Economia

Luiz Carlos Azedo: A volta do otimismo

“A única coisa que parece importar para o mercado é a reforma da Previdência. Aparentemente, a resistência dos militares já foi precificada”

Nada parece abalar as expectativas em relação a uma virada na economia a partir deste ano. O mercado financeiro tem dado sinais de alívio com as medidas anunciadas pelo novo governo. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o real é a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar e a Bovespa tem o segundo melhor desempenho mundial. Não é um fenômeno isolado, tem a ver com os desgastes do presidente norte-americano Donald Trump, por causa da guerra comercial com a China e da crise com o Congresso, provocada pela proposta de construção do muro com a fronteira do México. O rublo, da Rússia (3,9%), e o rand, da África do Sul (3,6%), também se fortaleceram, porém, menos do que o real, que acumula valorização de 4,3% frente ao dólar, negociado a R$ 3,71.

Um sinal de que os agentes econômicos apostam no êxito da política econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, é o desempenho da Bovespa, que fechou a semana em 6,57%, abaixo apenas do índice Merval, da Argentina (11,95%). No ano passado, a alta do dólar era uma preocupação recorrente dos economistas, mas houve uma inflexão depois que Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, decidiu abrandar a política de juros norte-americana. A economia dos EUA sinaliza desaceleração, o que melhora a posição relativa do nosso mercado de ações. Entretanto, iniciativas do novo governo também pesam na avaliação de investidores, como as mudanças no Conselho de Administração da Petrobras, cuja composição está sendo alterada para se ajustar à orientação da nova equipe econômica e acelerar a venda de subsidiárias e outros ativos, e a anunciada venda de estatais, entre as quais, a Eletrobras.

O que teve mais impacto na bolsa, porém, foi a mudança de posição do presidente Bolsonaro em relação à venda da Embraer para a Boeing, à qual havia feito restrições. Na sexta-feira, os termos do acordo foram ratificados e, segundo a Embraer, as negociações devem ser concluídas até o fim deste ano, um negócio de US$ 5,26 bilhões. Como a Embraer é a mais importante empresa de tecnologia do país, a venda da empresa consolidou no mercado a ideia de que os militares não se oporão à política ultraliberal de Paulo Guedes, muito pelo contrário. Foram os comandantes militares que convenceram o presidente da República de que a venda era a melhor alternativa para manter a capacidade de produção e desenvolvimento tecnológico da aviação no país, sobretudo porque foi criada uma empresa em parceria com a Boeing para fabricar os aviões militares, principalmente o cargueiro KC-390, de fabricação nacional, mas com controle acionário da Embraer.

Nem mesmo a crise de segurança pública no Ceará, que permanece fora do controle, ameaça o otimismo do mercado. Já era para ter ocorrido uma intervenção militar no estado, mas uma queda de braços entre o governador Camilo Santana (PT) e Bolsonaro, que perdeu a eleição presidencial no estado, complica o enfrentamento da crise. O petista pediu ajuda ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, mas não solicitou ao presidente da República uma operação de “garantia da lei e da ordem”, que permitiria o emprego das forças armadas. A onda de violência no estado chegou ao 11º dia seguido, com 194 ataques em 43 municípios, mesmo com a transferência de 35 líderes das facções criminosas para presídios federais e a detenção de mais de 330 suspeitos. Na madrugada de ontem, os bandidos destruíram uma torre de transmissão de energia elétrica em Maracanaú (CE).

Previdência
A única coisa que parece importar para o mercado é a reforma da Previdência. Aparentemente, a resistência dos militares à reforma já foi precificada. O ministro Paulo Guedes anunciou uma reforma profunda, com objetivo de “democratizar” o sistema previdenciário, equiparando as aposentadorias dos funcionários públicos às do setor privado, com a criação também de um sistema de capitalização. Essa é a aposta para acelerar o crescimento e aumentar a produtividade da economia brasileira. Para Guedes, a Previdência está em colapso, com um saldo negativo superior a R$ 300 bilhões neste ano. No regime atual, de repartição, o trabalhador ativo paga os benefícios de quem está aposentado; no sistema de capitalização, a poupança de cada um é que garantirá o complemento da aposentadoria.

Falta combinar com os beques, como diria o Mané Garrincha. O ministro reconhece as dificuldades: “Um sistema de capitalização como estamos desenhando é algo bastante mais robusto, é mais difícil, o custo de transição é alto. Mas estamos trabalhando para as futuras gerações”, justifica. A nova Previdência e as mudanças no sistema atual serão encaminhadas para o Congresso num pacote único, que precisa de aprovação da Câmara e do Senado, com duas votações, cada, no caso de emendas constitucionais. A exclusão dos militares da reforma da Previdência é um precedente para outras carreiras de Estado — policiais militares e policiais civis, auditores-fiscais, diplomatas, procuradores e magistrados, principalmente — se mobilizarem contra a reforma. Como se sabe, o lobby em defesa de interesses corporativos é muito mais concentrado e poderoso do que a defesa de direitos difusos, como os dos trabalhadores do setor privado.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-volta-do-otimismo/


Míriam Leitão: A emocionante história do BC

Registro dos primeiros 50 anos do Banco Central mostra períodos de crises da dívida, quebra de bancos, hiperinflação e reformas monetárias

Sentado na primeira fileira do auditório do Banco Central no Rio, Roberto Campos Neto viu passar pela sua frente flashs da história da instituição que deve presidir. Ex-presidentes contaram momentos dramáticos e decisões difíceis, crises da dívida, quebras de bancos, hiperinflação, reformas monetárias. Ao longo das falas no seminário ontem sobre a História Contada do Banco Central, ficou clara a dimensão da instituição.

Ilan Goldfajn, o atual presidente, resumiu ao fim da tarde e de três painéis mediados pela jornalista Claudia Safatle, do “Valor”, a evolução que houve:

— Não se fala mais de negociação da dívida externa, que foi o assunto dos primeiros depoimentos, porque ficou para trás. Espero que a inflação também tenha ficado para trás. Temos independência de fato, mas não temos ainda de direito. O assunto fiscal permanece conosco.

O BC foi criado por lei em 31 de dezembro de 1964, mas começou oficialmente em 1965. Completa 54 anos em 2019, mas o evento era para lembrar o registro histórico dos primeiros 50, que começou a ser feito com o CPDOC, em 1989, e foi retomado no período de Alexandre Tombini e completado agora com Ilan.

