Economia
Vinicius Torres Freire: Guedes reafirma desmanche do Estado
Ministro toma posse com plano de desfazer 40 anos de estatismo em 4 de Bolsonaro
Paulo Guedes tomou posse com um discurso de combate, no estilo bolsonarista, embora tenha elogiado imprensa e Congresso.
Reafirmou na íntegra a promessa de desmanche do Estado, uma reviravolta histórica que pretende desfazer pelo menos 40 anos de fracassos de uma economia dirigida, disse.
No futuro, que trouxe de modo afobado a valor presente, a carga tributária nacional baixaria em um terço, uma enormidade. O início das reformas neste 2019 bastaria para o país crescer por uma década.
Descontadas as animações futuristas, o ministro da Economia explicou seu programa inicial. Esse plano ainda ambicioso, mas mais pragmático, pareceu mais plausível com a informação de que o bolsonarismo, o centrão e talvez parte da esquerda devem reeleger Rodrigo Maia (DEM) presidente da Câmara, que estava ao lado de Guedes no palco da posse. É uma primeira e crucial aliança política de Bolsonaro.
O mercado se animou com esse caminho luminoso. Com a ajuda do preço do petróleo e da possibilidade de privatização da Eletrobras, a Bovespa decolou, juros e dólar caíram bem.
Guedes indicou que quer reformar a Previdência em dois grandes tempos. Primeiro, a mudança do atual sistema, remendando e aprovando no menor tempo possível o projeto de Michel Temer. A mudança para o sistema de contas individuais de poupança previdenciária (capitalização) ficaria para depois.
Logo de início, o governo tocaria privatizações rápidas e a redução de gastos previdenciários e assistenciais que não depende de mudança constitucional ou mesmo de lei. Em breve, começaria o processo de unificação de impostos federais e a extinção paulatina da CLT.
Enfim, o ministro mantém o projeto de reduzir ao osso a banca estatal, a começar pelo BNDES. Mesmo programas de empréstimos subsidiados (microcrédito) deveriam ser tocados pelo setor privado.
A Caixa deve passar por enxugamento grande também —não disse, mas era possível ouvir tal coisa no governo.
Guedes foi enfático ao dizer que agora começa uma história liberal no Brasil.
Que o excesso de Estado gerou dois bastardos, a corrupção e o dirigismo, que mata o crescimento: “Piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”.
O descontrole do gasto público e más políticas econômicas criaram uma dívida enorme e juros altos, o “paraíso dos rentistas, inferno dos empresários”; provocaram colapsos econômicos variados, de hiperinflação a crises e calotes da dívida externa, que obriga o país até hoje a manter um excesso de reservas internacionais.
Guedes fala tanto de história também porque quer fazer história. No limite da utopia, o governo central seria uma agência reduzida, que teria repassado recursos e tarefas a estados e cidades.
O ar seco de Brasília costuma desidratar planos túrgidos, decerto, mas o ministro parece não estar nem aí.
Convém prestar atenção, até porque a maioria do país acaba de votar em uma mudança radical depois de uma crise de raridade secular, política e econômica.
E se não passar a Previdência? O governo então iria propor a desvinculação geral de todos os gastos federais, saúde e educação inclusive, imensa mudança constitucional.
O ministro sugeriria, pois, lançar uma bomba atômica na terra arrasada que seria a de um governo fracassado na Previdência.
Guedes aprendeu um bom tanto de política desde a campanha. Mas ainda não se graduou, pelo jeito.
Fernando Canzian: Com economia, Bolsonaro pode ser duplamente cruel com a esquerda
Única coisa que nos afasta do crescimento é saber de onde tiraremos os R$ 300 bi para fechar as contas
Não são pequenas as chances de Jair Bolsonaro dar certo na economia. E de implementar por um bom tempo uma agenda de retrocessos em outras áreas. Sobretudo em temas caros à esquerda.
Além de ter perdido a eleição, a esquerda pode ficar à deriva por um longo período caso a equipe de Bolsonaro consiga entregar o contrário do que o PT propôs na campanha —mais gastos estatais para tirar o país da crise e a não urgência na reforma da Previdência.
O paradoxo hoje é o seguinte: o Brasil nunca esteve tão quebrado, precisando de quase R$ 300 bilhões por ano para conter a trajetória explosiva da dívida pública. Por outro lado, raramente teve condições tão propícias para voltar a crescer.
Apesar do endividamento estatal recorde (próximo a 80% do PIB), os juros básicos pagos a quem financia a dívida pública (todos os que têm alguma aplicação no banco) estão em 6,5% ao ano. Com uma inflação de 4%, o juro real é de 2,5% --algo muito baixo para nossos padrões.
Há uma capacidade produtiva inutilizada nas empresas de 25%, ante a média mais apertada pré recessão de 17%. Isso permite que o consumo volte a crescer —e as empresas a produzir mais— sem pressões sobre a inflação.
No setor externo, que no passado nos levou repetidamente ao FMI, a situação é invejável. Há US$ 380 bilhões em reservas (acumuladas pelo PT) e expectativa de saldo comercial acima de US$ 60 bilhões neste ano —valor próximo ao que deve entrar também em investimentos.
Em resumo, a única coisa que nos afasta do crescimento é saber de onde tiraremos os R$ 300 bilhões para fechar as contas. Eles podem vir de uma mistura de corte de gastos, aumento de impostos e de uma arrecadação maior caso o crescimento acelere.
Na equipe montada por Paulo Guedes (Economia) encontram-se alguns dos melhores técnicos da praça. Muitos são funcionários de carreira que têm, há anos, um diagnóstico bastante coerente dos problemas. Entre eles:
1) a produtividade do trabalho cresce em ritmo muito lento, com alta de apenas 17% em 20 anos, ante 34% na média dos países desenvolvidos;
2) gastos com a Previdência equivalentes a 8% do PIB, mais que o dobro do percentual em países com demografia parecida com a nossa;
3) despesas da máquina federal que dobraram para 19,5% do PIB nos últimos 25 anos, também pela remuneração de servidores, que aumentou até três vezes acima do que é pago no setor privado.
