Economia

Pacote de medidas criminais e nova lei de abuso de autoridade: Veja análise de Henrique Herkenhoff

Jurista analisa medidas em artigo que produziu para a revista Política Democrática online

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Professor doutor do Mestrado em Segurança Pública da UVV-ES (Universidade de Vila Velha do Espírito Santo), Henrique Herkenhoff diz que o Brasil começou 2020 com um pacote de medidas criminais sancionado na mesma ocasião em que uma nova lei de abuso de autoridade entrava em vigor. A análise dele está publicada em artigo que produziu para a 15ª edição da revista mensal Política Democrática online, editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

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Herkenhoff, que também é presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/ES (Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo), diz que a matéria de ambas as leis já era tratada nas Ordenações Afonsinas de 1446, passando pelas Manuelinas (1521) e Filipinas (1603), que, por decreto de D. Pedro I, continuaram em vigor no Brasil. “A única diferença é que as Ordenações Portuguesas, sem nenhum pudor ou disfarce, diziam que certas garantias eram exclusividade dos fidalgos, ao passo que algumas penas e a tortura eram um privilégio das classes ‘vis’”, escreve ele.

Em todo caso, conforme mostra o artigo da revista Política Democrática online, as penas da nobreza eram executadas “sem baraço e sem pregão”, isto é, sem algemas e sem exposição na mídia. “Ademais, essas últimas ‘novidades’ no campo do Direito Processual Penal nitidamente se contrabalançam, de maneira que nos parece ouvir aquilo que um personagem de Il Gattopardo (Giuseppe Tomasi di Lampedusa) dizia: ‘A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude’”, afirma o autor.

De acordo com Herkenhoff, mesmo a melhor reforma traz complicações. “A delação premiada, por exemplo, revelou-se indispensável, mas, em julgamento recente e acertado, o STF decidiu que, embora na falta de disposição legal expressa, os réus colaboradores devem falar antes dos demais, o que implicou a anulação de processos importantes”, afirma, para continuar: “Resolver definitivamente as controvérsias de interpretação leva tanto tempo que, invariavelmente, um novo pacote de reformas é editado antes que o primeiro tenha sido digerido’.

Herkenhoff também foi secretário de Segurança do Estado do Espírito Santo (2011/2013), desembargador federal (2007/2010), procurador e procurador regional da República (1996/2007). Neste último cargo, ele integrou a Missão Especial de Combate ao Crime Organizado e o Conselho Penitenciário Estadual.

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Pedro S. Malan: Peso do passado e pressão para prometer

Na retomada dos trabalhos legislativos, PEC da administração pública é urgência maior.

Avanços na área de sequenciamento de genoma humano indicam a possibilidade de se descobrirem predisposições genéticas a determinados tipos de doenças. Ocorre-me que, se fosse viável o mapeamento genético-cultural de nações, nosso país revelaria, dentre outras, marcada predisposição a tomar por natural a propensão à expansão continuada do gasto público, em descompasso com o comportamento da arrecadação, da inflação e da capacidade produtiva da economia.

Nas últimas décadas o Brasil fez avanços importantes em matéria de reformas e construção institucional. Seu regime fiscal e sua administração pública, no entanto, deixam ainda muito a desejar. Expectativas consistentes de crescimento sustentado exigirão uma percepção menos irrealista das restrições fiscais que se impõem à ação dos três níveis de governo.

A aprovação da reforma da Previdência deve ser comemorada, mas é claro que não equacionou de vez o problema fiscal do País. A população de idosos (mais de 60 anos) passará de 30 milhões em 2018 para cerca de 73 milhões em 2060. A faixa entre 20 e 60 anos cairá de 120 milhões para 95 milhões e a de menos de 20 anos, de 60 milhões para 45 milhões. A taxa de crescimento da população de idosos, cinco vezes superior à da população total (que, de resto, terá parado de crescer em meados dos anos 40), aponta, por sua vez, para aumento expressivo e continuado dos gastos em saúde.

A experiência brasileira com inflação crônica, alta e crescente deveria ter deixado mais clara a relação entre conflito distributivo e déficits orçamentários. Ele se manifestava, como ainda hoje, por disputas entre grupos de interesse, incluídas as corporações do setor público, para manter e de preferência aumentar suas fatias do Orçamento. A inflação não está mais aí (nunca mais, esperemos) para acomodar essas disputas. Mas o conflito distributivo continua vivo, e crescente. Em 2014 o peso das decisões passadas havia se tornado visível a olho nu. 2020 será o sétimo ano consecutivo de déficit primário nas contas fiscais. 2021 deve ser o oitavo. 2022 é ano eleitoral... Não por acaso, Previdência e salários são as duas principais contas nos gastos do setor público. No caso do governo federal, superarão R$ 1 trilhão neste ano de 2020, comprimindo todos os gastos discricionários, particularmente investimentos e prestação de serviços públicos.

Nesta retomada dos trabalhos legislativos, a urgência maior são as PECs emergenciais e a da administração pública. Cerca de um quarto dos 11 milhões de servidores públicos deve se aposentar até 2023. Entre 2017 e 2019 dobrou (para dez) o número de Estados com mais aposentados e pensionistas que servidores da ativa; os valores das aposentadorias do setor público são em geral maiores que a média da remuneração do servidor da ativa. Existem no Executivo federal mais de 200 carreiras distintas, representadas por mais de 150 associações. Em alguns Estados o número chega perto de 100. Multipliquemos por 27, adicionemos as carreiras de municípios – e estará clara a magnitude da tarefa que nos desafia.

