Economia

O Estado de S. Paulo: Presidencialismo de coalizão ‘não vai acabar’, avisa sociólogo

 Mas o que Bolsonaro quer é enfraquecer caciques nos partidos e acabar com a ‘porteira fechada’ para as nomeações, avisa o sociólogo Murillo de Aragão

Sonia Racy/Direto da Fonte, de O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro toma posse daqui a 29 dias “com uma base completamente diferente e uma agenda nova” mas continuará precisando de apoio para aprovar seus projetos. “Isso significa que o governo de coalizão não vai desaparecer. Mas as conversas decisivas passam a ser com bancadas, e não com lideranças partidárias tradicionais”, enfatiza o cientista político Murillo de Aragão nesta entrevista a Gabriel Manzano.

A agenda do presidente eleito, nesta semana, inclui reuniões com cerca de 100 parlamentares das principais legendas, em Brasília, “e isso mostra que os partidos não serão abandonados”, destaca o analista. “O que está saindo de cena, sim, é o controle de lideranças do Congresso sobre nomeações. O que acaba é o critério de porteira fechada”.

Doutor em Ciência Política e Sociologia e dono da Arco-Advice, que faz pesquisa e análise de políticas públicas em Brasília, Aragão já começa a preparar sua viagem a Nova York – onde todo início de ano, em janeiro e fevereiro, dá aulas de política brasileira na Universidade de Columbia. No seu balanço sobre o que muda e o que fica na cena política do País com o novo presidente, ele destaca: “Teremos um governo que vem com a chancela da Lava Jato”. E que traz “não só uma renovação de pessoas, mas também de costumes”.

Como explicar uma transição tão tranquila depois de se falar tanto em “ruptura” com o que havia antes?
Temos de fato uma transição muito positiva. Para começar, não há uma incompatibilidade ideológica entre o governo que sai e o que entra. Há uma continuidade na economia e nada do atrito que aconteceu na passagem de Dilma Rousseff para o Temer. Naquela ocasião não houve a menor boa vontade de se passar informações.

Mas há diferenças claras. Quais destacaria?
Primeiro, Bolsonaro chega com uma base política completamente diferente da que havia e que era a tradicional do meio político brasileiro. Segundo, agora há um viés ideológico – não chega a ser conflito, mas é algo mais à direita do MDB histórico. Terceiro, ele traz muitos quadros que não eram do círculo de poder, gente outsider ou do baixo clero. Por fim, um quarto ponto, essencial: vem com a chancela da Lava Jato. De certa forma, diria que este “é” um governo da Lava Jato. Se essa operação do MP e da PF atrapalhou os governos Dilma e Temer, agora ela vai ajudar o governo Bolsonaro. É uma diferença devastadora. E tem mais: o que veremos agora será um governo dialogando não com partidos, mas com bancadas. Esses pontos não são padrão na nossa história parlamentar.

Diria que o presidencialismo de coalizão está no fim?
Não, não vejo assim. O presidencialismo de coalizão no Brasil não vai acabar por causa do modo Bolsonaro de governar. Eles vão precisar de coalizões para aprovar projetos e emendas importantes. Como não temos um partido com maioria absoluta em ambas as casas, a criação de uma base torna a negociação inevitável. O que há de novo nessa relação é o esvaziamento do poder dos caciques tradicionais. E, junto a isso, o fim da fórmula “porteira fechada” para nomeações. Resta saber se vai funcionar, né?

Bolsonaro reúne-se nos próximos dias com cerca de 100 parlamentares dos principais partidos. Não lhe parece que é “mais do mesmo”?
Não me parece. Imagino que as pautas não terão conexão com interesses dos partidos. O que se percebe é que o presidente quer conexão direta com o Congresso, mostrar que os políticos não serão abandonados. Claro, essa iniciativa ajuda a bloquear algum movimento – já se falou nisso… – para isolar o PSL nas duas casas.

O governo FHC, nos anos 90, dialogava com bancadas…
Mas havia menos partidos do que hoje. E quem agrega votos, hoje? São as bancadas. Há dezenas delas – as mais organizadas são a ruralista, a evangélica, a de segurança pública, a da saúde e a dos funcionários públicos. Algumas vezes elas superam o poder de mobilização das lideranças partidárias. Manter a ligação com elas vai ser um fator decisivo.

A conversa constante com o Legislativo exige pragmatismo, concessões. O risco de atritos vai fazer parte desse jogo, não?
Apesar de o apoio popular ao eleito ser relevante, esses riscos não podem ser desprezados. O apoio de bancadas é um bom ponto de partida mas talvez não seja suficiente. Os partidos vão continuar decidindo na divisão dos cargos das mesas diretoras e das principais comissões técnicas. Aí, se o governo não estiver bem articulado com sua base política poderá ter surpresas. Exemplo: setores do atual Centrão podem se aliar ao PT para reagir a essa estratégia, visando construir certa autonomia nas duas casas. Ou seja, o Executivo terá que demonstrar perícia na coordenação dos grupos.

Você falou, anteriormente, num custo e curva de aprendizado da nova equipe. O que quer dizer?
Que eles vão pagar o preço da inexperiência. Novo governo pressupõe novo modelo de diálogo, nova organização do Executivo, dos ministérios, trazendo gente de fora do sistema… O governo terá que aprender. A Dilma Rousseff, por exemplo, nunca aprendeu.

Além disso a equipe é diversificada, não? Os estilos de Sergio Moro, Hamilton Mourão, Paulo Guedes ou Ernesto Araújo não chegam a ser harmônicos…
Sim. E outro ponto é que o governo vem com bandeiras quentes da campanha eleitoral que agora terão de ser transformadas em políticas concretas. Custo e curva de aprendizado são exatamente isso. Transformar intenções em realidades.

E quanto ao presidente? Ele tem um currículo político discreto, mas ao mesmo tempo é focado, sabe o que quer. Como será esse encaixe entre o que ele tem para dar e o que o País precisa?
Apesar de não ter sido um político do alto clero, Bolsonaro sempre teve uma identificação com seu eleitorado – tanto que retornou seguida vezes ao mandato no Congresso. Foi fiel a esse eleitorado e este lhe deu a base para chegar à Presidência. Ser do baixo clero não significa incompetência, significa apenas que ele não entrava no jogo das lideranças. E, como ressaltei, sua atuação é, de certa forma, ligada à Lava Jato – afinal, ela esvaziou um sistema político e com isso inviabilizou qualquer candidatura do establishment. Agora, ao virar presidente, ele assume uma postura mais prudente. Aquela testosterona toda que exibiu na campanha vai dando lugar a coisas mais pragmáticas.

Por exemplo?
Ele quer manter um controle bem próximo de duas questões fundamentais. A primeira, a fiscal, que é gravíssima, principalmente nos Estados e municípios. A segunda, a da segurança pública. Nesse sentido, ele quer empoderar dois núcleos do poder, Paulo Guedes e Sergio Moro. Vamos ver se o modelo dará resultado. Ele busca um comando bastante próximo, para jogar junto.

