Economia

Zeina Latif: Presidente, a balança encolheu

As importações têm crescido mais do que o sugerido pela recuperação da economia

Não é novidade o encolhimento da balança comercial. Ocorre que o tema entrou no radar dos mercados.

As exportações não estão crescendo, com poucas exceções, como as beneficiadas pela guerra comercial entre EUA e China. A razão principal é o comércio mundial estagnado. A demanda externa pelos produtos brasileiros é variável-chave para determinar a performance das exportações.

A cotação do dólar tem influência modesta, afetando mais a rentabilidade do exportador, e menos o volume exportado. Para começar, quando o real entra em ciclo de depreciação é porque o dólar está se fortalecendo nos mercados globais, o que significa que as moedas dos nossos concorrentes também estão se enfraquecendo.

Outra consideração é que nossos produtos são caros, refletindo a carga tributária elevada e cumulativa e a infraestrutura deficiente, entre outros. Não haveria cotação do dólar alta o suficiente para compensar tantas distorções internas sem causar riscos à dinâmica inflacionária. E, nesse caso, a depreciação cambial seria, ao final, ineficaz, pela corrosão inflacionária da taxa de câmbio.

As importações estão em alta. Sem surpresas aqui, afinal, a economia ganha tração. Mas há algo extra, já discutido neste espaço.

Desde o ano passado, as importações têm crescido mais do que o sugerido pela recuperação da economia. A participação do produto importado na cesta de consumo está aumentando, possivelmente, como reflexo do parque produtivo defasado tecnologicamente. A grave crise, que gerou paralisia prolongada de investimentos, cobra seu preço.

Enquanto isso, as importações têm sido menos afetadas pelo dólar forte. É verdade que os salários em dólar mantêm-se em patamares elevados, preservando a relevante presença dos importados. O ponto é que a queda dos salários em dólar desde 2018, decorrente do ajuste do câmbio, não está impedindo o aumento da participação das importações, como ocorria no passado.

O quadro acima deixa claro que o nosso problema não é a taxa de câmbio fora de lugar. Já perdemos tempo demais discutindo esse tema. Vamos virar a página e avançar tempestivamente em reformas estruturantes que gerem ganhos de produtividade e maior competitividade dos nossos produtos e serviços.

O encolhimento da balança comercial deve prosseguir, gerando elevação do déficit em transações correntes (inclui também a balança de serviços). Este último atingiu 3% do PIB em outubro. Não é um valor elevado na comparação com países pares. Porém, chama a atenção a velocidade de deterioração, a despeito do crescimento modesto da economia e da alta do dólar.

O câmbio será afetado pelo aumento do déficit em transações correntes? Menos do que se imagina. Na verdade, é o dólar que influencia o desempenho do saldo externo ao longo do tempo (agora menos do que no passado), e nem tanto o contrário. Certamente o humor dos mercados pode sofrer impacto, gerando volatilidade de curto prazo no mercado cambial. O ciclo da taxa de câmbio, no entanto, é de outra natureza. Decorre do comportamento do dólar no mundo e da capacidade do País de crescer, atraindo o interesse de estrangeiros e locais para investirem no Brasil, e não no exterior, financiando, assim, o déficit em transações correntes.

O déficit externo não é um problema, mas sim suas razões e a capacidade do País de financiá-lo. Se o País ingressar em um ciclo de investimento robusto e com a abertura comercial paulatina, ambos ampliando a importação de bens (maquinário e insumos) e serviços tecnologicamente mais sofisticados, o déficit externo mais elevado será algo saudável; e também necessário, diante da baixa taxa de poupança interna do Brasil. Ele ajudará a impulsionar o crescimento de longo prazo ao elevar a produtividade da economia, atraindo assim capitais para financiá-lo e afastando pressões cambiais. Não é o que ocorre no momento, porém.

Há patologias na economia brasileira. São elas que precisam ser atacadas. O resto é conversa.

*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS


‘Sinais da economia brasileira são alentadores’, afirma Sérgio C. Buarque na nova edição da Política Democrática online

Economista diz que país pode voltar a crescer nos próximos anos; queda de juros deve gerar efeitos positivos

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

Os sinais da economia brasileira são alentadores, na avaliação do economista Sérgio Cavalcanti Buarque. Em artigo publicado na 13ª edição da revista Política Democrática online, o consultor em planejamento estratégico disse que a combinação de inflação em patamares civilizados (3,4% ao ano) com a mais baixa taxa de juros de referência (Selic) da história recente do Brasil (5% ao ano que representa menos de 2% em termos reais) cria ambiente macroeconômico muito favorável.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz a edita a publicação. A entidade é sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. Na avaliação do economista, é possível que o Brasil volte a crescer nos próximos anos, se o presidente Jair Bolsonaro não atrapalhar e as tensões comerciais externas diminuírem. “Nada espetacular e rápido, contudo, como seria desejável para a geração de renda e emprego e para ampliação da receita pública”, afirma o autor, em artigo produzido para a revista Política Democrática online.

Mesmo com a reforma da Previdência, na avaliação de Buarque, a crise fiscal ainda vai se arrastar por alguns anos. Segundo ele, as famílias e as empresas continuam endividadas, e a economia internacional caminha a passos de tartaruga. “A queda da taxa de juros de referência deve gerar três efeitos positivos e complementares na economia”, pondera.

De imediato, conforme escreve o consultor, reduz o custo da dívida pública, contendo a tendência de expansão do endividamento, que gera insegurança e instabilidade, e diminuindo o tamanho do superávit primário necessário para pagamento dos juros. “Ao mesmo tempo, a redução da Selic já está empurrando para baixo os juros do crédito comercial, mesmo com a persistência de oligopólio bancário e a elevada inadimplência”, acentua.

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Revista Política Democrática || Sérgio C. Buarque: Os sinais e as incertezas

Economia do país reage e apresenta sinais alentadores, com ambiente macroeconômico favorável, com inflação de 3,4% ao ano e a mais baixa taxa Selic da história recente do Brasil (5% ao ano, menos de 2% em termos reais). É só o presidente não atrapalhar e as tensões externas arrefecerem 

Os sinais da economia brasileira são alentadores. Apesar do tímido crescimento esperado para este ano e dos níveis alarmantes de desemprego, a combinação de inflação em patamares civilizados (3,4% ao ano) com a mais baixa taxa de juros de referência (Selic) da história recente do Brasil (5% ao ano, que representa menos de 2% em termos reais) cria ambiente macroeconômico muito favorável. Se o presidente da República não atrapalhar e as tensões comerciais externas arrefecerem, é provável que a economia brasileira retome ciclo de crescimento nos próximos anos. Nada espetacular e rápido, contudo, como seria desejável para a geração de renda e emprego e para ampliação da receita pública. Mesmo com a reforma da Previdência, a crise fiscal ainda vai se arrastar por alguns anos, as famílias e as empresas continuam endividadas e a economia internacional caminha a passos de tartaruga.

