Economia
Luiz Carlos Azedo: Um dinheiro aí
“Guedes pretendia liberar R$ 30 bilhões em saques do FGTS, mas os empresários da construção civil se opõem a isso e Bolsonaro adiou a medida”
O governo armou uma festa ontem, no Palácio do Planalto, para comemorar os 200 dias do presidente Jair Bolsonaro no poder, efeméride inédita em relação aos antecessores, mas faltou a cereja do bolo: a liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como estava previsto, porque a equipe econômica não chegou a um acordo com o setor da construção civil. A medida fora anunciada como uma ação de governo para o reaquecimento a economia.
O governo pretende liberar R$ 30 bilhões de recursos do fundo, de um total de R$ 100 bilhões, mas os empresários do setor, que está em crise, fizeram forte lobby durante a semana para evitar que isso acontecesse. Temem que a medida aprofunde a crise de financiamento do setor, principalmente do programa Minha Casa, Minha Vida, que foi o carro-chefe do primeiro governo de Dilma Rousseff. Como se sabe, a construção civil é um dos setores que mais empregam mão de obra e exerce grande efeito multiplicador sobre a economia.
Por ordem do próprio Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe adiaram a decisão, iniciando negociações com o setor da construção civil. A aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno pela Câmara melhorou o otimismo dos agentes econômicos com o futuro da economia, mas isso ainda é apenas uma boa expectativa. Como sempre acontece, quando se alcança um objetivo prioritário, surgem outros: o mercado cobra medidas econômicas para reaquecer a economia, enquanto a população sofre com o desemprego.
Muita grana
Segundo a Caixa Econômica Federal, em 2017, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) injetou na economia o total de R$ 227 bilhões. Somente os saques de contas inativas representaram R$ 44 bilhões, o que ajudou as famílias a reduzirem seu endividamento. Os outros R$ 183 bilhões corresponderam ao pagamento de saques regulares do FGTS (R$ 119 bilhões), financiamentos da casa própria (R$ 59,2 bilhões) e programas de saneamento e infraestrutura (R$ 4,2 bilhões).
A liberação das contas inativas foi uma alternativa adotada pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para enfrentar a profunda recessão causada pela “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff, uma das causas políticas de seu impeachment. A medida foi eficaz para retomar a atividade econômica, mas funcionou como um paliativo, porque a reforma da Previdência acabou bloqueada no Congresso, após as denúncias do então procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer.
Do orçamento de R$ 85,5 bilhões aprovado para 2018 pelo Conselho Curador do FGTS, R$ 69,4 bilhões foram destinados à habitação, sendo a maior parte para a habitação popular (R$ 62 bilhões) e R$ 5 bilhões para a linha de crédito imobiliário Pró-Cotista. Já os recursos destinados ao saneamento e à infraestrutura foram de R$ 6,8 bilhões e 8,6 bilhões, respectivamente.
O problema é que a arrecadação do FGTS vem caindo por causa do desemprego e da crise financeira das empresas, que deixam de recolher a contribuição ao fundo. Apesar de apresentar arrecadação líquida positiva (arrecadação bruta das contribuições menos os saques efetuados pelos trabalhadores), o fundo vem desabando: em 2017, o FGTS obteve aproximadamente R$ 4,9 bilhões, menos da metade em relação a 2016 (R$ 10,2 bilhões) e o menor valor desde 2007 (R$ 3,3 bilhões).
Nunca antes
A reforma da Previdência, após as mudanças aprovadas pela Câmara dos Deputados, representará uma economia de R$ 933,5 bilhões em 10 anos, segundo os cálculos do governo, cuja meta era economizar pelo menos R$ 1 trilhão. Segundo o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, mesmo assim, a reforma é “a maior, mais abrangente, mais ambiciosa, e mais longeva reestruturação do sistema previdenciário desde a época do Império.”
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-um-dinheiro-ai/
Cristiano Romero: Gasto é mais eficaz para reduzir iniquidades
Além da reforma, políticas sociais serão sempre necessárias
O Brasil, como se sabe, está entre as nações que mais concentram renda no planeta. Números do IBGE, referentes a 2017, mostram que o rendimento per capita médio mensal, que considera renda do trabalho e da aposentadoria, além de itens como pensão, aluguel e transferência direta de renda de programas sociais como o Bolsa Família, foi de R$ 6.629 para os 10% mais ricos da população. Na parcela dos 40% mais pobres, restringiu-se a R$ 376 por mês. A diferença entre as duas faixas revela, portanto, que os mais ricos recebem 17,6 vezes mais que os mais pobres e isso nos define como sociedade. A distância, vexaminosa, tem aumentado. Apesar dos avanços civilizadores dos últimos 30 anos, nosso "pacto social" é claramente insuficiente.
As razões para a concentração de renda têm variadas explicações, desde o modelo de colonização, baseado na concessão de "capitanias hereditárias" pela coroa portuguesa, até o domínio do orçamento público por grupos de interesses específicos (das multinacionais que fabricam automóveis à burocracia estatal autóctone), passando pela ignomínia da escravidão, com a qual convivemos durante quase quatro séculos e, sob disfarces, mantemos como característica imutável do nosso caráter. Um país que há décadas vê 50 milhões de seus habitantes (público-alvo do Bolsa Família), o equivalente a quase 25% de sua população, vivendo em condições de miséria e sem condição alguma de emancipação é uma nação derrotada.
No Brasil de tanta iniquidade, todas, isso mesmo, todas as políticas públicas deveriam ter caráter distributivo. E toda e qualquer iniciativa que demande gasto público deveria ser avaliada uma vez por ano, por entidades independentes, para verificar se estão servindo ao propósito prometido. O Bolsa Família, por exemplo, é reconhecido internacionalmente como um programa social meritório. Ajudou a diminuir a miséria, mas não emancipou as famílias - o número de beneficiários atualmente é praticamente o mesmo de 2004, quando a iniciativa foi lançada.
No momento em que o Congresso Nacional começa a debater a reforma tributária, o tema da regressividade da carga de impostos que os brasileiros pagam volta ser discutida. Presidente da comissão especial que analisou e deu o texto final à reforma da Previdência aprovada em primeiro turno na Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) adianta que é forte a ideia de usar as mudanças do sistema tributário como uma oportunidade para enfrentar as desigualdades do país. A preocupação é válida.
Especialistas, como Everardo Maciel, secretário da Receita Federal nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, identificam no regime tributário nacional elementos que, de fato, contribuem para agravar a desigualdade de renda. Ainda assim, defendem que o problema da concentração seja enfrentado pela redefinição dos gastos.
Esta coluna relacionou temas que, muito provavelmente, serão tratados durante a tramitação da reforma tributária. Seriam os seguintes:
1. Pobre paga mais imposto que os ricos porque o sistema taxa mais o consumo do que a renda. Isso corre por existe uma miríade tributos incidindo sobre o consumo e o faturamento e os mais pobres gastam a maior parte de sua renda com consumo.
2. A tabela é progressiva nas alíquotas, mas se torna regressiva no geral porque permite dedução da base de cálculo dos gastos com educação (com limite) e saúde (sem limite);
3. A alíquota efetiva do Imposto de Renda no Brasil é baixa - de 23,3%, podendo ainda ser bem menor após deduções -, quando comparada à das nações de economia avançada;
4. O IR não precisa ser tema da reforma porque mudanças podem ser feitas por legislação ordinária. Everardo Maciel fez a reforma do IR em seus oito anos à frente da Receita Federal;
5. O Brasil criou um IVA, o ICMS, em 1967, com alíquota única para todos os Estados. O problema é que, em 1969, emenda à Constituição permitiu que Estados mexessem em alíquotas e base de cálculo, via Confaz;
6. Não se resolve o problema da concentração de renda via reforma tributária, mas, sim, por meio do gasto. Decisões de governos eleitos pelo povo é que têm o poder de distribuir renda. Governantes são eleitos para isso: decidir onde alocar os sempre escassos recursos pagos pelos contribuintes. Cabe ao eleitor escolher quem considera melhor para essa tarefa. O eleitor define se quer um governante que invista mais em educação e saúde do que em áreas onde a presença do Estado não é ou nunca foi crucial;
7. Como a Constituição de 1988 criou atribuições para a União, mas não lhe deu as devidas receitas, o governo federal criou contribuições sociais, como a Cofins, cuja a receita não precisa ser distribuída a Estados e municípios. Os Estados, por sua vez, majoraram ao longo do tempo as alíquotas do ICMS e promoveram guerra entre si para atrair investimentos.