Em 30 de janeiro o ministro Paulo Guedes afirmou que a reforma administrativa seria enviada em duas semanas ao Congresso, a quem caberia “dar o ritmo”. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, classificou, por sua vez, de decisivo o envolvimento ativo do Executivo. A experiência mostra, com efeito, que são determinantes empenho e mobilização do Executivo, notadamente quando a agenda legislativa se encontra, como agora, sobrecarregada. E o tempo, curto.

Em seu primeiro discurso de posse, Dilma Rousseff disse: “O Brasil optou (...) por construir um Estado provedor de serviços básicos e de Previdência Social pública. Isso significa custos elevados para toda a sociedade”. Passada uma década, talvez a sociedade possa enxergar com alguma clareza que os “custos elevados para toda a sociedade”, outrora mascarados pela inflação recorde, assumiram a forma de retração de investimentos, deterioração da infraestrutura e de serviços de educação, saúde e saneamento – sentida principalmente pelos mais pobres.

O Estado brasileiro, como disse Rodrigo Maia, “custa muito e serve pouco”. É um grande distribuidor dos recursos que por ele transitam, tarefa que executa mal – sem adequada definição de prioridades, avaliação e controle da qualidade dos serviços prestados. É de Ken Rogoff o diagnóstico: “É lamentável que neste debate sobre os limites das ações do governo haja muito pouca discussão sobre como fazer do governo um provedor de serviços eficiente. Aqueles que desejam um papel mais amplo do setor público estariam fortalecendo sua posição se estivessem preocupados em encontrar formas de fazer o setor público mais eficaz”.

É preciso acreditar que isso não seria impopular. Contrariamente, portanto, à crença ainda predominante entre nós e que tem profundas raízes em nosso inconsciente coletivo. É possível, se conseguirmos reunir e manter juntos, racionalidade, esforço e esperança. Sobre esta última, vale lembrar um velho ditado: “A esperança não morre, mas pode atravessar angustiantes fases de vida”.

* ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM


Míriam Leitão: A diversidade nas empresas

Jovem executiva negra conta a sua história, explica como as empresas devem ter diversidade e estimula outros jovens a sonhar alto

A jovem gaúcha de Pelotas Lisiane Lemos entrou na sala do executivo da Microsoft, em São Paulo, no meio do processo de seleção. Ela acalentava há tempos o sonho de trabalhar numa multinacional, e na área de vendas, apesar de ter feito Direito. Aos 23 anos, tinha acabado de chegar de Moçambique onde fora em busca de suas origens. No Rio Grande do Sul, que recebeu várias ondas migratórias, os brancos sabem de onde vieram seus antepassados, mas os negros ouvem uma história triste sobre Pelotas ter sido “o inferno dos escravos”. Ao olhar para quem a entrevistaria, ela sentiu um alívio.

— Eu fui entrevistada por um executivo negro, e aquilo foi uma grande virada na minha vida. Eu vi que queria estar naquele lugar. O fato de ele estar sentado na minha frente... Talvez quem nos assista não tenha noção da importância da representatividade. Simplesmente ter um executivo negro na frente me mostrava: eu posso — contou.

Lisiane acabou assumindo um cargo de chefia na Microsoft e hoje, aos 30 anos, é gerente de novos negócios da Google. Nesse meio tempo recebeu duas consagrações internacionais. Em 2017 foi apontada pela revista “Forbes” como uma das pessoas de menos de 30 anos mais influentes do Brasil e em 2018 a ONU a escolheu como uma das pessoas negras mais influentes do mundo, na área de negócios, com menos de 40 anos.

Eu a entrevistei na Globonews sobre diversidade no mundo corporativo. Ela é um caso de sucesso, mas raro.

— O topo é muito solitário. Você chegar onde ninguém chegou estatisticamente. O Instituto Ethos em 2016 mostrou numa pesquisa que nas 500 maiores empresas do Brasil apenas 4,6% dos cargos de liderança são ocupados por pessoas negras. E quando o recorte é mulheres negras é 0,5%. Então é meio que um lugar impossível — disse Lisiane.

As políticas de ações afirmativas ajudaram no esforço de redução do fosso social no Brasil, mas é muito grande a distância, são séculos de construção da desigualdade. Hoje há muitas empresas preocupadas em ter mais diversidade no seu quadro de funcionários, mas nem sabem por onde começar. Lisiane acha que no mundo corporativo funcionam as conexões. Por isso ajudou a fundar a Rede de Profissionais Negros, e depois foi para o Mulheres do Brasil, da empresária Luiza Trajano, para ajudar a montar o pilar da igualdade racial. Ela acha que as empresas deveriam fazer o “recrutamento ativo” e pensar também na carreira das pessoas negras:

— É importante pensar num programa de estágio? Sim. Mas nesse caso é mais fácil. Mas quem é que está no topo? Quem você lembra em algum conselho de uma grande empresa que seja negro? Ou uma mulher negra?
Lisiane recomenda que as empresas comecem a ter diversidade nas suas peças de publicidade, para que as pessoas negras se vejam:

— O segundo ponto é ser intencional, ter métodos e políticas de ação afirmativa nos programas de contratação. Depois, é ter um serviço de mentoria. Eu sou de uma família de professores, como saber como me vestir e me preparar para uma reunião de executivos estrangeiros, por exemplo? Há muito conhecimento a ser compartilhado.