A queda da taxa de juros de referência deve gerar três efeitos positivos e complementares na economia. De imediato, reduz o custo da dívida pública, contendo a tendência de expansão do endividamento, que gera insegurança e instabilidade, e diminuindo o tamanho do superávit primário necessário para pagamento dos juros. Ao mesmo tempo, a redução da Selic já está empurrando para baixo os juros do crédito comercial, mesmo com a persistência de oligopólio bancário e da elevada inadimplência.

Além disso, a redução da Selic deve levar a uma redução da atratividade das aplicações financeiras em títulos da dívida pública, grande parte dos quais são remunerados pela taxa de referência. Como consequência, pode haver migração das aplicações da poupança nacional para produtos mais rentáveis, incluindo ações, e mesmo para o consumo ou o investimento. O desestimulo da “economia rentista” anima os empreendedores à procura de negócios com maior remuneração e risco mais elevado. Como a economia está operando com alto índice de ociosidade, a ampliação da utilização da capacidade instalada, acompanhada da contratação de mão de obra desocupada, complementa o ciclo virtuoso de recuperação do crescimento econômico.

Entretanto, esta conjuntura favorável convive com muitas incertezas, que assustam os agentes econômicos e podem comprometer o crescimento da economia. O primeiro fator de insegurança reside no próprio governo, na incompetência e no desequilíbrio emocional e ideológico do presidente da República, sua incontinência verbal alimentada pela paranoia reacionária, provocando quase cotidianamente o conflito e a instabilidade. A isto se agrega a recente libertação de Luís Inácio Lula da Silva com um discurso de radicalização política que deve acentuar a polarização entre lulistas e bolsonaristas, elevando a temperatura política, o que pode desfocar o debate das reformas estruturais.

É surpreendente, em todo caso, a consistência da política econômica de um governo completamente desorientado, parecendo indicar que o presidente delegou, efetivamente, ao ministro Paulo Guedes e a outros ministros da área econômica a condução das reformas que podem destravar a economia e estimular novos investimentos privados. Além das iniciativas para privatização de várias estatais e concessão de serviços públicos, o governo vem avançando em algumas reformas do Estado para flexibilizar, regular e reduzir as despesas públicas. O Ministério da Economia falha, lamentavelmente, quando se omite das negociações que levam à reforma tributária (com duas propostas tramitando no Congresso), fundamental para melhoria do ambiente de negócios, que estimula os investimentos.

Não bastassem as incertezas internas, a situação internacional emite ondas de instabilidade que podem atrapalhar muito o desempenho da economia brasileira. A disputa comercial dos Estados Unidos com a China, amenizada transitoriamente, pode gerar retração da economia global e, de imediato, atingir os dois maiores parceiros comerciais do Brasil. A União Europeia, às voltas com um nacionalismo retrógrado e com a confusão do Brexit, mostra sinais de estagnação econômica que contraem também o comércio internacional. Mais perto do Brasil, o renascimento do peronismo kirchnerista na Argentina, nosso terceiro parceiro comercial, ameaça a existência do Mercosul, base para negociação de acordos comerciais com grandes centros econômicos, especialmente o entendimento com a União Europeia, já muito abalado pelas barbaridades do presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo com toda a reserva em relação a um presidente autoritário e reacionário em áreas importantes da vida brasileira, há motivos para otimismo quanto a uma possível retomada do crescimento da economia brasileira. Os sinais são positivos, embora as incertezas ainda sejam muito grandes.

 

 


Pedro Fernando Nery: Bem além do R$ 1 trilhão

A PEC paralela repete a bem-sucedida tramitação da reforma da Previdência do funcionalismo no governo Lula

A reforma da Previdência não acabou. Continuam em tramitação no Congresso Nacional proposições “satélites”, sejam enviadas pelo governo ou iniciadas pelo Parlamento. A principal delas é a PEC paralela, que facilita a adesão de Estados e municípios à reforma: com ela, o impacto da reforma da Previdência para as finanças do Estado brasileiro iria bem além do R$ 1 trilhão.

A PEC paralela repete a bem-sucedida tramitação da reforma da Previdência do funcionalismo no governo Lula. A Proposta de Emenda à Constituição é paralela porque foi criada, no Senado, concomitantemente à PEC principal da reforma. É um mecanismo de “economia legislativa”: permite que o Senado altere trechos da PEC principal sem fazer o todo voltar à Câmara, o que atrasaria em meses a promulgação da parte principal, a parte que ambas as Casas já concordaram. Com a PEC paralela, volta à Câmara somente o que é modificado.

E o que é modificado? Principalmente, as regras válidas para Estados e municípios. Até a reforma, as aposentadorias e pensões desses servidores eram regidas pela Constituição, como a dos federais. Na reforma, a Câmara passou essa atribuição aos Estados e municípios. Se o arranjo pode ter facilitado a expressiva votação que a reforma recebeu, dificultou o ajuste nos Estados. E eles podem quebrar.

Com a reforma aprovada, o Estado ou município que quiser aderir às regras válidas para servidores federais precisa de um pacote e votar diversas medidas no Legislativo local. A depender do tema, precisa-se de uma emenda à Constituição estadual ou lei orgânica, uma lei complementar ou de uma lei ordinária. Para governadores ou prefeitos com pouco apoio no Legislativo, as tarefas podem ser hercúleas demais, diante da proximidade de grupos organizados que pressionam contra, do calendário com eleições locais em 2020 e da falta de tradição de tratar do tema – complexo. A reforma aprovada também dificultaria o aumento de alíquotas de contribuição nesses entes.

Se não conseguirem reformar, a prestação dos serviços públicos mais essenciais ficará prejudicada. Cada brasileiro já aporta R$ 1 mil por ano apenas para cobrir o déficit das previdências estaduais (da ordem de R$ 100 bilhões). O déficit atuarial de Estados e municípios – o déficit nas próximas décadas – é de cerca de R$ 5 trilhões (mais de R$ 20 mil por brasileiro!), não muito menos impressionante que o déficit atuarial no regime do INSS.

De fato, a reforma aprovada atinge apenas uma minoria dos servidores: mais de 80% dos servidores em regimes próprios são estaduais ou municipais. Para serem alcançados, serão necessárias mais de 5 mil reformas pelo Brasil, porque diversas propostas têm de ser aprovadas para cada um dos mais de 2 mil regimes próprios.

No Brasil, Estados e municípios não decretam falência. É inevitável que ao menos parte da conta volte para a União – o que fez a economista Selena Peres chamar a mudança de jogo do joão-bobo. Vai e volta, e a volta é um risco importante, talvez ainda pouco compreendido, para a dívida pública e o teto de gastos.

