Economia
Luiz Carlos Azedo: Diga ao povo que saio
Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Tem coisas no Brasil difíceis de entender. Por exemplo: Dom Pedro I, que proclamou a Independência, é homenageado com uma das menores ruas do Centro Histórico do Rio de Janeiro, nossa capital de 1763 até 1960, quando a sede do governo foi transferida para Brasília. Começa na Praça Tiradentes, ao lado do Teatro Carlos Gomes, e termina na Rua do Senado, com 141 endereços, 112 residências, 24 estabelecimentos comerciais, três prédios inacabados e 227 moradores, com uma renda média de R$ 1,143. Dependendo do prédio, o preço de um apartamento varia de R$ 3 mil a R$ 8 mil o metro quadrado.
Como já começamos a contagem regressiva para o Bicentenário da Independência, vale o desagravo. Essa lembrança veio em razão do trocadilho do título da coluna com a decisão de Pedro I de não regressar a Lisboa, contrariando as ordens das Cortes Portuguesas, em 9 de janeiro de 1822: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico”. O Dia do Fico, referência à frase célebre, foi uma preparação para a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822.
Havia muita ambição e esperteza embarcadas naquela rebeldia. Liderar a Independência era a única maneira de manter o Brasil sob controle da Casa de Bragança — com ela, a monarquia, o regime escravocrata, o tráfico de negros escravizados e o projeto de reunificação da Coroa, que levaria Dom Pedro I a abdicar do trono em 7 de abril de 1831 e voltar para Portugal para lutar pelo trono para a filha primogênita Maria da Glória. Em contrapartida, herdamos a integridade territorial e o Estado brasileiro, com suas principais instituições. Não foi pouca coisa.
Ambição e esperteza é o que não faltam nas altas esferas do poder. Por exemplo, não conseguia entender a longa permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no comando da pasta. A vida toda foi um economista ultraliberal. Na campanha eleitoral, fez a cabeça do presidente Jair Bolsonaro e virou o Posto Ipiranga da economia, com apoio do mercado financeiro, para fazer as reformas liberais, entre elas a tributária e a administrativa. Com o passar do tempo, não fez as reformas e fracassou. Nossa economia registra uma brutal desvalorização do real, inflação alta, desemprego em massa e estagnação
econômica. Outros liberais, diante da guinada populista iminente do governo Bolsonaro, já teriam entregado o cargo, como alguns fizeram em sua equipe.
Agora já sabemos a explicação para o “Fico” do ministro da Economia: enquanto o povo come osso, Guedes ganha muito dinheiro com a crise, porque a desvalorização do real engorda suas economias em dólar, que ontem fechou a R$ 5,48. A conta de Guedes num paraíso fiscal no exterior foi revelada, no último fim de semana, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). O Ministério da Economia informou que toda a atuação privada de Paulo Guedes foi “devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes”, mas há controvérsias. Eticamente, ganhar dinheiro com a desvalorização do real é incompatível com o cargo de ministro da Economia. No popular, é muita cara de pau.
Imposto de Renda
Por essa razão, Guedes foi convocado a dar esclarecimentos à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara, e convidado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado a explicar a existência de sua empresa offshore, que não paga imposto no Brasil. Guedes abriu a empresa em 2014, ou seja, no ano da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff. O horizonte econômico era de recessão e aumento da inflação. Até aí, tudo bem — toda vida ganhou dinheiro no mercado financeiro. Em 2016, porém, o governo criou facilidades para que todos repatriassem os recursos enviados para o exterior, mas Guedes não encerrou suas operações com a offshore. Deixou o dinheiro lá fora, no paraíso fiscal, mesmo depois de virar ministro da Economia.
Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior. O artigo 5o do Código de Conduta do setor público veda “investimento em bens cujo valor e cotação pode ser afetado por sua decisão”. Quando nada, o câmbio sempre será atingido por declarações ou atos do ministro da Economia, bem como do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também tem conta numa offshore no exterior. É uma “não conformidade”.
Tudo isso acontece num momento crucial para o governo, que está em dificuldades para financiar o chamado Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que Bolsonaro quer aprovar, para substituir o Bolsa Família. O problema é que o governo não tem dinheiro, tenta viabilizar o projeto com recursos do Imposto de Renda, que pretende modificar com esse objetivo, deixando de fora as contas offshore, é claro. O jabuti no IR, porém, subiu no telhado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já mandou recado de que não vai misturar alhos com bugalhos.
Oreiro: “Na economia, Governo Bolsonaro já acabou”
Do ponto de vista da economia, o Governo Bolsonaro já acabou. A opinião é do professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro, que é fundador e coordena o Structuralist Development Macroeconomics Group, grupo de pesquisa no âmbito da Macroeconomia do Desenvolvimento Estruturalista. Oreiro acredita que o ministro Paulo Guedes só poderá agora atuar para “administrar o caos” e alerta também que o Banco Central brasileiro está indo no sentido oposto ao das autoridades monetárias da União Europeia, dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Japão: “O Brasil está na contramão do que os países desenvolvidos estão fazendo para reaquecer a economia, que é investir. A política monetária tem muito pouco a fazer sobre choque de oferta. Tentar debelar esse tipo de inflação com elevação da taxa de juros é nonsense”.
A Macroeconomia do Desenvolvimento Estruturalista pode ser entendida como o conjunto de modelos que justificam teoricamente o Novo Desenvolvimentismo, definido como uma estratégia de desenvolvimento nacional alternativa ao Consenso de Washington. Segundo o professor, que é um dos baluartes do Novo Desenvolvimentismo no Brasil, no momento em que começa a haver uma maior flexibilização, por conta da vacinação, seriam esperados sinais de retomada da economia, mas as últimas pesquisas mostram que não é o que está acontecendo.
Consumidores e empresários demonstram estar com o pé atrás, comportamento que ele atribui a três fatores, sendo o primeiro deles a aceleração da inflação, que está em quase 10% ao ano. “Isso leva à redução do salário real e afeta negativamente o consumo. Ao mesmo tempo, o investimento público vem caindo muito nos últimos anos, o que vai na direção oposta ao que deveria estar acontecendo e que é a realidade dos Estados Unidos e da Europa: o aumento do investimento. É isso que explica a economia perdendo tração”, afirma.
Incertezas
Como agravante, Oreiro acrescenta ainda a crise política. Bolsonaro subiu o tom dos ataques às instituições democráticas, o que faz com que os empresários adiem os investimentos por conta das incertezas. Divulgado nesta sexta-feira (01/10), o Índice de Confiança Empresarial (ICE) calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) apresentou queda de 2,5 pontos em setembro, passando para 99,9 pontos. Na quinta (30/10), a FGV divulgou que o Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) subiu 14,3 pontos em setembro, para 133,9 pontos, o maior nível desde março de 2021. Comparando-se à série histórica anterior à pandemia de covid-19, período em que foram registrados níveis inéditos de incerteza no Brasil e no mundo, este seria o segundo maior nível de incerteza, ficando abaixo apenas de setembro de 2015, quando o indicador alcançara 136,8 pontos.
Outros dois índices da FGV, divulgados na véspera, também tiveram quedas. O Índice de Confiança de Serviços (ICS), caiu dois pontos em setembro, para 97,3 pontos, interrompendo a sequência de cinco altas consecutivas. E o Índice de Confiança do Comércio (Icom) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) recuou 6,8 pontos em setembro, para 94,1 pontos, menor nível desde maio deste ano (93,7 pontos).
Já as vendas reais da indústria de transformação paulista tiveram queda de 2,4% em agosto na comparação com julho, segundo levantamento divulgado nesta semana pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Essa é a quarta retração seguida do índice, que acumula redução de 7,6% em 2020.
“A queda na produção é decorrência de tudo isso, além de problemas de logística internacional que estão atrapalhando a fabricação de insumos intermediários para a indústria automobilística. E os serviços dependem da indústria e da renda dos consumidores. Como a massa salarial está caindo, o emprego está baixo e a inflação alta, não tem como as pessoas gastarem com serviços porque os alimentos estão caros e elas precisam comer. Aí precisam cortar bar, restaurante, cabeleireiro. Estamos em uma situação bem complicada”, diz.
Oreiro não acredita em uma retomada em 2022, uma vez que em abril do ano que vem já haverá as desincompatibilizações de pessoas que hoje estão no governo para concorrerem à eleição. No caso da Reforma Tributária, embora os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, tenham prometido votar a matéria em dezembro, ele também é descrente de que aconteça a votação. “O que temos hoje é uma pessoa em campanha ocupando a cadeira de presidente da República”, afirma.