Há quem ache suspeita a apregoada renovação do Congresso, dizendo que ele é sempre o mesmo no controle de seus espaços.
Essa renovação do Congresso é um fenômeno vinculado à rotina política anterior. Mas o fator Lava Jato significa alguém no Ministério da Justiça avisando: “Olha, as regras de comportamento são outras agora”. O novo Legislativo vai se dar conta de que o jogo mudou.

Naquele ambiente de luta por verbas, por votos, por cargos, o que significa “mudou”?
Que não é só uma renovação de pessoas, mas também de costumes. Essa eleição traduziu o resultado de uma tomada de posição da sociedade. O eleitorado foi buscar um candidato de fora do establishment político – também no caso de alguns governadores e muitos deputados – e espera deles um novo tipo de comportamento. Esse é o primeiro ponto. O segundo é saber se esse Congresso vai ser reformista. Cabe lembrar que, de um modo geral, o Legislativo tem sido, sim, reformista.

Faz parte desse cenário uma esquerda fazendo o que gosta – oposição – e o PT tentando se reerguer. Que força a oposição poderá ter?
O primeiro ponto a mencionar é que a esquerda brasileira é arcaica, uma esquerda do século 20 – mais na sua primeira metade –, que enveredou pelo populismo, o clientelismo, o ideologismo… O PT deixou-se contaminar por isso tudo. Numa visão ideal, eledeveria fazer a autocrítica dos erros que praticou, entender a necessidade de o Brasil ter um ambiente progressista para os negócios, não só em direitos e garantias, mas também na geração de empregos, de negócios, como os outros países são. E que, para o bem do País, não atuasse de forma radical contra o debate das reformas. Mas o que foi que vimos? Que eles jogaram todas as cartas na “hipótese Lula”. Não deu certo. Antagonizaram-se com outras forças de esquerda e o que temos hoje é uma profunda desconfiança entre os três principais blocos dessa área – PT, PSB e PDT.

E ainda vão enfrentar a raiva do Ciro Gomes pelo caminho…
Sim, e o que o Ciro e o Cid Gomes fizeram é a prova disso. Deram o troco por tudo o que o PT lhes fez. Agora o partido terá de se reinventar para não se transformar num partido menor. Mas essa reinvenção é dramática. O PT se transformou numa religião e quebrar dogmas é muito complicado.

Você preside o Conselho de Comunicação Social do Congresso. O que será da comunicação no novo governo?
O governo Temer conseguiu avançar numa significativa agenda de reformas, mas teve uma trágica gestão na comunicação. Bolsonaro usa bem as redes sociais, mas comunicação é bem mais que imprensa e redes sociais. Exige visão estratégica, manter a população informada e uma base de sustentação mobilizada. Um exemplo: a reforma da Previdência tem de ser encarada como uma questão política, fiscal, social e de comunicação. Sem comunicação eficiente, ela não passará.


Bolívar Lamounier: Que devemos esperar do governo Bolsonaro?

A grande agenda, a dos problemas que vamos ter de enfrentar, não deu o ar da sua graça

A boa notícia é que a eleição acabou, desanuviando um pouco a poluição raivosa que pairava no ar e impedindo o prosseguimento das nefastas políticas e práticas protagonizadas pelo PT durante quatro mandatos consecutivos. A notícia ruim – ou mais ou menos ruim – é que as prioridades do governo Bolsonaro só agora começaram a ser de fato definidas.

Durante a campanha, como não podia deixar de ser, a única coisa séria levada aos ouvidos dos eleitores foi o imperativo do ajuste fiscal e, consequentemente, da reforma da Previdência. Falou-se também do indispensável combate ao crime, mas quanto a essa questão há um óbvio descasamento entre os quatro anos do mandato presidencial e os 20 anos ou mais de que necessitaremos para chegar a soluções sólidas e abrangentes. É, pois, perfeitamente razoável afirmar que a grande agenda do País – os grandes problemas que teremos de enfrentar no médio prazo – não deu o ar de sua graça.

O relativo otimismo que podemos sustentar está, pois, ancorado nos dramatis personae, quero dizer, na nomeação de Sergio Moro para um Ministério da Justiça expandido para incluir a magna questão da segurança pública e na equipe econômica, comandada por Paulo Guedes. Sobre Moro nada há a acrescentar; não fora sua firme atuação na Lava Jato, ainda teríamos apenas uma pálida ideia da dimensão da corrupção no Brasil. Paulo Guedes, diplomado por Chicago, pertence ao primeiro time dos economistas brasileiros e vem há muitos anos clamando por uma reforma liberal, o que no momento significa prioridade para o ajuste fiscal e alguma indicação clara no tocante à privatização.

No lado negativo da balança, penso que alguns membros do novo governo estão se precipitando sobre questões que no momento não requerem nenhum movimento de nossa parte, e que podem nos custar caro. O caso óbvio é a mudança de nossa embaixada em Israel para Jerusalém. Refletindo um pouco mais, o próprio presidente Jair Bolsonaro e o futuro ministro do Exterior concordarão que não devemos comprar brigas que não nos dizem respeito. O mesmo se deve dizer sobre um “alinhamento” mais estreito com os Estados Unidos na arena internacional. Salta aos olhos que a vocação brasileira é a de um global player, um protagonista global, papel para o qual contamos com todos os recursos necessários, desde logo uma base econômica diversificada e potencialmente robusta.

A área para a qual desejava chamar a atenção é, porém, a da educação, que avulta por larga margem sobre quase todas as outras. Ao ministro nomeado, Ricardo Vélez Rodríguez, por certo não faltam credenciais. É um sociólogo competente e um respeitado professor universitário. Não me consta que tenha em algum momento se concentrado sobre os problemas do sistema educacional brasileiro. Alguém poderá redarguir que nossas mazelas nessa área são óbvias, perceptíveis a olho nu. Eis aí uma noção equivocada. As mazelas – quero dizer os maus resultados do sistema – são de fato evidentes, mas a trama das causas e dos mecanismos que os engendram não o são. A vantagem, no caso, é que o dr. Vélez Rodríguez, com sua extensa experiência acadêmica, irá não só se debruçar sobre a matéria, mas ouvir muito e, por sorte, o Brasil dispõe de pelo menos uma dezena de especialistas de grande renome internacional. Se o ministro e meus eventuais leitores me permitem um palpite, direi que o fundamental é compreender a dimensão e a urgência da reforma necessária. Atrevo-me até a afirmar que “reforma” não é a palavra adequada. Na educação, precisamos é de uma verdadeira revolução, que abranja e chacoalhe de alto a baixo o atual o sistema em seus aspectos organizacionais e pedagógicos.