A solução da PEC paralela é equilibrada. A decisão da Câmara não é revertida: Estados e municípios continuam tendo a atribuição para tratar de previdência. Mas a adoção das regras federais é facilitada e estimulada. É facilitada porque precisa apenas da aprovação de uma única lei ordinária (maioria simples), desde que o projeto seja de iniciativa do governador ou prefeito. E a aprovação da lei no Estado alcança também todos os municípios.

E é estimulada porque os que aprovarem as regras da União são premiados. Na reforma já aprovada, houve uma mudança importante para o federalismo brasileiro na Constituição. Fica impedido que a União faça transferências voluntárias, conceda avais e até empréstimos em bancos públicos para o Estado ou município que descumprir regras previdenciárias, o que poderia abranger inclusive a regra de equilíbrio financeiro ou atuarial. Na PEC paralela, há uma libertação: o Estado ou município que fizer a reforma é premiado e se livra das proibições.

Em dez anos, o impacto seria de R$ 350 bilhões caso as regras da União valessem para Estados e municípios – pelas contas do governo.

A paralela também traz ganhos fiscais para a União: apesar de alterações em alguns pontos da reforma da Previdência aprovada, há ajuste pelo lado da receita. As renúncias ao agronegócio exportador e parte das do Simples são revistas. As das filantrópicas são mantidas, mas deverão ser compensadas pela União, convite à fiscalização mais efetiva.

E com neutralidade do ponto de vista fiscal, a paralela autoriza o Benefício Universal Infantil: integração de quatro políticas públicas, com foco na primeira infância e na extrema pobreza, proposta por pesquisadores do Ipea.

*Doutor em economia e Consultor Legislativo


José Roberto Mendonça de Barros: Poderemos ter crescimento sustentado?

A convicção de que a relação dívida/PIB começará a se reduzir é fundamental para manter ajustadas as expectativas

Depois de uma profunda recessão e de três anos de crescimento, inclusive no ano que finda, a grande pergunta que se faz é se será possível voltarmos a crescer de forma sustentável.

Qual seria a pauta mínima para que esse evento viesse a ocorrer?

Minha resposta a essa questão é positiva, isto é, poderemos voltar a crescer se pelo menos três condições se verificarem simultaneamente. São elas:

1) Se houver convicção por parte dos agentes e analistas de que a relação dívida/PIB voltará a cair, mesmo antes de um crescimento mais acelerado da economia. Isso ocorrerá se, além da reforma da Previdência agora finalizada, o Congresso aprovar um mínimo de regras que garantam que as despesas correntes não cresçam em termos reais de forma quase autônoma, ao contrário dos últimos muitos anos.

A convicção de que a relação dívida/PIB, hoje mantida a duras penas com controles e contingenciamentos, começará a se reduzir é fundamental para manter ajustadas as expectativas e permitir a continuidade da redução da taxa Selic, dando suporte a planos de expansão do crédito, de gastos de consumo e investimento.

Embora a apresentação de uma proposta abrangente seja importante para dar uma visão da rota a seguir, parece-me fundamental ter foco numa primeira rodada (provavelmente a chamada PEC Emergencial) de sorte a consolidar um avanço fiscal que, com a Previdência, permita destravar mais rapidamente os pontos 2 e 3 apresentados a seguir.

Na minha percepção, no caso da reforma tributária ainda estamos longe de qualquer consenso, sendo preciso muito mais discussão dentro e fora do Congresso para chegarmos ao ponto de uma proposta que possa ir a voto. Embora ela seja fundamental para melhorar a alocação na economia e diminuir custos das empresas, o arranque inicial do crescimento pode ser dado sem ela.

Finalmente, vale repetir que se não houver esse avanço mínimo na pauta fiscal, a melhora no crescimento não será sustentável.

2) O segundo ponto necessário para crescer é, naturalmente, uma retomada dos investimentos. Esses terão de se concentrar na infraestrutura, dada sua precariedade e a grande capacidade ociosa no setor industrial.

Também é certo que, com as agruras fiscais do Tesouro, os investimentos só ocorrerão como consequência de concessões, especialmente na área de logística. O Ministério da Infraestrutura nos informa que vários projetos relevantes estarão prontos para ir a leilão no ano que vem. Se bem-sucedidos significarão canteiros de obras em 2021, reforçando os novos investimentos em petróleo que se iniciarão em 2020, consequência dos leilões já ocorridos e a ocorrer.

Também deveremos ter em 2020 novos investimentos em telecomunicações (desde que a ideologia não adie por pressão externa os leilões de 5G) e em saneamento, cujo novo marco regulatório deve ser aprovado pelo Congresso ainda este ano. Também alguma coisa em energia elétrica deverá avançar.

Note-se que em meu cenário não espero nada relevante na área de privatização (exceto grandes promessas), dadas as notórias dificuldades enfrentadas por aqueles responsáveis pelas áreas. Apenas vendas de lotes de ações no mercado de capitais podem ocorrer, a exemplo do que fez a Caixa Econômica com ações da Petrobrás. Bom para o Tesouro, mas isso não é privatização.

3) A última peça necessária para uma retomada sustentável é, exatamente, a que está mais garantida nos dias de hoje: uma importante redução no custo do crédito, como resultado da baixa inflação, da queda da taxa Selic, das regulações do Banco Central (como a redução dos depósitos compulsórios) e dos efeitos competitivos da expansão dos novos bancos digitais e de empresas de serviços financeiros.

Caso esses avanços ocorram, o PIB voltará a crescer mais aceleradamente a partir de 2021. Nossas projeções são: 0,9% neste ano, 1,6% no ano que vem e 2,8% e 3% para 2021 e 2022.

Os riscos desse cenário são dois: a situação internacional caminha para uma crise no futuro próximo e, mesmo sendo o Brasil um país bastante fechado, seremos afetados por ela. O segundo risco é o mais óbvio: conflitos políticos atrasando a agenda legislativa, elevando a incerteza e reduzindo o otimismo.

A conturbada semana que finda é o exemplo mais evidente do que estamos falando.

*Economista e sócio da MB Associados.


Adriana Fernandes: O não à reforma tributária

A reforma tributária é a primeira vítima do desacerto político

O caldo entornou de vez entre a Câmara e o Senado por conta da proposta de reforma tributária.

As lideranças das duas Casas não conseguem chegar a um acordo nem mesmo sobre o comando da comissão mista informal que seria criada para buscar uma convergência entre as duas propostas de reforma que tramitam no Congresso: a PEC 45, patrocinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a PEC 110, bancada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

A coluna apurou que a Câmara propôs ao Senado a presidência da comissão mista para o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e a relatoria da proposta para o líder da maioria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O Senado disse não e não. O acordo pode naufragar. Aguinaldo é o atual relator da PEC de reforma da Câmara e Rocha, da proposta do Senado.

