Economia

Luiz Carlos Azedo: Febre e pneumonia

“Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação”

A recuperação do presidente Jair Bolsonaro está mais complicada do que se imaginava. Segundo a equipe médica do Hospital Alberto Einstein, uma tomografia de tórax e abdome mostrou “boa evolução do quadro intestinal e imagem compatível com pneumonia”. O boletim médico também registrou febre na noite de quarta-feira. Bolsonaro passou por uma cirurgia para retirar uma bolsa de colostomia e refazer a ligação entre o intestino delgado e parte do intestino grosso, em 28 de janeiro, sequelas da facada que levou em Juiz de Fora na campanha eleitoral.

Voltamos assim ao tema da necessidade de separação entre o paciente e o presidente, que já abordamos aqui na coluna. A verdade é que Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação, quando deveria deixar a função a cargo do vice-presidente, Hamilton Mourão, por mais que isso incomode aos seus partidários ciumentos. No fundo, é uma grande bobagem, porque a situação em que se encontra, lutando para restabelecer a saúde, reforça o “mito”; isto é, ao mesmo tempo, deifica e humaniza sua imagem.

Segundo o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, foram feitos exames viral e bacteriano, e descartaram o viral. “Trata-se de uma causa bacteriana”, disse, ou seja, há uma infecção a ser combatida. Por isso, os médicos trataram de reforçar a dose de antibióticos. Bolsonaro não sente dor, continua com uma sonda nasogástrica e um dreno no abdome. Recebe alimentação parental e líquidos por via oral; faz exercícios respiratórios e caminha pelos corredores. É um paciente que está em recuperação, que precisa de cuidados especiais, mas não corre risco de vida.

Também não corre o menor risco político, apesar das teorias conspiratórias em relação a Mourão. A oposição não tem interesse que o vice substitua Bolsonaro, simplesmente porque prefere um político na Presidência; um general, não. Os demais generais que já mandam no governo não pretendem trocar um ex-capitão com 30 anos de experiência parlamentar e grande popularidade, eleito por voto direto, por um colega eleito de carona. O que existe nos bastidores do governo é uma disputa entre a turma do bom senso, que prefere um ambiente de negociação com o Congresso e diálogo com a sociedade, e a tropa de choque de Bolsonaro, que ascendeu ao governo e ainda não desceu do palanque eleitoral.

Apoio condicionado
Enquanto o presidente permanece hospitalizado, o governo vai bem, obrigado, na relação com o Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está alinhado com as reformas e mantém diálogo fácil com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na Presidência do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) é um aliado de primeira hora. A propósito, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, surpreendeu a oposição com o movimento de reaproximação com a ala derrotada do MDB no Senado, ao pedir que Alcolumbre sondasse o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) para saber se o político pernambucano aceitaria ser o líder do governo na Casa. Aceitou de pronto.

O reequilíbrio nas relações do Palácio do Planalto com o MDB no Senado segue a velha receita da política de conciliação; o partido já se reposiciona para negociar seu apoio com o Palácio do Planalto. Essa aproximação deve se consolidar com a indicação de um deputado do MDB para a liderança do governo no Congresso. O mais cotado é o deputado Alceu Moreira (RS), gaúcho e líder ruralista.

O ponto fora da curva é o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), que sofre com o fogo amigo. Pisou na bola ao convocar uma reunião de parlamentares do “apoio consistente” e do “apoio condicionado”, ou seja, da oposição. Os grandes partidos da base do governo não foram à reunião. Estreante na Câmara, lida com um problema que não é novo. A negociação da reforma da Previdência está sendo feita diretamente entre o ministro Paulo Guedes e o presidente da Casa, Rodrigo Maia, mais ou menos como aconteceu com o Plano Real, quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, passou a negociar diretamente com o presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA).

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-febre-e-pneumonia/


Zeina Latif: A verdadeira batalha

Como os políticos irão reagir quando eleitores começarem a atacar a reforma?

Passados pouco mais de três meses desde a vitória nas urnas, a agenda econômica do governo vai ganhando contornos, com o que será e o que não será feito. Uma reforma da Previdência que impacta a todos, sim; uma reforma tributária ampla consolidando os impostos indiretos, não. Haverá algumas privatizações de empresas “não estratégicas” (a da Eletrobrás não está clara), sendo maior a ênfase na venda de ativos de empresas e bancos estatais, conforme as recomendações do time econômico anterior.

O mais recente capítulo foi o vazamento da minuta da reforma da Previdência. A Secretaria da Previdência trabalhou bem, fazendo jus à elevada reputação do time. A proposta é muito boa e mais ambiciosa do que a de Michel Temer, como na introdução da idade mínima e na regra de transição. Ela inclui temas novos, como a mudança das regras de abono salarial e de pensão por morte, além da criação do regime de capitalização. Para Estados e municípios, é considerado um prazo de dois anos (parece muito tempo) para a mudança das regras de aposentadoria. Não ocorrendo, valeria a nova regra dos servidores federais.

Já discuti em artigos anteriores que o desafio maior não é o de desenhar as reformas econômicas, mas sim aprová-las. Não que se possa minimizar o desafio técnico. Afinal, defender ideias gerais é fácil. Difícil é detalhar as medidas, com base em diagnósticos corretos e levando em consideração o arcabouço legal vigente. O desafio maior, no entanto, é o da política.

Para começar, não sabemos qual será a decisão final de Jair Bolsonaro, um político sensível à opinião pública, conforme aponta Christopher Garman. A proposta vazada ainda não passou pela chancela do presidente, sendo que membros do governo apontaram que ela será desidratada.

O episódio também reforça a visão de que o governo não constitui ainda um time coeso. A vida de Paulo Guedes da porta para fora do Ministério da Economia não é fácil. Mal o documento circulou, e o vice Hamilton Mourão afirmou que nem ele nem Bolsonaro concordam com a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres. Também se manifestou o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, afirmando que “a proposta será bem diferente do texto vazado”. Não teria sido mais adequado o próprio ministro da Economia, e apenas ele, se manifestar?

A dificuldade política é inevitável e ainda desconhecida. Afinal, somos um país tomado por grupos organizados que bloqueiam reformas liberais. Talvez por isso mesmo Guedes busque o diálogo com os demais poderes da República, para acelerar a tramitação da reforma e evitar grandes mudanças no seu teor, e reduzir o risco de judicialização.