Em artigo publicado na semana passada neste jornal, intitulado O teatro principal, William Waack tocou num ponto sumamente importante: a necessidade de o novo governo não dispersar esforços. Concordo em número, gênero e grau. À parte a educação, à qual me referi no parágrafo anterior, o desafio a enfrentar é o ajuste fiscal, aí incluída a indispensável reforma da Previdência. Mas não vejo como concluir meu argumento sem me referir à questão política propriamente dita e, portanto, à reforma política que cedo ou tarde teremos de fazer. O quatriênio Bolsonaro terá de ser uma freada de arrumação, a reorganização da casa que o tsunami Dilma Rousseff tornou imperativa. Mas tenho a mais plena convicção de que o Brasil não atingirá a velocidade de que necessita no que tange ao crescimento econômico e à redistribuição da renda com o sistema político vigente.

Antigamente, quando a esquerda lia, pelo menos Marx ela lia, o que não deixava de ser uma base razoável. Dessa leitura ela extraía duas convicções passavelmente racionais. Primeiro, que a infraestrutura (ou seja, a base econômica) determinava a superestrutura (ou seja, as ideologias, as regras jurídicas, etc.). Segundo, a de que, de tempos em tempos, a infraestrutura (também chamada de “forças produtivas”) começava a ser tolhida, impedida de se expandir, pela superestrutura (também chamada de “relações de produção”). Enquanto tal restrição perdurasse, a sociedade acumularia tensões cada vez mais graves, que a certa altura resultariam num período de revolução social. Nessa visão, o sistema político da sociedade era de certa forma passivo, um espectador idiota que cedo ou tarde seria levado de roldão pela explosão das forças produtivas.

Qualquer que seja o mérito da tese de Marx em escala mundial, ao Brasil ela me parece decididamente inaplicável. Nossas forças produtivas estão há muito tolhidas por um sistema político sustentado por uma das piores combinações que a História inventou: o Estado patrimonialista, o famigerado “presidencialismo de coalizão” e o voraz corporativismo que permeia de alto a baixo a organização do poder nacional.

*Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, é autor do livro ‘Liberais e antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016)


Míriam Leitão: Cenários e receita para o país crescer

Estudo do Ipea mostra que o Brasil tem potencial para crescer o PIB per capita em 50% em 12 anos. Mas será preciso aprovar muitas reformas

O país cresceu no terceiro trimestre e retomou o ponto em que estava em 2012. Esse é o tamanho do atraso provocado pelos erros de política econômica no governo Dilma. Ainda há um caminho a fazer para chegar ao ponto em que a economia estava quando despencou. Os serviços puxaram, o investimento cresceu, mas nada foi suficiente para imprimir um ritmo maior. Desde que parou de encolher, o PIB se expande em ritmo moroso.

Os números do terceiro trimestre vieram mais fracos do que o esperado pelo mercado. O crescimento acelerou na comparação com o segundo trimestre, de 0,2% para 0,8%, mas o que houve foi uma recuperação dos efeitos da greve do setor de transportes, que paralisou o país no mês de maio. Quando a comparação é feita com o mesmo trimestre de 2017, a alta foi de apenas 1,3%. No acumulado em 12 meses, subiu 1,4%. No começo do ano o país achou que cresceria 3%. Não vai dar.

O Ipea divulgou esta semana, no meu programa na Globonews, os cenários preparados para o país nos próximos 12 anos, até 2030. Bom para quem quer ver o Brasil avançar. “Cenários de longo prazo podem ser uma ferramenta importante para avaliação de custos, benefícios e riscos de alternativas”, alertam os economistas do Ipea.

No cenário “de referência”, o país cresceria em torno de 2,2% ao ano, o que daria 30% ao longo do período. Mesmo para esse ritmo moderado, será preciso fazer a reforma da Previdência. Sem ela, alerta José Ronaldo de Souza, diretor de Macroeconomia do Instituto, as receitas serão engolidas pelos gastos com pensões e aposentadorias. No cenário “década perdida”, o país entra em desequilíbrio fiscal, e o final será o default da dívida interna, ou seja, o Tesouro não conseguirá honrar sua dívida, que é a espinha dorsal da poupança do país. Neste filme de terror, que o país viu no Plano Collor, todo mundo perde.

O cenário “transformador” é o mais interessante. Aumentar o crescimento é o desejável. O país cresceria 3,9% já em 2020 e, dois anos depois, 4,8%. Ao longo de 12 anos a taxa acumulada chegaria a 60%. Para isso será preciso fazer as reformas que reequilibrem as contas, mas também uma série de mudanças que aumentem a produtividade da economia. Será preciso ter um sistema tributário mais eficiente e leve, abrir a economia, investir em qualificação de pessoal, ter uma regulação mais lógica, um custo menor de capital, ambiente de negócios mais favorável. São reformas macro e micro para mudar a economia.

— É uma projeção e não uma previsão. O interessante é que temos o potencial, é possível. O país pode aumentar em 50% o PIB per capita — diz José Ronaldo.

— O Brasil só tem três caminhos: reformas, reformas e reformas. Não há um quarto caminho. Temos que resolver gargalos porque sem isso a gente não consegue crescer, gerar emprego, gerar renda para a população que demanda uma retomada depois de anos de recessão — diz a economista Ana Carla Abrão, da Oliver Wyman.

Ele diz que é preciso acrescentar na lista das tarefas a mudança do Estado, que é 40% do PIB, uma máquina inchada, que gasta muito e não presta bons serviços. Ela sugere mudar carreiras e melhorar a qualidade dos serviços públicos. Para essa e outras mudanças, será preciso desagradar os grupos de interesse:

— O Brasil é hoje um país dominado pelas corporações — disse Ana Carla.

Se não optar por reformas vigorosas, o país de qualquer maneira terá que mudar a Previdência, do contrário o teto de gastos não se sustenta. O pior cenário, de não reformar nada, é flertar com o abismo do calote. Os dois economistas se disseram até otimistas, dado que a situação chegou a tal ponto que ou o país terá o pior dos mundos ou enfrentará a lista das grandes tarefas. Uma delas é abrir a economia.

— Essa é uma agenda que ficou abandonada nas últimas décadas e se formos falar de eficiência temos que ter abertura. O país continua muito fechado. Quando se soma exportação e importação o Brasil está abaixo dos países pares — diz Ana Carla Abrão.

— A economia brasileira ainda é voltada até hoje para substituição de importação, escolha feita há várias décadas. Os países só avançam com mais competitividade — afirma José Ronaldo.

A atual equipe econômica tirou o país da recessão, mas o PIB não engrena. A futura equipe diz que fará reformas e a abertura da economia. A receita está certa. Aplicá-la é mais difícil do que pensam alguns dos que assumirão o comando em janeiro.