Novos atores
Marcelo Ramos é um destacado integrante da elite de parlamentares que começa a emergir no Congresso. O Parlamento não é dominado por um ou mesmo por dois ou três partidos políticos. Estes já foram mais expressivos em número de representantes.
A fragmentação partidária intensificou-se durante a prevalência do chamado "presidencialismo de coalizão", marca do pragmatismo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010), mas sempre existiu. O fenômeno acaba por aumentar a importância de parlamentares como Ramos, que, isoladamente, influencia com sua liderança os votos de dezenas de deputados.
No momento em que o Congresso assume protagonismo inédito - e, diga-se, positivo - na condução das reformas institucionais, Ramos desponta como liderança a ser acompanhada. Comunista na juventude, não teve receio de liderar comissão que tratou de tema considerado "impopular".
Arnaldo Jardim: Política que constrói
Aprovada a Reforma da Previdência em 1º turno, na Câmara, estabelecemos um novo momento no País!
Criamos condições para acabar com o rombo nas contas públicas, para diminuir privilégios e modificar uma sistemática que concentrava rendas como é a velha previdência. Podemos assim ter uma nova previdência, sustentável, mais igualitária e que abra um ciclo de reformas necessárias ao Estado Brasileiro, aguardado por toda a sociedade.
Agora a Câmara dos Deputados começa imediatamente a discutir a Reforma Tributária, cuja comissão especial já foi instaurada nesta última quarta-feira, 10/07/2019, e tem prazo para apresentar sua proposta até outubro próximo.
Prioritária também será a comissão especial que definirá proposta para o marco regulatório das PPP’s, concessões públicas e fundos de investimentos em infraestrutura. Matéria da qual serei relator.
O aprendizado maior, porém, do processo de aprovação da reforma é que podemos, e devemos, praticar a Boa Política!
Uma grande maioria parlamentar se estabeleceu, aglutinando deputados que apoiam o governo, outros independentes, como eu, e até oposicionistas. Todos se somando para aprovar uma mudança estrutural difícil, que enfrenta resistências e interesses, mas necessária ao Brasil.
Essa construção ocorreu partir da discussão de mérito, debate sobre as alternativas possíveis, e foi embalada pela certeza de que era imperativo cortar privilégios, rever conceitos e deixar de lado o olhar particular, corporativista, para fazer prevalecer o interesse geral da Nação.
Ninguém tem dúvida de que o grande desafio é a retomada do crescimento econômico – único caminho pra enfrentar o desemprego de forma sustentável. E as reformas estruturais são fundamentais para isso. Indispensável, porém, é consolidarmos que o instrumento para atingir este objetivo, esta transformação, é o diálogo, a Democracia.
Os radicais e incendiários, aqueles que se apegam a retórica populista devem ser isolados e superados. Construtores de consensos e os defensores da reflexão substantiva prevalecerem. Este episódio demonstrou que isso é possível, é o único caminho.
Luiz Carlos Azedo, jornalista do Correio Brasiliense, escreveu: “Ontem vivemos uma inflexão no processo de confrontação que havia se instalado entre o Executivo e o Legislativo, um momento de afirmação da nossa democracia e do Congresso”. Lembrou ainda: “Congresso, que havia perdido o papel de mediador dos conflitos da sociedade, resgata esse protagonismo e se assenhora cada vez mais da grande política, como é o caso agora da reforma da Previdência”.
Destaco, ainda, o comando decidido e ponderado de Rodrigo Maia que liderou para que avançássemos, para que todos se irmanassem no fortalecimento das nossas instituições.
Fazer as reformas. Retomar o crescimento. Para isso, a política é a esperança. O caminho para superar os desafios e nos afirmarmos como Nação.
A boa política!
Arnaldo Jardim é deputado federal pelo Cidadania-SP
Luiz Carlos Azedo: Um pouco de Gramsci
“Congresso, que havia perdido o papel de mediador dos conflitos da sociedade, resgata esse protagonismo e se assenhora cada vez mais da grande política, como é o caso agora da reforma da Previdência”
Parafraseando o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, autor de A Grande Família e Rasga Coração, a propósito do pessedismo (a manha política das velhas raposas liberais do antigo PSD), um pouco de Gramsci também não faz mal a ninguém. Mesmo que desperte a ira da patrulha ideológica contrária ao chamado “marxismo cultural”. Na verdade, o republicanismo laico e o primado da política em relação à fé são fundamentos de Nicolau Maquiável, que escreveu O Príncipe em 1513. A obra seminal da política moderna, publicada postumamente em 1532, promoveu a ultrapassagem do Estado teológico medieval. Antecede Karl Marx e seus discípulos.
Entretanto, o filósofo marxista italiano pode nos ajudar a entender o que está acontecendo a partir do colapso do presidencialismo de coalizão. A expressão foi usada a primeira vez há mais de 30 anos, no título de um artigo acadêmico do cientista político Sérgio Abranches, para explicar o funcionamento do presidencialismo brasileiro num ambiente de fragmentação partidária. Para governar, o presidente da República precisa costurar uma ampla maioria, frequentemente contraditória em relação ao programa do partido no poder, com grande potencial de conflitos ideológicos e políticos. O maior dilema institucional seria o aprisionamento do presidente da República pelas forças hegemônicas do Congresso, no vácuo de uma Constituição de viés antiparlamentarista.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para justificar suas alianças, recomendava aos amigos lerem Um estadista no Império, de Joaquim Nabuco, um tratado sobre a política de conciliação do Marquês de Paraná, que garantiu estabilidade política a D. Pedro II durante seu reinado. Em 1853, para formar o gabinete do Conselho de Ministros, o mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão buscou conciliar as ações políticas dos dois partidos do Império, o Conservador e o Liberal, em torno de interesses comuns. Com isso, conseguiu conter as insatisfações liberais e isolar os republicanos. O ponto de encontro era a aproximação dos liberais que também defendiam os interesses latifundiários escravistas como os conservadores, todos embalados pelo avanço das lavouras de café. O maior crítico desse modelo foi Capistrano de Abreu, para quem política de conciliação era um “termo honesto e decente para qualificar a prostituição política de uma época.”
Grande política
A gênese dessa política foi um discurso do conselheiro Nabuco de Araújo, intitulado a “Ponte de Ouro”, no qual anunciou a estratégia dos conservadores que haviam sido derrotados pelos liberais nas eleições: se manteriam em oposição nas províncias, mas apoiaram a aliança imperial com os liberais no Conselho de Ministros. A conciliação política marcou o apogeu do período Imperial, financiado pelos recursos financeiros advindos da exportação do café. Mas a Guerra do Paraguai (1864-1870) e as ações pela abolição da escravidão levariam à criação do Partido Republicano por setores liberais abolicionistas, em 1870. Entretanto, a partir do Senado, mesmo assim, se tornou uma cultura política que atravessou a República Velha e a Segunda República, renascendo das cinzas depois da redemocratização do país, em 1985.
Ao contrário do que muitos imaginavam, o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez uma ruptura com a política de conciliação, apenas inverteu as posições, para isolar o PSDB e o antigo PFL, eixos do presidencialismo de coalizão no governo FHC. Em seu lugar, Lula pôs o MDB e os partidos do Centrão, administrando as tensões entre esses aliados e suas bases petistas nos estados, muitas vezes em oposição, como no Maranhão. O patrimonialismo e o fisiologismo das velhas e novas oligarquias políticas não somente sobreviveram como adquiriram uma nova escala de organização sistêmica. O resultado todo mundo conhece: o modelo entrou em colapso no governo Dilma Rousseff e, nesse vácuo, Jair Bolsonaro se tornou alternativa de poder e venceu as eleições à Presidência. Também houve grande renovação na composição do Congresso.
Como Gramsci volta à prosa? Na separação entre a “grande” e a “pequena” políticas. Uma das características do presidencialismo de coalizão era o monopólio da “grande política” pelo Executivo, legando ao Congresso a “pequena política”. Para o filósofo italiano, Maquiavel examinou sobretudo as questões de grande política, compreendida como “as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais”. A pequena abarca “as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura; estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política”.