Ernane Galvêas, aos 96 anos e lúcido, contou que o BC foi filho da conferência que organizou o mundo monetário após a 2ª Guerra Mundial:

— Bulhões voltou de Bretton Woods com essa ideia de que o Banco do Brasil não podia ser a autoridade monetária.

Carlos Langoni foi presidente no começo dos anos 1980, quando estourou a crise da dívida externa que arruinaria a década. O Brasil não tinha dólares, créditos, nem petróleo:

— O presidente Figueiredo me chamou e disse: ‘pode negociar com os bancos, mas não deixa haver racionamento de combustível’.

Ele voou para Riad para negociar a liberação dos petroleiros com suprimento para o Brasil. Lá, por sorte, o presidente do BC era PhD pela Universidade de Chicago. Os colegas se entenderam.

Fernão Bracher contou como conseguiu manter o sistema financeiro em pé quando três bancos quebraram no governo Sarney: Comind, Auxiliar e Maisonnave. Fernando Milliet falou da tentativa de negociar com os bancos estrangeiros, completamente hostis, depois da moratória de 1987. Wadico Bucchi narrou as dificuldades daquele final do governo Sarney em plena hiperinflação. Ibrahim Eris não estava, mas seu período foi o do calote da dívida interna no governo Collor.

Pedro Malan foi presidente no Plano Real, que venceu a hiperinflação, e havia sido o negociador da dívida externa:

— Era uma guerra de trincheiras entre os países em desenvolvimento e os bancos.

Malan foi o responsável pelo acordo de paz nessa guerra. Persio Arida disse que olhou seu discurso de posse e sabatina e concluiu que a agenda continua a mesma: o crédito direcionado, a crise fiscal e a independência do BC.

Gustavo Loyola enfrentou a mais violenta crise bancária do país, em que quebraram Econômico, Nacional e Bamerindus, mantendo o sistema em pé, através do Proer. E saneou os bancos estaduais. Gustavo Franco manteve o câmbio no primeiro período do Plano Real, um tempo de enorme pressão.

— Cada um aqui vivenciou coisas diferentes, mas ninguém sentiu monotonia — disse.

Chico Lopes foi o responsável por uma instituição que é a semente do Banco Central independente: o Copom. Ele disse que discorda do ministro Paulo Guedes quando ele diz que a social-democracia levou 30 anos para aprender o que é preciso fazer na economia:

— Acho injustiça do meu amigo Paulo Guedes porque os social-democratas fizeram um grande trabalho. Deixaram tudo preparado para a liberal-democracia. Para não acertar o gol só se errar a bola.

Armínio introduziu as metas de inflação, política que está completando 20 anos, mas seu temor é o rombo das contas públicas:

— Não há Banco Central do mundo que resista à continuação de uma crise fiscal como a nossa. Uma reforma da Previdência mais ou menos não será suficiente.

Henrique Meirelles contou como conseguiu na prática que o Banco Central fosse independente no governo do ex-presidente Lula.

O neto de Roberto Campos, um dos criadores do BC, ouviu os recados dos que o antecederam entremeados de elogios ao seu avô. Armínio disse que chega a ser “desconcertante” ler como os alertas que ele fez nos anos 1970 sobre contas públicas permanecem atuais.


Zeina Latif: Devagar com o andor

Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia

Volto ao tema da fraqueza da indústria, pela sua importância na dinâmica da economia e pelos cuidados que inspira na condução da política econômica.

A produção industrial está estagnada. Ela pouco reagiu ao corte inédito de juros promovido pelo Banco Central. É verdade que o estímulo monetário promovido pode ser menor do que se imagina (discuti esse assunto em março de 2018). Mas isso parece muito pouco para explicar o fraco dinamismo da indústria. Não seria uma taxa Selic 1 ponto porcentual mais baixa que mudaria radicalmente a situação da indústria.

São muitas as consequências desse quadro: o empresário da indústria está inesperadamente menos confiante do que o do comércio (índice de confiança em 94,8 em dezembro de 2018, ante 105,1); investiu menos na aquisição de máquinas e equipamentos (-0,5% até novembro de 2018) e gerou poucos empregos (apenas 11 mil empregos com carteira nos últimos 12 meses, e perdendo fôlego).

O mercado de trabalho sofre impacto em função da importância da indústria na geração de emprego formal. Apesar de o número de ocupados total já ter recuperado o patamar pré-crise, o mesmo não ocorre com o emprego com carteira (10% abaixo do patamar pré-crise). Isso acaba limitando o aumento do consumo, um ponto já analisado por Affonso Celso Pastore e Marcelo Gazzano. Com renda mais incerta por conta da informalidade, o consumidor tende a ser mais conservador.

Ainda que choques temporários tenham prejudicado a indústria em 2018, como a greve dos caminhoneiros, parece haver algo mais grave acontecendo. Fatores estruturais podem estar pesando mais na performance no setor.

A indústria está tecnologicamente muito defasada. Desde 2010 não aumenta seu investimento em bens de capital. Com o avanço da fronteira tecnológica no mundo, a indústria brasileira tornou-se obsoleta rapidamente. Provavelmente, nem sequer consegue compensar a depreciação das máquinas em um parque industrial que envelhece.

Vale lembrar que a indústria é particularmente afetada pelo custo Brasil. Além de ter carga tributária mais elevada do que os demais setores, sofre mais com a reduzida e cara infraestrutura, o elevado custo da energia, a baixa qualidade da mão de obra e a complexidade regulatória. O resultado é sua baixa produtividade.

Assim, mesmo com a queda dos salários em dólar em 2018, por conta da pressão cambial, o que implicaria maior competitividade externa do setor, tem havido um aumento da participação de bens industriais importados no consumo interno. A correlação histórica entre essas variáveis inverteu-se em 2018. As importações em alta não são a causa da fraqueza da indústria, mas sim a consequência.

O fraco desempenho da indústria, mesmo com expressivo corte da taxa Selic e sensível pressão na taxa de câmbio, reforça a visão de que o problema de baixa produtividade do setor não será resolvido pela política macroeconômica do BC. O que o setor precisa é de um ambiente de negócios mais saudável. Para problemas estruturais, reformas estruturais.

A entrega de reformas não é caminho fácil e tampouco gera frutos imediatos. Assim, vale um alerta para este ano: mesmo com o avanço nas reformas, a fraqueza estrutural da indústria poderá atrapalhar a aceleração do crescimento do PIB em 2019.

Os frutos virão ao longo do tempo. Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia. Mas será necessário compensá-las com medidas para a redução do custo Brasil, de forma a não fragilizar ainda mais a saúde do setor. Combater a complexidade e cumulatividade de impostos que tanto penalizam a indústria merece especial atenção.