Política Democrática: Globalização promoveu aumento da riqueza, afirma Vinícius Müller

Doutor em História Econômica e professor do Insper observa que fenômeno também provocou separações sociais

Por Cleomar Almeida

O doutor em História Econômica e professor de Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Vinícius Müller diz que a globalização é um “fenômeno mais complexo que promoveu aumento da riqueza na mesma medida em que desarticulou antigas estruturas produtivas e sociais”. “A globalização não era, como pensávamos há mais de vinte anos, um novo imperialismo encabeçado pelos norte-americanos”, afirma ele, em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS).

De acordo com Vinícius Müller, as novas separações sociais produzidas pela globalização na sociedade norte-americana não são exclusivamente econômicas. “Elas estão relacionadas ao questionamento que parte da sociedade faz em relação aos valores que construíram aquela nação. De um lado políticas identitárias, de outro, xenofobia. Entre eles um hiato. É neste espaço que mora o diabo”, ironiza ele.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

No fim do século passado, de acordo com o doutor em História Econômica, quando a combinação entre o fenômeno da globalização e a retomada dos valores liberais se arvorava como o modelo único, duas posições antagônicas se estabeleceram, conforme ele escreve. “Uma delas dizia que a abertura dos mercados nacionais, a maior velocidade nas trocas de mercadorias e moedas, assim como a formação de cadeias produtivas globais, garantiriam a ampliação da riqueza e melhoria significativa no padrão de vida de pessoas espalhadas pelo globo”, afirma, para continuar: “Outra, contrária, apostava na hipótese de que a globalização em sua vertente neoliberal nada mais era do que retomada do imperialismo do século XIX, agora liderado pelo EUA. Os resultados, depois de 30 anos, não cabem em slogans tão simples assim”.

No plano geral, conforme destaca o professor do Insper, a produção e a circulação de riquezas aumentaram. “Grupos populacionais imensos foram beneficiados pela ampliação do mercado, descentralização produtiva e aumento da produtividade e da riqueza”, acentua ele, e um trecho do artigo. “A urbanização de contingentes populacionais maiúsculos na China e na Índia, a transferência de partes significativas da produção industrial para países como o Vietnã e o aumento da qualidade de vida em países do leste europeu são visíveis. Em uma constatação anti-intuitiva, os países que mais ganharam com a globalização não foram aqueles que, no início do século, pareciam ser os impositores desta ordem”.

Na avaliação do autor, portanto, o que parecia ser uma imposição voltada à abertura de mercado mundial aos EUA, como um “neoimperialismo”, segundo ele, não se confirmou na medida em que tal processo produziu mais efeitos benéficos, ou que foram proporcionalmente maiores, em países como Chile, Coreia do Sul, Austrália e Lituânia do que nos EUA.

“A constatação de que a globalização, de fato, produziu mais riqueza e ampliou a qualidade de vida de enormes contingentes populacionais, e que hoje a tese de um imperialismo norte-americano parece fruto da ingenuidade da juventude, não significam a confirmação de que tal processo ocorreu sem efeitos colaterais que hoje batem à nossa porta. O mais importante entre eles é a ampliação da desigualdade. Não aquela que os críticos da globalização imaginavam que ocorreria entre os países”, diz outro trecho.

Vinícius Müller também diz que um argumento que atenuava o avanço da desigualdade afirmava que “é melhor viver em um país desigual e rico do que em um igualitário e pobre”. “Tem sentido, até porque a riqueza quando cresce beneficia a todos, mesmo que em níveis diferentes. O exercício retórico era simples: em uma sociedade na qual vive Bill Gates, a renda per capita cresce, mas a desigualdade também”, acrescenta o autor. “E, certamente, é melhor viver numa sociedade que tem a oportunidade de ampliar sua produção de riqueza a partir do uso das ferramentas criadas pelo fundador da Microsoft. O problema é que tamanha desigualdade começa a impactar em outras questões que fogem do escopo deste argumento”, assevera ele.

 

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Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e o gasto em saúde e educação

Equipe do presidente pode mudar piso de despesa social e reajuste de aposentadorias

Gente curtida no trabalho de aprovar reformas importantes diz que o Congresso não digere a tramitação de mais do que dois projetos grandes ao mesmo tempo.

Grandes como o quê? Por exemplo, uma reforma da Previdência e um pacote de segurança pública, para dar um exemplo baseado em intenções de Jair Bolsonaro.

A equipe econômica do presidente eleito parece ter ambições maiores, de mexer até em reajuste de aposentadoria e em gasto mínimo com saúde e educação.

No início de 2019, quer levar ao Congresso uma reforma da Previdência mais ou menos à moda daquela de Michel Temer, mas também a refundação previdenciária para o futuro (o regime de capitalização, de poupança individual para a aposentadoria).

Agora, estuda ainda um plano de desindexação das despesas com benefícios previdenciários, saúde e educação.

Trocando em miúdos: em situação excepcional ou de risco de estouro de limite de despesas, do “teto de gastos”, não haveria reajuste do benefício previdenciário nem pela inflação. Além do mais, poderia ser revogada ou suspensa a exigência de gastos mínimos com educação e saúde.

Tudo isso depende também de reforma constitucional, 308 votos na Câmara, duas votações em cada Casa do Legislativo, uma dificuldade imensa, como qualquer leitor de jornal está cansado de saber.

A Constituição determina a manutenção do valor real dos benefícios previdenciários (isto é, reajuste ao menos pela inflação). A emenda constitucional do “teto” acabou com a obrigação de gastar uma certa fatia da receita federal com saúde e educação, mas exige pelo menos o desembolso do equivalente à despesa de 2017 nessas áreas, corrigida pela inflação, mudança aprovada por Temer em 2016.

Não está claro se essas reformas novas entrariam em uma fila de projetos do Ministério da Economia. Poderia ser o caso de tocar a Previdência, em primeiro lugar, seguida talvez da desvinculação de gastos, continuando pela tentativa de reforma tributária e, depois, da mexida em carreiras e salários dos servidores, para tratar apenas dos rolos maiores. É apenas um exemplo.

O pessoal curtido em reformas, gente que trabalhou em equipes econômicas de mais de um governo, fica impressionado com a ambição. Esse seria um programa para anos, um mandato inteiro ou mais, diz um desses veteranos de batalhas parlamentares.

Um outro acredita que mesmo a tramitação da reforma previdenciária de Temer, já mastigada no Congresso, tomaria metade do ano. Uma reforma maior, começando do zero, como a planejada pelo pessoal de Bolsonaro, poderia levar mais de ano.

O fato de o presidente estar fresquinho, tendo sido recém-eleito por maioria folgada, não ajuda? Sim, desde que:

1) aproveite a força política para aprovar um assunto complicado por vez, de preferência começando com a reforma previdenciária que já tramita no Congresso;

2) crie logo uma coordenação política crível;

3) tome cuidado ao se envolver em um confronto sanguinolento pelas presidências da Câmara e do Senado, que pode criar desafetos demais para Bolsonaro.