Atacar esses pontos exigirá mexer diretamente na máquina pública e em quem forma as bases dos partidos de esquerda no Brasil, como funcionários públicos representados pela CUT e seus sindicatos.
Se der certo, Bolsonaro não só pode alijar por um bom tempo a esquerda do poder. Mas chegar a isso minando justamente o seu principal terreno.
*Fernando Canzian é jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.
O Globo: Veja os destaques do primeiro discurso do superministro da Economia
Com frases de efeito, Paulo Guedes fez diagnóstico da situação econômica do país e apontou caminhos a serem seguidos
Por Marcello Corrêa, de O Globo
BRASÍLIA — Durante a cerimônia de transmissão de cargo, o novo ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um diagnóstico dos problemas econômicos enfrentados pelo país e apontou os caminhos que serão seguidos no governo Jair Bolsonaro. Com frases de efeito, Guedes fez críticas às gestões anteriores — que expandiram os gastos públicos —, à legislação trabalhista e ao estado atual da Previdência.
“O Brasil foi corrompido pelo excesso de gastos”
Na avaliação de Guedes, o descontrole de gastos obrigatórios diminuiu a capacidade do Estado de promover o crescimento, por meio de investimentos
“O Brasil deixará de ser o paraíso dos rentistas e inferno para empreendedores”
Em referência aos gastos com a dívida pública, que chegam a R$ 400 bilhões
“Ideal era termos 20% do PIB de carga tributária, acima disso é o quinto dos infernos”
O ministro critica o peso dos impostos na economia, hoje acima de 30%.
“A Previdência é fábrica de desigualdades. Quem legisla e julga tem as maiores aposentadorias e o povo brasileiro tem as menores”
Para Guedes e outros especialistas, além do impacto fiscal, o atual sistema de Previdência gera desigualdades, principalmente entre servidores e trabalhadores da iniciativa privada
“A classe política é criticada por ter muitos privilégios e poucas atribuições”
Guedes defende mais responsabilidade para a classe política, inclusive na definição das prioridades dos gastos públicos
“Essa insistência no Estado como motor de crescimento produziu essa expansão de gastos públicos, corrompendo a política e estagnando a economia. São dois filhos bastardos do mesmo fenômeno”
Para Guedes, é preciso uma guinada para a economia de mercado, em que o Estado tenha um papel menor, a base do pensamento liberal
“O governo democrático vai inovar e abandonar a legislação fascista da carta del Lavoro”
Paulo Guedes quer rever mais uma vez a legislação trabalhista. A referência é ao conjunto de regras adotadas na Itália no período fascista. Críticos afirmam que o texto inspirou a CLT brasileira
O Estado de S. Paulo: Guedes alfineta membros de Judiciário e Legislativo por resistência contra reformas
Em seu primeiro discurso, ministro da Economia criticou excesso de gastos e classificou a Previdência brasileira como ‘fábrica de desigualdades
Por Idiana Tomazelli, Adriana Fernandes, Eduardo Rodrigues e Lorenna Rodrigues, de O Estado de S. Paulo
Prestes a encarar um longo processo de negociações para aprovar reformas estruturais como a da Previdência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, usou seu primeiro discurso à frente da pasta para criticar a associação de “piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político” contra o interesse público. Ele ainda alfinetou integrantes do Judiciário, que resistem às mudanças nas regras de aposentadoria e pensão, e do Legislativo, que no mandato atual também impuseram obstáculos à aprovação da reforma, ao dizer que são justamente eles os mais privilegiados pelas regras atuais.
Guedes criticou o excesso de gastos no Brasil e afirmou que o contínuo avanço nas despesas “corrompeu” o País. “Não foi no crédito que os bancos públicos se perderam, mas nos grandes programas onde piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”, disse o ministro, despertando a reação acalorada da plateia de banqueiros, empresários, representantes de associações setoriais e parlamentares que acompanhavam a cerimônia de transmissão de cargo realizada nessa quarta-feira, 2, em Brasília.
O ministro aproveitou a presença no palco do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de atuais e futuros congressistas na plateia para pedir ajuda da classe política na aprovação das reformas. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, também participou do início da cerimônia, mas já havia deixado a solenidade quando Guedes fez um discurso duro em defesa desse apoio, afirmando que a Previdência brasileira é hoje uma “fábrica de desigualdades”. “Quem legisla e julga tem as maiores aposentadorias, e a população, as menores”, disse Guedes, novamente muito aplaudido.
Os servidores públicos que ingressaram até 2003 ainda podem hoje se aposentar com o último salário da carreira e com reajustes iguais aos funcionários da ativa. Na reforma já em tramitação no Congresso, houve uma tentativa de endurecer as regras para esse grupo, mas o forte poder de lobby dessas categorias acabou travando o avanço da proposta.
“O governo não controla seus próprios gastos, dá aumento generalizados de salários, aposentadorias para quem já tem estabilidade de emprego são generosas (…). O governo se endivida em bola de neve para financiar isso. Esse governo age como se não existisse amanhã”, criticou o ministro, que defende mudanças profundas na atuação do Estado.
Guedes também disparou contra o uso de recursos públicos para “comprar influência parlamentar” e disse que o governo do “capitão” Jair Bolsonaro é o caminho da reabilitação da classe política. Ele reforçou que o Congresso tem que assumir o papel das escolhas no Orçamento – hoje, as despesas são autorizadas e cabe ao Executivo decidir o que será prioridade, o que abre brechas para o toma lá, dá cá. “A classe política é criticada por ter muitos privilégios e poucas atribuições”, disse.
Para Guedes, o resultado das eleições deu o recado aos políticos de que eles “não estão conseguindo ajudar o País”.
Míriam Leitão: Os que falam a mesma língua
Mourão revela sintonia com a equipe econômica ao apoiar a flexibilização do Orçamento e o projeto de reforma que já está no Congresso
O que se ouve de mais lógico na equipe de transição foi dito pelo vice-presidente eleito Hamilton Mourão na entrevista ao “Valor”. O governo prepara um projeto de emenda constitucional para desengessar o Orçamento e será aproveitada a proposta para a reforma da Previdência que já tramita no Congresso. É o que também tenho ouvido de integrantes do novo governo.