A agenda de Paulo Guedes promete ser ambiciosa. No entanto, na economia, o presidente não parece tão reformista assim. Os sinais recentes não foram bons, com o apoio à manutenção do tabelamento do frete e autorização dos incentivos tributários regionais, sem contar as falas que foram corrigidas por assessores. Precisamos aguardar os próximos passos do presidente.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Monica De Bolle: O que pode avançar?

A reforma do sistema financeiro pode ajudar a destravar o financiamento de médio e longo prazo

Na última semana, dúvidas que já haviam surgido durante a campanha presidencial voltaram à tona. Qual a reforma de Previdência apoiará Bolsonaro? A defendida por Paulo Guedes, que almejaria – corretamente – restaurar a sustentabilidade e combater as desigualdades e privilégios do sistema atual? Ou a reforma fatiada, começando pela idade mínima da aposentadoria, alinhada com o que Bolsonaro defendera durante a campanha? Quem fala pela área econômica do governo: o ministro da Economia, o presidente, membros de seu círculo íntimo? É natural que no início de um novo governo haja alguns problemas de coordenação. No entanto, dada a ausência de uma discussão mais aprofundada sobre a agenda econômica durante toda a campanha presidencial, é importante que o governo supere rapidamente problemas de coordenação e a sempre inevitável disputa por holofotes.

Confesso que tenho dúvidas quanto à capacidade imediata de dar a clareza necessária aos temas relativos ao ajuste fiscal de médio e curto prazo, incluindo os enormes desafios das contas públicas estaduais, até aqui ignoradas – inclusive no bom pronunciamento de Paulo Guedes na ocasião de sua posse. Dito isso, parece-me que uma área em que pode haver avanços imediatos é na necessária reforma do sistema financeiro sobre a qual tenho insistido há algum tempo. Essa semana foram empossados os novos dirigentes da tríade responsável por muitas distorções microeconômicas e macroeconômicas na economia brasileira durante governos anteriores, a saber, o BNDES, a Caixa Econômica Federal, e o Banco do Brasil.

Sobre o BNDES em particular, perdi a conta do número de artigos que escrevi para esse espaço sobre o tema. Embora reconheça a importância das reformas de Temer, há muito ainda por fazer. Com a introdução da TLP, Temer eliminou um dos principais canais de subsídios do Tesouro para o BNDES. Tal canal fora responsável por considerável opacidade nas contas públicas durante o final do segundo mandato de Lula e praticamente todo o governo Dilma, abrindo flanco não apenas para o aumento das vulnerabilidades fiscais, como também para práticas nebulosas no uso do dinheiro dos contribuintes. É importante destacar que, ao contrário da demonização constante que sofre o BNDES, a culpa não foi do banco – ao menos não do corpo técnico extremamente qualificado que lá está. A culpa foi dos governos que o utilizaram para atingir objetivos que nem sempre atenderam aos interesses do País. A TLP de Temer foi um bom começo para evitar recorrências dessas práticas, mas foi apenas um começo.

Em seu discurso de posse, Joaquim Levy destacou a necessidade de continuar ajustando o balanço do banco, mas, mais relevante foi a ênfase em repensar sua forma de atuação. Como tenho dito e escrito ao longo dos últimos anos, o BNDES precisa de um mandato claro, delineando o papel moderno de uma instituição de fomento que não apenas ocupe indevidamente o espaço das instituições privadas, mas que saiba ajudá-las a alavancar o financiamento para objetivos intrinsicamente complicados, como o desenvolvimento de infraestrutura. Há muito capital humano no corpo técnico do BNDES para ajudar Levy nessa empreitada, incluindo muita gente que passou anos discordando das diretrizes adotadas por líderes indicados pelo PT para presidir a instituição.

Como demonstrei em pesquisa publicada em 2015 pelo Peterson Institute for International Economics, parte relevante das distorções causadas pelos bancos públicos resulta na segmentação dos mercados de crédito, na imensa discrepância dos spreads bancários, nas taxas de juros anômalas para os tomadores de crédito. Com base nessas evidências, argumentei que uma profunda reforma do sistema financeiro deveria estar entre as prioridades de qualquer governo realmente reformista. Ao que parece, essa reforma ganhou maiores chances de se concretizar se capitaneada for pelos novos dirigentes das três instituições financeiras públicas, que reúnem competência e experiência para tanto. A reforma do sistema financeiro pode ajudar a destravar o financiamento de médio e longo prazo, a produtividade, o crescimento, ainda que o bate-cabeça da reforma da Previdência persista.

Há enorme oportunidade para avançar a agenda dos bancos públicos, sobretudo sob novas lideranças e com o apoio incondicional do ministro da Economia. Que o governo Bolsonaro não a desperdice.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins Universit


Adam Tooze: “Bolsonaro é terrível, mas é a Itália que poderia quebrar a economia mundial”

Economista britânico Adam Tooze analisa os riscos da ascensão do populismo nas Américas e na Europa

Por Carmen Pérez-Lanzac, do El País

Adam Tooze, de 51 anos, é autor de um dos livros de 2018: Crashed: How a Decade of Financial Crises Changed the World (Crashed: Como uma Década de Crise Financeira Mudou o Mundo). Seu estudo de 750 páginas sobre a falência do Lehman Brothers e o colapso financeiro que desencadeou se destaca pela clareza entre os que foram publicados sobre o assunto em 2018, no décimo aniversário do desastre.

Britânico, embora criado na Alemanha, fez doutorado em História Econômica na prestigiosa London School of Economics e lecionou nas universidades de Cambridge e Yale. Agora o faz na de Columbia, em Nova York. Uma curiosidade de sua árvore genealógica: é neto do inglês Arthur Henry Ashford Wynn, comunista e recrutador de espiões para a KGB em Oxford. Tooze fica incomodado quando é solicitado a dar detalhes sobre sua relação com o “agente Scott”. Conta que pediu aos serviços secretos do Reino Unido e da Rússia que lhe enviassem seus arquivos com informações. Tanto o avô quanto a avó, que falavam várias línguas e liam diariamente a imprensa internacional, contribuíram para que Tooze se reconhecesse como cidadão europeu mais do que como britânico.

