ser feita com uma negociação na qual o Brasil possa obter vantagens em troca da liberalização de seu mercado.

 

Custo Brasil elevado
Além disso, o novo governo deveria adotar e propor medidas ao Legislativo para reduzir o custo de produção nacional, estimado em 30%, devido a fatores como juros, alta carga tributária, câmbio e transportes.

- O país não está preparado para uma abertura comercial. Primeiro, é preciso reduzir o custo Brasil, para que possamos ter condições de igualdade com nossos concorrentes. Senão, estaremos beneficiando os fornecedores estrangeiros - destaca José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, por sua vez, garante que o setor não teme esse novo ciclo. No entanto, defende que a abertura não pode ser feita de forma unilateral:

- O mundo é feito de trocas, e é através dos acordos negociados que se obtêm concessões - diz dele.

Para Thomaz Zanotto, diretor titular de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), é preciso levar em conta que o país passou por uma grande crise econômica, cuja consequência foi um estoque de 12,5 milhões de desempregados:

- Todos queremos um país mais aberto e mais integrado ao mundo. O novo governo deve adotar políticas para haver mais negócios no Brasil, e a abertura comercial deve ser paulatina, levando em conta setores mais sensíveis. Há todo um conjunto de coisas que precisam ser feitas com bastante cautela. O problema não é o remédio, que está correto, mas sim a dosagem e a rapidez.


Luiz Carlos Azedo: O banqueiro de Guedes

“Economistas liberais defendem a tese de que o ajuste deve ser imediato e profundo, para que a econmia possa se recuperar mais rapidamente. É uma aposta que nunca foi adotada”

Para quem tinha dúvidas, a indicação do economista Roberto Campos Neto, executivo do Santander, para comandar o Banco Central no governo Bolsonaro foi a confirmação de que o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, prepara a abertura do setor financeiro para que mais bancos estrangeiros possam operar no Brasil, como parte do choque liberal que pretende anunciar. Talvez seja a indicação mais simbólica da equipe, que incorporou alguns integrantes do atual governo, como Ivan Monteiro, na Petrobras, e Mansueto de Almeida, que deverá continuar na Secretaria do Tesouro, além da polêmica nomeação do ex-ministro Joaquim Levy para o BNDES. Como o sobrenome já diz, é neto do economista Roberto Campos, expoente do pensamento liberal no Brasil, que foi ministro do Planejamento no governo Castelo Branco.

Com 49 anos, formado em economia e com especialização em finanças pela Universidade da Califórnia, Campos Neto trabalhou no Banco Bozano Simonsen e na Caritas, antes de fazer carreira no Santander, onde atualmente ocupa a Tesouraria do banco. Embora a narrativa do novo ministro da Economia seja a favor da autonomia do Banco Central, com a fixação de mandatos para presidente e diretores da instituição não coincidentes, a indicação do economista reforça a interpretação de que Paulo Guedes exercerá rígido controle sobre o BC, que hoje é uma autarquia ligada ao Ministério da Fazenda, ainda que a independência do banco venha a ser aprovada.

A principal missão da autoridade monetária é o controle da inflação, tendo por base o sistema de metas. Quando as estimativas para a inflação estão em linha com as metas, o BC reduz os juros; quando estão acima da trajetória esperada, a taxa Selic é elevada. Outra atribuição do Banco Central é a política cambial, que executa por meio de intervenções no mercado, da oferta de contratos de “swap cambial”, a venda de dólares no mercado futuro, para segurar a alta da moeda. Sempre que ocorre ingerência política nas decisões sobre a taxa básica de juros, a Selic, e na supervisão do sistema financeiro, há reflexos diretos nos juros futuros e nas taxas bancárias. A redução a fórceps das taxas de juros, como no governo Dilma Rousseff, não funciona.

O maior problema de Guedes, entretanto, é o deficit fiscal da União e da maioria dos governos estaduais, cujo epicentro são os gastos com a folha de pagamentos e a Previdência. Economistas liberais defendem a tese de que o ajuste deve ser imediato e profundo, para que a econmia possa se recuperar mais rapidamente. É uma aposta que nunca foi adotada no Brasil desde a redemcratização. Desta vez, dependerá da disposição de Bolsonaro no sentido de enfrentar as corporações federais e os governos estaduais, forçando um ajuste que pode jogar sua popularidade no chão. Como o desemprego no Brasil é muito alto, em torno dos 13 milhões de trabalhadores que procuram colocação, a reação dos sindicatos de trabalhadores tende a ser insignificante, com exceção das entidades de funcionários públicos. Quebrar essa resistência é o maior desafio para aprovação da reforma da Previdência.