Mourão fala a mesma língua que a equipe econômica, mas isso não significa que haja unidade no futuro governo. Até o ponto mais lógico, que é aproveitar a atual reforma da Previdência que já cumpriu etapas longas de tramitação, não tem o apoio de todos. Por isso, a primeira batalha na reforma será a unidade interna. Aproveitar a atual proposta criará para o chefe da Casa Civil, ministro Onyx Lorenzoni, o constrangimento de ter que defender o que atacou na Comissão Especial. Onyx montou uma equipe sobre o assunto e tem suas próprias ideias.
O vice-presidente falou ao “Valor” em uma abertura “lenta, gradual e segura”. O vocabulário geiselista foi adaptado aqui à área do comércio exterior para dizer que a indústria enfrentará maior competição com o produto importado pela redução das tarifas externas, a ser feita em fases. Durante uma de suas falas na transição, o futuro ministro Paulo Guedes criticou a indústria que estaria ainda em suas “trincheiras da primeira guerra”, e prometeu “salvar a indústria, apesar da indústria”. A despeito do tom forte, a tendência é não fazer uma abertura drástica.
Em entrevista que me concedeu no último dia 6, o general Mourão defendeu com entusiasmo a ideia de um desengessar do Orçamento. Com isso também sonha o economista Paulo Guedes. Para realizá-lo será preciso convencer o Congresso a retirar todas vinculações constitucionais, a começar as da saúde e educação. Um projeto que permita começar o Orçamento do zero sempre foi o sonho de inúmeros economistas. O problema não é ter a ideia, é como aprová-la porque ela pode atrair a oposição dos grupos de interesse, principalmente as bancadas da saúde e da educação. Fácil chegar ao diagnóstico de que o engessamento do Orçamento inviabiliza o país, difícil é mudar isso. O argumento do general Mourão na entrevista que me concedeu foi que o Congresso ganharia mais poderes se isso for aprovado porque poderia verdadeiramente formular a proposta de destinação das receitas a cada ano.
Como em outras democracias, o parlamento faria o orçamento, em vez de disputar os valores residuais. Isso convencerá o Congresso? Neste momento de aguda crise fiscal, cada setor está convencido de que, se abrir mão do mínimo constitucional, ficará sem qualquer garantia.
O general falou da necessidade de enfrentar as “igrejinhas”, como definiu as corporações do serviço público. Sempre foi difícil mesmo. Uma dessas ideias em defesa do grupo ao qual pertence se vê na própria entrevista, quando Mourão insiste na tese de que não há uma previdência dos militares e sim “um sistema de proteção pelas peculiaridades da profissão”. Chame-se do que for, a previdência dos militares tem um déficit de R$ 42 bilhões.
Sobre o custo da dívida pública, o vice-presidente propõe algo que não é factível. Ele repete o número do qual Paulo Guedes não se separa, que o Brasil gasta R$ 400 bilhões de juros por ano. O general acerta quando diz que se forem feitas as reformas, esse custo pode cair. No resto da solução ele erra. Acha que se fizer esse dever de casa, pode “chegar para os meus credores e dizer ‘vamos fazer uma negociação’”.
Segundo o general, o governo poderá repactuar essa dívida, alongar os títulos e reduzir os juros para diminuí-los, por exemplo, para R$ 350 bilhões, e usar esse dinheiro para investir. A redução do custo da dívida não acontece via negociação com credores, mas sim naturalmente se o governo fizer as reformas. A despesa caiu no governo Temer pelos acertos da equipe. Isso não libera dinheiro para qualquer outro uso. Apenas reduz a trajetória de crescimento da dívida. O vice-presidente mostra uma compreensão imprecisa da política monetária com essa sugestão de negociação com credores da dívida interna. E nesse ponto qualquer mal-entendido é arriscado.
César Felício: Scripta manent
Presidente implantou lógica parlamentarista
Não há precedentes na história democrática brasileira para as vitórias que Michel Temer conseguiu no Congresso durante sua presidência. O presidente que se vai na próxima semana fez aprovar em primeiro turno na Câmara uma mudança constitucional que engessa o gasto público por 20 anos, na véspera de um feriado, em 10 de outubro de 2016, o que não é pouco. Seis meses depois, às portas de nada menos que o Dia do Trabalho, conseguiu da Câmara a chancela para a reforma que demoliu a CLT.
Mas isso não foi tudo. A hecatombe desencadeada por Joesley Batista, que explodiu na tarde de 17 de maio de 2017, apenas desviou o foco presidencial, mas manteve o padrão de eficácia do presidente no Congresso. Temer passou a trabalhar exclusivamente para a autopreservação e salvou-se duas vezes. No dia 2 de agosto, derrubou a primeira denúncia formulada pelo então procurador geral da República, Rodrigo Janot. Em 25 de outubro, foi a vez de a segunda denúncia cair.
Foram quatro vitórias emblemáticas de Temer no plenário da Câmara, algo sugestivo para um presidente nascido do Congresso e abençoado pelo Supremo, entre abril e maio de 2016. Época em que a Câmara aprovou o afastamento de Dilma Rousseff em um domingo, com direito a espocar de rojões de papel picado em plena votação, sob o pulso firme de Eduardo Cunha. O STF só entendeu que o deputado do MDB não podia presidir uma casa do Legislativo poucos dias depois de completado o serviço em relação ao impeachment.
O rio desaguou no mar porque correu no sentido certo. O vice-presidente nomeou um ministério integralmente formado por parlamentares. Implantou uma lógica parlamentarista no país. Não houve mulher ou negro na primeira equipe ministerial formada porque a lógica do governo Temer não era a de pactuação com o eleitorado, mas sim com o Congresso. Sarney, Fernando Henrique e Lula lotearam a administração. Temer a feudalizou.
Sua administração tinha em Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, uma âncora, que reverteu as expectativas negativas do mercado em relação ao déficit público galopante, mas seus motores foram múltiplos na área política. Na linha de frente, havia quatro pontas de lança: Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Eliseu Padilha e Romero Jucá.
Em uma semana Jucá estava fora, com a divulgação do célebre diálogo com Sérgio Machado sobre a necessidade de um grande acordo nacional.