A criação da comissão mista faz parte do acerto dos presidentes Maia e Alcolumbre com o ministro da economia, Paulo Guedes, para a divisão da forma de tramitação das próximas reformas que serão enviadas pelo governo, depois da previdenciária aprovada na última semana.

Apesar do acordo para as reformas de gastos, do Pacto Federativo e administrativa (serviço público), a tributária ficou sem rumo certo e acabou sendo postergada para 2020.

O descontentamento foi grande com a iniciativa do líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), de anunciar no meio da semana um acordo para o adiamento da reforma tributária para o ano que vem. “Não tem acordo”, reagiu Aguinaldo em conversa com a coluna.

Só depois dessa convergência é que o governo enviaria a proposta de unificação do PIS e Cofins, um projeto mais enxuto de reforma. Agora, nem isso está garantido com o clima de animosidade em torno da reforma tributária. Ao repórter Daniel Weterman, do Broadcast, Rocha também não escondeu o descontentamento com o caminho dado para a tributária.

“Não tem previsão regimental para comissão mista. O mais legítimo e razoável é que a reforma administrativa seja pautada prioritariamente na Câmara e a reforma tributária, no Senado”, reclamou o tucano, que briga pelo protagonismo da sua proposta, que foi feita pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly na Legislatura anterior e resgatada pelo presidente Alcolumbre para contrapor à proposta da Câmara.

Na Câmara, a estratégia agora será dar velocidade à PEC 45, que continuará sendo tocada independentemente da instalação da comissão mista, que não tem previsão regimental.

O autor da PEC 45 e líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), adiantou que as conversas do relator com os setores mais refratários ao modelo estão adiantadas. São eles: transporte público, serviços e construção civil.

Os consultores da Câmara que trabalham para o relator Aguinaldo Ribeiro têm buscado uma solução para mitigar os efeitos negativos no impacto nos preços com a criação no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo que seria criada com a PEC 45 nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Um modelo de desoneração da folha também está avançado. Uma das maiores preocupações é com o preço das tarifas no transporte urbano.

De nada adianta avançar sem acordo, já que os presidentes das duas Casas têm domínio da pauta. Cada lado da disputa pela reforma tributária avalia que a sua proposta é melhor. Também os partidos de oposição, com o apoio de um grupo de governadores dos Estados do Nordeste, já apresentaram uma emenda à PEC 45 para criar uma reforma tributária solidária, que aborda também mudanças no Imposto de Renda, tributação sobre lucros e dividendos e herança com a meta de diminuir as desigualdades do País.

Com tantas propostas na mesa, mas sem nenhum acordo próximo até agora, é lamentável que logo a reforma capaz de mudar a cara do caótico e distorcido sistema tributário brasileiro acabe ficando para depois.

A reforma tributária é a primeira vítima do desacerto político. O ministro da Economia vem segurando o envio da sua proposta para não desagradar os dois lados às vésperas do lançamento do seu ambicioso plano econômico de criar um novo arcabouço institucional para as contas públicas e a Federação.

É inacreditável que após tantas promessas de mudanças na tributação ao longo dos últimos meses, desde a campanha e mais tarde na transição de governo, não tenha ocorrido avanços concretos. O ano vai acabar sem a redução do Imposto de Renda das empresas e as mudanças na tributação das pessoas físicas.

Com tantas PECs (o pacote de Guedes exigirá a aprovação de pelo menos três) que vão tramitar no Congresso, o próximo ano, sem dúvida, será consumido pelos debates dessas propostas. Se não houver correção de rumo, será um sonoro não que o governo e as lideranças estarão dando à reforma tributária. Ainda há tempo de corrigir o passo.


Luiz Carlos Azedo: O otimismo do mercado e o mal-estar da sociedade

“Apostar no ‘quantos pior, melhor’ na economia nem sempre é uma boa estratégia. Quando as coisas começam a dar certo, leva a oposição ao descrédito, como no Plano Real”

A conclusão da reforma da Previdência, aprovada ontem pelo Senado, desde o começo da semana exerce no mercado um efeito catalisador, confirmando o otimismo de seus principais analistas em relação ao impacto fiscal positivo da economia de mais de 800 bilhões de reais para o Tesouro, em 10 anos, com os ajustes feitos nas aposentadorias dos servidores federais e dos trabalhadores do setor privado. O impacto social são outros quinhentos, que só o tempo revelará, mas não é essa a principal causa do mal-estar na sociedade, se o fosse, provavelmente, a votação de ontem ocorreria em meio a grandes manifestações de protestos, com vidraças quebradas e muito gás lacrimogêneo nas principais cidades do país. Vamos por partes.

Para a maioria dos economistas, a reforma da Previdência, o teto de gastos e a reforma trabalhista, as duas últimas uma herança do governo Michel Temer, estabeleceram fundamentos para que o gasto público fosse controlado, a inflação se mantivesse abaixo da meta e, consequentemente, a taxa de juros em declínio. Mas a recuperação da economia continua lenta. Os mais otimistas, como o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, em artigo publicado na segunda-feira, no Valor Econômico, intitulado La Nave Va, porém, já falam em outra dinâmica da economia, uma “recuperação cíclica”. Segundo ele, a reforma da Previdência evitou uma catástrofe fiscal.

Mendonça de Barros questiona o pessimismo dos que valorizam o peso negativo da estrutura de despesas criadas pela Constituição de 1988 e por leis ordinárias subsequentes, principalmente na educação e na saúde, por exemplo, e pelas respectivas transferências compulsórias para estados e municípios. Também relativiza os problemas do desemprego, da informalidade e da capacidade ociosa da indústria. Segundo ele, são problemas reais e limitadores da força da recuperação cíclica, porém, são compensados pela nova legislação trabalhista, pela autonomia da política monetária e por uma gestão orçamentária competente. O desempenho do agronegócio e a lenta, mas consistente, recuperação do mercado de trabalho seriam indicadores de um novo ciclo de expansão da economia.

A “malaise”

O mal-estar da sociedade está diretamente associado às desigualdades, à violência e às injustiças. O sucesso de filmes como Coringa e Bacurau, para citar um blockbuster hollywoodiano e uma produção nacional que também glamoriza a violência, são indicadores de que algo de errado se passa. As notícias que chegam do México, do Equador, da Espanha, do Líbano e, principalmente, do Chile, para citar os que estão em mais evidência, corroboram a tese de que o problema não é isolado, embora se manifeste de forma diferenciada em cada país.