Em Crashed, primeiro mergulha nas causas da crise, demonstrando como o sistema financeiro europeu e o norte-americano estavam podres e em seguida continua detalhando as consequências do colapso. Tooze concedeu esta entrevista na sede da Fundação Rafael del Pino, em Madri. É provavelmente uma das pessoas que, quando um banco central eleva ou reduz o preço do dinheiro, melhor entenda o que se desencadeia em seguida. Ele é alto, e vestia um terno impecável, sem gravata e com o cabelo um tanto despenteado. Em suas respostas, modula o tom de voz passando do entusiasmo à monotonia. Se poderia dizer que dessa maneira dá pistas sobre quais perguntas aprecia e quais não tanto.

Pergunta. Estar ciente das consequências de cada decisão econômica que um Governo toma é um dom ou todo o contrário?
Resposta. Não tenho isso claro. Depois de estudar cuidadosamente o que aconteceu depois da Primeira Guerra Mundial, começou a ser difícil para eu pensar em política ou economia sem ver as consequências de cada coisa, com sua duração e profundidade. Mas isso implica estar disposto a ler e ler e querer ter o conhecimento suficiente para contar o que acontece. Para mim, tornou-se um modo de vida. O que eu faço basicamente é filtrar tudo o que fui lendo, temperando-o com meus conhecimentos em história econômica mundial. Minha formação em macroeconomia me permite chegar a conclusões políticas.

P. O senhor acredita que a política europeia está mais conectada do que parece?
R. Estou convencido disso. Se você observar como a crise se desenvolveu, fica claro. Talvez esteja nas mãos das elites e não afete igualmente todos os cidadãos, mas tanto os leitores do EL PAÍS quanto os do Le Monde ou do Financial Times estão observando o que acontece na Catalunha, na Itália com a Liga Norte ou na Alemanha com as eleições na Baviera... Tudo está registrado no sismógrafo do que acontece na Europa. Não devemos subestimar o impacto que a história e a globalização têm na maneira como nos relacionamos com o mundo. Talvez não tenhamos consciência disso porque é algo que não escolhemos, mas acontece.

P. Devemos ficar tranquilos com as mudanças que foram feitas para evitar outro desastre como o de 2008?
R. No nível bancário, a estrutura permanece a mesma, embora o risco de um banco quebrar agora seja muito menor e o mercado no qual essas entidades podem pedir fundos de curto prazo se restringiu. Tecnicamente, estamos mais protegidos do que há 10 anos.

P. Mas...
R. Por um lado, Trump iniciou um plano para reduzir as regulamentações bancárias que foram lançadas após a crise. Por outro, não sabemos o que pode acontecer. Falta-nos informação interna de cerca de 50 bancos norte-americanos e de cerca de 20 de fora, bem como das relações de cada um deles com os reguladores. As relações podem ser tensas, ou todo o contrário, como acontece agora nos EUA. Lá os reguladores estão com as mãos atadas e os últimos testes de resistência parecem aos bancos mais um brinde ao sol. Até a próxima crise não saberemos se estamos suficientemente protegidos.

P. Em Madri e em Barcelona, o mercado imobiliário está experimentando um aumento alarmante de preços; por outro lado, no resto da Espanha, os preços nem chegam perto.
R. A desigualdade é um assunto tanto na Europa quanto nos EUA. Algumas regiões não crescem desde 2008, mas outras sim, e muito. Um dos problemas atuais é como você se organiza com países que crescem completamente divididos. Porque a taxa de juros e a política fiscal que funcionam para uma parte não funcionam para a outra.

P. E o que faria se dependesse do senhor?
R. O que necessitamos é de uma União Europeia que funcione, com um Banco Central que funcione com uma moeda que sirva de alternativa ao dólar. No final, quem concede liquidez ao planeta é o Federal Reserve (o Banco Central) dos Estados Unidos. Eles não escolheram isso, mas o fato é que é a moeda que a maioria dos países usa. Eles sempre têm dúvidas sobre se suas decisões acabarão causando um efeito rebote em sua própria economia, por isso aumentaram tanto a torneira do crédito depois da crise.

P. A direita está ganhando espaço em todo o planeta. Para onde estamos indo?
R. Você tem que olhar o mapa-múndi. A eleição de Bolsonaro no Brasil é terrível, mas não representa um problema para a economia mundial. Em relação à Rússia já sabemos o que está acontecendo. A Itália poderia quebrar o sistema. É a quarta economia europeia, com uma enorme dívida com muitos bancos da zona do euro. Se sua a qualificação cair, os europeus perderiam o controle da situação. E nos Estados Unidos temos Trump, o maior risco para o planeta. Até agora, o setor que mais influenciou é o comércio, mas as crises mundiais não são desencadeadas por aí. O que ele fez foi dizer ao Fed para reduzir o crescimento das taxas de juros, o que ajudará o resto do planeta. Não parece que Trump, por enquanto, esteja rompendo o pacto.

P. O que o senhor buscava com este livro?
R. Que a Europa e os Estados Unidos entendessem sua inter-relação e interdependência. Há momentos em que o mundo precisa de um líder. Os Estados Unidos, financeiramente, trazem uma estabilidade incrível para a economia mundial. Nenhuma das duas partes costuma mencionar isso e têm pouco reconhecimento por isso, mas o Federal Reserve deu 2,5 trilhões de liquidez ao sistema bancário europeu e outros 2 trilhões aos bancos europeus ali estabelecidos. Mas não lhe interessa contar essa história aos norte-americanos, nem os bancos europeus querem contá-la aos seus Governos, que por sua vez tampouco querem reconhecê-la perante os cidadãos. A globalização financeira até 2008 foi um eufemismo para a integração entre os EUA e a Europa. E continua sem existir um quadro político que articule isso.


Roberto Freire: início do novo governo é lastimável e preocupante

Lastimável e preocupante. Foi assim que o presidente do PPS, Roberto Freire, resumiu os quatro dias do novo governo, em sua conta no Twitter, diante da série de declarações equivocadas do presidente Jair Bolsonaro a respeito do aumento de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e da reforma da Previdência.

“Que lastimável início de governo!”, afirmou Freire, ao considerar, no entanto, que os equívocos cometidos por Bolsarano ainda “são poucos”, mas que vão se acumulando em pouco tempo de mandato.

“Início preocupante. São poucos os equívocos, mas ocorrem em muito pouco tempo de mandato. Falta de comando no governo precisa ser resolvido para o bem do País”, escreveu o presidente do PPS na rede social.

Na quinta-feira (03), Bolsonaro deu declarações sobre a reforma da Previdência que surpreenderam sua equipe. Os técnicos estão trabalhando para fixar uma idade mínima de 65 anos, mas o presidente disse que a proposta de seu governo prevê uma idade de 62 anos para homens e de 57 anos para mulheres, sem especificar a quem se referia.