Esse é apenas o filé das mudanças. Ainda haveria privatizações por fazer, um projeto de abertura comercial que terá oposição amarga de setores industriais, um superministério para organizar e a administração do dia a dia de uma economia em estado crítico.

É uma ambição rara de ver, para comentar a coisa em tom otimista.


Política Democrática: “Entramos na era da mentira”, afirma Sérgio Denicoli

Pós-doutor em comunicação analisa avanço da internet, em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online

Por Cleomar Almeida

O pós-doutor em Comunicação e diretor da AP Exata – Inteligência Artificial, Sérgio Denicoli, diz que a expansão da internet, possibilitada pelo surgimento da web, em 1989, sustentou a crença de que “o novo meio online seria um grande campo de liberdade”. No entanto, hoje, segundo ele, “entramos na era da mentira, das teorias da conspiração, que influenciam nossos amigos e familiares”, como escreve em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS).

Com o título “As doces, atraentes e estimulantes fake news”, o artigo ressalta que, no início, a ideia que havia era de que finalmente o mundo se livraria das amarras da mediação da imprensa, que, segundo ele, é “contaminada pelos seus mais diversos interesses e pela sua proximidade com o poder político”.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

No final dos anos 1980, como observa o pós-doutor em Comunicação, acadêmicos e críticos entendiam que a imprensa desenhava toda a narrativa da vida pública e que a internet trazia ao mundo a possibilidade de democratização da informação. “As pessoas comemoraram, então, o surgimento do chamado ‘jornalista cidadão’, aquele que não precisava de intermediários para difundir uma notícia. Foi uma onda avassaladora a transformação dos internautas em produtores e não apenas consumidores de conteúdo”, escreve ele, em um trecho.

No entanto, de acordo com Sérgio Denicoli, houve mudança não apenas no ato de se reportar algo. “A internet viria a colocar em causa muitas profissões que tinham a mediação como norte. Foi assim que aconteceu a revolução do Uber, do Airbnb – que permite às pessoas comuns alugarem suas próprias casas como se fossem hotéis –, dos classificados, do comércio de imóveis, entre tantos outros exemplos. Enquanto essas mudanças eram comemoradas, o mundo não percebeu que, aos poucos, a internet foi sendo capturada”, acrescenta ele.

Segundo o diretor da AP Exata – Inteligência Artificial, empresas ultraglobais, como Google, Facebook, Twitter etc, construíram resorts de comunicação e cooptaram bilhões de usuários, os quais, conforme ressalta ele, foram transformados “em produtos narcisistas municiados de espelhos hipnotizadores”. “Ocorreu, portanto, a digitalização da vida, com ideias, opiniões e momentos privados devidamente classificados e armazenados em data centers espalhados pelo planeta. As pessoas foram agrupadas em bolhas e viraram presas”, afirma Sérgio Denicoli.

Assim, conforme aponta o artigo, “um ambiente que chegou anunciando liberdade se tornou uma prisão sem muros, com requintes apurados de cooptação ideológica”. “Tudo devidamente disseminado por robôs e alimentado pelo que denominamos de ‘perfis de interferência’, criados especificamente para interferir nos mais diversos processos que envolvem a opinião pública”.

Na avaliação do pós-doutor em Comunicação, a sociedade entrou não somente “na era da mentira”, mas também na das “teorias da conspiração, que influenciam nossos amigos e familiares”. “Estabeleceu-se um surto coletivo, onde, se achando mais que especial, o internauta acredita que sua vida é o centro das atenções e que sua opinião deve prevalecer, sendo ela apoiada em pós-verdades, se assim for necessário. Uma doce ilusão. Tão doce e atraente, como uma bem construída fake news”, escreve ele, no artigo.

 

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Rogério Furquim Werneck: O governo Temer no retrovisor

Presidente conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível

Daqui a não mais que um mês, todos os olhos estarão voltados para o novo ocupante do Palácio do Planalto. E o governo Temer estará relegado ao retrovisor.

Levará algum tempo até que o país consiga desenvolver uma visão equilibrada do desempenho de Michel Temer, ao longo dos quase 32 meses em que ocupou a Presidência da República, quatro deles como interino. Mas nada impede que, ainda em meio às intensas controvérsias que Temer continua a despertar, sejam aqui recapitulados fatos essenciais de sua polêmica atuação no Planalto.

Fazendo bom uso da larga experiência que adquirira em três mandatos como presidente da Câmara, Temer logo conseguiu converter a ampla coalizão que respaldara o impeachment de Dilma Rousseff em sólido apoio a seu governo no Congresso. Tendo entregue boa parte dos cargos de primeiro escalão a parlamentares especialmente influentes, viuse posteriormente obrigado a afastar vários deles na esteira de denúncias de corrupção.

Não obstante todos os temores de que lhe seria difícil atrair gente competente que, naquelas circunstâncias, se dispusesse a lidar com o descalabro que lhe deixara a antecessora, Temer conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível. O que, para o país, fez toda a diferença.

Foi notável a rapidez com que a nova equipe conseguiu restaurar a credibilidade da política econômica. Restabelecido o controle sobre a inflação, taxas de juros puderam ser rapidamente reduzidas, abrindo espaço para a recuperação do nível de atividade que, afinal, pôs fim a três longos anos de recessão.

No front fiscal, anos de descarada contabilidade criativa cederam lugar a um padrão inédito de transparência na gestão das contas públicas, que finalmente revelou, com toda a nitidez que se fazia necessária, a real extensão do atoleiro fiscal em que o país fora metido.

Foi um grande feito da equipe econômica ter convencido o país e os mercados financeiros de que o ajuste fiscal requerido, da ordem de 5% do PIB, poderia ser feito aos poucos, ao longo de vários anos, desde que não houvesse dúvida acerca da determinação de levá-lo adiante.

A reconstrução da Petrobras, o desmantelamento do custoso esquema de concessão de crédito subsidiado que havia sido montado no BNDES, a imposição de um teto constitucional à evolução do gasto público federal e a submissão ao Congresso de um projeto ambicioso de reforma da Previdência ajudaram a dar credibilidade à ideia do ajuste fiscal gradual.

Em meados de maio de 2017, não faltava quem apostasse que o projeto de reforma da Previdência estava prestes a ser aprovado no Congresso. Foi quando sobreveio o deprimente escândalo do porão do Jaburu, que obrigaria Temer a gastar a maior parte do capital político que ainda lhe restava para se manter no cargo. Quando, quase no final de 2017, conseguiu bloquear a última denúncia da Procuradoria-Geral da República no Congresso, constatou que já não tinha mais como arregimentar o apoio requerido para a aprovação da reforma da Previdência.