Sobre Paulo Guedes, que nesta semana chegou a mencionar a privatização da Petrobras e do Banco do Brasil, Oreiro afirma que o ministro já perdeu a confiança dos investidores: “Tem alguém em sã consciência que ainda acredita no que o Paulo Guedes fala? É só ver a lista do que ele propôs em outubro de 2018 e o que foi feito. O Paulo Guedes está muito desacreditado e a ala militar do governo jamais vai permitir a privatização da Petrobras e do BB. É uma questão pragmática. Os militares estão empregados nesses locais”.
Alta de juros
Para Oreiro, o BC está tentando controlar o choque de oferta reduzindo demanda pela elevação dos juros e, desta forma, só se torna mais difícil a recuperação da economia, além de aumentar o custo de rolagem da dívida pública, com o aumento da Selic, o que contribui para o desequilíbrio fiscal do governo. “É como se o BC do Brasil estivesse em um universo paralelo ao dos BCs dos países desenvolvidos. O comportamento deles é o oposto”, considera.
Ao mesmo tempo, a elevação da taxa de juros acabou tirando a atratividade do investimento imobiliário. “Havia expectativa de retomada forte da construção civil. Com elevação dos juros, isso foi prejudicado. Todos esses fatores apontam para redução da demanda e do nível de emprego e da atividade econômica”, acredita.
A natureza dessa inflação a política monetária não resolve: “Deveríamos ter feito estoques de alimentos. Diversos países do mundo não fizeram. O Guedes em 2019 acabou com os estoques reguladores da Conab, um instrumento que vinha sendo usado desde o governo militar. A ideia da formação de estoques é, em momentos de quebra de safra agrícola, suavizar o aumento de preços. Funcionam como estabilizador. Não fizemos isso”, critica.
Com relação aos preços dos combustíveis, Oreiro lembra que a Petrobras apresentou lucro recorde no semestre passado e o governo não precisaria ter repassado todo o aumento do dólar internamente. “Ele está transferindo renda da sociedade para os acionistas. Uma parte das ações é do governo, mas há acionistas privados que estão ganhando rios de dinheiro em uma situação em que as pessoas estão tendo dificuldade para comer. Como o acionista majoritário é o Estado brasileiro, poderia fazer uma outra política de preços. O governo a trata como se a Petrobras fosse uma empresa privada, monopolista. Não faz sentido”.
Recessão
As perspectivas para 2022, segundo o professor, são ainda piores. “Acredito que devemos fechar esse ano com um crescimento abaixo de 5%, indicando uma expansão do PIB em 2022 somente inferior a 1%, com viés de baixa, ou seja, possibilidade de recessão. “A economia vai piorar por conta da crise energética. No melhor cenário da crise energética, há a elevação do preço da energia, o que aumenta o custo de produção da indústria brasileira. Isso, por si só, joga a atividade para abaixo. E não está descartada a ocorrência de apagões”, prevê. “De novembro de 2021 a abril de 2022, pode haver racionamento. Vai depender do ciclo de chuvas. Se decretado racionamento, aí a economia pode, inclusive, entrar em recessão, a partir de abril do ano que vem. Após o período das chuvas, vamos ver se o nível do reservatório no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste vai estar acima ou abaixo de 2021. Se estiver abaixo, haverá recessão”, acrescenta.
Fonte: Vermelho
https://vermelho.org.br/2021/10/01/oreiro-na-economia-governo-bolsonaro-ja-acabou/
Oreiro: “Na economia, Governo Bolsonaro já acabou”
Com Paulo Guedes já desacreditado, o BC na contramão mundial e agravamento da crise hídrica, país corre risco de enfrentar recessão em 2022
Mariana Mainenti / Vermelho
Do ponto de vista da economia, o Governo Bolsonaro já acabou. A opinião é do professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro, que é fundador e coordena o Structuralist Development Macroeconomics Group, grupo de pesquisa no âmbito da Macroeconomia do Desenvolvimento Estruturalista. Oreiro acredita que o ministro Paulo Guedes só poderá agora atuar para “administrar o caos” e alerta também que o Banco Central brasileiro está indo no sentido oposto ao das autoridades monetárias da União Europeia, dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Japão: “O Brasil está na contramão do que os países desenvolvidos estão fazendo para reaquecer a economia, que é investir. A política monetária tem muito pouco a fazer sobre choque de oferta. Tentar debelar esse tipo de inflação com elevação da taxa de juros é nonsense”.
A Macroeconomia do Desenvolvimento Estruturalista pode ser entendida como o conjunto de modelos que justificam teoricamente o Novo Desenvolvimentismo, definido como uma estratégia de desenvolvimento nacional alternativa ao Consenso de Washington. Segundo o professor, que é um dos baluartes do Novo Desenvolvimentismo no Brasil, no momento em que começa a haver uma maior flexibilização, por conta da vacinação, seriam esperados sinais de retomada da economia, mas as últimas pesquisas mostram que não é o que está acontecendo.
Consumidores e empresários demonstram estar com o pé atrás, comportamento que ele atribui a três fatores, sendo o primeiro deles a aceleração da inflação, que está em quase 10% ao ano. “Isso leva à redução do salário real e afeta negativamente o consumo. Ao mesmo tempo, o investimento público vem caindo muito nos últimos anos, o que vai na direção oposta ao que deveria estar acontecendo e que é a realidade dos Estados Unidos e da Europa: o aumento do investimento. É isso que explica a economia perdendo tração”, afirma.
Incertezas
Como agravante, Oreiro acrescenta ainda a crise política. Bolsonaro subiu o tom dos ataques às instituições democráticas, o que faz com que os empresários adiem os investimentos por conta das incertezas. Divulgado nesta sexta-feira (01/10), o Índice de Confiança Empresarial (ICE) calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) apresentou queda de 2,5 pontos em setembro, passando para 99,9 pontos. Na quinta (30/10), a FGV divulgou que o Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) subiu 14,3 pontos em setembro, para 133,9 pontos, o maior nível desde março de 2021. Comparando-se à série histórica anterior à pandemia de covid-19, período em que foram registrados níveis inéditos de incerteza no Brasil e no mundo, este seria o segundo maior nível de incerteza, ficando abaixo apenas de setembro de 2015, quando o indicador alcançara 136,8 pontos.
Outros dois índices da FGV, divulgados na véspera, também tiveram quedas. O Índice de Confiança de Serviços (ICS), caiu dois pontos em setembro, para 97,3 pontos, interrompendo a sequência de cinco altas consecutivas. E o Índice de Confiança do Comércio (Icom) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) recuou 6,8 pontos em setembro, para 94,1 pontos, menor nível desde maio deste ano (93,7 pontos).
Já as vendas reais da indústria de transformação paulista tiveram queda de 2,4% em agosto na comparação com julho, segundo levantamento divulgado nesta semana pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Essa é a quarta retração seguida do índice, que acumula redução de 7,6% em 2020.
“A queda na produção é decorrência de tudo isso, além de problemas de logística internacional que estão atrapalhando a fabricação de insumos intermediários para a indústria automobilística. E os serviços dependem da indústria e da renda dos consumidores. Como a massa salarial está caindo, o emprego está baixo e a inflação alta, não tem como as pessoas gastarem com serviços porque os alimentos estão caros e elas precisam comer. Aí precisam cortar bar, restaurante, cabeleireiro. Estamos em uma situação bem complicada”, diz.
Oreiro não acredita em uma retomada em 2022, uma vez que em abril do ano que vem já haverá as desincompatibilizações de pessoas que hoje estão no governo para concorrerem à eleição. No caso da Reforma Tributária, embora os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, tenham prometido votar a matéria em dezembro, ele também é descrente de que aconteça a votação. “O que temos hoje é uma pessoa em campanha ocupando a cadeira de presidente da República”, afirma.
Sobre Paulo Guedes, que nesta semana chegou a mencionar a privatização da Petrobras e do Banco do Brasil, Oreiro afirma que o ministro já perdeu a confiança dos investidores: “Tem alguém em sã consciência que ainda acredita no que o Paulo Guedes fala? É só ver a lista do que ele propôs em outubro de 2018 e o que foi feito. O Paulo Guedes está muito desacreditado e a ala militar do governo jamais vai permitir a privatização da Petrobras e do BB. É uma questão pragmática. Os militares estão empregados nesses locais”.
Alta de juros
Para Oreiro, o BC está tentando controlar o choque de oferta reduzindo demanda pela elevação dos juros e, desta forma, só se torna mais difícil a recuperação da economia, além de aumentar o custo de rolagem da dívida pública, com o aumento da Selic, o que contribui para o desequilíbrio fiscal do governo. “É como se o BC do Brasil estivesse em um universo paralelo ao dos BCs dos países desenvolvidos. O comportamento deles é o oposto”, considera.
Ao mesmo tempo, a elevação da taxa de juros acabou tirando a atratividade do investimento imobiliário. “Havia expectativa de retomada forte da construção civil. Com elevação dos juros, isso foi prejudicado. Todos esses fatores apontam para redução da demanda e do nível de emprego e da atividade econômica”, acredita.