O presidente disse nesta sexta-feira (04) que havia assinado um decreto elevando o IOF para aplicações no exterior e que a alíquota máxima do IR (Imposto de Renda) das pessoas físicas seria reduzida imediatamente de 27,5% para 25%.

Coube ao secretário especial da Receita, Marcos Cintra, dizer que não haveria aumento de IOF. Ele explicou que o que o presidente assinou foi um decreto limitando a execução dos projetos da Sudam e da Sudene à disponibilidade de recursos no Orçamento. Cintra esclareceu que o decreto tornou desnecessário outro tipo de compensação, como a elevação do IOF.

Sobre a redução da alíquota do IR, Cintra admitiu que o assunto está sendo estudado, mas que não haverá mudança imediata. Segundo ele, uma eventual alteração só será discutida “posteriormente” e “no tempo correto”.

Já o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que Bolsonaro se equivocou sobre o IOF e que o governo não vai aumentar impostos.

“É um princípio deste governo não haver aumento de carga tributária”, afirmou Onyx, ao explicar a sanção do projeto de incentivos fiscais para as superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene).

Bolsonaro também provocou desconforto ao criticar o formato da fusão entre Boeing e Embraer. A negociação com a Boeing prevê criação de nova empresa na qual a fabricante americana teria 80% do capital. A declaração do presidente fez com que as ações da Embraer sofressem uma forte desvalorização na Bolsa de Valores nesta sexta-feira (04). (Com informações das agências de notícias)


Samuel Pessôa: Paulo Guedes falou

Ele deixou claro que volta para casa se o Congresso continuar a fazer greve da política

Se o presidente falou pouco no discurso de posse, menos de dez minutos, o pronunciamento do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi longo, de quase 50 minutos.

Disse muito. Fez a ligação entre as seguidas crises brasileiras e o problema fiscal. Reafirmou o diagnóstico correto de que o equilíbrio com juros elevados e câmbio valorizado resulta de o gasto público aumentar sistematicamente além do crescimento da economia.

A reforma mais importante é a da Previdência, que é o maior item do gasto público.

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O governo enviará no início de fevereiro uma proposta de reforma constitucional, uma PEC, com a reforma da Previdência.

Segundo Paulo Guedes, a aprovação da reforma da Previdência garantirá dez anos de crescimento. Entendo a ênfase do ministro no tema, mas outras reformas serão necessárias. De qualquer forma, o ministro está coberto de razão com relação à centralidade da reforma.

E se a reforma não for aprovada? Foi aí que Paulo Guedes reservou a maior surpresa. Disse que enviaria uma nova PEC, que desvincularia as receitas da União e, se entendi corretamente, desindexaria o gasto da União.

A ideia é devolver ao Congresso Nacional o poder de discutir o que fazer com o Orçamento. Com a receita e com a despesa. Devolver a política aos políticos.

Guedes explicou que o engessamento de todo o Orçamento em regras constitucionais era compreensível após um regime militar que deu pouca atenção ao gasto social. Mas já se passaram 30 anos. Já é possível os políticos chamarem para si a sua atribuição precípua de alocar os recursos públicos.

Essa ideia faz parte de um caminho que nosso presidencialismo tem tomado desde o inicio dos anos 2000. Trata-se do enfraquecimento da Presidência da República, que se nota em eventos como a aprovação do Orçamento impositivo, que retirou do Poder Executivo a capacidade de executar ou não as emendas dos parlamentares, e em seguidas reduções no poder das medidas provisórias.

Se a Presidência tem ficado mais fraca, a responsabilidade pelo equilíbrio macroeconômico, especialmente pelo equilíbrio fiscal, tem que passar a ser uma atribuição do Congresso Nacional.

Paulo Guedes foi específico: afirmou que os políticos têm muitos privilégios e poucas atribuições, pois não se debruçam sobre o Orçamento. Disse que jogar a decisão para o Congresso era um pedido de ajuda.

Reiterou: “Se a gente aprovar a reforma de Previdência, teremos ainda dez anos de crescimento. Se não aprovarmos, teremos que desindexar e desvincular tudo ou não haverá solução. O bonito é que, se der errado, pode dar certo. Se der errado a aprovação da reforma [da Previdência], é provável que a classe política assuma o comando do Orçamento”.

E se não derem certo a desvinculação e a desindexação? Isto é, e se o Congresso Nacional continuar a fazer greve da política e jogar a economia no abismo inflacionário? Guedes deixou claro que volta para casa.

Mas fica a dúvida. Se até hoje nosso sistema político funcionou com o Executivo sendo responsabilizado pelo eleitor pela estabilidade macro —daí que o interesse pelas reformas é sempre do Executivo, e não do Legislativo—, e o Legislativo, por suas agendas locais, por que agora seria diferente?

Paulo Guedes não oferece resposta a essa pergunta. Sugere que o elevado grau de renovação das Casas legislativas será suficiente para alterar as práticas.

Fica a pergunta para a ciência política: funcionará?

*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Ricardo Noblat: Por que não te calas, Bolsonaro?

Tropa desautoriza o capitão

Na última quarta-feira, em entrevista à GloboNews, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, já se vira obrigado a desautorizar o capitão Jair Bolsonaro.

Não, ainda não está certa a transferência de Telavive para Jerusalém da embaixada o Brasil em Israel, esclareceu Heleno. Por ora, a ideia está na cabeça de Bolsonaro sem data para passar ao papel.

Ontem, foi o caos. O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, e o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, foram escalados para apagar os mais recentes incêndios provocados pelo presidente recém-empossado.

Não, não era verdade que Bolsonaro assinara um decreto elevando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para aplicações no exterior como ele mesmo havia anunciado de manhã.

E não, também era falsa a informação dada por Bolsonaro que a alíquota máxima do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas seria reduzida imediatamente de 27,5% para 25%.

Quanto à redução da alíquota, segundo Bolsonaro, o anúncio seria feito à tarde pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, depois de se reunir com a Comissão de Valores Mobiliários. Guedes cancelou a reunião e sumiu.

O decreto que Bolsonaro disse que assinara garantia a continuidade das superintendências de desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste, nada tinha a ver com o aumento do IOS, explicou Lorenzoni.

Sobre a redução do teto do IR, Cintra admitiu que o assunto está sendo estudado, mas que não haverá mudança imediata. Uma eventual alteração, concedeu, só será discutida “posteriormente” e “no tempo correto”.