Na esteira de um longo processo de fragilização, agravado por novas acusações de corrupção, Temer chegou ao final do mandato com níveis inauditos de impopularidade, incapaz de ter influência relevante na eleição do seu sucessor. Mas nada disso empanou o mérito de sua equipe econômica, cuja credibilidade e competência permitiram que o país atravessasse período tão tumultuado com surpreendente estabilidade econômica.

Noticia-se que Jair Bolsonaro está convencido de que “quem ferrou o Brasil foram os economistas”. Já é tempo de quem lhe incutiu essa ideia estapafúrdia dar o dito por não dito e esclarecer que se tratava de uma mistificação. Para começar, pode fazer ver ao presidente eleito quão notável foi o papel desempenhado pelos economistas que participaram do governo Temer. E, desde já, alertá-lo para as dificuldades que terá o novo governo para conseguir tripular a Fazenda e o Banco Central com uma equipe comparável à que agora está prestes a sair de cena em Brasília.


Política Democrática: “Bolsonaro significa o novo”, diz Paulo Baía

Em artigo da edição de novembro da revista Política Democrática online, sociólogo afirma que presidente eleito estabeleceu “relação de intimidade” com o público

Por Cleomar Almeida

O sociólogo e cientista político Paulo Baía diz que “Bolsonaro significa efetivamente o novo mesmo que seja rejeitado pela vanguarda do pensamento encontrada nas universidades, partidos políticos e centros culturais”. De acordo com ele, durante a campanha, o então “candidato esteve presente junto às multidões a partir do check-in dentro de casa. Em contato permanente com sua imensa rede de seguidores, formadores de opinião”.

O assunto é abordado no artigo “Bolsonaro – uma epifania em rede”, publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS). Na avaliação do sociólogo, a estratégia do então candidato, durante a campanha eleitoral, sustentou-se em uma “fortaleza de marketing, pois estabeleceu uma relação de intimidade”. “Transformou-se no centro das atenções, mesmo na mais significativa manifestação pró-oposições como #elenão. Foi um movimento capturado pela campanha bolsonarista e ressignificado, devolvendo-o como mais um marketing a seu favor mesmo que por vias indiretas”, diz o autor, em um trecho.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

Paulo Baía afirma que houve a supervalorização de Lula e do PT, Geraldo Alckmin e sua imensa estrutura partidária, do tempo de televisão e rádio no período de propaganda eleitoral e, sobretudo, do custo das campanhas num novo modelo de financiamento que privilegiou as oligarquias partidárias e sua imaginada capacidade de perpetuação. “Todos os indícios pró-Bolsonaro foram descartados, sua visão de mundo extremamente conservadora e religiosa em relação aos costumes e a pauta de enfrentamento ao identitarismo”, afirma ele, em outro trecho.

“Aquilo que o sistema político e demais partidos recriminavam ou zombavam em Bolsonaro era exatamente o que o fortalecia junto à maioria da população. Acusar Bolsonaro de ser um risco à democracia foi uma contradição, pois a percepção da maioria da população era o oposto, ou seja, quem representava ameaça era o PT”, destaca o analista político.

De acordo com Paulo Baía, a arrogância acadêmica e a prepotência intelectual desconsideraram, conforme ele diz, “o sentimento da maioria da população classificado como tosco, vulgar, desqualificado e moralmente inferior, não percebendo que a população havia criado suas próprias redes de debate em suas relações intermediadas pelas diversas plataformas digitais”. O autor observa que “estamos imersos em novos tempos em que a epifania individual é coletivizada pelas redes de afetos digitalizadas. O modelo de democracia representativa está em cheque e formas de participação direta estão-se sobrepondo às intermediações políticas e sociais”.

O sociólogo destaca que as pessoas “estão entrando numa nova fase do Humanismo, sendo transformado por uma radicalidade do individualismo expressada em múltiplas plataformas. É um ser humano hiperconectado”. “Fernando Haddad e os demais apostaram nas relações sociais clássicas do mundo capitalista do século XX. Ignoraram na prática a realidade neocientífica já vivida desde os anos 1990 com a expansão da internet e da telefonia móvel, experimentados nas manifestações de 2013 em diante”, acentua ele.

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Monica De Bolle: Relações alucinadas

Na próxima reunião do G-20, em Buenos Aires, estará exposta a rivalidade entre a China e os Estados Unidos

Às vésperas da reunião de cúpula do G-20 na próxima sexta-feira, o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, escreveu para a Gazeta do Povo artigo em que explica a importância de ser Ernesto no atual momento. Dentre as razões listadas, diz ele que “algumas pessoas gostariam que o presidente eleito Jair Bolsonaro tivesse escolhido um chanceler que saísse pelo mundo pedindo desculpas”.

“Queriam uma espécie de ministro das Relações Envergonhadas”, diz ele, que pedisse desculpas a todos pela eleição de Bolsonaro. Alucinações exteriores à parte – que o dito artigo contém de sobra – o que me fez parar nesse parágrafo foi a incrível percepção distorcida da importância do Brasil no mundo. Sim, o noticiário internacional cobriu a eleição de Bolsonaro. Sim, a imprensa externa ficou abestalhada com as falas do ex-capitão sobre a democracia, a tortura, Augusto Pinochet, e tantas outras coisas mais. Mas daí a achar que o Brasil tem relevância geopolítica global a ponto de desculpas serem necessárias aos supostos parceiros é salto quântico do futuro ministro das Relações Exteriores.

O Brasil é uma das economias mais fechadas do planeta, está atrasadíssimo nos temas de convergência regulatória para o comércio e o investimento, não tem grande presença nos fóruns mundiais, o que ficará mais uma vez em evidência na reunião de Buenos Aires no dia 30 de novembro. Contudo, o novo chanceler julgou premente escrever um artigo cujo principal objetivo foi atacar de modo pueril os comentaristas da imprensa – aqueles que são “nutridos pela convivência com diplomatas pretensiosos”, ofendendo seus colegas de Itamaraty – e a ONU, deixando entrever o complexo de vira-lata que ainda está entranhado em algumas cabeças brasileiras. Afinal, se Trump ataca a ONU, o Brasil tem de atacar também. Se Trump ataca o New York Times, o Brasil tem de atacar também. Se Trump ataca a China...Sobre isso o futuro ministro resolveu não falar, por enquanto. As bravatas contra o jornal americano e a organização internacional são apenas isso – nem o New York Times, nem a ONU darão ouvidos à sinceridade de Ernesto. Mas a China, bem a China é diferente.

Na próxima reunião do G-20, estará exposta a rivalidade entre a China e os Estados Unidos. A América Latina como anfitriã do encontro, estará entre a cruz e a espada. Não têm condições os países latino americanos de escolher lado – os Estados Unidos têm grande importância para a região, mas hoje a China tem relevância maior.