A natureza dessa inflação a política monetária não resolve: “Deveríamos ter feito estoques de alimentos. Diversos países do mundo não fizeram. O Guedes em 2019 acabou com os estoques reguladores da Conab, um instrumento que vinha sendo usado desde o governo militar. A ideia da formação de estoques é, em momentos de quebra de safra agrícola, suavizar o aumento de preços. Funcionam como estabilizador. Não fizemos isso”, critica.
Com relação aos preços dos combustíveis, Oreiro lembra que a Petrobras apresentou lucro recorde no semestre passado e o governo não precisaria ter repassado todo o aumento do dólar internamente. “Ele está transferindo renda da sociedade para os acionistas. Uma parte das ações é do governo, mas há acionistas privados que estão ganhando rios de dinheiro em uma situação em que as pessoas estão tendo dificuldade para comer. Como o acionista majoritário é o Estado brasileiro, poderia fazer uma outra política de preços. O governo a trata como se a Petrobras fosse uma empresa privada, monopolista. Não faz sentido”.
Recessão
As perspectivas para 2022, segundo o professor, são ainda piores. “Acredito que devemos fechar esse ano com um crescimento abaixo de 5%, indicando uma expansão do PIB em 2022 somente inferior a 1%, com viés de baixa, ou seja, possibilidade de recessão. “A economia vai piorar por conta da crise energética. No melhor cenário da crise energética, há a elevação do preço da energia, o que aumenta o custo de produção da indústria brasileira. Isso, por si só, joga a atividade para abaixo. E não está descartada a ocorrência de apagões”, prevê. “De novembro de 2021 a abril de 2022, pode haver racionamento. Vai depender do ciclo de chuvas. Se decretado racionamento, aí a economia pode, inclusive, entrar em recessão, a partir de abril do ano que vem. Após o período das chuvas, vamos ver se o nível do reservatório no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste vai estar acima ou abaixo de 2021. Se estiver abaixo, haverá recessão”, acrescenta.
Fonte: Vermelho
https://vermelho.org.br/2021/10/01/oreiro-na-economia-governo-bolsonaro-ja-acabou/
Míriam Leitão: Um governo sem remédio
A inflação está de volta aos dois dígitos com seu efeito devastador sobre os mais pobres, num momento em que há um forte aumento da pobreza. Isso deveria estar no centro das atenções do governo, mas o presidente está ocupado em fazer campanha antecipada, em jogar a culpa dos problemas sobre os governadores. O Ministério da Economia não conseguiu formular uma boa proposta de combate à inflação, de redução da pobreza, e está num jogo de faz de conta fiscal.
Faz de conta que o teto de gastos está sendo respeitado, faz de conta que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo obedecida. O teto fica onde está, mas muitas despesas vão sendo depositadas sobre ele. E quanto mais despesas sobem, mais fictícia se torna essa trava fiscal. A ideia de financiar um novo programa social com receitas ainda a serem criadas é delirante. E sim, fere a LRF. O secretário especial de Fazenda, Bruno Funchal, diz que se o projeto do Imposto de Renda não for aprovado não haverá o novo programa. Isso é de tranquilizar, por um lado, mas não resolve a outra questão. Há necessidade de mais dinheiro para as transferências de renda. E isso é necessário porque os pobres ficaram mais pobres, e há mais pobres no país.
Na visão do mercado financeiro o que está claro é que o governo não quer cortar despesas para compensar a ampliação da rede de proteção aos mais pobres. Espaço há, como as emendas bilionárias de relator, que só servem para comprar o apoio dos políticos do centrão. A saída, então, será através do velho truque do aumento de impostos. Por isso subiu o IOF e o governo quer urgência na aprovação do seu projeto de IR. Ainda assim, as contas não fecham, porque existe a limitação do teto de gastos. A proposta inicial era ruim, foi piorada na Câmara e empacou no Senado. Não há qualquer certeza de que ela de fato vai arrecadar mais. O governo diz que o projeto será neutro, mas que com o aumento da receita vai financiar o programa. Ou é neutro ou aumentará a receita. Mas vários economistas estão prevendo que, na verdade, haverá perda de arrecadação. Os estados sabem que perderão.
O que o Brasil não precisa? De inventar um programa de transferência de renda só para tirar a marca do PT do Bolsa Família. E foi exatamente o que governo fez. Ele baixou uma Medida Provisória extinguindo o programa e criando o novo Auxílio Brasil, mas não sabe ainda como vai financiar. Enquanto isso, cria-se o que já existiu, como o vale-gás. Ele foi extinto quando o governo Lula eliminou vários programas para concentrar no Bolsa Família, porque uma política potente é melhor do que a pulverização dos programas sociais.
Tempo para formular ideias melhores houve. E foi desperdiçado neste improviso constante que domina o governo Jair Bolsonaro. O negacionismo é ruim em si mesmo e por todos os efeitos colaterais. Ele impede que o governo tenha uma visão da sequência dos eventos e planeje a ação pública. Bolsonaro achou que a pandemia seria curta, negou a segunda onda, combateu as vacinas, brigou com os dados, desuniu o país e só agiu empurrado. Agora, unido ao Ministério da Economia, o presidente lança mão de medidas populistas para ver se consegue reverter a queda forte de popularidade.
A inflação vai atingir, com o dado de setembro, 10,2% segundo o Banco Central. As famílias estão endividadas, empobrecidas, e os juros terão que subir porque o BC tem que cumprir seu mandato de atingir a meta de inflação. Seria melhor se o presidente não atrapalhasse tanto a economia, com suas ameaças, mentiras e ataques.
O Brasil já reduziu tanto a sua expectativa em relação ao comportamento adequado de um presidente da República que comemora o fato de ele não falar de golpe desde o dia 7 de setembro. O país vai contando os dias como se, por decurso de prazo, Bolsonaro fosse deixar de ser o que é. Nesse meio tempo ele usou descaradamente o dinheiro público em campanha antecipada, atacou os governos estaduais por causa do preço do combustível, mentiu inúmeras vezes, fez apologia de armas colocando uma criança no ombro com um fuzil de brinquedo na mão, ameaçou as famílias dizendo que quem não se armar terá que atirar com balas de feijão quando invadirem sua casa. Não há o que salve esse governo. Ele não tem remédio.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/um-governo-sem-remedio.html
Jamil Chade: A reinvenção do futuro
Se uma mudança não ocorrer, estaremos nos livros como a geração que não ouviu o que pode ter sido um último sinal de alerta
Jamil Chade / El País
“Roma, lá fora, é uma cidade muito triste. Noite após noite, o país dorme desolado com a contagem, ainda às centenas, dos mortos, as cenas de terror se repetem nos hospitais”. O comentário é parte de um texto da escritora brasileira, Juliana Monteiro, radicada com sua família na capital italiana. Ela escrevia e descrevia o auge do primeiro confinamento vivido pela Itália, país que foi o primeiro epicentro da pandemia da covid-19 na Europa. “Que triste tantos italianos enterrando seus avós, aqui, onde são tão amados”, constatou, ainda nos primeiros meses de 2020.
O que a escritora de uma sensibilidade ímpar presenciava de seu balcão não era apenas uma impressão da dor que atravessava um continente. Mais de um ano depois daquele primeiro lockdown, dados confirmam o que ela sentia: a pandemia gerou a maior queda de expectativa de vida desde a Segunda Guerra Mundial.
A pesquisa, realizada pela Leverhulme Centre for Demographic Science, de Oxford, analisou dados de mortalidade em 29 países, incluindo Europa, EUA e Chile. Desse total, 27 deles registraram uma queda na expectativa de vida em 2020, numa escala que borrou o progresso objetivo durante anos na questão da mortalidade.
O que esses números revelam, no fundo, é uma enorme transformação na sociedade. Jamais, em épocas de paz, as mortes atingiram tais dimensões em economias ricas. A fome no mundo continua a matar mais que a covid-19. Mas, cinicamente, europeus consideravam essa outra pandemia como um problema distante e que, portanto, não merecia manchetes. E nem uma solução.
O que a pandemia revelou é que nada é inevitável, nem o futuro. Se as mortes atingiram níveis desconhecidos nesses países, algo parecido ocorreu com a taxa de natalidade. Os mais otimistas acreditavam que haveria um aumento de nascimentos nove meses depois do primeiro lockdown. Mas os números revelaram exatamente o oposto. Uma pesquisa na França e Alemanha em meados do ano passado indicou que 50% dos casais adiariam gravidezes.
Nos EUA, os números de queda começaram a aparecer de forma importante a partir de dezembro de 2020, nove meses depois da eclosão da crise. Segundo o CDC, a queda foi de 8% nos nascimentos no último mês do ano passado, uma tendência mantida em janeiro e fevereiro. Na Itália, a queda foi ainda maior, de 21%, contra 20% de redução na Espanha para o mês de dezembro. Já a França teve dezembro e janeiro com índices de natalidade mais baixos em 20 anos.