Lisiane fala com objetividade sobre os códigos do mundo corporativo. Como gerente de novos negócios da Google ela tem trabalhado com marketing digital. Diz que nessa área trabalha com tudo que mais gosta, de uso de dados à inteligência artificial. Pode ajudar tanto o pequeno empreendedor quanto a grande empresa.

Ao falar da questão racial, ela se empolga. Na infância, sofreu preconceito. Mais tarde, entendeu que era herdeira de uma história difícil. Os escravizados de outras regiões eram enviados para Pelotas como punição: na charqueada, enfrentavam o frio, o castigo e o sal. Em exame de DNA descobriu que é 40% de povo originário de Angola. Quer passar um tempo lá este ano.

Aos jovens negros que sonham em entrar no mundo corporativo e fazer carreira ela deixou um recado emocionado:

— O grande recado é ‘você pode’. Por mais que a sociedade diga que não é o seu lugar, que as estatísticas estejam contra, você é protagonista da sua história e existem pessoas que podem ser seus aliados. Vai ser difícil, o racismo existe, e você muitas vezes vai pensar em desistir, mas vai valer a pena e você vai abrir portas para outras pessoas chegarem onde elas nunca imaginaram.


Adriana Fernandes: É fake

Governo apresentou no primeiro ano do ministro da Economia, Paulo Guedes, um déficit de R$ 95 bilhões; em qual lugar do mundo um rombo desse tamanho do governo central pode ser apontado como um sinal de contas ajustadas?

A noção de contas equilibrada foi atualizada pelo governo Jair Bolsonaro. Na publicidade de 400 dias da atual gestão, divulgada nas redes sociais, a mensagem transmitida foi a seguinte: “contas equilibradas, inflação controlada e mais poder de compra para os trabalhadores impactam positivamente na economia”.

Nada mais fake news. O governo apresentou no primeiro ano do ministro da Economia, Paulo Guedes, um déficit de R$ 95 bilhões. São “bilhões” e não “milhões”.

Em qual lugar do mundo um rombo desse tamanho do governo central pode ser apontado como um sinal de contas ajustadas?

O ano de 2019 marcou o sexto ano de déficit consecutivo de contas do governo federal. Não são rombos pequenos. Ele caiu, é verdade. Mas é alto e tem impedido o governo de avançar em investimentos – que estão em patamares ridículos há anos.

Na melhor das hipóteses, somente no final de 2022, as contas voltam para o azul. As projeções mais fresquinhas da própria equipe econômica apontam que, no último ano do mandato do presidente, o déficit será de R$ 31,4 bilhões. O mais provável – até o momento – é que o cenário de superávit só venha em 2023.

Esse quadro só muda se a economia crescer muito e muito rápido. O que não é o caso, por enquanto. O Brasil patina no baixo crescimento há anos por razões diversas e estruturais.

Por ora, a redução do déficit – comemorada pela equipe de Guedes – se deve muito à receita extraordinária com leilões de petróleo e dividendos pagos por estatais e bancos públicos. Do lado das despesas, o arrocho foi grande nos gastos discricionários (não obrigatórios), que afetou os programas sociais.

A zeragem do déficit – prometida pelo ministro para 2019 – não ocorreu. E todos sabiam que não iria acontecer no ano passado. Guedes se justifica dizendo que quis subir o sarrafo (da meta) para alcançar o melhor resultado.

Mas o corte nos incentivos setoriais, nos “privilégios” do sistema S, benefícios tributários de todos os tipos... esse ficou a ver navios. A força das criaturas do pântano, citada no discurso de posse como uma frente a ser destruída, continua solta por aí.

O governo não atacou esses privilégios. Pelo contrário, enviou ao Congresso um anexo secreto (sem publicidades) com medidas que “podem ser acionadas”. Cumpriu tabela e escondeu o caminho.

O déficit não começou nesse governo. É verdade. Acabar com ele é obrigação.

Com a mensagem dos 400 dias, a sensação que o governo passa à sociedade e ao Parlamento é que está tudo ok. Os sinais de pressão aumentam nesse ambiente. Um presidente fiscalmente responsável jamais faria um desafio aos governadores de zerar impostos sobre combustíveis.

Impossível não comemorar um déficit menor, conta de juros mais baixa e redução da dívida pública. Avanços ocorreram, sem dúvida. Mas o ajuste só estará completo quando as prioridades orçamentárias estiverem direcionadas para a população que mais precisa. Muito a fazer.

O governo reclama de fake news, mas, com todo respeito, desta vez, ele mesmo espalhou.

* É jornalista


Crescimento econômico no Brasil deve ir além do ‘voo de galinha’, diz Sérgio C. Buarque

Em artigo publicado na revista Política Democrática online, economista indica caminhos para o país avançar

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O crescimento recente da economia será apenas um ‘voo de galinha’ se não forem enfrentados alguns dos graves estrangulamentos econômicos”. A afirmação é do economista Sérgio Cavalcanti Buarque, professor aposentado da FCAP (Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco) da UPE (Universidade de Pernambuco), em artigo que produziu para a 15ª edição da revista mensal Política Democrática online. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados gratuitamente no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a revista.

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Segundo Buarque, que também é consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, os resultados econômicos do ano de 2019 não constituem inflexão na trajetória da economia brasileira. Para ir além do que chama de “voo de galinha”, ele sugere começar pela reforma tributária e a desestatização em áreas estratégicas, de resultado rápido na melhoria do ambiente de negócios e nos investimentos no Brasil.