Após quase duas décadas de ausência de uma política externa que priorizasse a região, a China ocupou o vácuo com investimentos e parcerias crescentes para tudo que é lado. Quando Bolsonaro ensaiou retórica trumpista em relação à China, o Brasil levou um chega-pra-lá imediato. A deduzir da admiração intensa que têm Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro – que por ora, passeia aqui por Washington a discorrer sobre a política externa do novo governo para variadas audiências – pelo governo Trump, é provável que o discurso anti-China volte com alguma força. Assim como é bastante possível que o governo Bolsonaro queira adotar o estilo linha-dura do assessor de Trump para assuntos de segurança nacional, John Bolton, com Cuba e Venezuela.

Em tempo: o estilo linha-dura nada mais é do que um tanto de retórica inflamada misturada com ameaças de mais sanções financeiras na Venezuela e medidas semelhantes em relação a Cuba. Até o momento, as sanções tiveram pouca ou nenhuma eficácia no enfraquecimento do regime ditatorial de Maduro, que enxerga na beligerância a sua própria sobrevivência ao atacar os “imperialistas”. Se algum efeito tiveram as sanções, esse foi o de agravar a crise migratória venezuelana que atinge a Colômbia, o Brasil, o Peru, entre outros países latino americanos. Por fim, a China tem interesses econômicos tanto em Cuba, quanto na Venezuela. Difícil imaginar que ficarão quietos ante tentativas do governo Bolsonaro de comprar a briga ineficaz dos norte-americanos.

É difícil exagerar a importância de Ernesto ficar calado nesse momento tão delicado. Mas o novo chanceler, assim como o filho do presidente eleito que o entrevistou, tem sonhos de grandeza sincera. “Em matérias de grave importância, estilo, não sinceridade, é o que é vital”. Já dizia Oscar Wilde. Preparem-se para grandes alucinações externas e relações externas bastante alucinadas.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Míriam Leitão: Tirar o gesso do Orçamento

Não será fácil aprovar o projeto que acaba com os gastos obrigatórios, mas a medida vai na direção correta, de mais flexibilidade do Orçamento

A proposta de desvincular as receitas do destino estabelecido pela Constituição tem sido um sonho de inúmeros economistas. Na última campanha, alguns candidatos chegaram a falar nisso, mas quem defendeu mais abertamente foi o grupo do candidato Geraldo Alckmin. A equipe econômica que vai assumir em janeiro está preparando uma Proposta de Emenda Constitucional que tem chamado de PEC da Liberdade Orçamentária. É necessária, mas é muito difícil fazer.

O Orçamento está cada vez mais engessado. Todo ano sobe um pouco mais o percentual de despesas que o administrador público não pode mexer porque vai para um gasto específico. Era 84% em 2013, foi 91% no ano passado.

Mas se for desvincular o dinheiro da saúde, por exemplo, o governo Bolsonaro terá um problema de cara com essa bancada, que acaba de mostrar força indicando o ministro. Mesmo os que concordarem em tese, ficarão contra quando for a sua área de interesse. Em algum momento, teria que ser enfrentado o problema de dar mais liberdade ao governo para decidir sobre as despesas. Isso só dá certo, no entanto, se for aprovada a reforma da Previdência, que tem consumido cada vez mais recursos. Com o teto de gastos incidindo sobre as outros gastos, o que tem crescido é a despesa previdenciária. Cresce vegetativamente e também por decisões judiciais.

Um exemplo aconteceu recentemente. Todo aposentado por invalidez tem direito a 25% para pagar um cuidador. Como esse tipo de aposentadoria é de baixo valor, esse extra fica em geral em torno de R$ 300. Aumenta o custo, mas é possível cobrir. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em agosto estender o benefício para todos os aposentados. Ao generalizar, e em percentual, significa que pega até quem recebe, hoje, R$ 30 mil, e, no caso, essa pessoa receberá mais de R$ 7 mil de extra. O custo disso, segundo o cálculo do especialista Paulo Tafner, é de R$ 8 bilhões no primeiro ano, mas vai crescer porque o total de aposentados tende a aumentar. O STJ está, nesse caso, criando um benefício que não existia, ou seja, legislando. E confirmando a desigualdade no país, já que é um percentual, e não um valor fixo. Quem recebe mais terá um valor maior do que quem recebe o piso. Se desvincular os gastos e não mudar a Previdência, inclusive retirando da Constituição, como foi a proposta dos economistas Armínio e Tafner, as despesas com pensões e aposentadorias vão crescer e engolir o Orçamento inteiro.

Não há trabalho fácil para a equipe que está chegando. Alguns problemas vêm sendo adiados ou contornados, e um deles é o do engessamento do Orçamento. A DRU, Desvinculação das Receitas da União, foi um atalho feito no governo Fernando Henrique e que se eternizou.

Segundo o “Valor”, que deu a notícia da PEC da liberdade orçamentária, a futura equipe sabe que isso será polêmico, mas considera que debates inflamados sempre acontecem quando o assunto é despesa pública e que, se houver mais flexibilidade, “a classe política recuperaria poderes perdidos ao longo dos anos”. Na teoria, parece claro, mas difícil é conseguir 308 votos em duas votações na Câmara, sem falar no Senado e no risco de voltar à Câmara. Portanto, por mais lógica que pareça uma proposta, a negociação política para isso tem que ser árdua.

Alguns da equipe que tomará posse com o presidente eleito Jair Bolsonaro já tiveram experiência no setor público, mas vários outros, inclusive o futuro ministro Paulo Guedes, jamais estiveram no governo e podem estar subestimando as barreiras que encontrarão para aprovar uma proposta assim.

Os alertas contra o engessamento do Orçamento vêm sendo feitos desde a época do ex-ministro Maílson da Nóbrega no governo José Sarney, há 30 anos. Se a futura equipe apresentar essa proposta será um ato corajoso e na direção certa. Há uma dificuldade e um risco. A dificuldade será convencer os parlamentares a votar contra todas as pressões setoriais que receberão. O risco é, se conseguir aprovar, o futuro governo aproveitar para estrangular as áreas pelas quais não demonstra interesse como, para citar um caso, os órgãos de controle da área ambiental. Só vale ter a liberdade orçamentária se for para tornar mais racional e eficiente o gasto público e não para apagar agendas que o governo não valoriza.


Política Democrática: Eleição de Bolsonaro põe fim a um ciclo, diz presidente nacional do PPS

Em artigo da edição de novembro da revista Política Democrática online, Roberto Freire diz que já foi definida a mudança de nome do partido político

Por Cleomar Almeida

O presidente nacional do Partido Popular Socialista (PPS), Roberto Freire, avalia que a eleição de Bolsonaro para a Presidência da República de 2019 a 2022 pode ser visto como “o encerramento de um ciclo político iniciado a partir da Nova República (1985)”. Esse período é posterior ao do regime militar no Brasil (1964-1985). A análise dele está publicada no artigo “Contemporâneos do futuro”, que integra a edição de novembro da revista Política Democrática online, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao PPS.