Estatais

Muitas coisas na esfera do próprio governo precisam ser resolvidas. As despesas com estatais deficitárias, por exemplo, aumentaram 125% entre 2009 e 2017, crescimento bem acima da inflação do período, de 69,9%. No total, os gastos com as empresas enquadradas nesse critério foram de R$ 67,9 bilhões. Algumas são importantes, como a Embrapa, de pesquisa agropecuária. Mas há coisas inexplicáveis, como a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que deveria cuidar do projeto do trem-bala ligando São Paulo ao Rio, herança do governo Dilma Rousseff.

Esse aumento de despesas tem relação direta com o número de funcionários, que passaram de 37,9 mil em 2009 e chegam a quase 73,5 mil, com salário médio mensal de R$ 13,4 mil. Essas empresas explicam parte do crescimento do deficit primário e da dívida bruta do país. Com patrimônio líquido de R$ 8,244 bilhões, têm perdas previstas de R$ 7,3 bilhões com ações cíveis, trabalhistas, administrativas, fiscais e tributárias. Entre as mais deficitárias, duas são consideradas “imexíveis” pelos militares: a INB, que detém monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares, e a Imbel, que fabrica armas, munições e explosivos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-banqueiro-de-guedes/


Zeina Latif: A palavra de ordem é foco

Não se pode falhar na aprovação de uma reforma da Previdência

Muitas falas de Jair Bolsonaro ainda lembram discursos de campanha. Não focam naquilo que é mais relevante e abordam temas superados ou que não demandam ação estatal. O presidente eleito tem grande capacidade de comunicação, mas precisa dar o devido peso aos temas, conforme seu grau de importância. Não basta se comunicar. É necessário definir objetivos e estratégias, para assim conquistar o apoio da sociedade à urgente agenda de reformas.

Um exemplo recente foi sua defesa de maior transparência do BNDES. Todavia, o grau de abertura de informações atualmente é equivalente ao dos bancos privados, respeitando a lei de sigilo bancário. Com sua fala, Bolsonaro passa para a sociedade a ideia equivocada de que nenhum ajuste foi feito no banco nos últimos anos, enquanto perde a oportunidade de discutir seus reais desafios.

Tem havido muitos avanços no BNDES. O principal foi em 2017 com a mudança do cálculo da taxa de juros cobrada nos empréstimos, com a substituição da TJLP pela TLP, sendo a primeira uma decisão discricionária do governo e a segunda o reflexo das condições de mercado. Se houver intenção de emprestar a taxas mais baixas, será necessário obter aprovação do Congresso para o subsídio a ser concedido. Uma combinação saudável de transparência, zelo com os cofres públicos e deliberação da sociedade.

O temor de muitos de que a mudança faria os investimentos caírem não se materializou. Houve importante substituição de empréstimos do banco por outras fontes de financiamento no mercado de capitais e no mercado internacional, principalmente para empresas maiores. Segundo o Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), 2017 foi possivelmente o melhor ano da história para esse mercado, tendo sido responsável por 13% do financiamento do investimento, valor recorde na série iniciada em 2011.

É verdade que empresas menores, que têm dificuldades para acessar o mercado de capitais e os recursos externos, encolheram seu endividamento. Há espaço, no entanto, para crescimento do crédito privado, como nas cooperativas de crédito e fintechs.

É melhor o BNDES focar nas privatização e em setores onde não há interesse do setor privado, mas cujo investimento beneficiaria a sociedade. É o caso da infraestrutura de setores pouco consolidados, como o saneamento. O banco ainda concorre com o mercado de capitais em muitos segmentos, como no Finem, o que implica alocação equivocada de recursos.

As matérias que saíram na imprensa sugerem também a necessidade de ajuste no foco das propostas do próximo time econômico. Fala-se em ampliar a capacidade do banco de antecipar a devolução de recursos ao Tesouro Nacional. Essa política tem sido bem encaminhada, com R$ 310 bilhões da dívida com a União devolvidos antecipadamente até o fim de 2018.

O tema é relevante à luz da regra constitucional que limita o espaço da União para emitir dívida pública, mas é assunto menor diante dos desafios do BNDES e, certamente, da necessidade de um ajuste estrutural para conter o crescimento das despesas do governo.