Do ponto de vista econômico, por exemplo, os indicadores brasileiros são piores do que os chilenos. Salário mínimo: R$ 1.700 (Chile) / R$ 998 (Brasil); Renda média anual: US$ 25,2 mil (Chile) / US$ 15,7 mil (Brasil); Desemprego: 7,3% (Chile) / 12,2% (Brasil); Inflação: 2,4% (Chile) / 2,9% (Brasil); Expectativa de alta do PIB neste ano: 2,9% (Chile) / menos de 1% (Brasil). De certa forma, convém ponderar, o que está havendo no Chile ocorreu no Brasil em 2013, com o mesmo estopim: o aumento do preço das passagens. A diferença é que havia um governo de esquerda, que não recorreu às forças armadas, enquanto no Chile, o presidente Sebástian Piñera, de direita, não hesitou em recorrer ao Exército para reprimir os protestos, o que já provocou a morte de 15 pessoas.

Além disso, o Brasil vem de eleições muito recentes, o que dá ao presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica mais tempo para reverter a situação que herdou na economia, mesmo que seu prestígio popular tenha caído. Tanto que a aprovação da reforma da Previdência mostra reduzida capacidade de mobilização por parte dos sindicatos de trabalhadores, ainda que enfraquecidos com o fim do imposto sindical e pela desmotivação causada pelo fantasma do desemprego.

O crédito de que dispõe Bolsonaro falta ao Congresso, que corre atrás do prejuízo blindando a política econômica do governo. No fundo, a “malaise” na sociedade tem muito mais a ver com a ética na política do que com a situação econômica. E é ainda mais fomentada pela radicalização política e por certas agressões ao bom senso por parte do governo. Entretanto, apostar no “quantos pior, melhor” na economia nem sempre é uma boa estratégia. Quando as coisas começam a dar certo, leva a oposição ao descrédito. Foi o que aconteceu durante o “milagre econômico”, no regime militar, e com o Plano Real, no governo Itamar Franco, com o qual o Fernando Henrique Cardoso se elegeu presidente da República por duas vezes.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-otimismo-do-mercado-e-o-mal-estar-da-sociedade/


Pedro Cafardo: Concessões dos liberais e o sofrimento de voar

Economia deu discreto sinal de vida, mas ainda faltam estímulos

O governo Bolsonaro já não é tão ultraliberal na economia quanto no seu início. O discurso da equipe econômica não admitia ressalvas à política de austeridade e à sua obcecada disposição de promover antes de tudo a reforma da Previdência, para poupar gastos de R$ 1 trilhão em dez anos.

O Senado titubeia na aprovação final da reforma, em razão de ingerências políticas de governadores. Mesmo assim, o Banco Central avançou em sua política de redução dos juros e baixou a Selic para 5% ao ano, a menor taxa da história. Caixa e Banco do Brasil também reduziram seus juros, numa tentativa de puxar para baixo as taxas de todo o sistema financeiro. Algo parecido foi feito no governo Dilma Rousseff, com resultados negativos.

A Caixa abandonou a ideia de privatização defendida no início do governo e voltou a assumir seu tradicional papel na aplicação de políticas públicas, o que seria uma heresia dez meses atrás. Decidiu cortar os juros do cheque especial de 15% ao mês para 3% ao mês. Liberou, por decisão presidencial, cerca de R$ 42 bilhões do FGTS e do PIS/Pasep para estimular o consumo.

Medidas como essas não combinam muito com ideias ultraliberais. Representam um estímulo à demanda, num reconhecimento tácito de que o pavor da volta da inflação não faz mais sentido e de que o aumento do consumo fará bem à atividade econômica e criará empregos.

Embora essas doses de adrenalina ainda sejam “homeopáticas”, a economia já deu discretos sinais de vida. Índices de atividade do terceiro trimestre revelam que o risco de queda do PIB neste ano está afastado. A confiança de empresas e consumidores melhorou um pouco e a geração de empregos formais aumentou, assim como as concessões de crédito à pessoa física. O PIB do segundo trimestre cresceu 0,4% em relação aos três meses anteriores e outro resultado próximo desse é esperado para o terceiro trimestre.

Por que a economia teve essa ligeira melhora? Será por causa da confiança injetada a partir das reformas, inclusive a trabalhista, no governo Michel Temer? Ou será em razão dos estímulos ao consumo, ainda que tenham sido modestos?

As duas coisas certamente têm algum efeito. No início da atual gestão, o governo jogou todas as fichas na reforma da Previdência, na esperança de que ela salvaria a economia brasileira. A ideia era que a reforma e outras contenções de gastos acabariam com a incerteza sobre a solidez das contas públicas. A redução da incerteza permitiria a queda dos juros e o aumento do crédito na economia. Assim, seria criado um círculo virtuoso com mais demanda, mais emprego, mais investimento e mais crescimento.

Parte desse efeito se deu, porque o governo conseguiu vender à sociedade a ideia de que era urgente a reforma que, mesmo sem sua aprovação final, espalhou raios positivos. Mas está claro que ela não é suficiente para recolocar a economia em crescimento. Perdeu-se muito tempo apostando nessa ideia. Ambos os impulsos - reforma e adrenalina - poderiam ter sido dados ao mesmo tempo. Além das responsabilidades fiscais, governantes têm as sociais.

A volta ao crescimento não é certa. Mais estímulos são necessários, como transferir ao consumidor e às empresas o benefício da queda dos juros e retomar o crédito público. Fundamental seria recolocar o BNDES em seu papel de financiador do desenvolvimento, com primazia à infraestrutura. E um impulso importante poderia vir do aumento real do salário mínimo, junto com uma fórmula para poupar os cofres da Previdência. Por que não?

Pior que nos anos 70
Vamos voar para outro tema. Há dias, a jornalista Daniela Chiaretti escreveu uma excelente coluna sobre “vergonha de voar”. Falava de uma nova tendência, ditada pela Suécia, um movimento que encoraja a pessoa a deixar de viajar de avião para reduzir as emissões de gases-estufa.

É uma nobre proposta, mas pretende-se tratar aqui do “sofrimento de voar”. Viajar de avião, principalmente no Brasil, virou uma sofrida experiência. A despeito dos avanços tecnológicos, voar hoje é muito mais desagradável que há 40/50 anos. As companhias aéreas têm inúmeras explicações para essa piora. A mais importante se refere a custos. Mas nada justifica que as condições de hoje sejam piores que nos anos 1970.

Há 50 anos, em viagens nacionais, as empresas aéreas já pediam aos passageiros que chegassem ao aeroporto duas horas antes do horário do voo. Exatamente como agora, mesmo com o check-in antecipado, pela internet. Isso, naturalmente, agiliza o embarque, certo? Errado. Falta despachar a mala e isso muda tudo. O ilustre passageiro vai esperar mais uns 40 minutos para se livrar dela.