Roberto Freire analisa que, ao longo dos 30 anos de democracia no Brasil, houve, em sua maioria, “governos com claro viés progressista”, os quais, na avaliação dele, poderiam ser classificados como de centro-esquerda no aspecto político-ideológico. “Como ficou evidenciado depois do impeachment do presidente Collor de Melo, com a assunção de Itamar Franco, seu vice, que implementou uma série de reformas, começando pela mais importante, o Plano Real, que estancou o crônico processo de inflação que então vivíamos, abrindo as portas para um processo sustentado de desenvolvimento econômico”, diz ele, em um trecho.

» Acesse aqui a edição de novembro da revista Política Democrática online

Em seu artigo, o presidente do PPS observa que o PT chegou ao poder com Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), depois de dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do PSDB, no período em que, conforme ressalta, o país viu a estabilidade econômica se solidificar. Roberto Freire lembra que o líder petista ocupou o Palácio do Planalto por oito anos e foi sucedido por Dilma Rousseff (2011-2016), reeleita para um segundo mandato em 2014. Ela foi afastada, na opinião do presidente do PPS, de forma “democrática e constitucionalmente, por meio de um processo de impeachment em 2016”.

Para o presidente do PPS, a “desastrosa experiência lulopetista” provocou o desmantelo da corrupção desenfreada e o enxovalhamento moral das esquerdas, o que, de acordo com ele, acabou atingindo todo o campo progressista, inclusive as correntes não alinhadas ao PT. Por isso, conforme avalia, “uma parcela amplamente majoritária da sociedade brasileira desta vez optou por escolher Bolsonaro, um candidato nitidamente de direita, para governar o país pelos próximos quatro anos”.

O presidente eleito não é apenas “um conservador ou até mesmo um nacionalista reacionário, mas um líder político que até se tornou conhecido mundialmente por algumas declarações frontalmente contrárias aos direitos das minorias, às liberdades individuais, às instituições republicanas e à própria democracia”, como lembra Roberto Freire em um trecho de seu artigo.

Mais adiante, o autor lembra que o PPS realizou, em março deste ano, em São Paulo, seu XIX Congresso Nacional, com a participação de militantes de todo o Brasil. No encontro, conforme registra ele, “foram debatidos temas como as alterações no mercado de trabalho, as reformas, a luta pelos direitos das minorias, as novas formas de relações pessoais e profissionais, o papel da esquerda democrática em um cenário de profundas mudanças econômicas, políticas, sociais e nos costumes, entre outros assuntos”.

Roberto Freire ressalta, entre outros pontos, que o PPS também vai realizar, na segunda quinzena de janeiro de 2019, “um Congresso Extraordinário buscando a recomposição do campo democrático e a construção de novo instrumento de organização das demandas da cidadania”. O intuito, segundo ele, é incorporar, de forma mais ampla, tais movimentos, forças políticas e personalidades da sociedade civil comprometidas com a democracia, a liberdade e as instituições, para a gestação de um novo partido. “Já foi definida, inclusive, a mudança de nome do atual Partido Popular Socialista (PPS), um novo Manifesto e Programa, bem como em sua estrutura organizacional, exatamente para que estejamos verdadeiramente conectados com os reais anseios dos brasileiros e com essa nova sociedade que emerge”.

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Política Democrática: “Faz sentido um superministério da Economia?”, questiona Luiz Paulo Velozzo

Ex-diretor do DIC do governo Fernando Collor, Luiz Paulo Vellozo Lucas diz que o mais importante “é a qualidade da equipe encarregada de implementar” uma nova política

Por Cleomar Almeida

“Afinal faz sentido um só superministério da Economia?”. A pergunta é do ex-deputado federal pelo PSDB-ES Luiz Paulo Vellozo Lucas, que também é ex-engenheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-diretor do Departamento de Indústria e Comércio do governo Fernando Collor de Mello. Em artigo publicado na edição de novembro da revista Política Democrática online, ele ressalta que mais importante que a política que será executada é a qualidade da equipe encarregada de implementá-la.

No artigo Lições do DIC na era Collor, Luiz Paulo lembra que foi convidado pelo presidente Fernando Collor de Mello para dirigir o Departamento da Indústria e do Comércio (DIC) do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. “Fiquei exatos dois anos como diretor, sendo ministros, primeiro Zélia Cardoso de Mello e, depois, Marcílio Marques Moreira. Pedi demissão um mês antes da instalação da CPI que levou ao impeachment de Collor, para integrar a equipe do governador capixaba Albuíno Azeredo. Itamar Franco recriou o Ministério da Indústria e do Comércio, transformado-o em Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC)”.

» Acesse a edição de novembro da revista Política Democrática online

A extinção do MDIC anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, como observa Luiz Paulo, traz ao debate a avaliação da experiência do DIC no governo Collor, iniciado em 15 de março de 1990, como observa o analista político. Ele ressalta que o bloqueio da liquidez das pessoas físicas e das empresas, a troca da moeda e o congelamento de preços compõem o pacote de medidas de impacto voltadas para a saída da hiperinflação. “Outro conjunto de iniciativas legais extingue a quase totalidade dos instrumentos de intervenção governamental, incentivos fiscais e controles administrativos, criados pela politica desenvolvimentista de substituição de importações que prevaleceu em todo o pós-guerra. Cria, também, o CADE e o sistema de defesa da concorrência”, afirma ele.

De acordo com Luiz Paulo, alguns programas de incentivos fiscais extintos, como o Befiex (mais de 2 mil contratos), possuíam contratos ativos e, segundo ele, o DIC tinha a missão de administrá-los. “O DIC não se limitou a cuidar do espólio da substituição de importações”, acentua, para acrescentar: “A equipe, formada principalmente por técnicos de carreira do BNDES e Petrobras, liderou dentro do governo a formulação da Politica Industrial e de Comércio Exterior (PICE), lançada em junho de 1990, além de secretariar as Câmaras Setoriais, que foram instrumento fundamental na interlocução politica e harmonização dos vários órgãos de governo entre si e de negociação com o setor produtivo naquele ambiente de grande turbulência e de profundas mudanças”.

Na opinião do ex-deputado do PSDB, os governos do PT representaram enorme retrocesso na superação dos paradigmas da substituição de importações e do intervencionismo estatal do velho nacional desenvolvimentismo e, por isso, conforme ressalta, existe semelhança entre o momento atual e aquele vivido no início do governo Collor. “São ambos momentos de reorientação e reestruturação. Mais importante do que manter ou extinguir o MDIC é a política que será executada e a qualidade da equipe encarregada de implementá-la. Quase sempre o organograma é inocente nos fracassos e, tampouco, é heróis nos sucessos, mas a unificação do comando da economia num único ministério me parece ser um bom sinal no atual momento”, ressalta ele.

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