Fala-se também da tarefa de Joaquim Levy – que estará à frente da instituição – de contribuir na montagem de um plano de socorro aos Estados. Já houve em 2017 um plano de renegociação de dívida que incluiu empréstimos do banco e há grandes restrições para emprestar dinheiro novo. Além disso, a natureza da crise dos Estados é estrutural, associada aos gastos com a folha. Este precisa ser o foco do novo governo.

É possível que a agenda liberal de Paulo Guedes sofra desvios, dado o tamanho do desafio fiscal. O que não se pode é falhar na aprovação de uma reforma da Previdência que também busque uma solução da crise dos Estados, o que demandaria rever os regimes especiais de aposentadoria de professores e policiais. Não avançar nessas questões deixará a União ainda mais vulnerável à pressão dos Estados por recursos. Não faltam “pautas-bomba” no Congresso.
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*Economista-chefe da XP Investimentos


William Waack: ‘Se esse troço der errado’

Militares apostam em medidas liberais na economia para o governo Bolsonaro dar certo

No começo desta semana, um grupo seleto de investidores reunidos em Nova York ouviu em inglês de um integrante do “núcleo duro” do futuro governo que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, quer mesmo aplicar um choque liberal na economia brasileira. Quer privatizar 100 de 160 estatais. Leiloar bons contratos para interessados em investir em infraestrutura. Reformar um sistema tributário caro. Priorizar, acima de qualquer coisa, o ajuste fiscal. E mudar o comércio exterior, no sentido de maior abertura.

Não, não era Paulo Guedes falando. Era o vice-presidente Hamilton Mourão. Combinam as ideias representadas por Guedes com a cabeça de quem passou mais de 30 anos pela formação de escolas militares, como são todos os oficiais envolvidos de uma forma ou outra com o novo governo? Pelo jeito, parece que sim. Mourão descreveu para os investidores em Nova York como “um bom negócio” a fusão da Embraer com a Boeing (chamada de “entreguismo” pelo retrógrado pensamento de esquerda no Brasil).

Na mesma ocasião, Mourão ecoou também o que o seu antigo chefe, o comandante do Exército, disse em várias entrevistas, a mais recente delas ao correspondente no Brasil do Financial Times – uma das mais influentes publicações internacionais e uma das poucas a não cair na narrativa de que o Brasil estaria elegendo uma nova ditadura militar. Os militares não vão se meter em política, garantiu o general Villas Bôas.

Mas em política eles estão profundamente mergulhados. Atuaram em dois momentos nevrálgicos – a possível concessão de habeas corpos a Lula no STF e nos momentos seguintes ao atentado contra Jair Bolsonaro – para evitar o que chamam de “ameaça de caos social e político”. Temiam uma bagunça generalizada, e a possível rebeldia de coronéis. Vários integrantes dos altos escalões penduraram a farda, vestiram o terno e foram para posições estratégicas (do ponto de vista político sobretudo) no governo. Alguns oficiais generais de farda participaram ativamente nos bastidores da campanha do presidente eleito. Embora a instituição das Forças Armadas não esteja oficialmente metida em política, a teia de relacionamentos profissionais e pessoais entre os “de fora” e os “dentro” do governo é de enorme coesão.

Relevante aqui, portanto, é saber o que eles pensam, e qual é o País que querem. A caricatura grotesca tem ocupado muitas vezes o lugar da análise, e a caricatura dos militares parados na década dos 1970 com a mentalidade de estatismo, autarquia e segurança nacional entendida em sentido muito estrito cedeu lugar para a convicção, entre os militares, de que soberania nacional é o resultado de economia forte e razoavelmente aberta, e que não há automatismos ou subordinações claras em alianças externas, sobretudo em relação às que prometam acesso a tecnologias e geração de conhecimento.

Há mais um aspecto político do papel dos oficiais militares: muitos comandantes viram na onda que levou Bolsonaro ao Planalto um freio no que eles chamam de “esquerdização” da sociedade brasileira. Nesse sentido, o olfato político dos militares que dizem não se meter em política parece ter sido muito melhor do que a “sabedoria” de políticos profissionais. Eles enxergaram cedo que ordem, segurança, hierarquia e honestidade – valores que boa parte do eleitorado identifica com militares – ajudariam a eleger Bolsonaro.

O problema está na frase pronunciada em tom de brincadeira pelo General Heleno, um dos nomes de maior prestígio em todo o estamento militar. “Se esse troço aí (o governo Bolsonaro) der errado, a única coisa boa da minha geração foi ter visto o Pelé jogar”, disse Heleno.