Não apenas a vida foi suspensa. Alianças foram desfeitas e a quantidade de casamentos que chegaram ao final explodiu. Só no Reino Unido entre julho e outubro de 2020, o escritório de advocacia Stewarts registrou um aumento de 122% em reuniões com indivíduos iniciando consultas sobre possíveis divórcios.
Agora, com as vacinas para uma classe privilegiada, os planos podem voltar a ser feitos. Tanto na Europa como nos EUA, os primeiros sinais literalmente de vida também começam a aparecer, com a volta de casais em busca de filhos. Ou pelo menos voltando a falar sobre o assunto. O Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica na Alemanha constata, por exemplo, que a busca no Google por termos relativos à gravidez deu um salto nas últimas semanas.
Mas para milhões de famílias mais pobres ou em luto, o futuro terá de ser reinventado. Mesmo na rica Europa, a era pós-pandemia também aponta que ninguém sairá ileso. Nas clínicas e hospitais, a onda de pacientes de covid-19 começa a ser substituída por outra: a de pessoas com sinais de depressão, stress e casos psiquiátricos.
Perguntas existenciais também ecoam pelas estruturas do poder nos corredores das grandes capitais. Como, apesar de toda nossa tecnologia e peso econômico, permitimos que tantos mortos se acumulassem? E o que garante a soberania: respiradores ou helicópteros militares de última geração? Até que ponto podemos comemorar um dia da independência e aplaudir um desfile militar enquanto nosso sistema de saúde não atende sua própria população?
O futuro também exigirá lidar com um prejuízo de 13 trilhões de dólares deixado pela pandemia. Mas de quem cobrar quando a obscenidade da desigualdade foi escancarada?
Nas entidades internacionais, os cálculos confirmam que a crise sanitária abalou 30 anos de progresso no índice de desenvolvimento humanos e que o planeta contará, ao final do ano, com um exército de 318 milhões de novos miseráveis.
Quem tinha oxigênio conseguiu evitar um colapso social. A UE, por exemplo, destinou 2,3 trilhões de euros em medidas de apoio para garantir a liquidez das economias. Isso impediu uma onda de falências e, de fato, os números de empresas fechadas foi o menor desde 1999. De acordo com a UE, sem esse dinheiro, 25% de todas as empresas do bloco teriam fechado suas portas ao final de 2020, após exaurir seus caixas.
Mas essa aparente estabilidade pode não durar. No mercado, o temor é de que “empresas zombis” - que de fato não tinham mais atividade - comecem a fechar. “Muitas insolvências foram adiadas, e não impedidas”, alertou a francesa Coface SA, uma empresa de seguro de crédito.
A tendência de austeridade deve marcar também outros setores. Das 1.600 discotecas existentes na França, 100 nunca voltarão a abrir suas portas, com milhares de postos de trabalho fechados. E milhares de beijos que talvez nunca ocorram.
Se há uma lição que a pandemia deixa ao mundo é de que o modelo está esgotado, inclusive moralmente. Ou como explicar que, em plena pandemia, bilionários façam viagens pornográficas ao espaço? Há algo de podre quando países ricos começam a pensar em jogar fora 100 milhões de vacinas que vencerão em dezembro, enquanto os pobres não sabem nem sequer quando vão receber a primeira dose.
Numa catástrofe ética, o planeta recupera sua lógica colonial mais crua. Desta vez com vacinas. Fábricas de imunizantes na África passaram meses sendo obrigadas a fornecer doses para os países ricos, enquanto a população do continente implorava por doses.
Mais de seis meses após o início da vacinação, economias ricas tinham obtido 61 vezes mais doses que os países mais pobres. Neste mês, 300 milhões de vacinas estarão sentadas em depósitos na Europa e EUA, sem saber como serão usadas.
Alguns deixarão explícita a indignação diante dessa realidade. Outros guardarão segredos impublicáveis sobre a crise que definiu uma geração. Um grupo ainda lutará para impedir a ruptura de um status quo que os garante fortunas e privilégios.
Mas, para todos, a era do mundo infinito acabou de vez. O futuro que muitos imaginavam que existia se provou insustentável, insuficiente e intolerável.
A história irá nos olhar sem compaixão. Se uma mudança não ocorrer, estaremos nos livros como a geração que não ouviu – ou optou por ignorar - o que pode ter sido o último sinal de alerta antes de uma crise climática e social de proporções inéditas.
Nosso único presente é a reinvenção do futuro. Retornar ao passado é suicida. Num planeta mais quente, mais improvável, mais hostil e mais desigual, reimaginar o que será da sociedade e da coexistência não é uma opção. Mas um ato de sobrevivência.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-28/a-reinvencao-do-futuro.html
Sobreviver, renovar, prosperar: um caminho para o transporte coletivo
Luis Antonio Lindau, Cristina Albuquerque e Fernando Corrêa / WRI Brasil
O transporte coletivo é a espinha dorsal das grandes cidades, garantidor do acesso de milhões de pessoas a oportunidades e vetor de vitalidade econômica. Mas está ameaçado. Em que pesem os papeis social, econômico e ambiental que desempenham nos centros urbanos, sistemas de ônibus no Brasil atravessam crises financeiras que colocam em xeque a continuidade dos serviços. O futuro do transporte coletivo passa não só por sobreviver, mas por se renovar para então prosperar.
Para sobreviver, o setor – em especial o ônibus, responsável por quase 86% das viagens em transporte coletivo no país – precisa, urgentemente, de novas fontes de recursos. A pandemia levou a quedas na demanda de até 70% e tornou inadiável a busca de receita adicionais para o sistema, hoje sustentado apenas pela tarifa na maioria das cidades. O transporte coletivo sangra, e é preciso estancar o ferimento.
Renovar é tratar as causas da sangria: solucionar problemas estruturais e proporcionar as bases para uma transformação do que temos hoje para um transporte urbano sustentável, inclusivo e de qualidade para todos. A mobilidade deve ser concebida para não deixar ninguém para trás, aumentando a oportunidade de acesso a empregos, educação, saúde e lazer. Ao mesmo tempo, precisa adaptar-se às transformações urbanas, às mudanças de comportamento e à emergência climática. Cidades terão de reimaginar o transporte coletivo – dos modelos de contrato e financiamento à integração física, temporal e tarifária –, para viabilizar redes multimodais, implantação de infraestruturas, aquisição de frotas mais limpas e uma operação mais coordenada e eficiente.
Prosperar será consequência dessa transformação. Para as cidades vibrantes, resilientes e inclusivas que buscamos, o planejamento e as ações devem mirar, desde já, nos desafios de médio e longo prazo. Ordenar a ocupação do território, integrar as diversas opções de transporte na escala metropolitana, garantir estabilidade financeira e capacidade para investir em infraestrutura de baixo carbono.
É para esse futuro urgente que apontam as ações elencadas a seguir.
Webinar do WRI Brasil, ITDP Brasil e Idec: soluções para o transporte coletivo
Como garantir um direito refém da demanda?
O transporte coletivo é um direito constitucional. Sem ele, milhões de pessoas teriam comprometido o acesso a emprego, educação, saúde e lazer. Nas últimas duas décadas, o setor passa pelo agravamento progressivo de uma crise que decorre, sobretudo, de seu modelo de financiamento, quase sempre baseado na tarifa paga pelos passageiros.
À medida que a população ascendeu economicamente, migrou para alternativas menos sustentáveis, como carros e motos. Quando a única receita do sistema é a arrecadação tarifária, a alternativa imediata diante de uma queda na demanda é reduzir a oferta e os investimentos em qualidade. Cria-se uma espiral negativa, em que a queda na demanda gera queda na qualidade do serviço, e vice-versa.
Quem mais perde com esse modelo, seja pela menor frequência do serviço, seja pelos veículos lotados e cada vez mais precários, são as pessoas que dependem unicamente do transporte coletivo – 50% dos passageiros, segundo pesquisa QualiÔnibus em nove cidades brasileiras. Elas pagam a conta.
Há medidas relativamente baratas para se atenuar alguns problemas e garantir melhorias sensíveis na qualidade do serviço. Faixas dedicadas para ônibus propiciam maior eficiência, regularidade e ganhos de tempo. O escalonamento de horários foi implementado por Fortaleza para melhor atender à demanda durante a pandemia, sem comprometer a segurança sanitária dos passageiros.
Mas, embora valiosas, medidas como essas não resolvem o fato de que a conta do transporte coletivo não tem fechado, e os sintomas são cada vez mais graves. A pandemia de Covid-19 atingiu em cheio as cidades brasileiras. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mapeou 56 cidades brasileiras afetadas em 2021 por greves, rompimentos contratuais ou intervenções. Garantir a continuidade do serviço passa por buscar, urgentemente, novas fontes de recursos.