Possivelmente a batalha no Congresso será menos dura do que no governo anterior. O debate sobre a Previdência está mais maduro e Bolsonaro conta com elevado capital político. Em compensação, se para Temer esta reforma era uma opção, uma vez que a proximidade das eleições trazia alguma perspectiva aos agentes econômicos, para Bolsonaro ela é a condição de sua sobrevivência política; e ele sabe disso.

Para muitos analistas, a renovação no Congresso é um facilitador. Isso tampouco está claro. O novo Congresso está repleto de políticos que representam corporações e que se elegeram por conta das redes sociais. Os eleitores não reelegeram os parlamentares reformistas que relataram as principais reformas aprovadas por Temer, incluindo o secretário da Previdência Rogério Marinho, relator da reforma trabalhista na Câmara.

Como os políticos irão reagir quando seus eleitores começarem a atacar a reforma?

Ao contrário do que se imagina, o resultado da pressão social nem sempre é positivo. Não à toa cientistas políticos alertam para o risco da consulta direta à sociedade sobre políticas públicas. As escolhas da sociedade, com frequência, não são aquelas que privilegiam o bem comum, desta e das próximas gerações.

A batalha começou.

* Economista-Chefe da XP Investimentos


Ascânio Seleme: O risco Bolsonaro na estreia

O governo enfim vai começar. Na volta do presidente da sua operação, no início da semana, começa para valer a administração Bolsonaro. Até a semana passada, com o Congresso não empossado e com o presidente na contagem regressiva para a terceira intervenção cirúrgica, o que se viu foi um jogo de espera. Enfim será dada a partida para o primeiro governo declaradamente de direita desde 1985. Seus projetos querem mudar a cara do país. Os dois principais, a reforma da Previdência e o pacote anticrime, são vitais para marcar o sucesso ou o fracasso da nova administração.

Normalmente, o primeiro mês de qualquer governo é de articulação para aprovar gente sua no comando das casas do Congresso, de medição da firmeza do terreno que se vai pisar, de adaptação. Bolsonaro também teve essa iniciação, embora de modo precário, por ter decidido governar sem fazer nomeações políticas, sem atender a grupos e partidos. Além disso, acabou sendo paralisado pelo escândalo causado pelo filho Flávio Bolsonaro e o seu amigo, motorista e assessor Fabrício Queiroz.

Mesmo assim, Bolsonaro dá início efetivo ao seu governo com ainda muita ficha para gastar. Os novos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, foram o que melhor poderia acontecer a Bolsonaro. Pode parecer paradoxal, mas o presidente que prometeu varrer para a lata de lixo a velha política deve agradecer por ter um veterano no comando da Câmara. Por outro lado, ter escapado de Renan Calheiros no Senado é um trunfo para um início sem tempestades.

O céu é de brigadeiro também em razão dos perfis de Maia e Alcolumbre. Ninguém pode chamá-los de progressistas, no velho sentido dado à palavra pela esquerda. Não. Ambos são políticos de centro-direita, liberais e conservadores. O presidente da Câmara já explicitou este seu papel publicamente, mas nem precisava.

Alcolumbre será obviamente um presidente do Senado sem muita força, mas fiel. Por ser fraco, ele também não complica. Mas é tido como um bom articulador. E o papel dele e de Rodrigo Maia será fundamental na aprovação das reformas que o governo quer fazer. Serão eles os donos da pauta no Senado e na Câmara, que decidirão em última instância a tramitação dos projetos. E essa é uma vantagem e tanto no jogo político.

Na Câmara, Maia terá força de sobra para fazer propostas do governo tramitar com tranquilidade. O deputado teve mais votos na eleição para a presidência da casa do que os necessários para aprovar emendas constitucionais. Obviamente que este desempenho não representa aprovação automática na hora das votações, até porque partidos como o PT, que apoiaram Maia para presidente da Câmara, não votam nem amarrados nos projetos de Bolsonaro. De qualquer forma, respaldo político ajuda muito na hora de negociar.

Na entrevista que deu na terça-feira, ao receber o ministro da Economia para tratar da reforma da Previdência, o presidente da Câmara mostrou um otimismo que surpreendeu até mesmo a Paulo Guedes, que espera uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Pelos cálculos de Maia, a economia vai crescer 6% nos primeiros 12 meses após a aprovação da reforma. O deputado não explicou que métricas usou para alcançar estes resultados.

Outro otimista, o presidente do Senado também deu seu apoio incondicional à reforma da Previdência e disse que pode aprová-la em três meses. Com os principais líderes do Congresso ao seulado, o novo governo pode, enfim, começar a trabalhar para cumprir sua missão de ser uma espécie de governo Temer revigorado, reformista e liberal, mas com respaldo eleitoral.

Mas ainda resta um problema, e grande. O ministro Paulo Guedes disse que a decisão final será tomada obviamente pelo presidente e acrescentou que “ele tem o cálculo político dele” para bater o martelo numa ou em outra direção. E esse é o risco. Bolsonaro exige que mulheres tenham tratamento diferenciados e chegou a propor idade mínima mais baixa, 62 para homens e 57 para mulheres. Se o presidente pensar como um político populista, e não como estadista, a reforma pode ficar pequena.


Samuel Pessôa: É hora de acabar a greve no Congresso

Somente o Congresso tem a legitimidade de gerir nosso conflito distributivo

O Congresso Nacional assumiu. Rodrigo Maia ficou na presidência da Câmara. Após duas longas e tumultuadas sessões, sexta e sábado, Davi Alcolumbre passou a ser presidente do Senado e do Congresso. Começou o ano na política.

Esse Congresso tem uma tarefa dificílima pela frente. Terá que promover o ajuste fiscal estrutural.

O setor público brasileiro tem obrigações na forma de pagamento de salários, aposentadorias e pensões para servidores ativos e inativos; de benefícios previdenciários e pensões do INSS; de seguro-desemprego; de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez; de abono salarial e seguro-defeso; entre tantas outras.

Adicionalmente, é necessário haver verbas para manter os serviços básicos de saúde, educação, Justiça e segurança pública, além de recursos para o investimento público —rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, metrôs nas grandes cidades, saneamento básico etc.

Também é preciso dinheiro para apoio às atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e às universidades.