Roberto Luis Troster: Esquerda ou direita?

O Brasil está tendo uma oportunidade de mudança significativa. Tem de ser aproveitada

Há uma contraposição entre as concepções do que é necessário para o desenvolvimento do Brasil. Quatro temas dominam os debates: justiça social, o tamanho do Estado, o déficit primário e a Previdência. As posições não são tão antagônicas como parecem e há aspectos relevantes que não estão sendo analisados. Todos perdem com isso.

As estatísticas do Banco Mundial apontam que os países que mais cresceram são os que têm mais justiça social. Os que têm renda per capita mais alta têm níveis de concentração menores que os de renda mais baixa. Os 20 mais ricos do planeta têm um índice de concentração de renda de Gini de 0,31, mais baixo que os 20 seguintes, de 0,36, e menor do que a vintena subsequente, de 0,39. O do Brasil é de 0,51, um dos dez piores do planeta.

A ordem dos fatores altera o produto. A prescrição é incluir para crescer. Por meio de políticas educacionais e de competitividade aumenta-se a produtividade da base da pirâmide e dessa forma a renda per capita aumenta e a desigualdade diminui. Os privilégios destinam-se às camadas sociais mais baixas e aos microempreendimentos. O assistencialismo é considerado necessário e transitório.

No Brasil a situação é o contrário. Há vantagens para os mais ricos e para as grandes corporações. São benesses que estão arraigadas na cultura e no quadro institucional brasileiro. Têm origem no Brasil colônia, com a concessão de direitos quase feudais ao capitão-mor, depois aos donatários das capitânias hereditárias. Após a vinda da família real as distorções se agravaram e continuam a piorar até os dias atuais.

A lista é extensa, grandes empresas têm acesso a créditos subsidiados, desonerações tributárias e proteções da concorrência externa; minorias de cidadãos têm aposentadorias especiais, tratamentos de saúde em hospitais caros e isenções de impostos, com consequências perversas para o resto do País. É injusto. É algo que indigna a todos os que acreditam que somos todos iguais, sem distinção de qualquer natureza.

O fato é que dando mais a uns, sobra menos para outros. Uma aposentadoria mais generosa para poucos ou subsídios para algumas empresas são causa direta ou de menos segurança, ou de menos educação, ou de menos saúde para muitos, ou, ainda, de mais dívida pública – portanto, mais juros e mais impostos e menos crescimento no futuro para todos.

Urge uma política de erradicação de privilégios para os mais favorecidos. É uma questão de justiça e de eficiência sistêmica. Um passo importante foi dado com a luta contra a corrupção. Há necessidade de mudanças que aumentem a competitividade das pequenas e microempresas, que simplifiquem a abertura de novas e facilite a adaptação das existentes a um mundo em transformação acelerada. Nesse quesito o Brasil está mal.

No mês passado, o Fórum Econômico Mundial publicou o Relatório de Competitividade Global 2018. O Brasil perdeu três posições, está em 72.º lugar num conjunto de 140 países. Note-se que a concorrência entre nações não é só para exportar bens e serviços, mas também para atrair investimentos. Essa perda de competitividade relativa implica que postos de trabalho reais e potenciais daqui sejam exportados para outros países.

Outro ponto central no debate entre esquerda e direita é o tamanho do Estado e o papel do livre mercado. Comparações internacionais mostram que os países com renda I mais alta têm maiores gastos governamentais na média. Mas a dispersão é grande. Ilustrando o ponto, a participação do governo da Suécia no PIB é mais que o dobro da Suíça. Como funciona é mais relevante que o tamanho.

A questão-chave é a eficiência na alocação de recursos, que em determinadas situações é feita pelo setor público e em outras, pelo privado. Para tanto se deveria pensar, por um lado, numa reforma do Estado para fazer mais com menos e análises mais detalhadas de como o governo gasta e arrecada, por que e para quem.

O livre mercado é a melhor maneira de alocar recursos, sempre e quando exista uma regulamentação e supervisão adequadas. Senão viram mercados libertinos, para benefício de poucos e prejuízo de muitos.

Os debates sobre o déficit primário e a Previdência refletem como os privilégios do passado estão enraizados na cultura nacional. É fato que a dinâmica das contas públicas é insustentável, deixa o País vulnerável a choques e é um peso para retomar o crescimento.