As companhias inventaram a fila única para o despacho das bagagens, também para acelerar o processo. Mas a fila virou um tormento cômico. O passageiro que vai embarcar duas horas mais tarde pode estar à frente daquele que decolará em uma hora. Então, um funcionário estridente se esforça para pinçá-lo da fila gritando o nome dele. Ou ele é surdo, ou ainda não chegou à fila única ou está lutando no check-in eletrônico. E não aparece. O funcionário chama então pelo voo: “Passageiros para Manaus!”. “Aqui, aqui!”, grita um senhor de gravata, que logo é retirado da fila e passa direto para o despacho.

O capítulo das malas não termina aí. As novas normas que limitam o peso das bagagens complicaram ainda mais a operação. Quando o limite de peso era maior, a maioria das pessoas despachava quase tudo na mala e ia para o avião com uma mochila ou uma bolsa. Agora, não. Com o despacho limitado a uma mala de 23 quilos, muita coisa foi transferida para a bagagem de mão, quase sempre maletas de até 55 cm de altura por 20 cm de profundidade. Como os bagageiros da cabine são pequenos para tantas maletas, instala-se a confusão quando os passageiros chegam a seus lugares e, antes de se sentar, tentam colocar os volume nos disputados e altos bagageiros. Quem chega por último não encontra lugar.

Enfim, sentado comodamente em sua poltrona, o passageiro espera a decolagem. Comodamente? Poltrona? Quase nunca é assim. Se o cidadão é um pouco mais alto do que a média do brasileiro, vai sofrer. Eventualmente, como os demais, vai passar fome. É o progresso.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Por que acredito na recuperação cíclica

Recuperação do emprego e expansão vigorosa do crédito bancário serão fatores de aceleração da economia em 2020

Vou usar como imagem na coluna deste mês um filme menor da obra de Federico Fellini, “E La Nave Va”. Seu argumento é o enterro, no mar Adriático, ao largo de uma pequena ilha em que nasceu, de uma famosa diva da ópera italiana às vésperas do início da Primeira Guerra Mundial. É uma obra cômica que conta a vida, a bordo de um navio luxuoso, de uma trupe de artistas seguindo para um destino que já estava traçado em função de acontecimentos fora de seu controle.

O objetivo de Fellini foi o de mostrar como a vida se desenrola normalmente mesmo quando um acontecimento dramático - mas previsto - se aproxima de seu clímax.

A narrativa de “E La Nave Va” é uma imagem perfeita do drama vivido por nós brasileiros desde o momento em que Dilma Rousseff, na busca desesperada de sua reeleição em 2014, ordenou a sua equipe econômica que agisse para manter por mais tempo os bons ventos da economia brasileira. Indo na contramão do que pedia o ciclo econômico à época, provocou rompimento de uma bolha de crédito e gasto público que havia se formado ao final do mandato de Lula.

A partir deste erro primário, a dinâmica natural da economia - como no filme “E la Nave Va” - tomou as rédeas dos acontecimentos gerando um processo político complexo e que levou a presidente ao impeachment e o governo do PT à lona com a recessão terrível que se seguiu.

Vivemos agora uma outra dinâmica na economia e que também se assemelha ao destino dos passageiros da romântica nave criada por Fellini. Sob os efeitos da mudança em nosso ciclo econômico, após quatro anos de correções em mercados importantes do tecido econômico e de uma gestão macro adequada a partir de 2016 - com Meirelles e agora com Paulo Guedes - as forças do metabolismo econômico estão criando as condições naturais para uma recuperação cíclica. Certamente este mecanismo automático de volta do crescimento está sendo possível pelo encaminhamento da reforma da Previdência que evitou uma catástrofe fiscal com força suficiente para matar a recuperação cíclica ainda incipiente.

Mas este entendimento, de que a recuperação cíclica em andamento tem hoje força suficiente para vencer limitações fortíssimas que existem ainda na economia, é minoritário. Entre estas restrições, a maior delas é o orçamento sufocado por uma estrutura de despesas criada pela Constituição de 1988 - e pelas leis ordinárias que se seguiram - que não permite uma gestão eficiente por parte do governo federal e de Estados e municípios, além de pressioná-los por um endividamento crescente.

Além da questão orçamentária, um mercado de trabalho muito fraco com alto desemprego e informalidade, e uma indústria sufocada por uma capacidade ociosa elevadíssima - o que faz com que o crescimento do investimento seja muito difícil de realizar no curto prazo - são citados como empecilhos insuperáveis para que a recuperação cíclica se consolide. Finalmente, o sentimento de que a agenda de reformas necessárias para a construção de uma economia mais eficiente está paralisada no Congresso pela falta de liderança do presidente da República compõem o quadro de pessimismo em relação ao futuro próximo.

Talvez tomados por estes problemas, que são reais e limitadores da força da recuperação cíclica, os mais pessimistas não têm dado importância a outras mudanças que estão ocorrendo a partir de 2017. A primeira foi a reforma trabalhista que já vem produzindo frutos importantes na forma como funciona a Justiça do Trabalho e na força coercitiva dos sindicatos, reduzindo os riscos e custos dos empresários. Além disto, nunca estivemos tão próximos da aprovação pelo Congresso da criação de um Banco Central independente, sonho de consumo de várias gerações de economistas.

Um segundo efeito importante tem sido o fato de que são mais de quatro anos de uma gestão orçamentária competente e sem maiores desvios em relação ao plano de voo traçado. Por exemplo, não me lembro de um secretário do Tesouro como o atual, tão seguro de seus diagnósticos e da forma como devem ser enfrentadas as questões orçamentárias. Neste mesmo sentido deixamos para trás mais de uma década de predomínio de um Estado dominante na economia e um certo sentimento contrário à inciativa privada em áreas importantes da vida do cidadão.

Prova desta mudança é a proximidade da aprovação pelo Congresso das alterações da legislação dos serviços de saneamento, abrindo espaço para a atividade privada. Aliás, o índice de serviços de água e principalmente saneamento básico é uma das maiores vergonhas nacionais.

Finalmente, outras mudanças recentes na dinâmica da inflação mostram a oportunidade que temos hoje para trazer a estrutura a termo dos juros para um paradigma de primeiro mundo emergente. Também aqui uma menção sobre a eficiência como o Banco Central, através do Copom, aproveitou as condições criadas pela combinação da recessão com um safra agrícola recorde nos últimos três anos para consolidar esta nova situação e criar uma força poderosa para o fortalecimento da recuperação cíclica.

Os números recentes do Caged para setembro mostram que a recuperação ainda frágil já chegou ao mercado de trabalho. E esta é uma revelação importante, pois junto com a expansão vigorosa do crédito bancário às pessoas físicas nos últimos meses ela será o fator de aceleração em 2020.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro, economista e presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso: Crescimento é (quase) tudo

É preciso conciliar a redução da desigualdade com a aceleração do crescimento

Neste momento em que a distribuição de renda se tornou o principal tema do debate político na maioria dos países, é preciso uma reflexão racional sobre as alternativas para se enfrentar o problema, sob risco de se prejudicar justamente os mais pobres.