Precisamos falar sobre subsídios
Os melhores sistemas de transporte coletivo do mundo são altamente subsidiados. Um levantamento com 22 cidades europeias revela que o subsídio público médio por lá é de 46,8% dos custos. No Brasil, o tema é tabu. Um estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) identificou, entre 35 sistemas de ônibus urbanos que operam 59,1% da frota nacional, apenas 12 cidades com algum tipo de subsídio. A média desses subsídios é baixa: corresponde a cerca de 14,9% do custo nos seis sistemas que disponibilizam informações. Nos sistemas metroferroviários, a realidade é outra: a média de subsídio é de 35% dos custos, e ultrapassa 80% em sistemas da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
A discussão sobre o transporte coletivo por ônibus no Brasil precisa avançar para “quanto” e “como”: quanto custa um serviço de qualidade e, diante da precariedade fiscal que afeta governos em todos os níveis, que medidas podem gerar os recursos adicionais necessários para oferecer esse serviço com equidade?
Há um vasto cardápio de fontes adicionais de receitas disponíveis. Um caminho é aprimorar impostos e taxas territoriais. Na medida em que um transporte coletivo estruturante e com qualidade gera valorização imobiliária, é justo que o IPTU seja mais alto em regiões beneficiadas. O Estatuto da Cidade instituiu a Outorga Onerosa do Direito de Construir e os Certificados de Potencial Adicional de Construção, instrumentos específicos para a recuperação da valorização imobiliária. Cidades podem direcionar parte desses recursos para fundos de mobilidade que viabilizem a manutenção de serviços de qualidade.
Precisamos falar sobre a cobrança pelo uso do carro
Um fundo de mobilidade municipal pode ajudar a corrigir uma distorção que tem condenado os centros urbanos à paralisação. Enquanto o subsídio ao transporte coletivo enfrenta resistência, o uso do carro é estimulado há décadas. Reduziram-se impostos para a compra, alargaram-se avenidas, ergueram-se viadutos enquanto o transporte coletivo ganhou pouco espaço para circular livre dos engarrafamentos. A frota de automóveis e motocicletas aumentou em 331% de 2001 a 2020 no país, e uma pesquisa de 2020 do Instituto Clima e Sociedade (iCS) mostrou que 45% dos brasileiros pretendem comprar um carro.
O prognóstico que se desenha é desanimador. Porque, junto com o crescimento do uso de carros e motos, aumentam os congestionamentos, a poluição atmosférica e mortes em sinistros de trânsito. Um estudo anterior à pandemia em regiões metropolitanas que concentram 23% da população brasileira estimou em cerca de 128 mil as mortes precoces ligadas à poluição do ar entre 2018 e 2025, a um custo de R$ 51,5 bilhões em perda de produtividade.
O que cidades brasileiras podem fazer – e várias cidades latino-americanas, europeias e asiáticas têm feito – é cobrar pelo uso do carro e direcionar as receitas para investimentos em transporte coletivo e ativo. A justificativa principal são as externalidades negativas: quem opta por usar o carro partilha com toda a sociedade os impactos sociais, ambientais e econômicos de sua escolha.
Segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), carros e motos respondem por 85% dos investimentos em infraestrutura viária e dos custos ambientais e de saúde do transporte urbano, em comparação a 15% do transporte coletivo. É justo cobrar por esses impactos para subsidiar o transporte coletivo, que beneficia toda a coletividade e hoje é bancado apenas pelas pessoas que o utilizam.
No Brasil, uma das poucas medidas consolidadas para corrigir essas distorções é a cobrança pelo estacionamento rotativo em via pública. Mas, geralmente, cobra-se pouco. Estacionar um carro particular em uma região comercial da cidade deveria ser significativamente mais caro do que acessá-la com transporte coletivo. Há vários caminhos para aprimorar a cobrança do uso do meio-fio e do espaço público destinado a estacionamentos, e exemplos de como direcionar as receitas para o transporte sustentável.
Impostos sobre combustíveis, taxas de licenciamento de veículos e taxação do congestionamento – também comumente chamada de “pedágio urbano” – são outras fontes em potencial. A experiência de Londres é exemplar: a cidade cobra de veículos para acessar a região central. A prática rende à cidade mais de R$ 1 bilhão ao ano, e permite conciliar uma política de “tarifa acessível” para o transporte coletivo à oferta de um bom serviço e à redução substancial de emissões, poluentes, congestionamentos e sinistros de trânsito na região de abrangência.
Esses recursos – como outras receitas adicionais de que já tratamos – podem alimentar fundos municipais de transportes, como o implementado por São José dos Campos, que recebe 38,5% das receitas do estacionamento rotativo. A médio e longo prazo, esses fundos podem garantir lastro financeiro para a operação e os investimentos na qualificação do sistema, além de possibilitar estabilidade tarifária e até mesmo cobrir gratuidades.
Renovar para não salvar a ineficiência e a iniquidade
Salvar o transporte coletivo como ele é hoje seria perpetuar a ineficiência, a baixa qualidade e, em última instância, a perda de clientes. Toda ação para captar recursos adicionais deve ser voltada à melhoria da qualidade do serviço e à promoção de maior acesso das pessoas a oportunidades. Renovar passa por resolver problemas estruturais dos sistemas de ônibus nas cidades.
Os modelos de contratos usuais no Brasil carecem, por exemplo, de mecanismos que garantam a qualidade, um padrão adequado de oferta e a resiliência do serviço. Separar as concessões de provisão dos veículos e de operação das linhas é uma alternativa. Assim, Santiago e Bogotá têm conseguido dividir riscos entre diferentes empresas, remunerar as partes segundo indicadores de qualidade e eficiência e viabilizar a eletrificação da frota.
Adequar a oferta de mobilidade à demanda de viagens
Renovar passa pela coleta e abertura de dados para entender as mudanças nos padrões de deslocamento das pessoas e pelo aperfeiçoamento de instrumentos como as Pesquisas Origem e Destino (OD). Os dados permitem às cidades planejar tanto a oferta de linhas de ônibus quanto a implantação de infraestrutura para os transportes coletivo e ativo. Poucas são as cidades brasileiras que vêm realizando periodicamente esses levantamentos, em geral através de longos questionários. Joinville inovou. O método utilizado na última Pesquisa OD da cidade catarinense cruza dados de telefonia móvel com outras fontes, como os dados GTFS das empresas operadoras. Além de facilitar a coleta de dados, o método permite identificar com mais precisão os trajetos percorridos pela população.
Qualificar e ampliar calçadas e ciclovias – e conectá-las ao transporte coletivo – também é parte importante da renovação. Em levantamento do Instituto Clima e Sociedade (iCS), 67% das pessoas responderam que trocariam o transporte individual por uma alternativa sustentável. As que não trocariam deram dois motivos principais: conforto (26%) e praticidade (20%). (Re)conquistar essas pessoas passa por oferecer a elas a possibilidade de realizar os deslocamentos do dia a dia de forma cômoda – mesmo que envolvam, por exemplo, caminhar até um terminal de ônibus e usar uma bicicleta compartilhada no último quilômetro.
Ao oferecer às pessoas uma rede de transportes confortável, com informação em tempo real e pagamento facilitado, o sistema de transportes começa a se aproximar da chamada mobilidade como um serviço (MaaS, na sigla em inglês): um sistema totalmente integrado, que conecta os usuários de um ponto a outro da cidade “sem costuras” (do inglês, seamless) e com o bastante eficiência.
Planejamento e integração para prosperar
Na cidade próspera que queremos, o transporte sustentável é acessível, confortável, seguro e conveniente – por isso, é a escolha preferida da maioria da população, independentemente da faixa de renda. Para chegar lá, é preciso perseguir uma visão contemporânea de futuro, desdobrada em um planejamento integrado de transportes e desenvolvimento urbano, contemplando um conjunto de ações concatenadas.
As cidades que conceberem de forma coordenada a mobilidade e o uso do solo poderão fomentar a consolidação de centralidades, contrapondo o espraiamento decorrente do crescimento urbano desordenado que predominou nas cidades brasileiras, e que vem gerando emissões, sinistros viários, congestionamento e acesso desigual a oportunidades.
Uma retomada verde da economia, que encaminhe nossas cidades para um desenvolvimento de baixo carbono, não pode prescindir de um transporte coletivo mais sustentável e equânime, que proporcione benefícios substanciais para o ambiente e as pessoas. Priorizar ações e investimentos no transporte sustentável e na mobilidade de baixo carbono abre portas para que cidades acessem financiamento verde e climático.