Ao liquidar o presidencialismo de coalizão e promover uma ruptura com a política de conciliação, Bolsonaro parece inverter esses papéis, dando exagerada atenção à pequena política, inclusive no terreno diplomático. Ao contrário, o Congresso, que havia perdido o papel de mediador dos conflitos da sociedade, resgata esse protagonismo, parece tomar gosto pela situação e se assenhora cada vez mais da grande política, como é o caso agora da reforma da Previdência.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-um-pouco-de-gramsci/
Luiz Carlos Azedo: Corrida contra o recesso
“Não aprovar a reforma sinalizaria dificuldades políticas que podem até aumentar no segundo semestre”
Tem razão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): a aprovação da reforma da Previdência será uma construção do Congresso. Aprovada pela comissão especial, a proposta de iniciativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi mitigada pelos parlamentares, para formar uma maioria que vai garantir um montante de economia para os cofres do governo em torno dos R$ 900 bilhões. Em alguns momentos, porém, o governo atrapalhou mais do que ajudou, como na semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro quis fazer duas emendas ao substitutivo do deputado Samuel Moreira (PDSDB-SP) para beneficiar setores de sua base eleitoral.
“Acho que a construção desse texto se deve à capacidade de diálogo, ao equilíbrio do Parlamento brasileiro. Todos participaram. Aqueles que defendem a proposta e aqueles que não defendem a proposta. Então, é importante que a gente entre nesta semana com essa clareza, que o texto foi uma construção parlamentar”, disse Maia, a propósito das discussões realizadas até agora. O presidente da Câmara fez várias reuniões para tentar garantir a aprovação da reforma em primeira votação ainda nesta semana, concluindo-a na próxima, se não conseguir votar tudo até sábado. É uma corrida contra o tempo, ou melhor, contra o recesso parlamentar. Não aprovar a reforma sinalizaria dificuldades políticas que podem até aumentar no segundo semestre.
Maia estima que a proposta da comissão especial tenha maioria em plenário. Para aprovar uma emenda à Constituição, são necessários os votos de 308 dos 513 deputados (3/5 da Câmara) em dois turnos de votação. As turbulências são previsíveis, a oposição espera ter até 150 votos contra a reforma e fará tudo para obstruir a votação; Bolsonaro provavelmente orientará aliados para aprovar as emendas que favorecem o pessoal da segurança pública, cujos representantes eleitos hoje têm certo protagonismo na Câmara, a começar pelo líder do governo, deputado major Vitor Hugo. Mas isso é pedra cantada, porque se formou um certo alinhamento de astros entre o mercado financeiro e parte da opinião pública a favor da reforma, que pode resultar em 340 votos em plenário a favor do projeto.
Ao que tudo indica, o governo jogou a toalha quanto à inclusão de estados e municípios na nova Previdência, proposta rejeitada pelo relator e pela comissão especial. A líder do governo no Congresso Nacional, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), passou recibo. Segundo ela, “não é grande” a chance de inclusão de servidores estaduais e municipais na reforma da Previdência durante discussão e votação no plenário da Câmara. A estratégia do governo é voltar à carga no Senado, supostamente mais suscetível a aceitar a emenda, porque os senadores, eleitos pelo voto majoritário, têm preocupações eleitorais diferentes dos deputados federais, que temem a concorrência de deputados estaduais e prefeitos nas suas bases eleitorais em 2022. Hasselmann trava uma batalha particular na bancada do PSL, que é muito corporativista, para que não sejam apresentadas emendas ao texto.
Popularidade
Pesquisa DataFolha divulgada ontem ajuda a entender a vaia dos torcedores ao presidente Jair Bolsonaro no domingo, durante a final da Copa América, em pleno Maracanã, mesmo acompanhado do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Alguém já disse que a torcida no Maracanã vaia até minuto de silêncio, mas isso é apenas uma forma de contemporização. A avaliação do governo Bolsonaro (PSL) não mudou muito de abril para junho: ótimo/bom: 33%; regular: 31%; ruim/péssimo: 33%; Não sabe/não respondeu: 2%. Na margem de erro, a variação registrou alta de 1% na avaliação positiva, mas subiu 3% na negativa: Em abril, quando foi realizada a pesquisa anterior, os índices foram: Ótimo/bom: 32%; Regular: 33%; Ruim/péssimo: 30%; Não sabe/não respondeu: 4%.
Após seis meses de mandato, a expectativa de sucesso do governo variou negativamente: 51% esperam que Bolsonaro faça um governo ótimo ou bom; 21%, regular; e 24%, péssimo. Antes da posse, 65% esperavam que Bolsonaro fizesse um governo ótimo ou bom, contra 17% de regular e 12%, ruim ou péssimo. A pesquisa foi realizada nos dias 4 e 5 de julho com 2.086 entrevistados com mais de 16 anos, em 130 cidades do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos. O nível de confiança da pesquisa é de 95%.
Trocando em miúdos, a estratégia de radicalização política de Bolsonaro, ao estabelecer a Lava-Jato como divisor de águas da opinião pública em relação ao seu governo, estancou a queda de sua avaliação nas pesquisas. A Lava-Jato continua sendo uma linha de força da vida política nacional, bem como o antipetismo. Bolsonaro sabe disso e se instalou nessas duas trincheiras. De certa forma, com isso, também evitou maiores desgastes com a reforma da Previdência, que foi assumida pelo Congresso. Todas as vezes que apoiou ostensivamente a reforma, o presidente da República criou uma polêmica com a oposição que deslocava o debate desse eixo. A vaia no Maracanã veio da parcela da sociedade que considera seu governo ruim e péssimo.
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Affonso Celso Pastore: A perspectiva é de uma recuperação muito lenta
Para retomar o crescimento não basta a aprovação da reforma da Previdência
A economia internacional não para de causar surpresas. Desacelerações no crescimento estão ocorrendo em países avançados e emergentes, mas os preços dos ativos estão em alta. Nos EUA, depois de queda em 2018, os preços das ações voltaram a crescer, e as taxas das treasuries despencaram ao lado da expectativa de iminente corte na taxa de juros. Contudo, se nos EUA há espaço para um afrouxamento monetário, o mesmo não ocorre na Europa, onde o BCE está preso ao zero-bound. A economia mundial atravessa um período de taxas de juros e de crescimento econômico baixos, que pode não ser a secular stagnation descrita por Larry Summers, mas estará conosco por um bom tempo. Afinal, as taxas reais neutras de juros no mundo caíram, e por trás desse movimento também estão as causas da desaceleração do crescimento mundial.
No Brasil assistimos algo semelhante, com os preços dos ativos em acentuada valorização ao lado de uma economia muito deprimida. Se não fosse o impulso aos preços dos ativos vindo do mercado financeiro internacional, seria difícil explicar por que, diante da estagnação econômica, o Ibovespa superou os 100 mil pontos, e continua crescendo. Seria também difícil explicar a totalidade da queda na inclinação da curva de juros, jogando as taxas das NTN-B de 2030 e 2040 para 3,5% ao ano. Em contrapartida, temos de nos conformar que a queda no crescimento mundial acentua a tendência depressiva da economia brasileira, piorando ainda mais as condições para a retomada do crescimento.
Para retomar o crescimento não basta que o Congresso aprove a reforma da Previdência. Ela exige que, além de melhorar a eficiência do lado da oferta, é preciso elevar a demanda agregada, e embora o Banco Central tenha todas as condições para reduzir a taxa de juros, não há esperança de que tal movimento seja suficiente para nos tirar da depressão.
A boa notícia é que o governo tem um instrumento mais eficaz do que os gastos públicos, que são os investimentos em infraestrutura com base em concessões ao setor privado, e que vem elaborando um excelente programa. Pela sua magnitude, tais investimentos ampliam significativamente a demanda agregada, mas são, também, investimentos que elevam a produtividade, contribuindo para o crescimento da oferta. A má notícia, no entanto, é que diante da complexidade na formulação do programa não poderemos contar, neste e no próximo ano, com qualquer impulso vindo de sua execução.
Para que tais investimentos se tornem realidade é preciso uma combinação de segurança jurídica, de leilões competitivos e de fontes de financiamento em moeda doméstica. Recentemente demos um passo importante na melhora na segurança jurídica ao aprovar uma boa lei de agências. Precisamos de técnicos competentes liderando a regulação, de forma a minimizar os riscos dos concessionários e atrair empresas – nacionais e estrangeiras – que executem os investimentos com custos baixos e qualidade elevada.