Ensinou em seguida: “Temos uma premissa que é obter o equilíbrio fiscal. Este ano, o déficit primário será de R$ 139 bilhões. Não podemos fazer nenhuma ação que possa resultar em redução da arrecadação”.

Na véspera, Bolsonaro revelara que a reforma da Previdência a ser proposta por seu governo prevê uma idade mínima de aposentadoria de 62 anos para homens e de 57 anos para mulheres. Falso, outra vez.

Bolsonaro, justificou Lorenzoni, quis apenas “passar para as pessoas a tranquilidade de que a transição vai ser humana”. O mercado financeiro respirou aliviado. Até o próximo susto.


Vinicius Torres Freire: Novo governo se enrola com o conflito dos impostos

Assessores parecem querer reformular o imposto sem o "tá ok" do chefe

Economistas de Jair Bolsonaro dizem com frequência que impostos sobre empresas vão baixar. Logo, a arrecadação vai diminuir. Então, alguém vai ficar com esta conta: vai pagar mais imposto.

Por quê? O governo não pode tomar ainda mais empréstimos para cobrir suas despesas. Mesmo se cortar muito gasto, faltará dinheiro por anos: ainda haverá déficit e dívida crescente, um motivo principal desta meia década de crise.

Quem vai ficar com o mico?

Pode ser a classe média remediada ou ricos. Mas não sabemos. Parece que o governo também não. O próprio presidente não sabe o que seus assessores sabem e vice-versa, mesmo quando se trata de decisões que já teriam sido firmadas. Ou não.

No meio desta sexta (4), Bolsonaro disse que assinara um aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Era solução lamentável, dizia o presidente, para compensar uma perda de receita aprovada em 2018 pelo Congresso.

Horas depois, um ministro e um secretário negavam que havia decreto ou que haveria alta de imposto. Por cortesia, diga-se que foi um lapso. Ou não.

Assim que tratou do IOF, Bolsonaro contou que Paulo Guedes (Economia) anunciaria a "possibilidade" ou a "ideia inicial" de diminuir o Imposto de Renda da Pessoa Física. Rendimento superior a R$ 4.664,68 não pagaria mais a alíquota de 27,7%, mas de 25%.

Ficaria bem prometer um docinho de IR menor quando se aplicava uma injeção de IOF maior, mas nem isso fazia sentido.

Não era preciso compensar o IOF. Não é essa a discussão do IR entre economistas do governo, embora não se saiba bem quem está mal informado, se o presidente ou seus assessores que planejam reformular o imposto sem o "tá ok" do chefe.

A equipe econômica pensa em reduzir o número de alíquotas do IR das pessoas físicas (cada parcela do rendimento é tributada com cinco alíquotas cada vez mais altas, de zero a 27,5%). Haveria uma mordida maior para gente de renda mais alta. Ou não.

Além disso, discute-se o fim de certas deduções do IR, os conhecidos "abatimentos" com despesas particulares com educação e saúde. Isso resultaria na prática em aumento de imposto, embora a ideia seja socialmente justa.

A Receita prevê que, em 2019, o governo deixará de arrecadar R$ 21 bilhões por causa desses subsídios para gasto privado em saúde e educação. Isso equivale a uns dois terços do gasto com o Bolsa Família. Ou a quase metade do gasto federal com investimento em obras.

Pode ser ainda que aumente o imposto de quem recebe via empresa individual, o dito "PJ", pessoa jurídica. Seria uma mordida em profissionais liberais, na classe média alta ou nos ricos "mais pobres".

Talvez viesse dessas mordidas parte da compensação do fim de algum imposto sobre empresas ou da redução do IR de pessoas que ganham menos. Sabe-se lá.

Em suma, o governo diz que não quer nem aumentar a carga tributária nem perder receita. Mas, assim, se baixar imposto sobre alguns, terá de cobrar de outros. Transferir o peso da carga. Ou não?

A encrenca é que Bolsonaro se elegeu com a promessa maior de não aumentar impostos e, no futuro, de reduzi-los. Mas falava de carga tributária, o total arrecadado, não do imposto de cada um.

Uma reorganização dos tributos, no entanto, pode fazer com que milhões de pessoas paguem mais.

Ao que parece, o governo não sabe como dar essa notícia ao eleitorado e, pelo jeito, ao próprio presidente.


César Felício: O futuro já começou

Bolsonaro e seus ministros inflaram expectativas

Antonio Gramsci está mais atual do que nunca, a julgar pelo que se ouviu em alguns pontos da Esplanada dos Ministérios na jornada de quarta-feira. Se antes estabelecer uma hegemonia cultural não era um objetivo claro de um grupo político no poder, agora é. Nos governos Lula e Dilma havia muita gente com uma visão leninista da condução da política e de aparelhamento do Estado, mas a unidade estratégica se perdeu em meio a disputas internas e ao surgimento de outras referências para a construção do poder.

Qualquer um que tenha acompanhando o tal do "lulopetismo", para usar a expressão pejorativa dos vitoriosos de hoje, sabe que não foi a ideologia que guiou os governantes de então. A narrativa feita pela família Odebrecht, Antonio Palocci, Paulo Roberto Costa e tantos outros autores que explicam o Brasil é bastante eloquente neste sentido.

A entrada em cena de Ricardo Vélez, Ernesto Araújo e outros mostra a disposição do setor mais duro do bolsonarismo de praticar um exorcismo que, por óbvio, confirma a existência do demônio ao combater a sua presença. Parido das urnas por uma reação social à corrupção, os bolsonaristas chegam com o purismo característico das rupturas, do poder tomado de assalto sem uma construção paulatina que tenha envolvido composições e concessões. Há muitos anos não se percebia tamanho viés ideológico em uma administração, que tanto fala em desideologizar o Estado. A troca de cadeiras vermelhas por azuis no Palácio da Alvorada é mais um indício neste sentido.

Em seu discurso de posse, o novo ministro da Educação deixou claro que se vive uma guerra contra uma ideologia materialista que oprime a sociedade, tendo como combustível a "tresloucada onda globalista" e o "irresponsável pragmatismo sofístico".

Vélez coloca a sua chegada ao Ministério da Educação como uma frente nesta batalha, cruenta a seu ver. Segundo o ministro, um dos lances desta guerra foi o atentado de Juiz de Fora, ocasião em que Bolsonaro foi esfaqueado, em 6 de setembro. Na visão de Vélez, houve um complô, urdido pelos mais ameaçados pela onda moralizante. "As maquinações tenebrosas da rua Halfeld ratificaram a certeza de que derrubaram um homem, mas levantaram uma nação", disse.