Era um produto derivado da à época chamada "megadelação" da Odebrecht, que vitimaria também Geddel e o então ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves. A segunda onda de denúncias, movida por Joesley, trouxe o bombardeio para o Palácio do Jaburu.
Foi nesta disjuntiva, entre a força extrema no Congresso e a sombra das suspeitas de corrupção, que oscilou Temer em seus dois anos de estadia na Presidência. Muito se escreverá sobre a sobrevivência de Temer no poder depois do 17 de maio. Um dos fatores, sem dúvida, foi o fato de os áudios de Joesley não comprometerem apenas o presidente. O mais discreto dos operadores de Temer, Aécio Neves, também foi atingido.
Na luta para garantir o próprio pescoço, Aécio travou o desembarque do PSDB do governo. Para um Planalto acostumado a ceder um Refis ou uma anistia do Funrural a cada votação fundamental, a aliança com Aécio saiu barato. Qualquer um que tenha ouvido os áudios do senador com o empresário se lembra do exaspero do tucano com a incapacidade do governo federal em barrar o ritmo das investigações. Aécio redobrou a aposta a favor de Temer porque a alternativa era pior.
O tucano temia o que poderia sobrevir de uma queda do presidente em maio de 2017. A falta de um roteiro de saída para o governo Temer causava receio a toda a elite em Brasília, mas só o PSDB vivia uma guerra intramuros. Um processo sucessório em eleição indireta, da qual os tucanos seriam protagonistas, seria fatal para Aécio. Não é possível desvincular a trajetória de Temer da do senador mineiro.
Muito se falou até o começo deste ano de uma candidatura à reeleição de Temer. É difícil pensar que o emedebista e seus acólitos realmente tenham considerado a sério a ideia. Mesmo sem o caso Joesley, Temer nunca teve aprovação a seu governo superior a 14%.
O presidente transitou nas pesquisas de intenção de voto na faixa inferior a 5%, o que condiz com o perfil de sua carreira. Temer diversas vezes se colocou em São Paulo como pré-candidato a algum cargo majoritário - prefeito, governador ou senador - sempre com o mesmo propósito: mudar de patamar na negociação das alianças.
O que de fato parece ter sido a intenção de Temer foi a de influir na escolha do candidato do PSDB à Presidência. O nome preferido de Temer, está claro, era o de João Doria, a partir do momento que este se elegeu prefeito de São Paulo, em 2016. A alternativa Doria à Presidência começou a se apagar em meados de outubro do ano passado. Por volta desta época Temer inflou o balão de ensaio do 'semipresidencialismo', que poderia permitir ao MDB manter-se no poder mesmo fora do jogo de alianças nacionais. A ideia de Temer era obter aval do Supremo para a possibilidade de uma mudança no sistema de governo sem necessidade de plebiscito. A conjura foi abortada assim que ganhou espaço na imprensa.
Também foi sepultado pela mesma época o último ensaio da reforma da Previdência. Convenientemente, a reforma saiu de cena diante de uma situação de fato, a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro. Em fevereiro deste ano não havia propriamente uma sequência de calamidades na área que justificava a medida extrema, ou pelo menos nada que fosse mais sério do que o que se passava no Estado em novembro e muito menos de o que aconteceria em março, com o assassinato da vereadora Marielle Franco.
Há os que acreditam que a reforma poderia ter sido aprovada se Temer não tivesse que desviar seu foco em função do áudio de Joesley. É uma crença que o próprio presidente ajudou a propagar, mas a história contrafactual é complicada. A negociação com o Congresso só teve início no segundo trimestre de 2017. O texto base passou na Comissão Especial no dia 3 de maio, duas semanas antes de Joesley. Em momento algum a contabilidade de votos que o governo fazia indicou atingir os 308 votos necessários para a aprovação na Câmara. É uma incógnita o que aconteceria se o rumo fosse outro. O fato é que Temer desistiu da votação. Como ele consignou a Dilma, as palavras voam e vale o escrito.
‘Avanço da extrema-direita torna obrigatório reexame político do AI-5”, diz José Antônio Segatto
Professor da Unesp avalia a relação do ato da ditadura militar com o cenário atual da política brasileira
Por Cleomar Almeida
O professor titular de sociologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) José Antônio Segatto afirmou que o avanço da extrema-direita no país torna obrigatório o reexame do significado histórico e político do AI-5. Em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro, ele ressalta que o AI-5 foi o quinto de dezessete decretos emitidos pela ditadura militar que sustaram a democracia e direitos de cidadania e desencadearam perseguições, prisões, inquéritos policiais-militares, invasão e depredação de sindicatos, bem como a suspensão de direitos e garantias civis e políticas e cassação de mandatos.
» Acesse aqui a revista Política Democrática online de dezembro
Segatto observa que, em 1965, em represália à derrota eleitoral do regime em alguns estados (Minas Gerais e Guanabara), decretou-se o Ato Institucional número 2, extinguindo os partidos políticos e estabelecendo eleições indiretas para a Presidência da República e para os governos dos Esta- dos. “Além disso, renovou o poder do chefe do governo de cassar mandatos, suspender direitos políticos por 10 anos e aumentou de 11 para 16 o número de ministros do Supremo Tribunal Federal”, escreveu ele.
Mais adiante, o professor destacou que o AI-2 seria complementado logo a seguir, em fevereiro de 1966, pelo AI-3 que determinou a suspensão das eleições para prefeitos das capitais, de cidades em áreas de segurança nacional e estâncias hidro-minerais, e que esses seriam indicados pelos governadores. “Em dezembro, o AI-4 revogou a Carta de 1946 e apresentou outra que sintetizava os três atos anteriores, aprovada por um Congresso manietado em janeiro de 1967.
A culminância desse processo foi o AI-5 em 1968 que, nas suas justificativas, anunciava claramente seus objetivos”, asseverou.
Pelo AI-5, como lembrou Segatto, o general-presidente passou a ter poderes ilimitados de intervir no Congresso, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos por dez anos de qualquer cidadão, confiscar bens, decretar estado de sítio, demitir ou aposentar servidores públicos, entre outros. “Junto aboliu o direito de habeas corpus e instituiu a censura”.