Nossa experiência demonstrou que os leilões têm de ser transparentes, competitivos e abertos a nacionais e estrangeiros, evitando os cartéis e a corrupção. Finalmente, além de nos livrar do peso fiscal dos subsídios, o freio no BNDES derrubou a barreira ao crescimento do mercado privado de capitais, cujas debêntures vêm tendo expressiva expansão, sendo colocadas a taxas de juros baixas, devendo permanecer assim por um extenso período, tornando abundantes os financiamentos em moeda doméstica.
Porém, para que o Brasil retome um crescimento sustentado, que será um processo muito lento, é preciso bem mais do que a aprovação da reforma da Previdência, a queda da taxa de juros e um bom programa de investimentos em infraestrutura. É necessário, no mínimo, uma reforma tributária na versão proposta por Bernard Appy, e não na forma defendida pelo governo, somada à continuidade e ao aprofundamento da abertura da economia ao comércio global, que apenas se iniciou com o acordo entre Mercosul e União Europeia. Enquanto estas e outras ações da agenda de reformas não forem executadas, continuaremos assistindo a baixos crescimentos, baixas taxas de juros e de inflação.
Para quem se cansou da hiperinflação, este até pode ser julgado um “bom cenário”, mas ainda não abre nenhuma perspectiva de melhora na vida dessa e de gerações futuras.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore &Associados.
Luiz Carlos Azedo: O senso dos exaltados
“A radicalização inibe os agentes econômicos e atrasa a aprovação das reformas que podem retirar a economia da estagnação, principalmente a da Previdência”
Muitos cartazes e faixas nas manifestações de domingo passado em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, tinham um significado muito claro: defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Legítimas palavras de ordem em favor da reforma da Previdência, da Operação Lava-Jato e da legislação anticrime, fatores de mobilização da opinião pública, foram desvirtuadas por algumas lideranças que defendem a substituição de nossa democracia representativa por um regime autoritário.
Militantes do Vem Pra Rua e do MBL, que convocaram os protestos, foram agredidos por integrantes de grupos de extrema direita que defendem a transformação do governo num regime militar. O MBL e o Vem Pra Rua surgiram durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas não participaram das manifestações pró-Bolsonaro de maio passado por terem sido convocadas para pressionar o Congresso e o Supremo. Entretanto, apoiam a Lava-Jato e Sérgio Moro. Por isso, convocaram a manifestação de domingo, que foi engrossada pelos militantes que defendem uma intervenção militar. Os dois grupos se estranharam. Na Avenida Paulista, somente não houve um conflito generalizado por intervenção da Polícia Militar, que conteve os mais exaltados.
Tais fatos merecem uma reflexão sobre o nível de exacerbação criado pela radicalização política. Alguém já disse que o senso comum em relação a certos temas nem sempre coincide com o bom senso. Os protestos foram convocados depois que o site The Intercept Brasil passou a divulgar supostas trocas de mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba, que sugerem a intervenção do então juiz federal na condução da operação, inclusive com a indicação de possíveis testemunhas. Há duas discussões cruzadas na questão: uma trata da objetividade dos crimes cometidos pelos réus da Lava-Jato e as penas em relação aos seus atos; a outra, da necessária separação de papéis entre quem investiga, quem acusa e quem julga, pressupostos da ordem democrática. A esfera de decisão sobre esses assuntos é o Poder Judiciário.
É óbvio que, na democracia, o povo tem direito de se manifestar como quiser. Tanto o Congresso como o Supremo têm que saber suportar a crítica das ruas. Mas não é uma boa política o Executivo estimular esse tipo de mobilização, muito menos um ministro de Estado como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, subir no palanque como se fosse mais um militante de direita radical.
Por uma série de razões, entre as quais a situação da economia, o presidente Jair Bolsonaro vive um momento delicado de seu governo, que ainda não deslanchou e perde popularidade. Em circunstâncias normais, diante da agenda do governo no Congresso e dos problemas da economia, o movimento natural seria a busca de negociação política. Mas não é isso que acontece. Essa mudança na chamada “correlação de forças” anima a oposição a retomar a iniciativa política e, em contrapartida, estimula o presidente da República a buscar apoio nas ruas, mobilizando sua base eleitoral mais ideológica.
Radicalização
Tanto os setores governistas mais moderados quanto os da oposição estão sendo frustrados nas tentativas de negociação política por causa dos mais exaltados. De um lado, o PT mantém uma ofensiva contra a Lava-Jato e Sérgio Moro, na expectativa de que o Supremo anulará o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por causa do suposto relacionamento indevido do ex-juiz com os procuradores da força-tarefa de Curitiba. De outro, o presidente Jair Bolsonaro agarra a bandeira da luta contra corrupção e manipula a opinião pública contra os demais poderes, para deslocar a linha de apoio do seu governo para a fronteira majoritária que respalda a Lava-Jato.
Esse ambiente de radicalização, porém, inibe os agentes econômicos e atrasa a aprovação das reformas que podem retirar a economia da estagnação, principalmente a da Previdência. Os lobbies contrariados pela reforma estão organizados e atuam intensamente no Congresso para manter seus privilégios. Como são setores incrustados no aparelho de Estado, em todos os níveis, têm mais poder de barganha do que os demais trabalhadores a serem atingidos pelas mudanças na Previdência, principalmente os do setor privado, cujos sindicatos estão muito enfraquecidos em razão do desemprego e do fim do imposto sindical.
A situação somente não é mais desfavorável à aprovação da reforma porque há um esforço para blindar a economia de parte das principais lideranças da Câmara, lideradas pelo seu presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi muito atacado nas manifestações. Na linha de frente das pressões corporativistas para manter os privilégios na reforma estão partidários do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula. É a chamada unidade dos contrários.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-senso-dos-exaltados/
Luiz Carlos Azedo: Tiros no pé
“Maia procura limpar o terreno para aprovar a agenda econômica que pode facilitar a retomada do crescimento, mas Guedes retroalimenta o confronto do governo com o Congresso”
É incrível a capacidade de o governo dar tiros no próprio pé, às vezes, em questões vitais para seu próprio sucesso. Foi o que aconteceu ontem, em razão das críticas do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Parlamento. Em conversa com o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), disse que “o Congresso é uma máquina da corrupção”. A afirmação, em linha com as críticas sucessivas do próprio presidente Jair Bolsonaro ao Parlamento, provocou a indignação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Em nota, diante da repercussão negativa das palavras de Guedes, o Ministério da Economia desmentiu a declaração do seu titular, mas o leite já estava derramado. É muita falta de senso político criar um mal-estar dessa ordem no mesmo dia em que a Comissão Especial que discute a reforma da Previdência na Câmara encerrou sua discussão, que contou com a participação de 127 dos 154 deputados.
O relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), prepara seu relatório com objetivo de conseguir mais apoio entre os partidos. Segundo o presidente da comissão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), a votação do relatório deverá ficar para a semana que vem. Um dos temas em negociação é a inclusão de estados e municípios na reforma, que haviam sido retirados pelo relator. Somente os governadores do Ceará, do Piauí, de Pernambuco e da Bahia são contrários à proposta e resistem a convencer os parlamentares dos seus estados a votarem a favor da medida. Rodrigo Maia articula a inclusão.
Nesse cenário, os ataques sistemáticos contra o Congresso e uma violenta campanha feita por partidários do presidente Jair Bolsonaro contra o presidente da Câmara nas redes sociais fogem à racionalidade. Rodrigo Maia é grande esteio para aprovação da reforma e de outros projetos de interesse do próprio governo, como a reforma tributária e o novo marco legal das parcerias público-privadas. O parlamentar procura limpar o terreno para aprovar a agenda econômica que pode facilitar a retomada do crescimento, mas Guedes retroalimenta o confronto do governo com o Congresso.
Aeromula
Enquanto nos bastidores o conflito era entre Guedes e Maia, em plenário o assunto mais debatido era o caso do sargento da Aeronáutica detido na Espanha com 39kg de cocaína, transportados no avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que serve à equipe de apoio da comitiva do presidente da República. O fato teve grande repercussão internacional e revelou a fragilidade do dispositivo de segurança da Presidência. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, tentou se justificar: “Só se o GSI tivesse bola de cristal” conseguiria “prever” que um sargento militar seria preso transportando 39kg de cocaína em sua bagagem. O presidente em exercício, Hamilton Mourão, classificou o militar preso como uma “mula qualificada”.