A grande virada histórica da economia brasileira, conforme o artigo publicado na revista Política Democrática online, será possível apenas quando o país decidir apostar todas as suas fichas na educação, na qualificação profissional e na inovação. “Nestes segmentos, cabe ao Estado papel decisivo, o que depende da recuperação das finanças públicas e de sua capacidade de investimento. Apesar dos pesares, 2019 deu alguns passos à frente”, afirma o professor.

Em sua análise, o economista observa que, depois da profunda recessão que afundou a economia brasileira, 2019 foi o terceiro ano consecutivo de crescimento econômico, bem modesto, mas confirmando a recuperação iniciada em 2017. Ele diz que não dá para comemorar, ao considerar os quase 12 milhões de desempregados (11,2% da População Economicamente Ativa) e 4,7 milhões de desalentados.

“Houve pequeno declínio do desemprego em 2019, acompanhado, contudo, da expansão da informalidade e da precarização do mercado de trabalho”, acentua Buarque. “Além da persistência do alto nível de desemprego, a economia brasileira terminou 2019 ainda com elevada ociosidade e baixíssima taxa de investimento, apenas 15,5% do PIB (Produto Interno Bruto)”, assevera.

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Luiz Carlos Azedo: Tempos do coronavírus

“O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações”

O governo já iniciou a operação para repatriar 29 brasileiros que estão na região de Wuhan, na China, e deverão chegar à Base Aérea de Anápolis (GO) no sábado. Os que tiverem sintomas da doença serão conduzidos diretamente para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Essa operação é um prenúncio de tempos que poderão ser difíceis para o Brasil, não necessariamente por causa dessas pessoas, ou mesmo dos 14 casos suspeitos em observação no país, mas em razão do impacto que a epidemia em curso na China terá na economia mundial, caso não seja debelada rapidamente.

O acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que estabelece relações especiais fora das regras do jogo da Organização Mundial de Comércio (OMC), deve impactar as exportações brasileiras para a China, numa escala que ainda não é mensurável. A redução da atividade econômica chinesa, em razão da epidemia, pode agravar o impacto do acordo no agronegócio e na mineração, que são atividades nas quais a parceria com a China é estratégica. A queda na produção industrial brasileira, no ano passado, por outro lado, refletiu a crise em países da América Latina que tradicionalmente importavam produtos industrializados do Brasil, sobretudo a Argentina.

Essas externalidades precisam ser compensadas para que a economia brasileira volte a crescer. São duas as variáveis necessárias. Uma é o aporte de investimentos estrangeiros, o que depende da aprovação do marco regulatório das concessões e parcerias público privadas. Sem esse marco, o programa de privatizações e concessões do governo não terá a segurança jurídica necessária para atrair esses recursos. A outra é a ampliação do poder de compra da população, que depende da oferta de crédito, uma vez que não haverá aumento da renda de imediato. Não é uma equação fácil.

O governo aposta todas as fichas na agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, que depende da aprovação do Congresso. Em tese, não existe grande objeção dos parlamentares à agenda, mas o tempo é exíguo. O começo da legislatura na segunda-feira e ontem foi meio melancólico, com o Congresso esvaziado. O clima é de pré-carnaval. O governo também não tem capacidade de articulação política suficiente para impor um ritmo diferente aos trabalhos do Congresso, que funciona no seu próprio diapasão.

O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações partidárias. O que está antecipando essas articulações é a mudança das regras eleitorais, pois todos os partidos estão sendo obrigados a montar chapas proporcionais e a lançar o maior número possível de candidatos a prefeito, com o fim das coligações.

Quarentena
Existe também um certo nível de imponderabilidade em razão do próprio governo Bolsonaro, que fabrica crises de combustão espontânea, a mais recente na Casa Civil, onde o ministro Onyx Lorenzoni passa por um processo de contínua fritura, sem falar na estratégia de confronto adotada em algumas áreas, na qual pontifica o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é foco permanente de fricção política com o Congresso. Para muitos analistas, as diatribes políticas da ala ideológica do governo e até do presidente Jair Bolsonaro são fatores perturbadores do ambiente econômico.

Esse comportamento contrasta com a atuação de outros ministros que têm amplo trânsito no Congresso, como Tereza Cristina, da Agricultura; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que rapidamente mobilizou seus aliados no Congresso para aprovar a medida provisória com normas de emergência para enfrentar a ameaça de epidemia de coronavírus, relatada pela deputada Carmem Zanotto (Cidadania-SC) e aprovada ontem à noite pela Câmara, numa tramitação relâmpago. A MP autoriza a realização de quarentenas e outras medidas compulsórias para evitar que a epidemia se instale no Brasil.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tempos-do-coronavirus/


Luiz Carlos Azedo: Imposto do desemprego

“O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego”

Na mensagem enviada ao Congresso Nacional, ontem, o presidente Jair Bolsonaro anunciou suas prioridades para 2020, focadas na agenda econômica: reforma tributária, MP do Contribuinte Legal, independência do Banco Central, privatização da Eletrobras, promoção do equilíbrio fiscal e novo marco regulatório do saneamento. As propostas foram bem recebidas no Congresso, que começou o ano politicamente esvaziado. O ministro da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni, cuja pasta foi esvaziada, fez uma entrega protocolar da mensagem. Bolsonaro estava em São Paulo, com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, outro que anda em baixa no governo, para inaugurar um colégio militar.