De acordo com o professor, o AI-5 vigorou por dez anos e só foi revogado em 1978, no governo Geisel. “Nesses anos, inspirado na doutrina de segurança nacional, o regime erigiu um verdadeiro estado de exceção. Estatuiu amplíssima legislação arbitrária: Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa, Lei de Greve, leis cerceando atividades estudantis”.
O autor lembra, também, no artigo, que inúmeros mandatos eletivos foram cassados, centenas de oposicionistas foram mortos, grande quantidade de servidores públicos (professores, militares e outros) foi destituída de seus cargos, intelectuais e artistas, jornais e revistas tiveram obras e matérias censuradas, as prisões por motivos políticos, a tortura e o desa- parecimento de militantes tornaram-se comuns. “Militarizou-se o Estado e criminalizou-se a sociedade civil. O terrorismo de Estado implantou a lógica da força e o domínio do medo”.
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Míriam Leitão: Realismo chegará no primeiro corte
Em fevereiro o próximo governo já será obrigado a bloquear R$ 12 bilhões esperados da privatização da Eletrobras, operação hoje paralisada
Ao fim de fevereiro, quando fizer o primeiro relatório de avaliação bimestral do cumprimento de metas fiscais, o governo terá que bloquear R$ 12 bilhões de receita e despesa. É o dinheiro previsto no Orçamento que viria da privatização da Eletrobras. A venda está paralisada, e sobre ela não há consenso dentro da administração Bolsonaro. O presidente eleito já se manifestou contra, certa vez, mas integrantes da equipe econômica se comportam como se a venda das ações da holding elétrica fosse favas contadas.
Este é apenas um dos vários momentos em que a realidade vai mostrar sua face para os que estão chegando ao poder. Depois dessa transição cheia de ruídos e com uma comunicação confusa, para dizer o mínimo, espera-se que os integrantes do governo Bolsonaro consigam aterrissar. Há alguns que permanecem em órbita, ou vociferando contra problemas inexistentes ou achando que tudo vai acontecer num passe de mágica após a posse.
O governo Bolsonaro poderá contar com várias boas heranças. O realismo orçamentário é uma delas. Esse é o primeiro Orçamento aprovado quase integralmente igual à proposta enviada pelo Executivo. Os congressistas costumavam puxar o crescimento do PIB para inflar a receita e assim abrir espaço para criar novas despesas. Isso obrigava o governo a contingenciar os gastos, logo no início de cada ano. A receita líquida do Orçamento é de R$ 1.299,7 bilhões e a despesa primária é de R$ 1.438,7 bilhões, os mesmos valores da proposta inicial.
Desta vez terá que bloquear o valor referente à venda da Eletrobras que estava prevista desde o projeto da LDO. Houve atrasos no processo de venda pelos mais variados motivos, mas também há visões antagônicas sobre os limites da privatização dentro da nova administração. O próprio presidente eleito disse que não a privatizaria e argumentou que quem vende a galinha do fundo do quintal fica sem os ovos quando precisa. Na equipe econômica prepara-se um plano de privatização, sem qualquer garantia de que isso terá a aprovação do presidente.
Ainda que todos se ponham de acordo sobre o caso da Eletrobras, e mesmo se forem ultrapassados todos os obstáculos judiciais, nada vai avançar muito até o fim de fevereiro. Portanto, o governo não poderá contar com essa receita e os técnicos aconselharão à nova equipe econômica a bloquear R$ 12 bilhões do Orçamento, o que vai apertar diversas áreas. Há também o custo da decisão do ministro Ricardo Lewandowski que impõe o aumento dos salários dos servidores federais.
Na economia, é preciso que o futuro governo encontre a realidade rapidamente, deixando o discurso de palanque e o voluntarismo da transição para trás. O tempo internacional está virando. Nos últimos dias houve quedas fortes das bolsas internacionais pelas muitas dúvidas em relação aos Estados Unidos.
As bolsas tiveram um pregão mais calmo, ontem, após o susto do dia 25. Tóquio abriu no Natal e seu principal índice afundou 5,01%. Na quarta-feira, subiu apenas 0,89%. Outras bolsas corrigiram seus preços no dia 26. China e Coreia do Sul tiveram quedas. Os índices americanos Nasdaq e o Dow Jones, por sua vez, subiam no fim do dia. O petróleo, após despencar nas últimas semanas, avançou e puxou as empresas do setor. O Ibovespa reduziu as perdas com a alta da Petrobras no final do pregão.
Esses ativos escaparam da queda do dia 25, mas o prognóstico é preocupante. O presidente americano continua sendo fonte de muitas incertezas na economia mundial. O ato mais recente foi dizer que o “único problema” da economia dos EUA é o banco central de lá, que indicou duas altas nos juros para 2019. O presidente ensaia uma impensável guerra aberta contra o Fed, uma instituição ícone de bancos centrais independentes. O diagnóstico de Trump, mais uma vez, está errado. As crises comerciais que ele alimenta e o aumento de gastos promovido pela sua gestão estão cobrando a conta. O importante para nós é que os efeitos disso atingirão os países emergentes.
Todo governo que começa recebe um voto de confiança, mas ele não dura para sempre. É preciso que esse capital político seja bem usado nos projetos mais importantes. Se a conjuntura internacional ficar mais volátil, esse tempo será encurtado.
Zeina Latif: As curvas da estrada
Tivemos uma campanha eleitoral que pouco discutiu os graves problemas do Brasil
O ano de 2018 foi decepcionante, e a culpa não foi só do governo. O ano começou enterrando de vez as chances de aprovação da reforma da Previdência, que já era pouco provável. A verdadeira razão não foi a intervenção no Rio de Janeiro, que impede aprovação de matérias constitucionais, mas sim a forte oposição de corporações do setor público e sua imensa capacidade de pressão.
A segunda decepção foi a modesta recuperação da produção e do emprego. O primeiro trimestre frustrou as expectativas, mas não a ponto de sepultar as chances de um bom desempenho da economia ao longo do ano, principalmente considerando a taxa de juros do Banco Central em patamar inédito e a melhora da situação financeira de empresas e consumidores. No entanto, alguns choques afetaram a economia. A greve dos caminhoneiros e a reação equivocada do governo implicaram perdas e custos ao setor produtivo. O difícil quadro internacional também cobrou seu preço. De quebra, ainda que menos importante, o BC interrompeu precocemente o corte da taxa Selic.