A prisão ocorreu quando o avião da Força Aérea Brasileira pousou às 14h (horário local) no Aeroporto da Andaluzia. A aeronave servia como reserva para o presidente Jair Bolsonaro, que viaja em outro avião para participar da reunião do G20 em Osaka, no Japão. O militar realizou 29 viagens ao exterior na comitiva presidencial, servindo a três presidentes da República. Não se sabe desde quando o sargento é um traficante de drogas, mas o fato é que ninguém transporta tamanha quantidade de droga sem um esquema sofisticado de apoio. Especialistas calculam em 2 milhões de euros o valor da cocaína apreendida pelas autoridades espanholas. Bolsonaro determinou uma investigação rigorosa sobre o caso, que gerou grande constrangimento para a FAB e o GSI.
Em sua primeira participação na cúpula de líderes do G20, em Osaka, Bolsonaro tem previsão de se reunir com os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da França, Emmanuel Macron. Também deve se reunir com o presidente da China, Xi Jinping, e com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. O encontro mais esperado no Japão, porém, será entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, em razão da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.
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Luiz Carlos Azedo: Decidiu, cumpra-se!
“As decisões do Supremo precisam ser respeitada por bolsonaristas e petistas. A Corte não pode decidir sob chantagem, com medo de um golpe de Estado, não importa o réu. O nome já diz tudo: Supremo”
O presidente Jair Bolsonaro foi eleito por um triângulo de demandas majoritárias da sociedade: ética, família e segurança. Essas são as palavras-chave sobre as quais assentou sua estratégia de campanha. O sucesso de seu governo, portanto, está pendurado nesses eixos. Ocorre que o governo precisa transpor uma linha que não estava no imaginário dos seus eleitores: a crise fiscal, cuja resolução depende da aprovação da reforma da Previdência. Por causa dela, Bolsonaro enfrenta dificuldades na economia e vê sua popularidade ser corroída.
Com inflação zero, crescimento zero e uma massa de 12 milhões de desempregados (ampliada com os precarizados e os que desistiram de trabalhar são 25 milhões de pessoas em grandes dificuldades), entretanto, Bolsonaro completa seis meses de um governo errático, que ainda não conseguiu organizar seu meio de campo. Atua como aquele artilheiro que pretende ganhar o jogo sozinho e desarruma todo esquema tático do time, que sofre substituições frequentes e joga muita bola para os lados e para trás, sem falar nos passes errados.
As pesquisas de opinião mostram o crescimento contínuo da desaprovação do governo e a queda dos índices de aprovação, o que levou o presidente da República a reagir em três níveis: voltou a ter uma agenda de rua típica de campanha, agarrou com as duas mãos a bandeira da Lava-Jato e recrudesceu no tema da posse do porte de armas. Está dando certo: a aprovação voltou a subir. Mas a sociedade está mais polarizada entre os que aprovam e desaprovam o governo, o número dos que consideram o governo regular, diminui.
Ontem, por exemplo, Bolsonaro revogou dois decretos assinados em maio que facilitaram o porte de armas de fogo. No lugar, editou três novos decretos e enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional sobre o mesmo tema. O Decreto nº 9.844 regulamenta a lei sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição, o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas; o nº 9.845, a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição em geral; e o nº 9.846, o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores.
Bolsonaro não quer dividir com o Congresso a agenda da segurança pública. Tem dificuldades de dividir qualquer agenda, exceto aquelas que possam ter ônus eleitorais. Por isso, não digeriu a derrubada do decreto da venda de armas pelo Senado e não quis sofrer nova derrota na Câmara. Muito menos aceita que o Congresso tenha a iniciativa de pôr outro decreto em seu lugar, mesmo patrocinada pela chamada “bancada da bala”. Essa uma espécie de reserva de mercado eleitoral que pretende monopolizar. Não é assim que as coisas funcionam numa democracia. Para ser o pai da criança, Bolsonaro precisa articular a sua própria maioria no Legislativo, o que não fez até agora, e aprovar seus projetos.
O caso da Previdência é emblemático. Nove entre 10 economistas dizem que, sem essa reforma, não há como resolver a crise fiscal. A retomada do crescimento, com geração de mais empregos, depende de esse nó ser desatado. Nunca houve um ambiente tão favorável para a aprovacão da reforma. Está tudo certo para que isso ocorra, de forma mitigada, sem mexer com aposentadorias rurais e Benefícios de Prestação Continuada para os trabalhadores de mais baixa renda. O plano de capitalização proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, porém, não rolou. Nunca foi bem explicado para a sociedade, o que costuma ser um obstáculo a mais no Congresso. O fundamental — o aumento do tempo de contribuição e da idade mínima, além da redução de privilégios dos servidores públicos — será aprovado.
Julgamento
Toda vez que a Previdência avança na Câmara, porém, surge uma nova polêmica ou várias criadas por Bolsonaro que não têm nada a ver com esse assunto. Qualquer estrategista diria que está faltando foco ao governo. Será isso mesmo? O mais provável é que Bolsonaro não queira colar sua imagem à reforma: ele a defende nos pequenos círculos empresariais que frequenta; quando vai para a agitação na sua base eleitoral, que é muito corporativa, muda completamente de eixo. O caso agora da Lava-Jato, então, caiu do céu.
No mundo jurídico, a revelação das conversas do ministro da Justiça, Sérgio Moro, com os procuradores da Lava-Jato provocou uma estupefação. É tudo o que não se aprende nas faculdades de direito. Ocorre que a Lava-Jato virou uma força da natureza, com amplo apoio popular, transformou o ex-juiz de Curitiba num ícone da ética e da luta contra a corrupção. Bolsonaro montou nesse cavalo e se mantém firme na sela, porque é aí que pode melhorar um pouco mais seus índices de aprovação.
Entretanto, da mesma forma como tenta jogar a opinião pública contra o Congresso no caso do decreto das armas e, mais recentemente, das agências reguladoras, os partidários de Bolsonaro pressionam o Supremo Tribunal Federal (STF) no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Qualquer que seja o desfecho do julgamento de Lula, a decisão do Supremo precisa ser respeitada por bolsonaristas e petistas. A Corte não pode decidir sob chantagem, com medo de um golpe de Estado provocado por uma decisão sobre um habeas corpus, não importa o réu. O nome já diz tudo: Supremo. Decidiu, cumpra-se!
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André Lara Resende: Brasil de hoje e o conservadorismo vitoriano
"But, soon or late, it is ideas, not vested interests, which are dangerous for good or evil"
J.M. Keynes
1. Sugestão controversa
A economia não dá sinais de que sairá tão cedo do atoleiro em que se encontra. Há consenso de que as finanças públicas estão em frangalhos. Embora o diagnóstico seja praticamente consensual, há discordância quanto à melhor forma de enfrentar o problema e repor a economia nos trilhos. Em uma série de artigos recentes, sustento que a opção por equilibrar o orçamento a curto prazo é um equívoco. Em conjunto com uma reforma que garantisse o reequilíbrio a longo prazo da Previdência, deveria-se organizar um ambicioso programa de investimentos públicos de infraestrutura e uma revisão simplificadora da estrutura fiscal para estimular o investimento privado. Para isso, seria preciso abandonar o objetivo de equilibrar imediatamente as contas e aceitar o aumento da dívida por mais alguns anos enquanto a economia se recupera.
Ao sugerir que tentar o equilíbrio orçamentário no curto prazo é contraproducente, pois agravará a recessão e poderá levar ao aumento da relação entre a dívida e o produto interno, provoquei indignação. A visão dominante entre os analistas financeiros é que o governo não tem como manter as suas despesas, pois as fontes de financiamento, seja através dos impostos, seja do endividamento, se esgotaram. Seria imperioso equilibrar o quanto antes o orçamento e reduzir o endividamento, sob risco de asfixiar os investimentos privados e levar a economia ao colapso. O argumento é duplamente falacioso. Primeiro, porque desconsidera o fato de que a União, como todo governo que tem uma moeda fiduciária, não tem restrição financeira. Segundo, porque pressupõe que a economia esteja próxima do pleno emprego.
2. Velhas falácias
O primeiro ponto, de que o governo não tem restrição financeira, é o mais controverso. Embora não seja novo - muito pelo contrário, tem uma longa tradição na história da teoria monetária, desde Henry Thornton e Thomas Tooke nas controvérsias monetárias do século XIX na Inglaterra, passando por Knut Wicksell e Georg Knapp no início do século XX -, foi ofuscado pela adoção na prática da visão metalista de que a moeda deveria ser sempre lastreada num ativo real. O padrão-ouro, segundo o qual a moeda deve ser conversível em ouro, predominou até o fim do século XIX. Depois de provocar graves desajustes na primeira metade do século passado, foi finalmente abolido na conferência de Bretton Woods, em 1944. A teoria monetária predominante, no entanto, não se reformulou, não se adaptou para refletir o fato de que a moeda tinha passado a ser exclusivamente fiduciária.