A única proposta de caráter social entre as prioridades do governo é o Programa Verde Amarelo, cujo objetivo é combater o desemprego. O grande jabuti é o desconto de 7,5% de contribuição no seguro-desemprego. Lançada em novembro passado, a proposta já está sendo ironizada no Congresso, onde é chamada de imposto do desemprego, e deve ser rechaçada pela Câmara, ainda mais num ano eleitoral, como aconteceu com outras propostas do ministro da Economia, Paulo Guedes, como a recriação da contribuição sobre operações financeiras e o chamado “imposto do pecado”, a supertaxação do cigarro e da bebida, rechaçada pelo próprio presidente Bolsonaro.

O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego, que possibilitaria uma arrecadação de R$ 12 bilhões em cinco anos. Em compensação, o período de recebimento do seguro-desemprego passaria a contar para a aposentadoria. O Programa Verde Amarelo mira o desemprego, com regras que flexibilizam a legislação em relação ao trabalho aos domingos e feriados, às férias e ao 13% salário. É destinado a trabalhadores que recebam até 1,5 salário-mínimo, em contratos de 2 anos. Estima-se que 500 mil pessoas poderão ser contratadas com a mudança.

Outra proposta do programa é a concessão de R$ 40 bilhões para até 10 milhões em microcrédito, destinados a pequenos empreendedores. De acordo com o governo, os recursos serão direcionados à população de baixa renda, aos “desbancarizados” e aos pequenos empreendedores formais e informais. Outra meta é reinserir no mercado de trabalho 1 milhão de pessoas afastadas por incapacidade, pela via da reabilitação física e habilitação profissional. Também está prevista a contratação de 380 mil pessoas com necessidades especiais.

Coronavírus
O governo está levando a sério a ameça de epidemia de coronavírus chegar ao Brasil, que já tem 14 pessoas infectadas. Ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou que o Brasil, mesmo sem casos confirmados de infectados com coronavírus, vai reconhecer estado de emergência em saúde pública. A medida pode viabilizar a retirada dos brasileiros que estão na província de Wuhan, na China, o epicentro da epidemia, que está isolada. De acordo com o Ministério da Saúde, a escolha do local onde será a quarentena dos brasileiros trazidos da China ficará a critério do Ministério da Defesa. Provavelmente, uma base militar, em Florianópolis, em Santa Catarina, ou em Anápolis, em Goiás.

O ministro cita três razões para a quarentena: primeiro, a cidade de Wuhan escolheu fazer um isolamento. Quando se entra em um local de quarentena, se mantém em estado de quarentena. Segundo, lá estão concentrados 67% de todos os casos. Terceiro, quando se traz pessoas de várias regiões do país, elas seriam espalhadas para vários estados do Brasil, daí a necessidade de manter todos eles juntos. O ministro não falou, mas existe uma quarta razão: o sistema hospitalar no Brasil não está em condições de enfrentar uma situação na qual o vírus seja transferido de pessoa a pessoa, seria uma tragédia sem igual, desde a gripe espanhola. A saída é aumentar a vigilância epidemiológica nos aeroportos e portos e isolar os casos suspeitos imediatamente.

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Luiz Carlos Azedo: Ninguém pede para sair

“Fala-se em Onix ir para a Educação e Weintraub, para a Casa Civil. As duas pastas são territórios povoados por gente ligada aos filhos de Bolsonaro e ao guru Olavo de Carvalho”

Em outros governos, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o mais desprestigiado no Palácio do Planalto, já teria pego o boné e ido embora; e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o mais criticado por causa das trapalhadas na pasta, já teria sido exonerado. Mas, no governo Bolsonaro, ninguém é demitido por pressão externa, as críticas parecem ser uma espécie de salvo-conduto para permanecer na Esplanada. Tem até ministro que briga com a imprensa e o Congresso para agradar ao presidente da República e se segurar no cargo. Ninguém pede para sair.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), às vésperas da retomada dos trabalhos legislativos, fez duras críticas ao ministro da Educação, cuja gestão classificou como um desastre. “O ministro da Educação atrapalha o Brasil, atrapalha o futuro das nossas crianças, está comprometendo o futuro de muitas gerações. Cada ano que se perde com a ineficiência, com um discurso ideológico de péssima qualidade na administração, acaba prejudicando os anos seguintes. Mas quem demite e quem nomeia ministro é o presidente”, afirmou Maia, que participou de um seminário sobre desenvolvimento em São Paulo.

Weintraub é um casca-grossa da turma do confronto do governo, Bolsonaro gosta do estilo e prestigia seu ministro, mas os fatos são teimosos. Os erros administrativos se repetem, o desgaste do governo na Educação aumenta. O ministro tem a seu favor a implantação das escolas militares, mas isso é muito pouco diante dos desafios da educação no país. Entretanto, a narrativa de combate ao método Paulo Freire, adotado em todo mundo para erradicar o analfabetismo, e as críticas ao chamado “marxismo cultural” vão mantendo o ministro no posto, mesmo havendo, dentro do próprio governo, crescente insatisfação com seu péssimo desempenho. Como a Educação é uma área muito sensível do ponto de vista político, vai ser difícil para o ministro sobreviver ao bombardeio que virá do Congresso. As declarações de Maia foram a senha para que os demais deputados passem à ofensiva contra Weintraub.

Esvaziado definitivamente na Casa Civil, com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de tirar o Programa de Parcerias Publico-Privadas e Investimentos (PPI) da pasta, o ministro Onyx Lorenzoni ainda está em férias e ninguém sabe o que pretende fazer quando voltar. É possível que reassuma seu mandato de deputado federal na Câmara, aproveitando o começo do ano legislativo, para se reposicionar na bancada do DEM, da qual já foi líder. Lorenzoni foi um dissidente do seu partido nas eleições passadas, com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que também apostou na eleição de Jair Bolsonaro e levou.