Vale lembrar que somente nos últimos meses uma ponte e um viaduto na cidade de São Paulo ficaram inutilizados, causando enormes transtornos para todos os que utilizam as marginais. Ou seja, o investimento não tem sido suficiente nem para cobrir a depreciação do capital público existente.

Quando me refiro a ajuste fiscal estrutural, significa que o Congresso nas legislaturas passadas determinou obrigações ao Estado —salários, benefícios previdenciários e programas sociais, além de desonerações e programas de incentivo ao setor produtivo— que não conversam com as fontes de receitas que esse mesmo Congresso estabeleceu para o setor público.

O gasto público é estruturalmente maior do que a receita de impostos. E esse desequilibro não resulta de a economia estar deprimida ou de algum motivo cíclico. É por esse motivo que se emprega o adjetivo estrutural para qualificar o déficit público.

Saímos de nossa grande depressão no primeiro trimestre de 2017 —há dois anos, portanto— e continua a haver um enorme rombo nas contas públicas.

Crescemos no último biênio muito pouco, pouco menos de 2,5%, mas o próprio desequilíbrio fiscal estrutural impede a recuperação. Quem irá investir em uma sociedade em que os políticos não se entendem e constroem um setor público estruturalmente insolvente?

Tapar esse rombo não é tarefa do Ministério da Fazenda; nem mesmo do presidente. Tapar esse rombo é tarefa do Congresso. Somente o Congresso tem a legitimidade de gerir nosso conflito distributivo e estabelecer bases tributárias e obrigações ao setor público que conversem entre si.

O presidente coordena esse processo. Mas a palavra final é do Congresso. O melhor que o Executivo pode fazer é apresentar um plano de ajustes das contas públicas e a partir dele negociar no Congresso.

Tudo pode ser conversado, inclusive aumento de carga tributária, se o Congresso assim o quiser. Os economistas e demais técnicos palpitam com relação aos impactos sobre o desempenho da economia
—crescimento, desigualdade e pobreza— desta ou daquela medida. Mas a decisão é política e somente pode ser tomada pelo Congresso.

Em razão da crise política, o Congresso está em greve desde 2015. Recusa-se a arbitrar nosso conflito distributivo. Enquanto isso, a dívida se acumula e o abismo inflacionário se aproxima.

Novo governo. Congresso muito renovado. Chegou o momento de acabar a greve.

*Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


Política Democrática: ‘Reforma da Previdência não é o desmonte do Estado’, afirma Pedro Fernando Nery

Em artigo na quarta edição da revista Política Democrática online, consultor legislativo do Senado diz que aposentadoria por tempo de contribuição corresponde a 15 vezes o gasto com ensino profissional

Cleomar Almeida

Reforma é necessária para prestigiar a Constituição, garantindo a solvência do Estado nas três esferas, a prestação dos serviços públicos essenciais e o investimento público. É o que diz o consultor legislativo do Senado Pedro Fernando Nery, que também é autor do livro Reforma da Previdência – Por que o Brasil não pode esperar (Elsevier, 2019). “A reforma da Previdência não é o desmonte do Estado”, afirma.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online de janeiro 

No artigo Reforma da Previdência para evitar o Desmonte do Estado, o autor afirma não reformá-la “é provocar um ajuste bíblico em outras despesas, transformar o Estado em uma mera folha de pagamento e viver um pesadelo ultraneoliberal”. “O Estado vai ser mínimo”, assevera.

De acordo com Pedro Fernando, no INSS, o benefício mais elevado é aposentadoria por tempo de contribuição, que, segundo ele, corresponde a 15 vezes o gasto com ensino profissional ou 20 vezes todo o orçamento de C&T. “A pensão por morte tem orçamento maior que o da saúde ou o da educação”, ressalta.

A aposentadoria por idade urbana ou a aposentadoria por invalidez, de acordo com o consultor, já despendem o equivalente a duas vezes o programa Bolsa Família. “Nos Estados, falidos, a previdência dos servidores já é quase duas vezes o próprio Fundo de Participação (FPE)”, afirma, para acrescentar: “Esta é a parte mais regressiva do sistema, pois exige gran- des aportes da sociedade para benefí- cios altos que apenas uma parcela da população vai receber”.

Esta é também, segundo Pedro Fernando, uma das características da previdência dos militares. “A carreira possui diferenças, mas não deve ser blindada sob argumentos de vitimismo. O déficit dos militares é equivalente a uma CPMF”, observa. “O crescimento anual da despesa total é igual a todo o investimento público”, continua.

Para o consultor, a pergunta mais difícil é “como reformar?”. Segundo ele, há na prática várias previdências para os vários “Brasis”. “Nos estados ricos, predomina a aposentadoria por tempo de contribuição, sem idade mínima. Nos estados pobres, a aposentadoria rural, com idade mínima. Nos muito pobres, o benefício assistencial ao idoso (BPC-Loas), com idade mínima mais dura”, analisa.

Por isso, conforme escreve o autor, o debate se concentra em duas opções. “Uma é aproveitar a atual versão da reforma de Temer, sem mexer nos rurais, no BPC e no tempo mínimo de contribuição (item caro aos mais pobres, que não têm carteira assinada). O foco seriam as aposentadorias urbanas de maior valor, as pensões por morte e os servidores”, diz.

A segunda opção, acrescenta o analista político, é fazer uma reforma mais ampla e definitiva, incluindo grupos mais pobres, tratando da vincu- lação ao salário mínimo, e criando um pilar de capitalização – mais sustentável – para as próximas gerações. Seja qual for a opção, é importante que a reforma exija maior esforço dos grupos mais ricos da população e que seja acompanhada também de medidas contra injustiças do lado da arrecadação. Entre elas, os Refis e a maior tribu- tação de pessoas físicas disfarçadas de pessoas jurídicas”.

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Claudia Safatle: Para "desencantar" obras inacabadas

Adalberto Santos de Vasconcelos recebeu, no dia 1º de janeiro, uma missão hercúlea: desencantar e concluir grandes obras públicas inacabadas que já enterraram bilhões de reais e nada entregaram à população. À frente da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), subordinada ao ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, e com seus poucos mais de 50 funcionários, ele terá que apresentar, neste mês, uma lista de projetos estratégicos para serem concluídos.