A terceira decepção foi a suscetibilidade da sociedade a discursos populistas, algo que parecia estar atenuado. Uma importante evidência foi o apoio à greve dos caminhoneiros, que acabou fortalecendo o movimento. Talvez esse tenha sido o primeiro sinal de possíveis surpresas na eleição.
Finalmente, tivemos uma campanha eleitoral que pouco discutiu os graves problemas do Brasil, principalmente a dos finalistas do primeiro turno; justamente aqueles que deveriam ter maior compromisso em deixar claro os desafios do País. De um lado, a negação dos problemas e dos erros de governos anteriores. De outro, a mensagem equivocada de que com combate à corrupção e vontade política se resolveriam os problemas econômicos. O discurso superficial da campanha aumentou o desafio do próximo presidente.
Coroando o ano difícil e com poucos avanços na pauta legislativa, assistimos a retrocessos neste final de ano, com a aprovação no Congresso de várias pautas-bomba com impacto fiscal relevante, sem que os futuros times econômico e político se organizassem para evitá-las.
Houve algumas boas notícias em 2018 que merecem registro. A inflação manteve-se contida e o BC conservou sua serenidade, não seguindo a recomendação de muitos analistas para elevar a taxa de juros nos momentos de estresse nos mercados. Rapidamente ficou claro que teria sido um equívoco, sendo que o ano fechará com a inflação sensivelmente abaixo da meta.
A julgar pelos elementos acima, poderia ter sido um ano ainda mais difícil. Ocorre que o mercado financeiro deu o benefício da dúvida à política, nutrindo a esperança de que o próximo presidente entregará uma boa reforma da Previdência. Basta observar a performance da Bolsa, que fechará o ano no campo positivo, distanciando-se das dos demais emergentes. Pelos nossos modelos, a correção do dólar foi muito mais causada por fatores externos do que domésticos.
Depois da espera, a expectativa é que o governo consiga entregar em 2019 as reformas essenciais para que o País volte a crescer.
A sociedade não aceita retrocessos, como a volta da inflação e uma desaceleração da economia. Mais ainda, aguarda uma melhora das condições econômicas e dos serviços públicos. O que a sociedade não sabe é que sacrifícios serão necessários, como na mudança das regras de aposentadoria. Pelo menos espera que o sacrifício seja maior para quem tem mais privilégios e pode mais.
As curvas que dificultaram o ano de 2018 estarão presentes em 2019, pela oposição de grupos organizados e a resistência da sociedade a reformas estruturais, o que torna a articulação política desafiadora.
Não sabemos ainda o plano de rota do próximo governo, mas a direção parece correta. O diabo, porém, mora nos detalhes. É crucial o cuidado no desenho das políticas públicas e o diálogo com as partes envolvidas, evitando o tom inquisidor presente em alguns discursos. Que o motorista seja habilidoso e dirija com cuidado.
José Serra: Terra à vista
Um quadro ainda distante do desejado, mas há uma melhora gradual em curso
A conjuntura econômica brasileira será um fator positivo para o governo federal em 2019. Dois fatores que tradicionalmente criam obstáculos para um bom desempenho nessa área estarão ausentes. Primeiro, não há preços reprimidos – por exemplo, em tarifas – que produziriam pressões inflacionárias. Segundo, o cenário cambial é favorável, com reservas abundantes e déficits pequenos na conta corrente do balanço de pagamentos. Terceiro, a taxa de juros é a mais baixa dos últimos anos e não há pressões para reajustá-la. Os riscos concentram-se na política monetária dos Estados Unidos e, internamente, no desequilíbrio das contas públicas.
A queda do produto interno bruto (PIB) entre 2015 e 2016 foi impressionante: 6,7% no acumulado entre 2015 e 2016 – o pior biênio dos últimos 120 anos! Em 2017 avançamos 1,1% e em 2018, projeta-se alta ao redor de 1,5%, ainda distante do nível pré-crise, mas a trajetória é claramente de recuperação. O desemprego está diminuindo, em setembro ficou na casa dos 12%, embora acima da média dos últimos 20 anos (9,5%).
Note-se que a criação de vagas se concentra no mercado informal e na área do “trabalho por conta própria”. É a realidade do pai de família que perde o emprego formal e entra no comércio de rua ou vai ser motorista de aplicativo. Um quadro ainda distante do desejado e que demandará políticas públicas e decisões de política econômica adequadas. Mesmo assim, é preciso olhar a metade cheia do copo: há uma melhora gradual em curso.
A ociosidade na economia – representada por máquinas e equipamentos parados, plantas industriais com baixa utilização e pessoas desempregadas – é bastante elevada. O nível de utilização da capacidade instalada está em 75,7%, bem abaixo da média dos últimos 20 anos (superior a 80%), o que contribuiu para uma inflação persistentemente baixa e juros menores, e poderá permitir pelo menos 2,5% de crescimento do PIB no ano que vem sem necessidade de investimentos. Numa primeira fase, basta reativar os fatores que estão parados.
A inflação acumulada em 12 meses ficou, em novembro, pelo IPCA, em 4,6%. Nela, a parte relativa a serviços, normalmente mais resistente a diminuir, está em 3%, nível historicamente baixo. A inflação de preços livres está em apenas 2,8%! Não fosse o impacto de quase 10% dos reajustes de preços administrados – afetados pelas altas de combustíveis e do dólar –, o impulso da inflação seria ainda menor. Tanto é assim que para o ano que vem o próprio mercado prevê uma inflação ao redor de 4%.
Isso é sinal de que o Banco Central (BC) acertou ao reduzir os juros, desde outubro de 2016, de 14,25% para 6,5% ao ano. Em termos reais, subtraindo a inflação esperada dos juros de 12 meses à frente, a taxa de juros é hoje de cerca de 3%. Nunca foram tão baixas. Esse será um fator muito relevante para a retomada do crescimento em médio prazo.
Isso tudo quer dizer que a economia poderá crescer sem pressionar a inflação e, mais ainda, sem precisar de muitos recursos para grandes empreendimentos públicos e privados no momento inicial. O hiato do produto, que é o termômetro dos economistas para medir a temperatura da economia, está hoje abaixo de zero, na casa de menos 6,5%!