Mesmo assim, as propostas são de mudanças pontuais e graduais, como a junção de alguns impostos, redução da alguns gastos e algumas privatizações para fazer caixa. É pouco. Uma nova arquitetura previdenciária, tributária e fiscal é necessária. Remendos não resolvem.

A evolução da dívida pública/PIB também depende da taxa de juros, do estoque da dívida e do crescimento do PIB. Além de cortes de gastos e privatizações, há espaços para melhorar a sua dinâmica com alterações na política cambial, com medidas para reduzir a taxa neutra de juros e ajustes no quadro institucional da intermediação.

Além de trabalhar no numerador da relação dívida pública/PIB, é necessário aumentar o denominador. Fazer a economia crescer. A agenda inclui fatores como investimento, abertura externa, funcionamento adequado dos mercados e crédito, entre outros. Assim como uma inclusão produtiva, reformas do Estado, previdenciária, fiscal e tributária. O Brasil está tendo uma oportunidade de transformação significativa. Tem de ser aproveitada.

2019 começa com um novo governo, um Congresso renovado e capacidade ociosa na economia. O cenário externo é favorável, com preços de commodities elevados e fluxos financeiros abundantes. É hora de começar a debater a coisa certa. Não é escolher entre políticas de esquerda ou de direita, mas, sim, de políticas para fazer o Brasil parar de andar de lado e avançar.

*Roberto Luis Troster é economista.


Alexandre Schwartsman: A 'farsa' do desemprego

Economia não é para aspirantes; antes de falar do assunto, não custa passar no posto Ipiranga

Na semana passada, o presidente eleito se manifestou sobre as estatísticas de desemprego no país afirmando: “Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil, porque isso daí é uma farsa. Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado”.

Segundo o IBGE, a população brasileira em setembro deste ano era de aproximadamente 209 milhões de pessoas. Nem todos, porém, estão aptos a trabalhar. O IBGE define a População em Idade Ativa, PIA, como aqueles com mais de 14 anos, em torno de 170 milhões de pessoas.

Obviamente, apenas parte dos maiores de 14 anos está no mercado de trabalho. Alguns, por exemplo, estudam (ainda bem!), outros já se aposentaram, e há quem decida não tomar parte no mercado por uma série de motivos, alguns dos quais trataremos à frente.

Os que participam, seja trabalhando, seja buscando emprego, são definidos como “força de trabalho”, ou PEA (População Economicamente Ativa), e montavam a 105 milhões de pessoas em setembro.

Desses, 92,6 milhões estavam ocupados, e 12,5 milhões, desempregados. Assim a taxa de desemprego atingiu 11,9% (12,5÷105).

Essa é a definição internacional da taxa de desemprego, adotada por todos os países com boas estatísticas na área. No caso, se a pessoa recebe o Bolsa Família (sem estar empregada) ou o seguro-desemprego, ela obviamente não conta como empregada.

Caso esteja procurando trabalho, contará como desempregada (e participante da PEA); caso contrário, não aparecerá nessa estatística de desemprego.

Ocorre que a taxa de desemprego descrita acima não esgota o conjunto de estatísticas sobre o mercado de trabalho. O IBGE também discrimina entre os ocupados aqueles que trabalham menos do que desejam e calcula a taxa de desempregados (12,5 milhões) e subocupados (6,9 milhões) com relação à PEA: 18,4% (19,4÷105).

Há, por outro lado, entre as pessoas que estão fora da PEA, as que gostariam de trabalhar, mas não estão buscando emprego, a chamada “força de trabalho potencial”, 8 milhões de pessoas.

A estatística mais ampla do IBGE a respeito (a taxa de subutilização da força de trabalho) junta os desempregados, os subocupados e a força de trabalho potencial, um conjunto de pouco mais de 27 milhões de pessoas como proporção da “PEA ampliada”, isto é, os 105 milhões da PEA mais os 8 milhões da força de trabalho potencial (123 milhões), revelando uma taxa de subutilização na casa de 24%.

A coexistência de várias medidas de desemprego não é uma jabuticaba.

Nos EUA, por exemplo, o Bureau of Labor Statistics publica a cada mês nada menos do que seis alternativas: a taxa denominada U3, calculada de forma similar à nossa, é a mais disseminada, 3,7% no mês passado; a taxa mais ampla, U6, se encontrava em 7,4%, o dobro da oficial, por incorporar também os que gostariam de trabalhar mais e os participantes da força de trabalho potencial.

Economia, apesar das aparências em contrário, não é para aspirantes. Como regra, antes de falar do assunto, não custa nada dar uma passada no posto Ipiranga.