A decisão final sobre quais serão levados adiante, nessa primeira leva, será do conselho do PPI, que reúne-se em fevereiro.

Das mais de 13 mil obras inacabadas sob o patrocínio do governo federal em todo o país, o conselho vai selecionar no máximo oito com potencial para entrar na carteira do PPI.

Serão as mesmas de sempre, aquelas que entra governo, sai governo, criam-se grupos de trabalho interministerial e nada acontece. Parece que estão sob quebranto, mas é mais complicado do que isso.

Segundo Adalberto, a lista abarca, dentre outras, a Transnordestina, Angra 3, a BR-163 (Mato Grosso), a duplicação da Rodovia da Morte (BR-381 em Minas Gerais), a Transposição do Rio São Francisco, e por aí vai.

Uma vez no PPI, os técnicos terão que "apresentar um diagnóstico e uma solução", disse Adalberto. "As rodovias poderão ser qualificadas como obra pública ou como concessão", acrescentou. Diante da penúria do setor público, o mais apropriado é encontrar sócios privados para completar essa empreitada.

"O Brasil tem uma grande carteira de obras, mas não tem projetos. Desde 1990, quando acabou o Geipot, perdemos a massa crítica de ver o Brasil do futuro." O Geipot foi criado em 1965 como Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, mais tarde foi convertido em Empresa de Planejamento na Área de Transportes (rodoviário, ferroviário, aquaviário etc.) e entrou em processo de liquidação em 2001.

Dilma Rousseff, quando presidente da República, tentou recriar uma estrutura semelhante. Inicialmente, porém, ela optou por criar a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A. (Etav), para administrar o trem-bala. Como a ideia não deu certo, ela transformou a Etav na EPL, Empresa de Planejamento e Logística.

Enquanto os governos patinam na estruturação dos investimentos absolutamente necessários para dar condições de escoamento da produção no país, o que aparece vem com erros de origem.

"Começa-se muita obra sem projeto básico, sem licenciamento ambiental, sem planejamento, sem garantia de orçamento e com várias pendências junto aos órgãos de controle", explicou o secretário.

"A Transnordestina foi assim. Começou como uma ideia, mas não havia um projeto. Com isso, a obra fica muito mais cara e não se entrega nada à sociedade."

O que receber o selo do PPI, assegura ele, terá um projeto estruturado e sairá dali já com licenciamento ambiental e solução para desapropriações. O secretário não quis antecipar os modelos de soluções que tem em mente ou que o conselho indicará, mas sugere que o governo poderá agregar a Transnordestina a outras ferrovias e encorpar a sua carga, para torná-la mais atrativa ao setor privado.

A conclusão da usina nuclear de Angra 3 também poderá ser entregue ao setor privado. Avalia-se, porém, se há base legal para isso. O primeiro passo foi dado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que, na penúltima reunião do ano passado, decidiu mandar a usina para a secretaria do PPI.

O programa dá segurança jurídica, que é um elemento-chave para a atração do setor privado. A secretaria especial comandada por Adalberto foi criada para resolver problemas e, para isso, ele agora tem sob seu organograma uma secretaria de licenciamento e desapropriação - dois pepinos que, em geral, atrasam sobremaneira a conclusão de projetos de logística. Com os técnicos especializados nos assuntos e com poder para solucioná-los, as obras podem ganhar velocidade.

"Vamos ver o custo de conclusão de cada uma das obras estratégicas para o país. Nenhuma delas tem solução fácil, mas vamos olhar sem preconceitos", adianta o secretário.

Diz-se que falta muito pouco - talvez uns 5% - para conclusão da transposição do São Francisco, mas sabe-se no governo que isso não é verdade. A água que sai do rio terá que ser levada aos municípios e, para recebê-la, eles terão que dar um tratamento adequado. Ou seja, não basta concluir a obra. É preciso entregar o serviço para a população.

A determinação com que o Adalberto fala sobre o cumprimento das tarefas que recebeu no início do ano pelo novo governo chega a ser contagiante. O currículo do secretário, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) que em 2016 ocupou a secretaria do PPI, talvez possa ser uma boa referência sobre o seu empenho para cumprir missões.

No ano passado, por exemplo, contrariando as expectativas, por meio do PPI foi possível licitar as seis distribuidoras de energia que ainda estavam nas mãos da Eletrobras.

Em 30 meses de governo Temer, disse ele, foram contratados 124 projetos entre concessões leiloadas ou ativos vendidos envolvendo aeroportos, petróleo, linhas de transmissão de energia, sendo que desses, 47 foram para investidores estrangeiros.

Isso perfaz um investimento total de R$ 252 bilhões, sendo que cerca de 80% devem ser desembolsados nos primeiros cinco anos dos contratos.

Ciente de que o investimento em infraestrutura no Brasil é baixíssimo - gira em torno de 1,4% a 1,6% do PIB - e insuficiente para manter o estoque existente, Adalberto sonha em ver, um dia, o país investindo 5% do PIB.

Já foi assim no período dos governos militares, quando a média de investimentos em obras de infraestrutura era de 5,4% do PIB. Mas essa é uma outra história, sob outras condições e realidade.


Elena Landau: Boletos de janeiro

O que mais me tira do sério é o boleto do Conselho Regional de Economia

Dizem os poetas que abril é o mês mais cruel e as águas são de março. E eu acrescento: janeiro é o mês dos boletos. É nessa época do ano que as contas resolvem chegar todas de uma vez. Não sou daquelas que acham que imposto é roubo, nem que a sonegação se justifica porque o Estado falha na prestação de serviços. Mas não consigo evitar a irritação ao pagar IPTU e IPVA. Como contribuinte só me resta pagar e exigir uma melhor atuação do poder público.

Não vejo nenhum sinal de contrapartida desses impostos, pelo menos não na cidade onde moro – a Maravilhosa. A cidade do Rio nunca esteve tão abandonada, suja e insegura. Da língua negra na praia de Ipanema ao esgoto a céu aberto na periferia, o retrato é de abandono. Como diria o saudoso Bussunda, “se na zona sul está assim, imagina na Jamaica”.

A vida dos donos de veículos não é fácil. As ruas esburacadas e mal sinalizadas são um perigo constante para os motoristas, pedestres e para os carros, que às vezes são engolidos pelas crateras no meio das pistas de Cordovil. O número de consertos de buracos caiu pela metade desde 2015, enquanto as reclamações em aberto triplicaram.