Parcerias e investimentos
Colega de Câmara e aliado de primeira hora de Bolsonaro, o ministro da Casa Civil foi seu coordenador político de campanha e liderou a equipe de transição do governo. Na divisão do bolo, porém, a parte do leão ficou com o ministro da Economia, Paulo Guedes; Lorenzoni teve que dividir o poder político com os militares, que acabaram esvaziando completamente sua pasta e afastando-o do Estado-maior do governo.

O papel de articulador político do Planalto foi passado ao ministro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, que é general e amigo de Bolsonaro. A Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), que analisa a viabilidade jurídica dos atos assinados pelo presidente, foi transferida para a Secretaria-Geral, comandado pelo ministro Jorge Oliveira Ramos. O último trunfo de Onyx era o Programa de Parcerias Público-Privadas e Investimentos (PPI), que estava tocando com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, uma unanimidade no Congresso.

Ocorre que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está em rota de colisão com a Câmara quanto ao novo marco regulatório das concessões e privatizações, cuja negociação estava passando muito mais pela Casa Civil do que pela equipe econômica. A crise com o então secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que foi de Davos, na Suíça, a Nova Délhi, na Índia, num jatinho da FAB, utilizando como pretexto as negociações envolvendo o PPI, foi a deixa para Guedes pôr as mãos no programa, que sempre quis gerenciar. Santini era o principal responsável pelo PPI na equipe de Lorenzoni.

Há uma expectativa de que Lorenzoni antecipe a volta das férias e desembarque ainda hoje em Brasília. Fala-se na possibilidade de Onix ir para a Educação e Abraham Weintraub, para a Casa Civil. As duas pastas são territórios povoados por gente ligada aos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Os dois ministros também são alinhados com o guru ideológico do clã, Olavo de Carvalho.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ninguem-pede-para-sair/


Como agir nas eleições 2020? Editorial da Política Democrática online tem a resposta

Texto da revista produzida pela FAP indica quais problemas serão enfrentados pela oposição

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Posições firmes e claras devem sustentar a diretriz geral dos candidatos a vereador e prefeito que disputarão as eleições 2020, de acordo com editorial da nova edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). “A procura do meio termo mostrou-se o caminho mais curto para a derrota”, diz o texto, referindo-se à última disputa nas urnas, em 2018. Todos os conteúdos da revista são acessados, gratuitamente, no site e redes sociais da fundação.

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A FAP é vinculada ao Cidadania, cuja identidade é ligada à esquerda democrática e ao bloco progressista. De acordo com o editorial, o governo de Jair Bolsonaro passou, em seu primeiro ano, por um processo de emagrecimento partidário. “Abandonou o PSL, partido que elegeu o presidente e uma bancada significativa no Congresso Nacional, na esperança de construir uma nova agremiação, certamente menor, mas supostamente mais homogênea em termos ideológicos e de lealdade incondicional a seu líder”, analisa um trecho.

Em outra parte, o editorial da revista Política Democrática online diz que as oposições deverão enfrentar alguns problemas. “Em novembro, pela primeira vez, não serão permitidas coligações nas eleições proporcionais. Eleger o maior número de vereadores possível, portanto, é imperativo para todos os partidos, para manter viva a possibilidade de superar, em 2022, a cláusula de barreira, mais dura, e continuar a participar da partilha dos recursos dos fundos eleitoral e partidário, e do tempo de rádio e de televisão”, diz, para continuar. “Nesse ambiente, o lançamento de candidatos próprios no primeiro turno das eleições majoritárias deve ser a regra.”

Além disso, de acordo com o editorial, alguns cuidados devem ser observados pelos partidos que se colocam no campo da oposição. “Primeiro, resistir às tentativas de apoio, explícito ou velado, do governo a seus candidatos, sob pena de, após o pleito, assistir ao êxodo dos eleitos”, escreve. “Segundo, ter claro desde já que, no segundo turno das eleições para prefeito das capitais e das maiores cidades, a questão central a dividir a disputa será a questão democrática”, continua. O terceiro cuidado será construir, desde já, sem abdicar das diferenças programáticas, canais de diálogo com todas as forças oposicionistas do campo democrático em vista dessa possibilidade.

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Cristiano Romero: A estagnação brasileira

País mostra que não superou modelo falido de 1982

Um olhar sobre a trajetória da economia brasileira nas últimas quatro décadas, quando o ritmo de crescimento caiu para um patamar bem inferior ao registrado nas décadas anteriores, mostra que, muito provavelmente, o país ainda não acabou de desmontar o modelo de desenvolvimento que faliu em 1982. Naquele ano, por causa da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos a inacreditáveis 20% ao ano, países em desenvolvimento, como o Brasil, que se endividaram na década de 1970 simplesmente quebraram.

Em vez de reconhecer o fato de que, dali em diante, o modelo de Estado-empresário e de substituição de importações não teria mais como ser mantido por causa da enorme e abrupta restrição fiscal e creditícia surgida em 1982, os governantes optaram, nos anos seguintes, principalmente durante o governo Sarney (1985-1990), por insistir na salvação do que não tinha mais como dar certo.

A extensão do modelo de forte intervenção do Estado na economia e de fechamento comercial criou dificuldades que visivelmente até hoje impedem o país de voltar a crescer de acordo com seu potencial histórico. A insistência, ademais, permitiu que os setores da sociedade beneficiados por aquele regime econômico - a burocracia estatal e a indústria - se organizassem e reagissem a mudanças. A fatura do atraso - a escalada permanente dos preços a níveis crônicos e depois hiperinflacionários - foi paga por todos, mas especialmente pelos pobres, de quem o chamado “imposto inflacionário” mais retira renda.