Cidades podem liderar a transformação
Sobreviver, renovar e prosperar: essas três palavras descrevem a construção de um novo círculo virtuoso para o transporte coletivo. E o que é bom para o transporte coletivo, é bom para as pessoas, para o clima e para a economia. Cidades e líderes que perceberem e abraçarem essa perspectiva estarão mais perto de oferecer um transporte coletivo de qualidade para a população e de se tornarem exemplo para cidades no Brasil e no resto do mundo.
Fonte: WRI Brasil
https://wribrasil.org.br/pt/blog/cidades/sobreviver-renovar-prosperar-caminho-para-transporte-coletivo-de-qualidade-no-brasil
Vera Magalhães: Chega de dar palco para maluco
Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin não teria vindo à tona
Vera Magalhães / O Globo
A CPI da Covid só foi necessária e se tornou relevante e urgente porque o presidente Jair Bolsonaro promoveu, desde o início da pandemia, uma gestão irresponsável que fez com que o Brasil visse explodir o número de casos e de mortes enquanto atrasava o início da vacinação da população e apostava em tratamentos sabidamente ineficazes.
O rol de revelações da comissão do Senado é estarrecedor, e o saldo de seu trabalho, que só foi possível graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é amplamente positivo.
Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin por meio de atravessadores e com sobrepreço e irregularidades de toda natureza provavelmente não teria vindo à tona.
Da mesma forma, a cronologia do oferecimento insistente de doses de vacinas ao Brasil pela farmacêutica Pfizer, já em meados de 2020, seguido da total falta de resposta e interesse por parte do governo Bolsonaro, foi revelada graças aos trabalhos da comissão do Senado, bem como as tentativas de boicotar a compra da CoronaVac, desenvolvida em parceria do laboratório chinês Sinovac com o Instituto Butantan.
Mas, ao longo desses quase cinco meses de funcionamento, a CPI errou ao servir de palco para um elenco de negacionistas, charlatães, lobistas ou simplesmente malucos, que turva o resultado de seu trabalho e, de certa forma, pode ter ajudado a confundir o público quanto a protocolos sanitários, tratamentos e até a segurança e a eficácia das vacinas.
Esta semana foi exemplar dessas duas faces da moeda da CPI, a virtuosa e a deletéria. Depois do depoimento acachapante da advogada Bruna Morato, de que tratei aqui na quarta-feira, em que ela, representando um grupo de ex-médicos da Prevent Senior, apresentou ao país um relato nauseante de práticas criminosas que atribuiu à operadora, os senadores, em vez de procurar se aprofundar nesse importante veio de investigações, pegaram um desvio e promoveram dois dias de espetáculo circense e show de negacionismo.
Já era óbvio que o empresário Luciano Hang, figura caricata que tem feito a promoção do kit Covid, inclusive usando a morte da própria mãe como palanque ideológico, não teria nada a acrescentar à CPI.
Sua audiência não era necessária para fechar o caso Prevent Senior, uma vez que os senadores já dispunham de documentos como o atestado de óbito da mãe de Hang. Tampouco ajudaria a trazer elementos para os capítulos que tratam do gabinete paralelo ou da disseminação das fake news na pandemia. Pelo contrário: sua fala só serviu para tumultuar a CPI e disseminar ainda mais desinformação e lixo ideológico.
Da mesma natureza foi a inquirição do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury ontem. Os senadores já dispunham do compartilhamento de dados do inquérito do STF em que Fakhoury é investigado, que mostram que ele financiou atos antidemocráticos. Também já tinham elementos que mostravam sua participação nas campanhas de desinformação sobre máscaras e vacinas. Por que, então, dar palco para que ele repetisse suas mentiras, proferidas com cinismo explícito, em rede nacional?
É notório que a CPI da Covid foi um ponto de virada na trajetória política de muitos de seus integrantes. O trio que comandou os trabalhos e outros, como Alessandro Vieira e Fabiano Contarato, com sua contribuição técnica, e Simone Tebet e Eliziane Gama, que, mesmo não sendo membros, mostraram a importância da participação feminina na investigação, ganharam novo status diante do público.
Por isso mesmo, é preciso terminar no auge, de forma a mostrar que o que se busca ali é justamente a antítese do show de embuste promovido pelo governo federal e por seus satélites na classe política, na medicina e no empresariado.
É vital que, até o encerramento, a pauta seja expurgada de palhaços e charlatães. O país quer responsabilização dos culpados pela nossa tragédia, e não circo.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/chega-de-dar-palco-para-maluco-na-cpi-da-covid.html
Lula e Meirelles querem dinheiro da Petrobras para baixar o preço do gás
Ex-presidente e líder liberal culpam lucro de acionistas pela carestia dos combustíveis
Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo
Lula da Silva (PT) quer tirar dinheiro da Petrobras para dar a quem consome combustíveis. Henrique Meirelles também. Meirelles é secretário da Fazenda de João Doria (PSDB), foi ministro da Fazenda de Michel Temer e presidente do Banco Central de Lula. Jair Bolsonaro prometeu tirar dinheiro da Petrobras, mas levou uma tunda no mercado e não fez nada. Desde então, promete tirar dinheiro dos estados a fim de aliviar o preço de gás, diesel e gasolina, entre outras patranhas. Meirelles não gostou.
A base do argumento de Lula e Meirelles é a mesma.
Lula: “O que a Petrobras está fazendo é acúmulo de dinheiro para pagar os acionistas... Quem está ganhando com isso são os investidores nas ações...” (foi o que disse à rádio Capital FM, de Cuiabá, na quarta-feira).
Meirelles: “Se queremos controlar o preço da gasolina ou do óleo diesel, é muito simples. É preciso diminuir a margem de lucro da Petrobras. Já está com margem extraordinária e precisa diminuir um pouco a remuneração da Petrobras e dos acionistas”, disse a jornalistas, também na quarta.
Pode ser que Lula e, ainda mais, Meirelles pensem que a Petrobras é um monopólio safado, que explora os consumidores. Se é, que o digam. Poderia ser até o início de uma conversa divertida sobre setores concentrados da economia.
Sim, é possível tirar dinheiro da Petrobras, mesmo que a empresa não seja um monopólio safado. Pode-se evitar o reajuste de seus produtos de acordo com os preços do mercado internacional (que começaram com Temer, em 2016), o que tiraria dinheiro dos acionistas. É ora ilegal, mas se pode mudar a lei ou, então, se criar um “imposto sobre lucros extraordinários”.
A Petrobras então perderia valor de mercado (o preço de suas ações cairia), o que é apenas um aspecto da redução do crédito da empresa. A petroleira lucraria menos, teria relativamente mais dívida, tudo mais constante; pagaria, pois, juros mais altos e perderia capacidade de investir e crescer.
O governo poderia então dar um jeito de colocar dinheiro na petroleira, para manter ou até aumentar o investimento. Mas, ainda que houvesse dinheiro, por que usá-lo na Petrobras? Para reflexão.
É verdade que desde o começo da liberalização dos preços, de Temer-Meirelles, até Bolsonaro-Guedes, o preço dos combustíveis subiu 72%, muito mais do que a inflação média (25%) ou do que o preço da comida (33%). Aumentou não porque o governo quisesse. Mas o governo não meteu o dedo nos preços de combustível ou da energia elétrica. No governo de Dilma Rousseff 1, foi o contrário. Não deu certo, né.
Para piorar, a renda do país e do povo miúdo em particular caiu muito desde 2014. O número de pessoas empregadas em julho deste ano (dado mais recente do IBGE) é menor do que em 2012. A “massa de rendimentos do trabalho” (a soma do que todo mundo recebe trabalhando) ainda é uns 6% menor do que em julho de 2019 (em termos reais, descontada a inflação).
A melhor solução emergencial é dar subsídio para os mais pobres (“mais Bolsa Família”), de preferência com imposto sobre mais ricos.
Apesar do tom ameno de tédio desencantado destas linhas, convém notar que esse debate político sobre combustíveis fica entre a incompetência e o disparate. A dúvida é saber se a demagogia e a desconversa vão aumentar até a eleição ou se todo mundo vai fazer “carta ao povo brasileiro” em algum momento de 2022. O preço dos combustíveis é apenas um aperitivo do cardápio de problemas de uma economia empobrecida, ineficiente, estruturada para a desigualdade, no mercado e no Estado, e em que ricos rejeitam mais imposto.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/09/lula-e-meirelles-tambem-querem-dinheiro-da-petrobras-para-baixar-o-preco-do-gas.shtml
Bolsonaro tem reprovação de 55%, diz Ipespe
A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato
Cristiane Agostine / Valor Econômico
A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato e 55% consideram a gestão como ruim ou péssima, segundo pesquisa Ipespe, encomendada pela XP e divulgada ontem.
O governo Bolsonaro é visto como bom ou ótimo por 23% dos entrevistados e regular por 18%.