O caso da taxa do Detran, cobrada com o IPVA, é surreal. O governador Witzel acabou com a exigência de vistorias anuais, mas manteve a cobrança. Óbvio que iria parar na Justiça.

É verdade que sem a reforma da Previdência, sobra pouco do Orçamento para investimentos públicos, mas o descuido que se vê pelo Rio vai muito além da falta de recursos. Parece um caso de desamor mesmo.

Agora, o boleto que realmente me tira do sério é o do Conselho Regional de Economia (Corecon). Não há nada que justifique a sua existência quanto mais a dupla contribuição obrigatória: na pessoa física e na pessoa jurídica, mesmo quando os sócios já pagam a taxa.

A Lei 1.411, de 1951, em seu art. 6.º cria o Conselho Federal e os Regionais de Economia e estabelece que eles possuem poder delegado da União para orientar, disciplinar e fiscalizar a profissão de economista. É assinada por Getúlio Vargas, claro.

O seu art. 7.º é inacreditável. Ele traz as atribuições dos conselhos. Dois incisos saltam aos olhos: a) contribuir para a formação de sadia mentalidade econômica através da disseminação da técnica econômica nos diversos setores de economia nacional; e g) promover estudos e campanhas em prol da racionalização econômica do País.

Parece piada, mas não é. Mentalidade sadia é o que menos se vê no panfleto intitulado Jornal dos Economistas, uma publicação conjunta do Corecon-RJ e Sindecon- RJ, o sindicato de economistas. O número deste mês é dedicado à avaliação da economia sob Bolsonaro. Traz o artigo “Acima de tudo e de todos, a tirania do mercado” e a imperdível avaliação da política econômica de Bolsonaro assinada por Roberto Requião.

É evidente que não se trata de um órgão de fiscalização, mas de divulgação de opiniões muito pouco saudáveis. O Corecon é mais um dos inúmeros cartórios dispensáveis neste País. Casos como a tragédia de Brumadinho, ou o do dr. Bumbum, que andam por aí, justificam a existência de Conselhos de Engenharia ou Medicina, mas um mau economista não põe em risco a vida de ninguém. Pode acontecer de jogar 14 milhões no desemprego e derrubar o PIB em 10%, em apenas dois anos. O jornalzinho do conselho, no entanto, vinha recheado de elogios à irracional política econômica de então.

A proximidade com sindicatos da classe explica porque o Corecon-RJ se recusou a auxiliar economistas que denunciaram a cobrança sindical indevida após a reforma trabalhista. Também explica que em seu site se faça campanha contra a Reforma da Previdência. Eu me recuso a ser disciplinada por um órgão que desconhece os conceitos básicos de economia. Mas fazer o quê? Se eu não pagar a anuidade, talvez fosse impedida pela fiscalização de assinar essa coluna como economista.

Pouca atenção se dá aos muitos cartórios inúteis neste País, tanto no conceito, ou seja, sem razão para existir, como na atuação fiscalizadora. Já acabamos com a contribuição sindical obrigatória e esse governo está reavaliando o Sistema S e seu financiamento, que tal rever, caso a caso, a necessidade de existência desses conselhos de classe também? O de Economia tenho certeza que é totalmente desnecessário, a cobrança de anuidades é apenas um achaque.

Espero que a renovação no Congresso com chegada de um grupo de verdadeiros liberais nos livre de mais está herança getulista.

*Economista e advogada


Monica De Bolle: Em nome do quê?

Contudo, o presidente jamais disse em nome de que faria política econômica.

A democracia brasileira está em risco? Para responder a essa pergunta, a Companhia das Letras reuniu cientistas políticos, sociólogos, historiadores, economistas e especialistas em Direito e publicou 22 ensaios em livro, já disponível sob o título Democracia em risco?. Contribuí para o livro com um texto sobre minhas primeiras impressões a respeito do bolsonarismo. Mais especificamente, o intuito era tentar entender em nome de que se fará a política econômica no Brasil. Afinal, em muitos aspectos o bolsonarismo é, sim, uma ruptura com nosso passado, ao menos desde a redemocratização.

A política econômica sempre foi feita em nome de alguma coisa. Durante a primeira metade dos anos 90, ela foi feita em nome da inflação, ou melhor, em torno da necessidade de reduzir a inusitada inflação brasileira, que por mais de 20 anos ficou acima dos 500% anuais. O Brasil é dos raríssimos casos no mundo em que a hiperinflação virou um modo de vida por quase duas décadas. Depois que o Plano Real deu fim à enorme mazela, a política econômica passou a ser formulada para lidar com os tropeços da segunda metade dos anos 90 — nessa época, vimos crises financeiras em série nos mercados emergentes. Essas crises trouxeram grande instabilidade para a economia brasileira em momento delicado, quando os ganhos e avanços do Plano Real ainda não estavam plenamente consolidados. Foi uma época complicada, com ramificações políticas que conosco permaneceriam até os dias de hoje. Ainda há quem fale na herança maldita de FHC, embora tenha sido em seu governo que foram plantadas algumas das sementes mais importantes da estabilidade econômica.

No início dos anos 2000, a política econômica mudou sutilmente de norte. Embora a estabilidade macroeconômica continuasse a ser o principal objetivo, o Brasil havia avançado o suficiente para que outros objetivos pudessem ser contemplados. Foi a época em que a política econômica foi feita, também, em nome da redução das desigualdades de renda, da formalização do mercado de trabalho, da diminuição da pobreza. Ou seja, o governo FHC e os governos petistas — por mais manchados que estejam estes últimos pela corrupção — fizeram política econômica em nome da melhoria de vida das pessoas. E, por mais que se queira demonizar Lula, o fato é que ele — como FHC — deixou um legado além da corrupção.

Nos anos Dilma, a política econômica mudou de configuração: a estabilidade macroeconômica ficou de lado e a busca pelo crescimento que se perdia com a reversão do quadro global se tornou mais importante, sob o argumento de que só dessa maneira seguiria o país garantindo os ganhos sociais vistos em anos anteriores. O foco no crescimento como único objetivo levou o governo Dilma a adotar um amontoado de medidas econômicas incoerentes, que acabariam por desaguar na recessão de 2015 e 2016, também agravada pelas revelações da Lava Jato e pela paralisia de diversos setores fundamentais, como o de construção civil.