Crises econômicas costumam ser semeadas durante períodos de bonança, quando cidadãos e empresas perdem a noção do risco ao acreditar que o ciclo econômico em que estão jamais acabará. A explosão do preço do petróleo no início da década de 1970 elevou a níveis impensáveis a liquidez mundial. A derrama de “petrodólares” derrubou fortemente as taxas de juros cobradas pelos bancos internacionais. Ato contínuo, essas instituições ofereceram crédito a um custo muito baixo a países como o Brasil, que, sendo estruturalmente uma economia importadora de capitais, foi à banca buscar esses recursos.

O país terminara a década de 1960 com dívida externa em torno de US$ 6 bilhões. Dez anos depois, graças ao funding dos “petrodólares”, essa dívida saltou para algo próximo de US$ 100 bilhões. O Brasil precisava desse dinheiro? Não se tenha dúvida. Foi isso que permitiu promover um ambicioso investimento em infraestrutura, absolutamente necessário para uma economia que, naquele momento, crescia acima de 10% ao ano, o ritmo mais veloz do planeta.

Com o dinheiro da dívida externa, o país criou um sistema elétrico integrado nacionalmente, expandiu fortemente a capacidade geradora de energia, implantou um sistema de telefonia federal razoavelmente moderno, construiu rodovias federais cortando praticamente todo o território, inspiradas no modelo americano, ampliou aeroportos, ferrovias etc. A crença de que a dívida seria honrada se baseava na percepção, correta, de que, como a economia avançava num ritmo veloz, não faltariam receitas para pagar os débitos.

O problema é que as taxas de juros, embora baixas, eram flutuantes. Como a segunda crise do petróleo, em 1979, provocou nova escalada nos preços dos combustíveis, a inflação americana assanhou-se, chegando a atingir mais de 20% A reação do Federal Reserve (Fed) foi a que se espera de um banco central independente: elevar a taxa de juros para conter a demanda e, consequentemente, os preços. A pancada no custo do dinheiro bateu nos juros flutuantes das dívidas dos países do chamado Terceiro Mundo e então a quebradeira foi generalizada.

Na reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), o “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos” - na célebre frase de um de seus ex-presidentes, Porfirio Díaz - foi o primeiro a se declarar incapaz de honrar os vencimentos das dívidas contraídas na década anterior. Na sequência, outras economias fizeram o mesmo, generalizando o calote e iniciando um período terrível de nossa história econômica, marcado pela falta de acesso a poupança externa para financiar nosso desenvolvimento.

Os calotes se sucederam, o país foi obrigado a promover maxidesvalorizações de sua moeda frente ao dólar para elevar a competitividade das exportações e, assim, gerar saldos positivos na balança comercial, suficientes para pagar os vencimentos da dívida externa. Numa decisão drástica, o Banco Central centralizou o câmbio - basicamente, passou a definir a quem pagaria a dívida lá fora, uma vez que não havia divisas para pagar a todos.

As consequências vieram em forma de mais inflação, arrocho salarial, imprevisibilidade dos principais indicadores econômicos, enfim, uma situação que apenas os brasileiros com mais de 40 anos hoje viveram na pele. E, a partir dali, sem acesso a poupança externa e com inflação fora de controle, a taxa média de crescimento caiu a níveis nunca vistos nas três décadas anteriores.

Olhemos os números: da primeira década do século XX até a década de 1970, o Brasil cresceu a uma taxa média anual de 4,6%; de 1971 a 1980, esse ritmo saltou para 8,8%; na década de 1980, a taxa média de expansão recuou para 3%; na década de 1990, caiu para 1,8%; nos primeiros dez anos deste século, aumentou para 3,4% ao ano; na última década, a década perdida do novo século, o crescimento anual médio da economia brasileira foi de apenas 1,4%, a menor das 12 décadas desde 1900.

“Muita gente continua falando da recessão que acabou, mas alguns ignoram que estamos ainda numa depressão e, mais ainda, que estamos numa estagnação que acaba de completar quatro décadas”, diz o economista Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Essa grave estagnação não vem sendo pautada pela mídia e tampouco está na pauta dos políticos. Meu objetivo é fazer com que cresça a percepção dessa tragédia, com a esperança de que venham ações para saná-la. É humilhante o fato de que a década passada foi a de pior desempenho do PIB desde 1901.”


Autocrítica de Cristovam Buarque é destaque da nova edição da Política Democrática online

Produzida pela FAP, publicação também tem análises sobre política nacional e internacional, economia e cultura

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) lança, nesta segunda-feira (27), a nova edição da revista Política Democrática online, com destaque para uma entrevista exclusiva do ex-senador Cristovam Buarque (Cidadania) sobre as falhas do que chama de bloco progressista na política. A publicação tem, ainda, análises de um ano da presidência de Jair Bolsonaro e dos costumes e discurso de ódio que sustentam o seu governo, além de artigos sobre Brexit e União Europeia, economia nacional, saúde pública do Rio de Janeiro, fenômeno Greta e o filme O Irlandês.

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A revista Política Democrática online é produzida e editada pela FAP, vinculada ao partido Cidadania. Todos os conteúdos podem ser acessados de graça no site da fundação (www.fundacaoastrojildo.com.br) e também são compartilhados nas redes sociais da entidade.