Nas contas externas, a perspectiva é também “estimulante”. O déficit em transações correntes – balanço das transações feitas por residentes no País com o resto do mundo, incluindo a balança comercial – está em US$ 11,3 bilhão no acumulado de janeiro a outubro de 2018. Por outro lado, os investimentos diretos no País totalizaram US$ 67,5 bilhões no mesmo período (seis vezes mais). Além disso, nossas reservas internacionais seguem em US$ 380 bilhões, nível bastante confortável.
O componente externo, que já foi o ponto crítico das crises econômicas nacionais em outras épocas, hoje colabora para amenizar as debilidades internas. Mais recentemente, em 2014, o déficit em transações correntes havia superado US$ 100 bilhões, com investimentos externos entrando no País em montante insuficiente para cobrir o buraco. Hoje o quadro é bem outro.
Há, sem dúvida, riscos à retomada do crescimento no ano que vem. Primeiro, a política de juros dos EUA. Se pesarem a mão por lá, isso produzirá reflexos sobre nosso balanço externo e poderá exigir respostas do BC via juros internos para evitar uma desvalorização repentina do real em relação ao dólar ocasionada por saídas de dólares do Brasil, o que geraria inflação por aqui. Isso poderia turvar um pouco o cenário de curto prazo, impondo restrições à retomada de cerca de 2,5% prevista para a economia brasileira em 2019.
Segundo risco está na relativa desordem na agenda das contas públicas. Ainda não está claro qual será o plano do novo governo nesse aspecto, que é essencial para a recuperação da credibilidade e a confiança dos agentes econômicos. A dívida pública está em 77% do PIB e seguirá aumentando até 2023, ao menos segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente. O teto de gastos, isoladamente, não é suficiente para dar conta do recado. As receitas públicas ainda não se recuperaram do baque sofrido pela crise econômica e a contenção de despesas até agora se concentrou nos investimentos e nos subsídios. Os gastos com pessoal e Previdência continuam aumentando a pleno vapor. Diante disso, a nova equipe econômica dá apenas sinalizações genéricas ou cogita de ideias impraticáveis – ainda que teoricamente válidas –, como a do chamado orçamento “base zero”.
A combinação de inflação e juros baixos, contas externas controladas e ociosidade elevada, causada pela lentidão da economia doméstica, dará fôlego ao novo governo para garantir crescimento relevante no ano que vem. É possível aproveitar esse período para acelerar a agenda de reformas estruturais e pôr mais ordem nas finanças do Estado, garantindo as bases para uma recuperação sustentada da renda e do emprego.
*José Serra é senador (PSDB-SP)
Política Democrática: Governo Bolsonaro pode enfrentar dificuldades entre aliados, afirma Elena Landau
Em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro, especialista ressalta que país passa por crise
Por Cleomar Almeida
O novo governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) pode enfrentar dificuldades entre aliados para o avanço de políticas estruturais que dependem de aprovação do Congresso. A avaliação é da sócia do Escritório Sergio Bermudes e presidente do Conselho Acadêmico do Livres, Elena Landau, em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro.
» Acesse aqui a revista Política Democrática online de dezembro
Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), a revista mostra, no artigo de Elena, que o país passa por uma crise sem precedentes. “Estamos vivendo a maior de todas as crises brasi- leiras dos últimos 100 anos. Do segundo trimestre de 2014 ao fim de 2018, tivemos a mais acentuada e longa perda do PIB desde 1900 no Brasil – Samuel Pessoa fez esse alerta em sua coluna na Folha”, escreveu.
De acordo com a autoria, trata-se de um ciclo eleitoral inteiro de perdas. “Um saldo final dos desastrosos governos do PT. Efeitos de um furacão chamado Dilma Rousseff. Que esses ventos do intervencionismo se dissipem”, acentuou ela no artigo, que tem o título “Ventania liberal”.
Segundo Elena, além da incompetência que já estava plantada na intervenção do setor elétrico, nos campeões nacionais e no descontrole fiscal, a crise foi agravada pela instabilidade das turbulências políticas. “Mesmo depois do impeachment, a excelente equipe econômica montada por Henrique Meirelles viu naufragar a tão necessária reforma da previdência, graças ao esfacelamento ético do governo Temer que inviabilizou qualquer avanço no Congresso”, ponderou.
Havia expectativa, conforme lembra a autora no artigo, de que o processo eleitoral pudesse pacificar o componente
político do cenário de crise com a escolha de um rumo que viesse atrelado ao bônus da legitimidade popular. “Talvez ainda possamos vir a contar com esse efeito, mas o fato é que não houve debate claro com a sociedade sobre os planos econômicos do presidente eleito Jair Bolsonaro”, asseverou ela.
Com a composição dos ministérios, na avaliação de Elena, há risco de que grupos antagônicos dentro do próprio governo dificultem o avanço de políticas estruturais, especialmente aquelas que dependem de aprovação do Congresso. “Nesse sentido, pelo menos quatro grupos diferentes têm ganhado contornos: os economistas liberais, os conservadores de base bolsonarista, os militares e os políticos tradicionais. Esses grupos têm algumas diferenças difíceis de conciliar, e Bolsonaro terá que desempenhar um papel mediador”, escreveu.
De acordo com a especialista, a constatação não é muito animadora. “Mesmo dentro de seu grupo mais próximo, há divergências, como em relação à amplitude do programa de privatização que pode não ser tão grandioso quanto o desejado pela equipe econômica”, ressaltou.
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Elio Gaspari: O ‘Posto Ipiranga’ de Bolsonaro piscou
Faltando menos de um mês para a abertura da quitanda de Jair Bolsonaro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não equilibrou o estoque de berinjelas e a caixa para o troco. No dia 2 de janeiro terminará o mundo das promessas eleitorais e dos sonhos da formação da equipe. Quem lembra, sabe que Bolsonaro prometeu enxugar o número de ministérios, e Guedes falava em “dez ou doze”. Foram 34, são 29 e serão 22.