Esse arco histórico é necessário para que se possa pensar na pergunta que intitula este artigo. É fato amplamente citado que Bolsonaro não falou sobre a agenda econômica nem durante a campanha, nem depois da posse. Houve menções às privatizações aqui e acolá, referências à reforma da Previdência, platitudes acerca da necessidade de abrir a economia brasileira.

E, vejam bem, quem tem de dizer isso é o presidente eleito, não o ministro da Economia ou qualquer outro integrante técnico do governo. Se Bolsonaro jamais disse em nome de que formularia a política econômica, houve alusões de sobra ao nome de Deus, o que não surpreende. Afinal, o bolsonarismo tem como principal fiadora a ideologia ultraconservadora da nova direita religiosa do Brasil. A ministra Damares Alves a ilustra bem, assim como o ministro Ernesto Araújo. Essa ideologia não tem interesse na agenda econômica do país, seja por falta de conhecimento, por desinteresse ou pela prioridade que dá à retrógrada agenda de costumes que defende. Nunca antes na história deste país — ao menos não nos últimos 30 e poucos anos — tivemos uma agenda econômica tão desligada do núcleo político do governo.

Não quero dizer com isso que há sombra ominosa sobre a economia brasileira. Quero apenas dizer que a resposta à pergunta que encabeça este artigo é, por enquanto: em nome de nada.

*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics


Luiz Carlos Azedo: A lição de Brumadinho

“A narrativa de que a legislação e a fiscalização ambientais são um entrave ao desenvolvimento não é somente falsa, é um erro de conceito, assim como achar que o aquecimento global é cascata”

Erros de conceito custam caro para qualquer estratégia empresarial. Costumam causar desastres irreparáveis, como os de Mariana e Brumadinho. O poder da Vale nos estados onde atua, como Minas, Pará, Maranhão e Espírito Santo, além do poderoso lobby que sempre manteve junto ao governo federal, ao Congresso e ao próprio Judiciário, foi exercido de forma permanente para reduzir custos com medidas de segurança e de controle de impacto ambiental. Prefeituras de todas as áreas onde atua vivem perdendo as quedas de braço com a empresa, que prefere fazer políticas compensatórias de caráter social e urbano do que investir mais pesado na redução de danos ambientais. Agora, a casa caiu.

O plano para “descomissionar” todas as suas barragens construídas pelo método de “alteamento” ã montante é uma confissão de culpa e o reconhecimento de que houve erro de conceito na forma como a empresa resolveu tratar os dejetos de suas atividades de mineração, que poderiam ser reaproveitados utilizando tecnologias mais modernas. “Todas as barragens da Vale apresentam laudos de estabilidade emitidos por empresas externas, independentes e conceituadas internacionalmente”, alega a companhia. As represas que desmoronaram, porém, também tinham esses laudos. No caso de Brumadinho, seus responsáveis já estão até presos.

Qual é a razão de tais medidas não terem sido adotadas antes? A própria Vale fornece uma pista. Estima-se que serão gastos R$ 5 bilhões para a desativação das barragens, ao longo dos próximos três anos. A empresa está sendo obrigada, por medida de segurança, a suspender as operações de Abóboras, Vargem Grande, Capitão do Mato e Tamanduá, no complexo Vargem Grande, e as operações de Jangada, Fábrica, Segredo, João Pereira e Alto Bandeira, no complexo Paraopeba, incluindo também a paralisação das plantas de pelotização de Fábrica e Vargem Grande. Deixarão de ser produzidos 40 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, dos quais 11 milhões de toneladas de pelotas.

A Vale pretende redirecionar a produção para outras regiões do país — cada vez mais, as suas atividades de mineração se deslocam de Minas/Espírito para o Pará/Maranhão — e aproveitar todos os trabalhadores da empresa, mas qual será o impacto na economia das cidades mineiras e capixabas, em termos de arrecadação e geração de emprego e renda? Com certeza, será muito negativo. O caso de Brumadinho, nesse aspecto específico, é muito pedagógico, pois reflete um erro de conceito da empresa em relação ao reequilíbrio de suas atividades com o meio ambiente e o entorno social. Há outros erros correlatos, mas o principal talvez seja a subordinação da agenda ambiental aos interesses da produção e da lucratividade financeira da empresa, custe o que custar, embora isso esteja em contradição com a missão definida no planejamento estratégico da própria: “Transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável”.

Narrativas
Brumadinho também pôs de pernas para o ar a narrativa do novo governo sobre a questão ambiental, que se tornou uma agenda emergente. Os trabalhos no Congresso serão reabertos amanhã, mas nos corredores da Câmara e do Senado, ontem, já se articulavam uma comissão especial de inquérito para investigar a Vale e outra comissão, mista, isto é, em conjunto com o Senado, para investigar milhares de barragens existentes no país, muitas delas sem licenciamento sequer. Não se deve demonizar a mineração, que é uma atividade essencial para a economia do país, mas há que se repensar o modus operandi das companhias: o custo da tragédia de Brumadinho será muito maior do que aquele que se teria se tivesse adotado medidas efetivas. O saldo dessa tragédia, até agora, é de quase 100 mortos e mais de 250 pessoas desaparecidas. O impacto na opinião pública das operações de resgate é mundial e já mobiliza os organismos internacionais e acionistas da própria Vale.

Mariana é um exemplo do poder do lobby da Vale junto aos governos, ao Congresso e ao Judiciário no sentido de não honrar suas responsabilidades ambientais e sociais; a empresa simplesmente se recusa a pagar as multas aplicadas e é um dos atores mais poderosos no sentido de desmoralizar os órgãos de controle ambiental e seus técnicos. A narrativa de que a legislação e a fiscalização ambientais são um entrave ao desenvolvimento não é somente falsa, é um erro de conceito. Mais ou menos como achar que o aquecimento global é uma cascata dos seus pesquisadores, quando as alterações climáticas estão aí mesmo, alterando a rotina das pessoas e provocando catástrofes naturais pelo mundo. O Brasil não está fora disso.