A desaprovação ao governo também bateu novo recorde, de 64%. Na pesquisa anterior, de agosto, era de 63%. A aprovação, que era de 29%, oscilou para 30% e 6% não responderam.
O levantamento do Ipespe mostra um quadro semelhante ao registrado pelo Datafolha entre os dias 13 e 15, com a reprovação recorde de Bolsonaro, de 53%.
Na pesquisa divulgada ontem, a maioria da população apoia o impeachment do presidente neste momento: 51% são a favor e 45% contra. Dos entrevistados, 4% não responderam.
A população tem uma confiança maior nas Forças Armadas (58%), na Igreja Católica (57%) e na imprensa (38%) do que no presidente da República (33%). A instituição com melhor avaliação é a ONU, com a confiança de 59%. Em último lugar na escala estão os partidos políticos, com apenas 9% da população declarando confiança.
O Supremo Tribunal Federal (STF), um dos alvos preferenciais dos ataques do presidente Bolsonaro, registrou uma avaliação negativa maior do que positiva. Dos entrevistados, 37% consideram a atuação dos ministros do STF como ruim ou péssima, 28% como regular e 30% como ótima ou boa, e 5% não responderam. A imagem piorou desde maio de 2019, quando 32% avaliaram como ruim ou péssima, 39% como regular e 21%, ótima ou boa.
A pesquisa foi realizada por telefone entre os dias 22 e 24 de setembro, com mil pessoas acima de 16 anos. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um intervalo de confiança de 95,5%.
O Ipespe questionou também os entrevistados sobre a disputa presidencial de 2022.
A um ano da eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera nos dois cenários testados pelo instituto no primeiro turno, e venceria o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno por 50% a 31%.
No primeiro turno, Lula está à frente, com folga em relação aos demais candidatos, nos dois cenários eleitorais da pesquisa. No primeiro cenário, com menos candidatos da centro-direita, o ex-presidente petista tem 43%, seguido por Bolsonaro, com 28% e pelo ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 11%. O governador João Doria (PSDB) tem 5%, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, (DEM), 4%, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), 2%. Votos em branco, nulo ou em nenhum dos pré-candidatos somam 7%.
No segundo cenário, mais pulverizado, Lula tem 42% e Bolsonaro, 25%. Ciro aparece com 9% e o ex-ministro Sergio Moro tem 7%. Mandetta, o apresentador Datena (PSL) e o governador Eduardo Leite (PSDB) têm 3% cada. Os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Rodrigo Pacheco registram 1% cada. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) não pontuou. Votos em branco, nulo ou em nenhum desses nomes somam 5% e 1% não respondeu.
Apesar de bater recorde de desaprovação de seu governo, Bolsonaro ampliou suas intenções de voto de 24% para 28%, na comparação com a pesquisa anterior, de agosto. Lula também aumentou suas intenções de voto, oscilando de 40% para 43%.
Em maio, Lula e Bolsonaro estavam empatados com 29% de intenção de voto cada. Desde então, o petista só aumentou até chegar aos 43% registrados neste mês. Bolsonaro caiu em junho e julho e só agora se recuperou na disputa do primeiro turno.
O cenário de disputa pelo segundo turno mostra que Lula tem conseguido ampliar sua diferença em relação a Bolsonaro desde maio, quando o petista tinha 42% e o presidente, 40%. O petista só aumentou e chegou agora a 50%, enquanto as intenções de voto de Bolsonaro caíram mês a mês e agora estão em 31%.
A atuação de Bolsonaro para enfrentar a pandemia é reprovada pela maioria da população e chega a 58% de ruim ou péssimo. Dos entrevistados, 22% consideram ótima ou boa e 18% regular.
A maioria da população teme o racionamento de energia nos próximos meses e 69% acreditam que “com certeza” ou “provavelmente” enfrentarão o problema.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/10/01/bolsonaro-tem-reprovacao-de-55percent-diz-ipespe.ghtml
Fernando Gabeira: Governo Bolsonaro, mil dias rumo ao isolamento
Dias que restam devem confirmar marcha de Bolsonaro para sua real estatura política
Fernando Gabeira / O Estado de S. Paulo
No momento em que o governo comemora mil dias e nós lamentamos a morte de 600 mil pessoas na pandemia, creio que a expressão isolamento define a trajetória de Bolsonaro.
Pode parecer inadequado falar de solidão nestes mil dias, sobretudo quando se mobiliza tanta gente como ele. Mas, se consideramos o percurso de um presidente que se elegeu com 57 milhões de votos e hoje é rejeitado pela maioria, vemos como ele perdeu terreno, o que é pior, supondo que estava avançando.
Quando Bolsonaro se elegeu, havia uma visão crítica internacional baseada nas suas declarações sobre violência e suas posições machista e homofóbica. O tempo encarregou de transformar essa desconfiança numa certeza mundial. Em primeiro lugar, as posições negacionistas na pandemia e, logo em seguida, também com grande peso, uma política devastadora no meio ambiente.
A última performance internacional de Bolsonaro serviu para transformá-lo numa espécie de líder exótico, destes que figuram apenas nas piadas de apresentadores de tevê. Ele quebrou o código de honra da ONU que previa um encontro de líderes vacinados.
Quando Bolsonaro disse que sua vida era uma desgraça, que não podia sair nas ruas para tomar um caldo de cana, já expressava de certa forma o desconforto que marca seu percurso na Presidência.
Muitos analistas afirmam que Bolsonaro fala apenas para seu público e que não se importa com a maioria. Na verdade, seu público hoje é formado pela extrema-direita e grupos de seguidores fiéis que não têm condições de avaliar criticamente sua performance. Nesse sentido, podese dizer que Bolsonaro se isolou de seus eleitores, uma vez que foi vitorioso numa eleição majoritária.
Mas existe um tipo de isolamento não estudado em detalhes, exceto por pesquisadores mais voltados para a questão militar, como o antropólogo Celso Castro, autor do livro O Espírito Militar. Trata-se de uma pesquisa entre cadetes na Academia das Agulhas Negras e revela que existe entre os militares uma tendência a dividir o País entre fardados e paisanos. Os militares mais disciplinados, idealistas, tendem a ver os paisanos como individualistas e pouco confiáveis. Bolsonaro parece ter herdado esse espírito ao determinar que os militares ocupassem o governo e escolher um grupo de oficiais de alta patente para seus assessores mais próximos.
Grande parte de sua agenda é voltada para solenidades militares, mas o principal exemplo que revela essa tendência discriminatória é seu argumento para aceitar as urnas eletrônicas.
Como se sabe, Bolsonaro afirmou várias vezes que as eleições no Brasil são fraudadas, embora tenha sido vitorioso em inúmeras proporcionais e na majoritária, para presidente, em 2018.
Ele só aceitaria eleições limpas com a presença do voto impresso e auditável – como se as urnas eletrônicas não fossem auditáveis.
Derrotado no Congresso, Bolsonaro ainda resistiu na sua campanha contra as urnas eletrônicas. Só depois de algum tempo admitiu as eleições tal como serão realizadas, mas argumentou assim: agora confio porque as Forças Armadas vão fiscalizar.
As Forças Armadas sempre conheceram o processo eleitoral, a porta nunca esteve fechada para sua fiscalização. Bolsonaro usou sua presença como uma desculpa para racionalizar o recuo.
Mas é um tipo de desculpa que merece análise, pois ela pressupõe que, para Bolsonaro, a única instituição confiável são as Forças Armadas.
Nesse simples movimento, o processo de isolamento, que já é ululante em termos internacionais, aparece com toda a clareza na dimensão nacional: ao longo de todo este período, Bolsonaro preocupou-se apenas com a aproximação com os militares e com aqueles setores da sociedade que os acham os únicos capazes de dirigir o Brasil, de preferência com um viés ditatorial.
Candidato, Bolsonaro desfrutou de uma configuração favorável, inclusive com atentado a faca, que permitiu envolver a maioria da população.
Como candidato, Bolsonaro aproxima-se rapidamente daqueles grupos que fazem manifestação em porta de quartel, usam camisa amarela e acreditam que fazem história antes da macarronada de domingo.
Com urnas eletrônicas ou voto impresso, não importa que tipo de mecanismo, uma posição como esta de Bolsonaro e seus fiéis nunca será majoritária no Brasil.
As condições de 2018 não estão mais presentes. Desde quando assumiu o governo, Bolsonaro caminha decisivamente, inclusive estimulado pelos filhos, rumo à sua posição mais autêntica, mais inequivocamente minoritária. É um líder da extrema-direita e possivelmente seguirá assim, até que a própria corrente que representa chegar à conclusão de que pode dispor de alguém melhor que ele.
Nunca é possível fazer uma previsão política com exatidão. Mas os dias que restam de governo devem confirmar esta marcha de Bolsonaro para sua verdadeira estatura política.