A Teoria Quantitativa da Moeda, predominante até o final do século XX, substituiu o lastro metálico da moeda pela base monetária, que deveria ser controlada pelos bancos centrais, mas manteve inalterada a estrutura lógica do padrão-ouro. Nos anos 90, quando ficou evidente que os bancos centrais não controlavam a base monetária, mas sim a taxa básica de juros, a Teoria Quantitativa foi finalmente aposentada. Substituída por metas para a inflação e uma regra heurística para a taxa básica de juros, a chamada Regra de Taylor, a teoria monetária quantitativista saiu de cena, mas deixou intacta a noção de que o governo não tem como se financiar sem desrespeitar os limites ditados pelas reservas em ouro ou pela base monetária.
A compreensão de que, se a moeda é fiduciária, o governo não tem restrição financeira, ressurgiu recentemente, com o destaque adquirido pela chamada Moderna Teoria Monetária. Embora seja uma mera consequência lógica do sistema monetário fiduciário, há uma enorme resistência a aceitar que o governo não tenha restrição financeira. Como já tratei do assunto em artigos anteriores, não pretendo voltar aqui ao tema.
Passemos então ao segundo ponto falacioso: o de que os investimentos públicos concorrem e inviabilizam os investimentos privados. As palavras de John Cochrane, hoje no Hoover Institution, em Stanford, e no Cato Institute, dois dos mais influentes centros conservadores dos Estados Unidos, que recentemente têm defendido teses monetárias menos ortodoxas, são exemplares: "Cada dólar de aumento no gasto do governo deve corresponder a um dólar a menos no gasto do setor privado. Os empregos criados pelo estímulo dos gastos públicos são compensados pelos empregos perdidos devido à redução dos gastos privados. Pode-se construir estradas no lugar de fábricas, mas o estímulo fiscal não nos pode ajudar a construir mais das duas. Esta forma de 'crowding-out' é pura contabilidade e não depende de nenhuma hipótese a respeito de percepção ou de comportamento".
O governo precisa sempre equilibrar as suas contas para não tomar o espaço dos investimentos privados e provocar inflação. Ao afirmar que se trata de pura contabilidade, independente de hipóteses comportamentais, pretende-se dar validade universal à tese de que os gastos públicos expulsam os gastos privados. Omite-se o fato de que os gastos públicos só concorrem com os investimentos privados quando há pleno emprego. A tese é efetivamente "pura contabilidade" nos modelos que desconsideram a possibilidade de que a economia possa não estar no pleno emprego, mas falsa quando há capacidades ociosas. As hipóteses comportamentais estão embutidas no modelo equilíbrio competitivo subjacente ao argumento. Quando há desemprego e capacidade ociosa, os investimentos públicos, sobretudo em infraestrutura, são complementares e estimulam o investimento privado.
3. O conservadorismo vitoriano
O argumento de que o orçamento deve estar sempre equilibrado, para não levar à emissão de moeda sem lastro e provocar inflação, foi dominante até o início do século passado, enquanto perdurou o padrão-ouro e a visão da Inglaterra vitoriana ditava as regras sobre a boa disciplina fiscal. A Constituição vitoriana determinava que o orçamento fiscal deveria ser anualmente equilibrado, com as despesas públicas integralmente cobertas pelas receitas tributárias, para evitar que o Estado viesse a "debase de currency", isto é, reduzir o lastro metálico da moeda.
Essa visão, de que o Estado deveria ser contido, para evitar que viesse a corromper a moeda e asfixiar o setor privado, passou a ser questionada no início do século XX. Os gastos e a dívida pública, sempre e em toda parte, aumentam quando um país entra em guerra. Com as guerras napoleônicas, no início do século XIX, a Inglaterra se viu obrigada a abandonar a conversibilidade da moeda em ouro. O período de inconversibilidade provocou o primeiro grande debate monetário entre as correntes metalista e fiduciária que estão até hoje por trás de grande parte das controvérsias macroeconômicas.
Na primeira metade do século XX, depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), mais uma vez em consequência do esforço militar e das reparações de guerra, as economias europeias se confrontaram com graves desequilíbrios orçamentários e o acentuado crescimento da dívida pública. A discussão sobre como estabilizar a economia foi retomada. Na Inglaterra, a visão convencional, a favor da necessidade de equilibrar imediatamente as contas públicas, capitaneada pelo então secretário do Tesouro, sir Otto Niemeyer, ficou conhecida como a Visão do Tesouro.
Segundo a "Treasury View", as contas públicas devem ser anualmente equilibradas, para evitar o aumento da dívida e a desvalorização da moeda. Os gastos públicos não se justificam, ao contrário, precisam ser cortados para abrir espaço para os investimentos privados. Anos mais tarde, em 1931, Niemeyer chefiou a missão ao Brasil, que ficou conhecida pelo seu nome, e fez recomendações na mesma linha. John M. Keynes surgia como o seu mais eloquente crítico.
No início da década 20, a "Treasury View" saiu vitoriosa e o governo inglês implementou um programa de corte agressivo dos gastos, sob a responsabilidade de Eric Geddes, que ficou conhecido como "o machado de Geddes". O programa de austeridade fiscal levou a Inglaterra à recessão e elevou a dívida pública de 135% do PIB, em 1919, para 180%, em 1923. Em 1929, o debate voltou à tona, quando o candidato do Partido Liberal, David Lloyd George, propôs um ambicioso programa trienal de investimentos em infraestrutura, com o objetivo de reduzir o desemprego e relançar a economia.
O financiamento dos investimentos deveria ser feito através de empréstimos extraorçamentários. Keynes foi um entusiasmado defensor da proposta de Lloyd George, enquanto a defesa da austeridade fiscal ficou a cargo de um funcionário do Tesouro, Ralph Hawtrey, que ainda antes da Primeira Guerra tinha formalizado o conservadorismo fiscal vitoriano na "Treasury View". Hawtrey recitava o mantra dos críticos dos investimentos públicos: ao tomar empréstimos para financiar gastos públicos, o governo retira do mercado de investimentos a poupança que iria financiar a criação de capital.
A oposição, nas palavras de Arthur Pigou, respeitado professor de economia política da Universidade de Cambridge, já tachava o argumento de falacioso, pois na recessão há capacidade ociosa e o capital está subutilizado. Mas a grande confrontação entre a velha e a nova visão macroeconômica aconteceu alguns anos depois, no início de 1931, quando Keynes foi indicado para a Comissão Mcmillan, sobre as causas da recessão.
As discussões com os técnicos do Tesouro e do Banco da Inglaterra, em maio de 1930, levaram à publicação da "Teoria Geral" de Keynes, em 1936. Com a revolução keynesiana, a visão vitoriana da "Treasury View", a tese de que o Estado deve equilibrar o orçamento, independentemente das circunstâncias, foi substituída pela convicção de que as políticas monetária e fiscal podem e devem ser utilizadas para evitar prolongados períodos de desemprego e capacidade ociosa.
4. Uma revolução completa
Quase um século depois de ter sido derrotado, na teoria e na prática, o conservadorismo monetário e fiscal do século XIX deu a volta por cima e é hoje quem dá as cartas. Os excessos do keynesianismo têm culpa no cartório. A exagerada confiança na capacidade de sustentar a economia próxima ao pleno emprego terminou por provocar inflação e ressuscitar o quantitativismo monetário.
Sob a liderança de Milton Friedman e seus discípulos da Universidade de Chicago, a partir da década de 70, a contrarrevolução monetarista começou a ganhar terreno. Com ajuda da ignorância a respeito da história, estimulada pelo mito de que a fronteira da teoria econômica, à semelhança das ciências exatas, incorporaria todo o conhecimento, também o conservadorismo fiscal está de volta em plena forma.
Depois da crise financeira de 2008, apesar do sucesso dos programas altamente heterodoxos de QE dos bancos centrais, que ao contrário do previsto pela ortodoxia monetária, não provocaram inflação, as recomendações da tecnocracia internacional para os países endividados seguiram à risca os princípios vitorianos da "Treasury View". Embora a crise tenha sido provocada pelo excesso de endividamento privado, a terapia recomendada foi a de corte dos investimentos públicos para abrir espaço para os investimentos privados.