A qualidade de vida no mundo hoje é muito superior do que há 40 anos, bem como em qualquer período da história. Indicadores de pobreza, saúde e educação estão muito acima dos observados no passado. Isso se deve ao crescimento econômico experimentado há décadas por vários países, sobretudo alguns muito populosos e antes muito pobres, como China e Índia. Quando se almeja reduzir sustentavelmente a pobreza, não há substituto melhor para o crescimento.

Em 1990 havia 1,9 bilhão de pessoas no mundo vivendo na extrema pobreza - 34% da população mundial. Hoje esse número caiu para 650 milhões - 10% da população. Em 1820, mais de 90% da humanidade vivia na pobreza, hoje o número está em 15%. No começo dos anos 1980, 80% dos chineses eram pobres; hoje 10%, e menos de 1% vivem na extrema pobreza. Em países como Indonésia, Índia, Gana e Etiópia, a pobreza extrema caiu à metade no mesmo período. A expectativa de vida ao nascer mundial é hoje de 72 anos, contra 46 anos em 1950. Isto se deve sobretudo à queda da mortalidade infantil, ao acesso a melhores tratamentos de saúde e à redução da taxa de natalidade.

Em quatro décadas, o produto per capita chinês aumentou dez vezes, o indiano três, e nos demais países citados, entre duas e três vezes. Madagascar e Guiné-Bissau, que em 1990 tinham PIB per capita próximo do chinês, não cresceram nos últimos 30 anos, sendo seu produto per capita hoje de um décimo do chinês. Não surpreende que a proporção de pobres nesses países não tenha variado no período. Exemplos semelhantes mostram ser o crescimento o principal redutor da pobreza.

Isto não significa que não haja problemas. O crescimento chinês veio com aumento da desigualdade. Em 1980, as parcelas da renda nacional apropriadas pelos 10% mais ricos e os 50% mais pobres eram basicamente iguais: 25%. Hoje o primeiro grupo se apropria de 40% da renda nacional e os 50% mais pobres de 15%. Esse padrão se repete em muitos países de crescimento rápido. Nas economias desenvolvidas, o fenômeno não foi uniforme, tendo sido observado nos EUA, Reino Unido, Austrália, mas não no Japão e Europa.

O aumento da desigualdade durante períodos de rápido crescimento é um fenômeno comum a muitos países, decorrente da mudança no perfil de profissional demandado pelas empresas. Nos países pobres, a maioria da população tem baixa escolarização e trabalha na agricultura, enquanto uma minoria de trabalhadores qualificados encontra-se na indústria e nos serviços especializados. Uma vez iniciada a primeira fase de crescimento acelerado, a expansão da indústria eleva a demanda por trabalhadores qualificados, sem que no curto prazo a oferta possa crescer ao mesmo ritmo. O resultado é uma ampliação da diferença salarial entre os trabalhadores qualificados e os de baixa escolarização.

A população que migra do campo para as cidades passa a receber salários superiores. Embora a redução da oferta de trabalho na agricultura tenda a elevar os salários, isto se dá em menor intensidade do que nos setores mais modernos. O crescimento provoca o aumento da remuneração de (quase) todas as parcelas da população, mas de forma desigual. Fenômeno análogo ocorre numa segunda fase do processo de crescimento, quando os serviços especializados ganham predominância sobre a indústria. Políticas de transferência de renda para os grupos desfavorecidos podem minorar a desigualdade, mas esta só cai estruturalmente com a ampliação da educação, o que requer tempo e políticas bem focadas.

No caso do Brasil, o país cresceu aceleradamente até 1980, mas caiu na armadilha da renda média a partir de então. A Constituição de 1988 fez uma clara opção pela redução da desigualdade em detrimento do crescimento, ao exigir uma alta carga tributária para custear programas sociais. O PIB per capita brasileiro cresceu somente 36% de 1990 até hoje. Mas, devido ao fim da inflação, políticas redistributivas e ampliação da educação, a extrema pobreza caiu de 21,6% da população em 1990 para 3,4% em 2017. Esta é a metade cheia do copo. Se o país tivesse crescido a taxas razoáveis desde 1980, haveria hoje muito menos pobreza e todos os indicadores sociais estariam ainda melhores.

O Brasil continua a ser um dos países mais desiguais do mundo, mas a pobreza - o que mais interessa para o bem-estar - caiu significativamente nas últimas décadas. A partir de agora, é preciso conciliar a redução da desigualdade com a aceleração do crescimento. Não há qualquer incompatibilidade entre os dois.

Sobretudo num país onde o Estado promove a desigualdade ao pagar salários muito superiores aos praticados no setor privado, ao conceder isenções tributárias para setores escolhidos, ao prover ensino superior gratuito a quem pode pagar, para citar apenas alguns exemplos. Há muito o que pode ser feito para se reduzir desigualdades, sem sacrifício do crescimento.

Deve-se intensificar políticas redistributivas bem focadas, como o Bolsa Família. Entretanto, políticas populistas que estão em voga entre a esquerda europeia e americana, com algum eco por aqui - tributação confiscatória sobre renda do capital ou qualquer renda mais alta, e impostos sobre ativos, por exemplo - são contraproducentes, pois inibem a poupança, o investimento e o trabalho, prejudicando o crescimento. Troca-se um ganho de curto prazo por uma perda permanente de longo prazo. Indo nessa direção o país se tornaria menos desigual, porém mais pobre. Seria a opção pela Coreia do Norte ao invés da China.

*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento

**Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV


Luiz Carlos Azedo: O amanhã

“A incerteza está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, ainda não reagiu como deveria”

O conhecido samba-enredo da União da Ilha do Governador, campeão do carnaval carioca de 1978, que intitula a coluna, é de autoria de Paulo Amargoso e João Sérgio, nome desconhecido até da maioria dos sambistas, pois, na verdade, se trata do falecido procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, o Didi, também fundador da escola e autor de outros sambas antológicos. Não há carnaval em que suas músicas não sejam cantadas por foliões de todo o país. Naquele ano, na voz de Aroldo Melodia, O Amanhã empolgou as arquibancadas na Marquês de Sapucaí: A cigana leu o meu destino/ Eu sonhei/ Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante/ Eu sempre perguntei/ O que será o amanhã?/ Como vai ser o meu destino?”