Vélez se propõe a somar forças a uma onda restauradora dos pilares que acredita ameaçados: Família, Igreja, Escola, Estado e Pátria. O novo ministro não detalhou um único plano, sequer o tão falado Escola sem Partido, mas foi muito além disso: declarou-se pertencente a um movimento maior, a uma revolução restauradora.

Em seu discurso, Ernesto Araújo foi ainda mais ambicioso. Colocou o momento histórico atual como um ponto de inflexão na vida de cada um. Bolsonaro no poder significa cruzar de volta o rio do esquecimento e resgatar o conhecimento de quem verdadeiramente somos. Estávamos todos presos fora de nós mesmos. Bolsonaro liberta o Brasil por meio da verdade, que se vive como uma experiência íntima. "Precisamos libertar a nossa memória histórica", disse Araújo, para quem o Itamaraty é o guardião dessa memória. "Isto aqui não é uma repartição pública, é um santuário", afirmou.

Araújo destacou a importância do mito. Citou o exemplo de Dom Sebastião para ressaltar a importância de arriscar a própria vida para a defesa de um valor imaterial. "Não nos lembramos das pessoas que ficaram em casa", disse. "O mito ensina a não ter medo e é curioso que, no momento, o mito é o apelido carinhoso que o povo brasileiro deu ao presidente", disse.

Na visão desta ala do bolsonarismo, o que aconteceu esta semana não foi apenas uma alternância normal de poder, própria de uma democracia resiliente que já concluiu a sua terceira década de funcionamento, como disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. O que se viveu foi um acontecimento transcendente para o país e potencialmente para cada um de seus habitantes. Bolsonaro e boa parte de seus ministros, portanto, não administram expectativas. Inflam-nas ao grau máximo.

A fala de Paulo Guedes sugere um contraste. Mas é só na aparência. Guedes não fala para os eleitores de Bolsonaro 'lato sensu', ele fala para um público que constrói suas expectativas de outra maneira e que guarda um certo desprezo do ultraconservadorismo na questão dos costumes.

O superministro da Economia começou a sua peroração repartindo responsabilidades com os três Poderes e com a própria imprensa. Não atacou os marxistas. Atacou os piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político.

Ele partiu de uma premissa que é um artigo de fé: a de que a maior engrenagem descoberta pela humanidade para garantir a inclusão social é a economia de mercado. Estabeleceu a sua prioridade imediata, o controle de gastos, e afirmou que para concretizá-la acelerará reformas estruturantes e as privatizações. Isto posto, acenou com um ciclo de crescimento sustentável de dez anos e tratou de animar a sua plateia: "Podemos contar com um futuro brilhante" e "o Brasil deixará de ser o paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores" foram algumas de suas afirmações.

Guedes mencionou um plano A, o da reforma da Previdência, e um plano B, o da desindexação e desvinculação absoluta, o que no limite libera o governo até mesmo de pagar os aposentados de hoje, sem ter que correr o risco de um impeachment. Guedes não mencionou a existência de algum plano C, caso simplesmente não se estabeleça um cenário de cooperação com o Poder Legislativo. O ministro, aparentemente, desconsidera o cenário de não obter simplesmente nada. A alta do Ibovespa para um nível acima de 90 mil pontos anteontem mostra que o mercado comprou o otimismo de Guedes. Está contratada a ideia de que, se der errado, pode dar certo.

Estamos no pico da euforia, no zênite da efervescência, em que tudo parece possível, em que a solução de problemas de décadas ou de séculos parecem ao alcance da mão. Não sabemos de que cor é o medo.


Luiz Carlos Azedo: O poder civil e os jabutis

“As exonerações em massa na Casa Civil, que tendem a se reproduzir em outras pastas, eram esperadas. Os cargos comissionados serão ocupados por quem venceu as eleições”

O sucesso de Jair Bolsonaro depende muito mais do poder civil do que do grupo de militares que cercam o presidente da República. Para ser mais claro, a médio e longo prazos, não é a retórica ideológica nem o esculacho da oposição que garantirão esse êxito, mas o desempenho dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro. Os generais terão um papel importante, principalmente para o governo não sair do próprio eixo, como parece acontecer no Itamaraty, mas isso dependerá também de suas concepções de gestão. Vamos por partes.

Paulo Guedes encontra uma casa arrumada do ponto de vista financeiro, não foi à toa que trouxe importantes integrantes da equipe econômica anterior para o time que montou, ainda que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ontem, tenha levantado dúvidas sobre a movimentação financeira do governo no último mês. Na máquina federal, a correria para fazer empenhos e efetuar pagamentos em atraso no último mês do ano fiscal é normal. O problema do governo é outro: o deficit fiscal. Não há possibilidade de retomar o crescimento e enfrentar o desemprego em massa sem a reforma da Previdência.

Ninguém se iluda, há um alinhamento político favorável ao sucesso da nova equipe econômica. Como defendeu Guedes, o “projeto liberal democrata” de Bolsonaro não vive o dilema de quem pega o violino com a mão esquerda e toca com a direita. “A aliança de centro-direita, entre conservadores, em princípios e costumes, e liberais na economia”, como definiu Guedes, é robusta, porque conta com o apoio da maioria da população. Enfrentará resistência das corporações, inclusive militar, mas o maior perigo é a recidiva do patrimonialismo dos que vivem à custa das rendas e benesses do Estado. Eles aparecem onde menos se espera.

Abrir a economia, privatizar as estatais, controlar gastos, reformar o Estado, desregulamentar, simplificar e reduzir impostos e descentralizar os recursos para estados e municípios não são um “estelionato eleitoral”. O governo foi eleito com essa pauta. Se vai dar certo é outra história, mas, desta vez, as chances realmente são maiores. E as políticas sociais? Bolsonaro somente prometeu prioridade para o ensino fundamental e a saúde das crianças, o resto vai jogar no colo dos estados e municípios. É a receita da Escola de Chicago, aplicada na Alemanha, no Japão e no Chile. No fim da guerra, com seus países em ruínas, alemães e japoneses estavam comendo ratos; no Chile de Pinochet, era chumbo mesmo. No Brasil, num cenário completamente diferente, o sucesso do projeto será um novo “case”.