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Luiz Carlos Azedo: Eles estão voltando

“Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas, principalmente a da Previdência, e o fortalecimento da Câmara e do Senado”

As articulações para ocupação de espaços nas Mesas do Congresso e nas comissões permanentes da Câmara e do Senado já estão em pleno andamento. Há políticos veteranos que sobreviveram ao tsunami eleitoral, novatos que nunca exerceram um mandato e alguns que estão voltando ao Congresso ou participavam de legislativos estaduais e municipais. Nenhum dos 513 deputados e 81 senadores é bobo. Não existe essa categoria no parlamento, como dizia Ulysses Guimarães. Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas que serão encaminhadas pelo governo, principalmente a da Previdência; e o fortalecimento da Câmara e do Senado, que vêm de eleições nas quais ficou patente o descolamento de ambos da sociedade. A relação dos políticos com o Executivo e o Judiciário será balizada pela eleição das Mesas da Câmara e do Senado.

Vamos às reformas. São quatro as mais importantes, mas a da Previdência é uma espécie de Rubicão para o governo Bolsonaro, sem a qual a economia não deslanchará. A dificuldade do governo não é de natureza técnica, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, sabe o que precisa fazer. O problema é político. A base governista é muito heterogênea e foi articulada a partir de frentes parlamentares com interesses específicos, como as do agronegócio, dos evangélicos e da bala. É mais fácil atrair setores da oposição para a reforma da Previdência, por exemplo, do que a bancada da bala, formada majoritariamente por policiais e militares que não querem abrir mão de seus privilégios. Além disso, a alta burocracia está mobilizada e faz um lobby poderoso, encabeçado por magistrados e procuradores.

A segunda reforma mais importante e difícil é a tributária. A resistência é inercial, alguém já disse que imposto bom é imposto velho. Mas a carga tributária e a burocracia são brutais, como sustenta o presidente Jair Bolsonaro. Com a tecnologia ficou muito fácil arrecadar, mas cada vez mais difícil, financeiramente, pagar. Há um clamor na sociedade, principalmente na economia formal, a favor da redução de impostos. Talvez seja a reforma mais popular entre agentes econômicos, principalmente empreendedores e assalariados. O problema é o pacto federativo, entre a União, que arrecada muito mais e gasta muito pior, e os estados e municípios, os entes federados. O nó górdio da reforma é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), arrecadado na origem; a maioria dos estados quer que seja recolhido no destino, como já acontece com o combustível, mas os estados produtores são muito mais poderosos do que os consumidores. O governo não sabe ainda como desatar esse nó.

Casa de enforcado
A questão do combate à corrupção e à criminalidade é a terceira reforma, cuja formulação está a cargo do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A Lava-Jato teve um papel decisivo na eleição, mas também é um trauma para políticos, principalmente os que sobreviveram. Endurecer ainda mais o jogo em relação ao caixa dois eleitoral e à improbidade administrativa é como falar de corda em casa de enforcado, no caso, o Congresso. E, depois do caso Queiroz, o senador Flávio Bolsonaro(PSL-RJ) é primeiro da fila do cadafalso. Mas, em contrapartida, o endurecimento das penas para crimes como latrocínio, feminicídio e tráfico de drogas é barbada. Soa como música para a maioria dos parlamentares, que também não são tão resistentes à flexibilização do porte de armas, tema favorito da chamada Bancada da Bala e do próprio presidente da República.

A quarta questão, na verdade, é uma contrarreforma. Trata-se da questão dos costumes e do Estado laico, em torno da qual se dará um grande embate entre os setores conservadores que serviram de vanguarda para a campanha de Bolsonaro e as forças derrotadas na eleição, que buscam refúgio nessa pauta. É uma agenda que envolve a questão dos direitos humanos e dos direitos civis, em conexão direta com o mundo da cultura e da educação. Embora sejam temas que não tratam diretamente das relações de poder entre os políticos, essa agenda é a que tem mais conexão com a sociedade civil e suas agências, com forte repercussão no Congresso. Outra agenda emergente é a ambiental, em evidência novamente por causa da tragédia de Brumadinho (MG). É uma agenda de resistência, que tem muito a ver com a centralidade econômica da produção de commodities de minérios e agrícolas, hoje o polo mais dinâmico da nossa economia.

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Rogério Furquim Werneck: Atalhos e mágicas

Em meio à grave crise fiscal que vive o país, a perda da receita proveniente de encargos sobre a folha terá de ser compensada

Com o país à espera da proposta de reforma da Previdência que o governo afinal submeterá ao Congresso, a Secretaria Especial da Receita vem adiantando alternativas de reforma tributária com que vem trabalhando. Duas delas causam preocupação.

O governo quer desonerar a folha de pagamentos. Mundo afora, a Previdência Social vem sendo financiada com encargos sobre a folha. Mas o governo está convencido de que são os encargos sobre a folha que vêm preservando a informalidade no mercado de trabalho e entravando a expansão do emprego.

Em meio à grave crise fiscal que vive o país, a perda da receita proveniente de encargos sobre a folha terá de ser compensada. A questão é encontrar fonte alternativa de financiamento numa economia já escandalosamente sobretaxada. Algo mais terá de ser onerado para que a folha seja desonerada. Quem arcará com a tributação compensatória que terá de ser imposta? Não é uma indagação que parece preocupar o governo. O que se aventa em Brasília é recorrer a tributos primitivos, de coleta fácil. Impostos cumulativos, cobrados em cascata, altamente ineficientes e com incidência sabidamente difusa e incerta.

A contribuição patronal sobre a folha seria preferencialmente substituída ou por um imposto de alíquota única incidente sobre faturamento das empresas ou por um “imposto sobre pagamentos, que atingiria todo o fluxo de caixa das empresas”, como esclareceu o secretário especial da Receita (“Valor”, 21/1). Tanto uma alternativa como outra representariam retrocessos lamentáveis, na contramão do esforço de reforma tributária que hoje se faz necessário no país.

Contribuição patronal cobrada sobre faturamento das empresas não chega a ser novidade. Foi introduzida pela inesquecível equipe de Dilma Rousseff, num arranjo de alíquotas fixadas caso a caso, ao sabor da grita e do lobby de cada setor. Implantada inicialmente em setores escolhidos a dedo, teve de ser estendida a muitos outros, sob pressão do Congresso.

A experiência configurou deplorável degradação do sistema tributário, na contracorrente de anos de esforço de eliminação da tributação cumulativa no país. E, não obstante o louvável empenho da equipe econômica do governo Temer, a cobrança de contribuições patronais sobre faturamento não pôde ser completamente eliminada. Subsiste ainda em setores com mais influência no Congresso. É espantoso que volte agora a ser contemplada pelo governo.