O Fundo Monetário Internacional, imediatamente após a crise, ainda em plena recessão, falava em multiplicadores dos gastos públicos inferiores à unidade, ou seja, a expansão fiscal não seria capaz de estimular a economia - pelo contrário, a contração fiscal é que seria positiva. Alguns anos mais tarde, Olivier Blanchard, que foi economista-chefe do FMI, e Daniel Leigh reconheceram que suas estimativas estavam erradas, que o multiplicador fiscal era efetivamente "substancialmente acima de um".
Argumentaram que o modelo de referência por eles utilizado com expectativas racionais indicava que a consolidação fiscal não deveria ter qualquer impacto recessivo. Infelizmente, a realidade não quis se adaptar ao modelo. Wolfgang Schauble, o ministro da Fazenda alemão que dava o tom na Comissão Europeia, cunhou a expressão "consolidação fiscal expansionista", um perfeito oximoro para a macroeconomia keynesiana. A teoria e a prática da macroeconomia tinham completado assim uma revolução, no sentido geométrico do termo: deram uma volta de 360 graus.
O objeto de estudo da macroeconomia é a moeda e o orçamento fiscal, um tema evidentemente tão político quanto econômico. Como não poderia deixar de ser, as teses prevalecentes são altamente influenciadas pelas circunstâncias, pelas forças políticas e pelo clima intelectual. Ao contrário do que pretende, a teoria econômica não é uma fortaleza da racionalidade, contra o turbilhão dos interesses em jogo na formulação das políticas públicas. Como sustenta Robert Skidelsky em seu último livro, "Money and Government: The Past and Future of Economics" (2018), a história da teoria monetária e fiscal, longe da referência científica que proclama ser, é altamente ideológica.
O livro de Skidelsky, que é também autor da melhor biografia de Keynes, é uma erudita e equilibrada reflexão sobre a história da teoria macroeconômica. Sob os cânones do método científico, esconde-se uma inclinação ideológica silenciosa que oscila ao sabor das circunstâncias e das ideias dominantes. A teoria e a prática das políticas econômicas são moldadas pelas condições do momento, pelas questões que atraem a atenção e que os economistas decidem merecer ser objeto de estudo. A perigosa homenagem prestada pela teoria econômica ao poder é torná-lo invisível. Teses formuladas como científicas dão a interesses específicos um toque ilustrado. Como sustenta Skidelsky, nada mais agradável aos homens práticos do que encontrar os seus preconceitos travestidos de ciência.
5. A atração dos extremos
Há alguns anos, num jantar em São Paulo, ouvi de Vito Tanzi, o economista italiano que durante muitos anos chefiou o departamento de política fiscal do FMI, uma história reveladora. Ao fim de uma conferência no Canadá, no fim dos anos 40, jovens economistas convertidos ao keynesianismo defenderam com entusiasmo uso agressivo da política fiscal para assegurar o pleno emprego e resolver todo tipo de problema. Keynes, ao fim da conferência, disse ter concluído que o único não keynesiano na sala era ele.
A tendência a levar a tese ao paroxismo, a fazer uma caricatura de um argumento complexo e sofisticado, sempre existirá. Como demonstrou a psicologia comportamental, diante de argumentos contraditórios, confrontados com uma sobrecarga cognitiva, tende-se a buscar refúgio em atalhos mentais simplistas. O radicalismo e o dogmatismo, seja ele qual for, de um extremo ao outro, é muito mais atraente do que a racionalidade ponderada. As posições extremas são mais fáceis de ser compreendidas, exercem um fascínio sobre os convertidos que as tornam impermeáveis à argumentação racional. Toda tese matizada, por não se encaixar nos moldes inflexíveis dos radicalismos, é interpretada como uma ameaça e é mais fácil de ser combatida se transmutada numa caricatura à semelhança do inimigo conhecido.
Volto ao Brasil de hoje. Deficitária há décadas, a Previdência é o principal fator de desequilíbrio das contas públicas. A combinação de condições muito favoráveis para os corporativamente organizados com o rápido envelhecimento da população projeta um déficit crescente que ameaça absorver grande parte da receita tributária. Sem uma revisão do sistema, também a União, como já ocorre na maioria dos Estados, se verá diante da situação em que as despesas com a Previdência praticamente exaurem toda a receita orçamentária.
Para que o Estado tenha capacidade de investir e de fazer uma política fiscal contracíclica, é imperioso que as suas despesas correntes estejam sujeitas a um limite institucional. Justamente porque a moeda fiduciária não impõe uma restrição financeira ao Estado emissor, uma restrição institucional inteligente faz sentido para evitar gastos irresponsáveis e improdutivos. A "Regra de Ouro", a exigência de que os gastos correntes sejam cobertos pela receita tributária, é uma limitação institucional, introduzida pelo conservadorismo fiscal vitoriano no início do século XX, perfeitamente compatível com o keynesianismo ilustrado.
Os investimentos em segurança, educação, saúde, saneamento e infraestrutura, sobretudo quando há desemprego e capacidade ociosa, devem ser avaliados pelos seus resultados, pelos seus custos de oportunidades e seus benefícios, não pelo seus custos financeiros e seus efeitos sobre a dívida no curto prazo. A relação entre a dívida e o produto interno estará sempre sujeita a ciclos. É a solvência, entendida como a convergência, uma trajetória não explosiva no longo prazo, da relação entre o passivo financeiro consolidado do governo e o produto interno, que dá ao Estado condição de investir e de atenuar os ciclos econômicos. Nada de novo, nem de radical. Talvez por isso mesmo, tão difícil de ser compreendido e aceito.
*André Lara Resende é economista
Fernão Lara Mesquita: A guerra dos Brasis
No ‘apartheid’ nacional, o País Real continua à margem da lei, que é feita pelo País Oficial
Sob os repiniques da bateria em torno dos grampos do Joesley desta véspera de votação da reforma da Previdência (escrevo na quinta-feira 13/6), agora a cargo dos arrombadores a soldo de um certo The Intercept, uma das marcas-fantasia de PSOL, PT e cia., está consumado o tombo do costume na última tentativa do País Real de abolir a escravatura.
Com os Benefícios de Prestação Continuada de abre-alas, o velho bloco do Me Engana Que Eu Gosto passou batidos os “jabutis” que realmente lhe interessavam: o regime de capitalização, que mataria para todo o sempre o comércio de privilégios previdenciários, a mais produtiva mina de ouro de quem tem o poder de vendê-los, e a manutenção da constitucionalidade das normas da Previdência, a garantia vitalícia pela qual cobram caríssimo esses comerciantes. A reforma da Previdência já entra na avenida castrada, conforme o prometido, portanto, e com o favelão nacional com todos os “acessos” espetados nas suas veias mantidos para que o País Oficial possa continuar servindo-se na medida da satisfação dos seus luxos.
O apartheid brasileiro tem raízes profundas. O Brasil Real, o Brasil que deu certo, o Brasil que se fez sozinho escondido do outro, este Brasil continua, como sempre esteve, à margem da lei. A lei foi feita pelo País Oficial, o antiamericano, o que sempre viveu das “derramas”, o que enforcou Tiradentes, o que invadiu o Rio de Janeiro em 1808, de modo a não poder ser cumprida jamais. É a continuação do Brasil dos traficantes de escravos que compravam pedaços do Estado (feudos) e “títulos de nobreza” ao rei. São as deles as tais instituições que “estão funcionando”.
Só dois pontos destes dois Brasis sempre estiveram conectados: as mãos de um e os bolsos do outro. No mais, são antípodas em tudo. Na educação, bola da vez, há os nédios professores das universidades públicas que comem o grosso da verba nacional, aposentam-se na flor da idade e dão aulas nos enclaves privatizados do território brasileiro onde polícia não entra (Coafs e tribunais de contas, menos ainda) e se formam, “de graça” e sem lei, os quadros da elite do País Oficial. E há as professorinhas miseráveis, que não se aposentam nunca, das escolas básicas varejadas de balas perdidas, caindo aos pedaços, creches de quase adultos que vão lá para comer da mão do País Oficial o pão que a “educação” que ele lhes serve não consegue comprar.