Corrupção e violência
A outra perna do poder civil está no Ministério da Justiça, que nunca concentrou tanto poder e instrumentos de atuação como agora. Combate à corrupção e ao crime organizado são bandeiras de Bolsonaro sob a responsabilidade de Sérgio Moro, que também encontrou a casa arrumada, em particular, o recém-criado Sistema Unificado de Segurança Pública. Como levou para sua equipe os principais parceiros da Operação Lava-Jato, Moro também partirá de um patamar mais elevado no combate à corrupção.

A estratégia de endurecimento das penas e a política de liberação da compra de armas pelos cidadãos, condizentes com o discurso de Bolsonaro, garantem amplo apoio popular ao novo governo, mas têm eficácia duvidosa quanto aos presídios e às mortes violentas. Há estudos realizados no Brasil e, principalmente, nos Estados Unidos sobre isso. Na Califórnia, essa política fez explodirem a população carcerária e os gastos com manutenção de presídios. Em Nova York, ao contrário do que muitos imaginam, o que baixou os índices de violência foi a legalização do aborto, com a progressiva redução da população de risco, e não a política de “tolerância zero”.

E os militares? Essa é outra história. Se trabalharem com a centralização e a verticalização da gestão, como é da cultura mais tradicional de nossas Forças Armadas, de inspiração francesa e alemã, vão burocratizar e paralisar a administração. Ao contrário, se adotarem como método a coordenação e a cooperação, a grande influência norte-americana junto aos oficiais que integraram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial, vão ajudar o governo a melhorar sua performance administrativa e capacidade operacional.

Houve uma gritaria grande por causa das exonerações em massa na Casa Civil, que tende a se reproduzir em outras pastas, principalmente dos cargos comissionados. O ministro Onyx Lorenzoni justificou a decisão como uma necessidade de alinhamento com a nova política do governo. Os petistas já haviam sido desalojados com a saída da presidente Dilma Rousseff, exceto àqueles que aderem a qualquer governo. O estrilo da oposição não faz sentido, porque é até uma questão de respeito à vontade das urnas ocupar esses cargos com quem venceu as eleições. O ministro, porém, vai descobrir o que é um jabuti em cima da árvore. Como se sabe, jabuti não sobe em árvore, alguém pôs ele lá, como na velha fábula.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-poder-civil-e-os-jabutis/


Míriam Leitão: Inimigos concretos e imaginários

Um ministro da Economia não pode dizer que sabe o que fazer se a reforma da Previdência não for aprovada. Não deve considerar essa possibilidade

O dia de ontem foi de comemoração na economia. O pensamento do ministro Paulo Guedes é conhecido no mercado, mas agora ele o repete como tomador de decisões e avisa que a reforma da Previdência é o primeiro e o maior desafio. O ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, falou em retomar o processo de privatização da Eletrobras, e Wilson Ferreira foi confirmado na presidência da estatal de energia. Era o que o mercado queria ouvir e isso fez disparar uma onda de otimismo. A bolsa bateu recorde e a ação da Eletrobras decolou.

Ao falar na sua posse no comando do novo e fortalecido Ministério da Economia, Paulo Guedes desfilou por quase uma hora com suas explicações para a história do mundo e do Brasil. O país, disse, vive sufocado pelo excesso de gastos públicos e esse é o centro do problema e por causa dele a economia respira “a falsa tranquilidade da estagnação econômica”.

Na hora de explicar como resolver, Guedes cometeu um deslize político. Disse que a reforma da Previdência será enviada, mas se não for aprovada será mandado o projeto de desindexação de despesas. Na verdade, as duas reformas são importantes, a previdenciária e a orçamentária. Um ministro da Economia não pode dizer que sabe o que fazer se a reforma da Previdência não for aprovada. Simplesmente não pode considerar essa possibilidade de derrota, porque ela seria desastrosa demais. Há a razão fiscal que a torna inexorável, mas há também o outro motivo que o ministro tratou com clareza meridiana:

— A Previdência é uma fábrica de desigualdades. Quem legisla tem as maiores aposentadorias, quem julga, também. O povo tem as menores —disse.

Esse é o motivo mais profundo pelo qual a reforma é fundamental. Ele não é o primeiro a mostrar a Previdência como geradora de desigualdades. O governo que encerrou seu tempo na terça-feira também bateu nesta tecla. Inutilmente. Portanto, é preciso mais e melhores dados e argumentos porque esta é uma causa fundamental para o país. Que Paulo Guedes se volte com essa retórica e os números para convencer primeiro o próprio governo de que ela é necessária para o equilíbrio fiscal e para o combate às desigualdades na distribuição de dinheiro público.

No discurso de ontem, Paulo Guedes, na verdade, propôs, além da reforma da Previdência, um programa com três “D”: desvinculação das receitas, desindexação das despesas, descentralização. Ele erra quando fala de alguns projetos como se fossem alternativos a outros. São complementares:

— O bonito é que se der errado pode dar certo. Se não aprovar a reforma, a classe política pode dar um passo à frente e assumir o Orçamento.

O que ele quer dizer é que se as receitas não forem carimbadas, se não estiverem vinculadas nem foram corrigidas pela inflação passada, o Congresso terá mais poderes porque poderá verdadeiramente elaborar a peça orçamentária. Parece lógico, mas não é assim que a política costuma entender os fatos. Será muito mais difícil do que ele imagina convencer o Congresso dessas mudanças. Há 30 anos o legislativo engessa o Orçamento achando que assim garante o dinheiro para as áreas prioritárias. Como agora dizer que ele deve quebrar o gesso para ser mais forte?

Paulo Guedes apresentou a sua tese conhecida de que tudo o que houve nos últimos 30 anos foi tocado pelo mesmo grupo político. Seria a social-democracia, que agora será substituída pela liberal-democracia. Os rótulos não explicam complexidades. Não se pode dizer que foram semelhantes as políticas econômicas de Pedro Malan e de Guido Mantega, só para citar dois polos bem diferentes entre si. Os liberais que ele lidera tentarão agora fazer reformas que estiveram no projeto de muitos dos seus antecessores no cargo, como Joaquim Levy.

Logo depois de o ministro Paulo Guedes explicar o seu projeto econômico, cheio de desafios concretos, o ministro Ernesto Araújo apresentou no Itamaraty o seu delírio contra os inimigos imaginários. O problema do embaixador Araújo é que ele tem uma visão de mundo bem específica, bem idiossincrática, e a apresenta como sendo a do país. Para ele, o Brasil agora se liberta do globalismo, na opinião dele nosso maior inimigo. Nestas primeiras horas já é possível dizer que o problema do governo Bolsonaro é que ele gasta tempo demais esbravejando contra inimigos inexistentes.