Era o primeiro desfile de regras rigorosas, o que gerou protestos do compositor mangueirense Angenor do Nascimento, o famoso Cartola: “Isso não é carnaval, é parada de militar”. Mas foi um desfile memorável, principalmente para a União da Ilha, cuja carnavalesca Maria Augusta não imaginava que o samba seria eternizado pelo gosto popular: “Já desfolhei o malmequer/ Primeiro amor de um menino/ E vai chegando o amanhecer/ Leio a mensagem zodiacal/ E o realejo diz/ Que eu serei feliz”. O refrão todo mundo canta até hoje: “Como será o amanhã/ Responda quem puder (bis)/ O que irá me acontecer/ O meu destino será como Deus quiser.”

Nem só de letra e melodia vive uma samba antológico, o contexto é fundamental para que o povo se identifique com a canção. O país vivia uma transição lenta e gradual, o projeto de Brasil potência dos militares havia naufragado. O general Ernesto Geisel amargava o fim do milagre econômico e muita insatisfação popular. A crise do petróleo e a recessão mundial interferiam fortemente na economia brasileira, os créditos e empréstimos internacionais minguavam. Nas eleições de 1974, o MDB havia conquistado 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e a maioria das prefeituras das grandes cidades. Não havia eleição de prefeitos nas capitais.

Era um ambiente de incertezas. Logo depois do carnaval, eclodiram as greves operárias do ABC. No ano em que União da Ilha do Governador foi campeã, a oposição voltou a vencer as eleições, Geisel acabou com o AI-5, restaurou o habeas-corpus e abriu caminho para a volta da democracia, num processo de retirada em ordem dos militares da política que foi muito bem-sucedido. Era um momento de muitas incertezas e também de esperança. Mais ou menos como estamos vivendo agora, com sinal trocado, pois os militares voltaram ao poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Embora o atual governo mal tenha completado 9 meses, ninguém sabe o que vai acontecer. Há uma tensão permanente entre as instituições. O presidente Bolsonaro protagoniza a radicalização política com uma retórica ultraconservadora. Entretanto, há um calendário e regras eleitorais claras, tudo vai desaguar nas eleições municipais do próximo ano e, depois, em 2022, quando teremos novas eleições gerais. Esse é o leito do processo político democrático. A incerteza maior está na economia. Apesar da iminente aprovação da reforma da Previdência e de um robusto programa de concessões e privatizações, a economia ainda não reagiu como deveria

Estagnação
A receita liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, até agora, resultou num cenário de estagnação, com desindustrialização, altas taxas de desemprego e baixa atividade econômica, apesar da inflação baixíssima e da queda dos juros, que devem baixar ainda mais, para 4,5%, segundo previsões do mercado. A especificidade da economia brasileira não foi bem-equacionada pela equipe de Guedes, formada por especialistas financeiros e técnicos que conhecem bem as finanças públicas, mas não dão conta das relações do governo com o setor produtivo e têm ojeriza à política industrial.

No momento, o governo prepara uma emenda constitucional, chamada PEC Emergencial, com uma lista de medidas duras para serem adotadas por um prazo de dois anos. Não deve mexer no teto de gastos (que limita as despesas à inflação) e deve fazer um ajuste na chamada regra de ouro, mecanismo que impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como salários. O governo também pretende, no próximo ano, aprovar outras mudanças, que chama de PEC DDD: desvincular (retirar os “carimbos”), desindexar (remover a necessidade de conceder automaticamente reajustes) e desobrigar o pagamento de despesas.

Muitos economistas têm dúvidas quanto ao êxito de Guedes, mas nem por isso o presidente Jair Bolsonaro tem um plano B para economia. Ele já disse que vai continuar com o Posto Ipiranga. É uma situação meio inédita, com o real desvalorizado frente ao dólar e a economia quase em deflação. Há sinais de que o modelo liberal clássico não dá conta do recado nesses novos tempos de globalização e revolução tecnológica, assim como havia fracassado o modelo desenvolvimentista social-democrata. No fundo, ao lado do rentismo, o não-trabalho e o não-emprego na nova economia aprofundam as desigualdades, reduzem nosso mercado interno e ampliam as demandas sociais, sem que o governo tenha recursos para cuidar dos mais pobres, investir na educação e e modernizar a infra-estrutura. No atual modelo, além do empreendedorismo, só o capital estrangeiro salva, mas ele ainda prefere outros destinos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-amanha/


Eduardo Rocha: O mundo, a ciência e nós

Nos quadros da dinâmica do acirramento da já violenta concorrência econômica internacional (China, EUA, Europa e os periféricos), é preciso manter sempre a reflexão-propositiva (não apenas diagnosticar) de qual o futuro o Brasil necessita para garantir exemplarmente a dignidade e bem estar social do seu povo aproveitando todo o seu imenso, fantástico, privilegiado e inexplorado potencial econômico, dentro – e sempre - de um regime democrático, pluralista, republicano, global, ético, cosmopolita, cooperativo, decente, solidário, humanista e consciente do seu papel econômico-ambiental neste planeta – esse pedacinho de terra e de água perdido por aí na imensidão do infinito e desconhecido Universo.

Não há futuro nenhum para a felicidade humana sem democracia e liberdade e bem estar social para todo ser vivente.

Falo hoje, em minha coluna, algo que vai além da economia. O tempo exige e impõe que eu faço isso. Ele, o tempo, é o senhor cruel da razão da existência. Sua sentença não admite contestação. O tempo nos concedido nessa existência é apenas um brevíssimo passeio pela beleza da eternidade, o que é um privilégio.

Os mercados mundiais - com suas empresas universais, globais, espetacularmente avançadas, competitivas e financeira e absurdamente fantásticas - não são, como desenvolvimento das forças produtivas, inimigos do progresso humano. O máximo desenvolvimento das forças produtivas possibilitará libertar a humanidade do seu sofrimento universal. Abram-se os mercados nacionais e verá o que é capitalismo em todas as nuances, belas e cruéis.

Constituem essas forças produtivas atualmente o revolucionamento do mundo e de suas relações sociais correspondentes. São realizações do conhecimento humano até hoje conquistado. E constituem, ao mesmo, tempo, a base de onde outros cérebros privilegiados- o conhecimento humano social-futuro – que poderão se apoiar “nos ombros” do passado-pensado, para levar a humanidade a outros universos do conhecimento, jamais nunca imaginados.

Diante dessa simples reflexão, clareia-se que a principal vergonha brasileira é a desigualdade social, escandalosa, estúpida. Desigualdade patrocinada há cinco séculos pelos donos do poder. Mesquinhos. Querem tudo para si. De que adianta sermos a oitava economia do mundo se nossas crianças são reprovadas a avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA)? Oitava economia para quem? Para alguns poucos brasileiros que vivem no primeiro mundo, enquanto a maioria vive no inferno.

A democracia brasileira convoca os senhores para uma reflexão autocrítica, se é que isso é possível. Se não for, que a dinheirocracia brasileira escute e sofra com as críticas das urnas democráticas.

*Eduardo Rocha é economista