Ao afirmar que sua vida era uma desgraça, estava próximo de uma descrição real, pois cair em desgraça, em termos políticos, é um sinônimo de isolamento.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,mil-dias-rumo-ao-isolamento,70003856111
Míriam Leitão: O mundo piora, o Brasil patina
Combinação de incertezas em várias partes do mundo ocorre num momento em que o Brasil enfrenta suas próprias crises
Míriam Leitão / O Globo
Tudo começou a acontecer ao mesmo tempo na economia internacional. A China está em desaceleração — desta vez é sério — por causa do gargalo energético e o colapso de uma grande empresa imobiliária. O governo dos Estados Unidos, de novo, bateu no teto da dívida. Haverá muita turbulência política até aprovar um novo teto e há ainda uma instabilidade institucional inédita no Fed. Há uma crise de oferta dentro da indústria, setor que está puxando a recuperação. Essa é a explicação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, para a turbulência desta semana. No Brasil ele diz que há muitas dúvidas entre os economistas sobre a condução da política fiscal pelo governo Bolsonaro e isso se reflete no dólar, na bolsa e no mercado de juros.
Mário Mesquita foi diretor de política econômica do Banco Central e trabalhou no FMI. Recentemente ele fez um forte movimento de revisão do cenário para o ano que vem, derrubando de 1,4% para 0,5% a projeção para o PIB. E acha que se houver racionamento de energia pode ir a zero. Esse cenário é de um ano difícil, com aumento do desemprego. A alta da Selic este ano terá impacto na economia no ano que vem. Ele acredita que em comparação com 2020 e 2021 o governo gastará menos, mesmo sendo período eleitoral. Ou seja, haverá aperto fiscal e monetário.
— Se você somar o aumento do Bolsa Família com uma modesta extensão do Auxílio Emergencial, vai dar menos do que o gasto este ano. O efeito da política monetária (alta dos juros) também vai bater com força, e o mundo vai crescer menos. Outro fator é que o setor de serviços já terá normalizado, e não acredito em demanda reprimida. Quem deixou de sair para jantar na pandemia não vai passar a comer fora várias vezes por semana — disse ele, explicando seu cenário, que é um dos mais pessimistas do mercado.
O Brasil está indo para um ano de estagnação enfrentando a mudança para pior da conjuntura internacional. A inflação em alta no mundo está mais duradoura do que se imaginava e há pressões nos preços da energia. O petróleo rompeu a barreira dos US$ 80 e atingiu a maior cotação dos últimos três anos. O gás natural está subindo de preços. Por que tudo ao mesmo tempo?
— Há o custo da transição energética. Na China, o governo quer reduzir a geração de energia a partir do carvão, para combater a poluição por causa da Olimpíada de Inverno. Então há uma restrição de oferta na China, e as indústrias estão tendo que se enquadrar às metas. A Evergrande será reestruturada, só não se sabe se será organizado. O país vai crescer entre 7% e 8%, sendo que o carrego estatístico é 6,5%. Isso nos causa um problema adicional. Menos crescimento na China já provocou forte queda dos preços de minério de ferro, o que afeta diretamente o Brasil.
Esses são os problemas na segunda maior economia do mundo, e na primeira, os EUA, também há riscos.
—Os EUA têm uma situação política muito polarizada e disfuncional. Novamente há um impasse envolvendo o teto de gastos que pode levar à paralisia do orçamento. E há também uma incerteza envolvendo os membros do Fed, com possíveis mudanças que podem atingir até a presidência do banco. Jerome Powell e outros membros do comitê de política monetária fizeram investimentos em títulos durante a pandemia e estão sendo duramente criticados — afirmou.
Mesquita diz que a recuperação mundial foi impulsionada pela indústria. O consumo se deslocou dos serviços para bens industriais, mais intensivos em energia. Isso em um momento em que o mundo reduz as fontes fósseis.
Na Europa, há pressão de preços de energia, desabastecimento no Reino Unido, e a inflação, que está subindo. Mas em um nível bem diferente do que estamos enfrentando no Brasil:
— Eles têm trabalhado em geral abaixo de 2%, portanto, uma inflação de 3% a 4% já seria algo desconfortável para os alemães, por exemplo. Então tem preocupação com a inflação e retirada dos estímulos monetários ao mesmo tempo.
Essa combinação de incertezas em várias partes do mundo ocorre num momento em que o Brasil enfrenta suas próprias crises. Para Mesquita, o grande problema brasileiro é que o país cresce pouco há 40 anos e não há consenso sobre as políticas necessárias para voltar a um ciclo de crescimento.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-mundo-piora-o-brasil-patina.html
Países enfrentam falta de combustível, mas Bolsonaro e governadores batem boca sobre ICMS
Na bolha brasiliense, a solução do problema se resume a pressionar os governadores e a Petrobras, num simplismo primário
Adriana Fernandes / O Estado de S.Paulo
Todos os sinais são de formação de uma crise global no mercado de energia, mas no Brasil as autoridades insistem no jogo diário de empurrar a culpa uns para os outros.
O problema é grave e exige, mais do que nunca, uma resposta organizada porque o horizonte atual é de continuidade dos preços altos de combustíveis e gás depois da pandemia da covid-19, com repercussões macroeconômicas gigantescas.
Um gabinete de crise com governo federal, Estados e – por que não? – caminhoneiros.
O que é mais recomendável é uma abordagem ampla, com a visão de que se trata de uma crise que não é só brasileira, mas global.
O que chama atenção no debate político de Brasília é que as pessoas não estão se dando conta do ambiente hostil no mundo. O tema não foi trazido com a relevância e a seriedade necessárias. O foco na disputa com governadores em cima das alíquotas elevadas do ICMS não reflete a gravidade do problema, que elevou as preocupações do mercado com os gargalos de oferta que comprometem a recuperação econômica global.
No mundo, os preços dos combustíveis e do gás natural estão em forte alta no rastro do processo de normalização da pandemia da covid-19. Na fase pré-pandêmica, havia abundância de combustíveis, e muitos falavam que se estava se chegando ao pico de consumo de petróleo.
A pandemia deu uma chacoalhada no mercado de energia com uma redução abrupta da oferta, que se seguiu a uma volta rápida da demanda.
Na Inglaterra, falta combustível nas bombas. O primeiro-ministro Boris Johnson chegou a colocar centenas de soldados do Exército de sobreaviso para agir, caso a escassez de gasolina nos postos do país causada pelas chamadas “compras nervosas” de combustível agravem a crise de abastecimento que atinge o Reino Unido.
No Brasil, os caminhoneiros ameaçam com greve depois da alta do diesel de quase 9% anunciada pela Petrobras esta semana. Na bolha brasiliense, a solução do problema se resume a pressionar os governadores e a Petrobras, num simplismo primário que não resolverá o problema.
Não há solução mágica com canetada quando se fala em mudar o complexo ICMS, tributo cobrado pelos Estados. E mesmo essa mudança não será suficiente. A própria Câmara se absteve de levar adiante uma reforma tributária para mudar o caos do sistema de cobrança do ICMS. Um erro político que agora cobra o seu preço.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, reclamou da Petrobras e dos governadores e promete partir para o confronto. Seguindo o mesmo caminho de Bolsonaro, disse que ninguém aguenta mais alta do combustível: “Sabe o que é que faz o combustível ficar caro? São os impostos estaduais”.
Mas, no dia seguinte ao confronto, o tom foi outro: de conciliação. Em reunião com líderes partidários, viu que não será fácil impor mudanças ao ICMS na véspera de eleição.
Lira promete que a Câmara vai dar a solução, mas as alternativas são as mesmas que se ouviam há anos, na greve dos caminhoneiros do governo Temer, quando o governo criou um subsídio orçamentário para segurar a alta dos preços. Agora, quer aprovar um projeto para definir que o ICMS do óleo diesel, do etanol e da gasolina seja apurado a partir de valores fixos. Voltou-se também à proposta de criação de um fundo de estabilização de preços que nunca saiu do papel.
Pressionados pelo presidente Bolsonaro, governadores também erram ao não querer discutir o problema a fundo. O caixa dos Estados está cheio, e ninguém quer abrir mão de receita. A maioria deles defende mesmo é mudança na política de preços da Petrobras. Jogam pressão na estatal cobrando redução na margem de lucro da empresa.
Os dois lados do jogo promovem falácias. Se Bolsonaro aponta os Estados como vilões da alta dos combustíveis, os governadores que vão para as redes sociais dizer que não aumentaram a alíquota do ICMS também não mostram toda a verdade do problema. A alíquota não aumenta, mas o ICMS cobrado sobe porque a fórmula de cálculo do imposto tem como base o preço médio cobrado na bomba. Um bate-boca que só piora a situação porque está todo mundo no mesmo barco.
*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crise-energia-combustivel-bolsonaro-arthur-lira-governadores-icms,70003855065