O sindicato desses diferentes professores é, no entanto, o mesmo. Com estrutura nacional, vem a ser o núcleo duro da defesa da privilegiatura. Escudados na miséria das professorinhas, são os professorões que organizam aquela rede que sai em passeatas milimetricamente cronometradas com as pautas em tramitação no Congresso Nacional e nas redações que empregam seus parentes, amigos e correligionários, para “provar” a “impopularidade” de acabar com os salários e as aposentadorias 100 vezes, 50 vezes, 30 vezes na média nacional maiores que as do favelão que paga a conta.
Mas não foi a derrota desse Brasil que saiu nas manchetes. Já não é mais nem “o governo” que “perde” ou “ganha” as batalhas entre os dois Brasis. Agora é só “o presidente Jair Bolsonaro” que “sofre derrotas no Legislativo e no Judiciário”, seja na batalha para o favelão nunca mais ter de pagar lagostas e vinhos tetracampeões aos STFs de sempre, seja para que o Estado conceda à plebe a graça de não ser enjaulada quando recusar-se a deixar-se mansamente matar e insistir em defender a própria vida contra quem resolver atentar contra ela.
As redações congregam os últimos brasileiros que ainda não entenderam com quem estão lidando. A bandidagem mata 65 mil. A bandidocracia mata milhões por ano. O conluio entre as duas é aberto a quem interessar possa, do grande tráfico de entorpecentes, hoje privilégio de governos praticantes do tipo de “excesso de democracia” que o lulopetismo prega, para baixo. Mas a imprensa tem mais medo do povo obediente à lei, da polícia, dos promotores e dos juízes que realmente apitam faltas do que deles. Nem a “epidemia de ansiedade” que acomete o povo brasileiro como a nenhum outro do planeta é associada ao que quer que seja de especial. É mais uma daquelas notícias que os âncoras de TV leem com cara de paisagem. Uma doença sem causa. Nada a ver com os 40 milhões de desempregados e subempregados nem com a montanha de assassinados.
Para a unanimidade da imprensa brasileira essa carnificina só tem a ver com o “acesso a armas” que – advertem – ou nega-se terminantemente à sub-raça tupiniquim ou ela sairá matando desbragadamente por aí. É como se esse acesso já não estivesse drasticamente proibido há 14 anos, contra a vontade expressa em voto pela população, e não estivesse sendo provada 65 mil vezes por ano, 5.342 vezes por mês, 178 vezes por dia a mentira de associar desarmamento com segurança pública.
No quesito segurança, aliás, o esforço concentrado da ala mais “progressista” do nosso jornalismo é para discriminar cadáveres. Depois de todo o resto a desigualdade em nome da igualdade chega, finalmente, aos necrotérios. Cadáver de mulher vale mais – e dá pena mais pesada – que cadáver de homem e menos que cadáver de homossexual ou de transgênero. E, em todas essas subcategorias, ganham “peso 2” os que acumulam a qualidade de não brancos.
Tudo isso tem precedência, no jornalismo pátrio, sobre a guerra aberta entre os dois Brasis cuja existência ele nem sequer reconhece. Ele permanece surdo ao País Real, mas sempre pronto a disparar sem pensar uma vez e meia todo e qualquer petardo que a bandidocracia houver por bem enfiar-lhes nas culatras “de acesso”, e a invocar a lei escrita pela bandidocracia para manter eternamente intactas as leis escritas pela bandidocracia, para julgar todo mundo que ousar tratar de alterá-las.
Se o Brasil “é uma democracia”, como parecem crer 9 entre 10 dos nossos jornalistas, qualquer alteração no status quo será “antidemocrática”. O.k., então. E para onde vamos na sequência da aceitação dessa premissa?
* FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
Claudia Safatle: Economia é um avião com turbinas desligadas
Relator da reforma quer vender a prataria para pagar o almoço
O debate na economia está centrado na eventual estratégia do governo para estimular o investimento e, com ele, o crescimento.
Há um diagnóstico claro, feito pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos, e compartilhado por alguns outros economistas, que trata da grande complementaridade entre os investimentos público e privado. Campos compara a economia a um avião com uma turbina que é o mundo público, e a outra, o mundo privado. Ao desligar a primeira e, com credibilidade, ligar a segunda, haveria a transferência de energia capaz de manter o avião na mesma velocidade.
Ao derrubar o investimento público federal de R$ 100,6 bilhões em 2014 para quase a metade, R$ 53,9 bilhões, em 2018, imaginou-se que o setor privado ocuparia esse espaço e garantiria o crescimento, o que ainda não ocorreu.
Estão ambas as turbinas desligadas. E, segundo Campos, só a credibilidade (do governo) e a confiança (de consumidores e empresas) vão reverter o quadro.
Há quem avalie que a reforma da Previdência, com a economia em torno de R$ 900 bilhões em dez anos, será capaz de injetar confiança nos mercados, animar os investidores privados a desengavetar seus planos. E há os que consideram a reforma necessária, mas não suficiente para estimular a expansão dos investimentos e, consequentemente, retomar o crescimento. Para estes, há muito mais a consertar, inclusive para se ter uma trajetória fiscal sustentável, antes que isso ocorra. É preciso sanar, também, o ambiente de insegurança jurídica que atrapalha, e muito, os planos de investimentos.
Surge, em meio a ansiedade para se fazer algo que evite o país cair de novo em recessão, proposta para redução adicional da taxa Selic (de 6,5% ao ano), cada dia com mais seguidores, como combustível para ligar a turbina do mundo privado; e de uso de um pedaço das reservas cambiais para fazer política fiscal anticíclica, dentre outras.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou, que vai liberar mais uma parte das contas inativas e ativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep para que esse dinheiro, algo em torno de R$ 22 bilhões, aqueça o consumo. Essa é uma medida de fôlego curto para a expansão da demanda, mas, diante da situação, não se recusa nada. Ademais, o FGTS é uma poupança forçada e muito mal remunerada do trabalhador.
O Tesouro Nacional vai ter, no fim do ano, uma receita líquida extraordinária de cerca de R$ 50 bilhões, como resultado da repactuação da cessão onerosa de petróleo. Como se trata de uma receita primária e não se pode aumentar o gasto pela lei do teto, esse recurso seria usado para abater o déficit primário. Sendo uma receita extraordinária, ela reduziria o rombo deste ano, mas não afetaria o déficit do próximo. Talvez fosse melhor usar parte desses recursos para investimentos, mas sempre há o limite do teto, a não ser que se tenha um arranjo legal para não ferir a lei do teto do gasto. Afinal, o país ainda tem umas 7 mil obras começadas e não concluídas.
Reforma da Previdência
No parecer da reforma da Previdência, divulgado ontem, o relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), extingue a transferência de 40% dos recursos do PIS/Pasep ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), prevista no artigo nº 239 da Constituição. Ele destina esses recursos, até então usados para financiar investimentos, ao pagamento dos gastos correntes da Previdência Social.
Essa é uma medida equivalente à família que vende a última prataria da casa para pagar o almoço.
Até agora o ministro da Economia, Paulo Guedes, não disse o que quer do BNDES. Sobre o banco, ele fala apenas que espera para este ano a devolução de cerca de R$ 126 bilhões dos recursos emprestados pelo Tesouro Nacional no governo do PT. Na proposta original da reforma da Previdência o próprio governo sugeriu a redução de 40% para 20% da receita do PIS/Pasep que vai para o banco.
O relator, porém, resolveu acabar de uma só vez com esse "funding". Fica, portanto, cada dia mais difícil para o BNDES fazer devolução antecipada de recursos.
A instituição de fomento tinha como principal "funding" a receita de 40% do PIS/Pasep, destinada ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). O fundo, que repassava em média R$ 16 bilhões ao ano para o banco, hoje é deficitário e pede a devolução de cerca de R$ 20 bilhões nos próximos meses. Mas essa parecia ser uma situação temporária, fruto da queda das receitas com impostos e contribuições pela inércia da economia.
A iniciativa de retirar, de uma penada, o único dinheiro público que o BNDES recebe reforça a preocupação da diretoria da instituição em preservar pelo menos o capital correspondente a 25% da carteira de empréstimos. Esse é o padrão de capitalização das instituições multilaterais, como o Banco Mundial.
Foi do então deputado José Serra (PSDB-SP) - tucano tal como o relator - a autoria do artigo da Constituição que destacou 40% da receita do PIS/Pasep para o BNDES.
Falta uma definição do governo sobre o que ele quer do BNDES, de que tamanho ele deve ser e que função vai desempenhar. Não basta o ministro da Economia dizer que quer um banco "magrinho".