Tampouco chega a ser novidade a tributação sobre movimentação financeira, agora disfarçada sob o manto de um “imposto sobre pagamentos, que atingiria todo o fluxo de caixa das empresas”, talvez para escapar da notória ojeriza de Jair Bolsonaro à CPMF, forjada no embate de 2007, quando o Congresso, em boa hora, negou-se a aprovar a prorrogação da cobrança do tributo proposta pelo presidente Lula.

Nunca é demais lembrar, recorrendo a uma conta simples, o que há de errado com a CPMF. Quando deixou de ser cobrada em 2007, com alíquota de 0,38%, a contribuição permitia arrecadar R$ 38 bilhões. Dividindo-se a arrecadação pela alíquota chega-se à fabulosa base fiscal sobre a qual incidia a contribuição. Nada menos do que R$ 10 trilhões. Valor correspondente a quase quatro PIBs da economia brasileira em 2007.

A mágica decorre da incidência em cascata da CPMF, que dá lugar a uma base fiscal fictícia, sem contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda, consumo, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “pequena” sobre uma base gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista. É inacreditável que, a esta altura, ainda haja quem continue a defender a recriação de tributos sobre movimentação financeira.

São propostas impensadas, que pecam pelo escapismo, ao tentar passar ao largo da complexidade do problema. Não há atalhos e soluções mágicas no duro caminho de racionalização do sistema tributário que o país tem pela frente.


Luiz Carlos Azedo: Seis minutos

“Bolsonaro procurou desfazer a repercussão internacional negativa gerada por decisões recentes de seu governo sobre o meio ambiente”

O esperado discurso do presidente Jair Bolsonaro em Davos, na Suíça, para um seleto grupo de empresários e políticos, foi uma espécie de copo pela metade, gelado. De um lado, sinalizou o que investidores gostariam de ouvir em termos de direção a ser seguida pelo país; de outro, decepcionou-os por não apresentar propostas concretas de reformas, o que deixou uma impressão de superficialidade. Bolsonaro poderia ter roubado a cena em Davos, diante da ausência de peso-pesados da política mundial, como os presidentes Donald Trump (EUA), Xi Jinping (China), Emmanuel Macron (França), Vladimir Putin (Rússia) e os primeiros-ministros Theresa May (Reino Unido) e Ram Nath Kovind (Índia).

A opção pelo feijão com arroz não deixa de ser positiva, se levarmos em conta, por exemplo, a política externa anunciada no discurso de posse do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, cuja presença no Fórum Econômico Mundial foi ofuscada pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Sérgio Moro (Justiça). Bolsonaro leu um discurso no qual falou de segurança, preservação ambiental e desenvolvimento, redução de impostos, respeito aos contratos, privatizações, ajuste fiscal, reforma da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Para não deixar de lado a retórica da campanha eleitoral, o presidente brasileiro criticou o bolivarianismo e defendeu a propriedade privada, a família e os “verdadeiros direitos humanos”. Anunciou a meta bastante exequível de colocar o Brasil entre os 50 melhores países para se investir e a necessidade de educação voltada aos desafios da “quarta revolução industrial”. Apenas três líderes do chamado G7 participarão da reunião de Davos: o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe; a chanceler alemã, Angela Merkel; e o premiê italiano, Giuseppe Conte.

Bolsonaro procurou desfazer a repercussão internacional negativa gerada por decisões recentes de seu governo sobre o meio ambiente. Durante o discurso, enfatizou que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente e que o governo quer compatibilizar preservação e biodiversidade com avanço econômico. Disse que a agricultura ocupa somente 9% do território brasileiro, e a pecuária, menos de 20%. “Hoje, 30% do Brasil são florestas. Então, nós damos, sim, exemplo para o mundo. O que pudermos aperfeiçoar, o faremos. Nós pretendemos estar sintonizados com o mundo na busca da diminuição de CO2 e na preservação do meio ambiente”, declarou, após ser questionado pelo fundador e presidente do Fórum, Klaus Schwab. Depois, em reunião com investidores, confirmou que o Brasil permanecerá no Acordo de Paris sobre o clima. Além de destacar a intenção de ampliar a abertura comercial e a integração à economia mundial, Bolsonaro ressaltou a intenção de combater a corrupção, frisando o papel nesse sentido do ex-juiz Sergio Moro, no Ministério da Justiça.

Relações perigosas

No Brasil, porém, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, está na frigideira, por causa do ex-assessor Fabrício Queiroz. Raimunda Veras Magalhães, mãe do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, aparece em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como uma das pessoas que fizeram depósitos para o ex-motorista do então deputado estadual. Ela depositou R$ 4,6 mil na conta de Fabrício, de um salário líquido de R$ 5.124,62 na Alerj.

A mãe de Adriano foi assessora da liderança do Partido Progressista (PP), ao qual Flávio Bolsonaro era filiado. Ela deixou o cargo quando o deputado se filiou ao PSC. Em 29 de junho de 2016, Raimunda voltou à Alerj, desta vez no gabinete de Flávio, sendo exonerada somente em novembro do ano passado. A mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, também trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, com o mesmo salário da sogra.

O problema é o ex-capitão do Bope, que está foragido. Uma força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu ontem cinco suspeitos de integrar uma milícia envolvida em grilagem de terra. Entre eles, estão um major da PM e um tenente reformado, além de Adriano. Mais oito pessoas são procuradas, duas estão entre os suspeitos do caso Marielle Franco, a vereadora do Psol assassinada no Rio de Janeiro no ano passado, e seu assessor Anderson Gomes.

As investigações se baseiam em escutas telefônicas e relatos recebidos pelo Disque Denúncia. Segundo a promotora Simone Sibilio, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), algumas pessoas presas também integram o “escritório do crime”, grupo de assassinos de aluguel investigado pela morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. “A gente não descarta a participação no crime de Marielle Franco, mas não podemos afirmar isso neste momento. Essa operação não visou prender pessoas relacionadas ao crime da Marielle e Anderson. Se chegarmos à conclusão de que eles têm participação, aí, vamos trabalhar no inquérito relativo a esse crime”, afirmou Simone.

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