Na segunda-feira o doutor disse que “o Brasil virou o paraíso dos burocratas”. Àquela altura ele pretendia indicar Marcelo de Siqueira, diretor do BNDES, para o comando da Procuradoria da Fazenda. Funcionários da repartição ameaçaram deixar centenas de cargos em comissão caso não fosse escolhido um servidor da carreira.
Na quarta, Guedes mudou de ideia e indicou um procurador com 18 anos na carreira e currículo robusto na administração federal. Noutro lance, o doutor informou que criará um conselho para discutir o projeto de reforma da Previdência. Entre os futuros conselheiros estariam os economistas Paulo Tafner e Armínio Fraga. Mesmo assim, ganha um fim de semana em Caracas quem souber qualquer coisa que foi resolvida num conselho.
Quando não tinham o que fazer, Lula, Dilma e Michel Temer reuniam o Conselho de Desenvolvimento, conhecido como “Conselhão” e formado por ministros, empresários e celebridades.
Spektor procura e acha
Um dia depois da divulgação pelo Departamento de Estado do governo americano de 1.085 páginas de documentos diplomáticos, o professor Matias Spektor já estava debruçado sobre o volume. Nele estão centenas de papéis relacionados com a América do Sul entre 1977 e 1980. Mostram as pressões americanas em defesa dos direitos humanos na Argentina, Chile, Uruguai, Brasil e Paraguai. Alguns documentos expõem parte do que os Estados Unidos sabiam sobre a Operação Condor. Os textos relacionados com o Brasil são 28. Entre eles estão as notas das conversas dos Geisel e Jimmy Carter com sua mulher, Rosalynn.
Um memorando de março de 1979 mostra que no coração da Casa Branca havia um combativo defensor das liberdades públicas. Era o jovem professor Robert Pastor, amigo de Carter, instalado na assessoria de segurança nacional. Em 1979, quando estourou uma das grandes greves do ABC paulista e o governo interveio no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, presidido por Lula, o embaixador americano Robert Sayre justificou publicamente a ação e Pastor foi-lhe na jugular:
“Relatos da imprensa sugerem que o senhor conversou com o presidente Figueiredo sobre essa greve, apoiando a decisão. Se a embaixada for perguntada, deve deixar publicamente claro que o assunto não foi discutido com o senhor e que nós não apoiamos tais ações.
Nosso cônsul-geral em São Paulo deve acompanhar esses acontecimentos, usando as oportunidades apropriadas para mostrar o apoio dos Estados Unidos aos direitos trabalhistas”. Pastor era demonizado pelos olheiros da ditadura em Washington e morreu em 2014, aos 66 anos. Não se sabe se a sugestão foi mandada a Sayre.
(O volume 24 da coleção “Foreign Relations of the United States —1977-1980” está na rede.)
CARNAVAL
Um sueco veio ao Brasil para as festas de fim de ano e leu as notícias do dia:
1) Num início da tarde o ministro Marco Aurélio de Mello mandou soltar os presos condenados na segunda instância. No início da noite o presidente do Supremo mandou que eles continuassem presos.
2) O deputado Rodrigo Maia, no exercício da Presidência da República, autorizou o esburacamento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
3) O ministro Ricardo Lewandowski determinou que a União pague o aumento dos servidores já em 2019.
O sueco telefonou para seu agente de viagens reclamando porque ele o trouxe ao Brasil no Carnaval.
LULA PRESO
Quando o ministro Dias Toffoli marcou para 10 de abril a discussão do encarceramento dos réus condenados na segunda instância, sinalizou uma má notícia para Lula. Antes de 10 de abril Lula poderá ter sua condenação confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça . Neste caso, mesmo que a segunda instância caia, ele continuará em Curitiba. A menos que peça para cumprir a pena em regime domiciliar.
FALTA A SAFRA
Com algum barulho, Gilberto Kassab, futuro chefe da Casa Civil do governador paulista João Doria, viu-se acusado de ter embolsado R$ 30 milhões de propinas da JBS. No mesmo lance, o grão tucano Aécio Neves foi acusado de ter recebido quatro capilés da mesma fonte, um deles em caixas de sabão em pó.
Tudo bem. Essas acusações estão desde 2017 nos 118 anexos da colaboração da JBS. Deles, só 46 tiveram desdobramentos. A turma das investigações deveria seguir o padrão dos fabricantes de vinho, rotulando cada denúncia com o ano da safra. Assim, o público saberia a idade da acusação.
BANCOS E MAGANOS
Primeiro alguns bancos estrangeiros pediram a clientes do andar de cima brasileiro que fechassem suas contas. Depois, pediram a empresas que suspendessem suas operações com a Venezuela. Agora, quando um cliente tem notável militância na política e no mundo dos negócios, sugerem que fechem os escritórios eleitorais. Casas tradicionais voltam a operar com a lei segundo a qual não se deve operar com gente dos três Ps, “press, politicians e priests” (imprensa, políticos e padres).
INFRAESTRUTURA
A escolha do consultor legislativo Tarcísio Freitas para o Ministério da Infraestrutura sugere a possibilidade de fechamento da fábrica de jabutis das empreiteiras que funciona no Congresso. Freitas é o primeiro consultor legislativo a chegar a um ministério e conhece a máquina do Parlamento. Depois de Bolsonaro, ele é o segundo capitão do governo. Serviu na tropa depois de cursar o Instituto Militar de Engenharia, onde diplomou-se com inédito louvor.
Mesmo antes de assumir, Freitas desmanchou uma bombinha que estava prestes a ser aprovada.
POUPATEMPO
Um curioso tem uma sugestão para os sábios da equipe de Jair Bolsonaro. Ele deveria mandar uma força-tarefa de Brasília ao serviço de Poupatempo do governo de São Paulo. Trata-se de uma repartição pública onde conseguem-se, entre outros documentos, carteiras de motorista, identidade e trabalho. O posto mais movimentado fica no coração da cidade. Dezenas de funcionários atendem os contribuintes com solicitude e resolvem qualquer problema. É um serviço público que funciona. A força-tarefa não precisa falar com os chefes. Basta entrevistar o pessoal da infantaria, que fica nos balcões. Se for o caso, poderiam levar equipes do Poupatempo a Brasília, para ensinar como se pode trabalhar.