Na entrevista, Cristovam fala de seu novo livro “Por que falhamos – O Brasil de 1992 a 2018”, dos erros cometidos pela esquerda que resultaram na eleição de Jair Bolsonaro e os novos caminhos que os democratas progressistas precisam traçar para mudar o país. “Logo depois das últimas eleições, queriam que eu explicasse a vitória de Bolsonaro. Respondi que preferiria falar sobre como nós perdemos”, conta ele.

A nova edição da Política Democrática online publica, ainda, artigo do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, que também é diretor-executivo da FAP. Segundo ele, o ano de 2019 passou com o presidente Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988.

Na reportagem especial, a revista mostra que o governo de Bolsonaro se sustenta em pauta de costumes e no discurso de ódio contra minorias. A reportagem mostra opiniões de especialistas, como a do PhD em ciência política e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e da socióloga Almira Rodrigues, explicando como as escolhas do governo são definidas de forma estratégica.

No artigo sobre política internacional, o historiador Joan Del Alcázar explica que, com a proximidade do desfecho do Brexit, integrantes da União Europeia devem tomar medidas para reforçar as instituições continentais e, ao mesmo tempo, cobrar-lhes mais presença, eficiência e maior implantação no dia a dia dos cidadãos. Para ele, “é um momento de fato difícil, mas é em tempos complexos que se tem de demonstrar fortaleza”.

Na parte de cultura, a doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL) Lilia Lustosa analisa que, com o filme O Irlandês, o “super longa” de Martin Scorsese, a Netflix aposta suas fichas para concorrer aos prêmios do Oscar. De acordo com ela, o diretor ítalo-americano contou com cerca de 160 milhões de dólares para realizar seu filme.

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da revista é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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El País: 'Estou disposto a pagar mais impostos para ter uma sociedade mais saudável', diz Paul Krugman

Prêmio Nobel de 2008, o economista americano lamenta em entrevista ao EL PAÍS que, diante de um novo “buraco” econômico, “os amortecedores do carro já foram usados”

No escritório de Paul Krugman (Albany, Nova York, 1953) reina a desordem que se poderia imaginar em um economista provocador e hiperativo, prolixo em artigos, em livros e, o mais polêmico, em previsões do futuro. Nobel de Economia de 2008, é membro destacado do clube de economistas americanos de tendência progressista, como os também premiados Joseph Stiglitz e Jeffrey Sachs. Integra também essa legião de democratas que não previram os estragos que a globalização —unida à robotização— causaria em partes da sociedade americana. Seu último livro, Arguing with Zombies: Economics, Politics, and the Fight for a Better America (“discutindo com zumbis: economia, política e a luta por uma América melhor”), de 2019, reúne artigos publicados nos últimos 15 anos, alguns no EL PAÍS, sobre assuntos como a Grande Recessão, a desigualdade e, é claro, Donald Trump. Dois bonés parodiando o lema eleitoral do republicano −Tornemos a Rússia grande de novo, Tornemos a ignorância grande de novo− se misturam em sua mesa com o último livro do economista sérvio-americano Branko Milanovic. “As pessoas enviam para mim, não sei”, comenta, rindo, o professor Krugman. Diz que ser comentarista na mídia “nunca fez parte do plano”. No entanto, ele é um dos economistas mais expostos da atualidade.

Pergunta. O senhor diz que hoje em dia tudo é político e que é preciso ser sincero sobre a desonestidade. Pode explicar?
Resposta. Em um debate econômico, muitas pessoas constroem argumentos de forma pouco honesta, falseiam ou deturpam os fatos, servem basicamente aos interesses de um grupo. E se você está tentando debater com essas pessoas, o que deve fazer? Fingir que é um debate sincero, responder com dados e explicar por que elas estão equivocadas? Ou dizer: “A verdade é que você não está sendo sincero”? Depende do contexto. Em uma publicação econômica, não falaria de desonestidade com pessoas com pontos de vista diferentes. Mas se você está escrevendo para um jornal e essa desonestidade é generalizada, é injusto que os leitores não saibam disso. Por exemplo, você basicamente não encontrará economistas honestos que digam que uma redução de impostos se pagará sozinha [como prometeu Donald Trump com seu grande corte fiscal]. Temos muitos exemplos de que não é assim, mas as pessoas continuam dizendo isso.

P. Acredita que existe a racionalidade econômica, ou a política sempre se impõe em alguma medida?
R. A análise econômica não é inútil, ou nem sempre. Há políticos que escutam e fazem as coisas bem. Acredito que as políticas de Barack Obama foram influenciadas por um bom pensamento econômico, mas muitas coisas ele não pôde fazer porque não tinha o poder do Congresso.

P. Dani Rodrik disse uma vez que o sucesso econômico dos Estados Unidos se devia ao fato de que, em última instância, o pragmatismo sempre vence, e que a política era mais protecionista, liberal ou keynesiana conforme as necessidades. Também pensa assim?
R. Os Estados Unidos tendiam a ser pragmáticos, mas não tenho certeza de que ainda sejamos esse país. É por isso que falo de ideias zumbis em meu livro. Há muitas coisas que sabemos que não funcionam, mas as pessoas continuam a dizê-las por motivos políticos. Não acredito que ainda sejamos esse país pragmático de 50 anos atrás.

P. Rodrik afirma que, de fato, isso mudou a partir de Ronald Reagan, nos anos oitenta. O senhor trabalhou como economista para essa Administração...
R. Isso foi divertido.

P. O que lembra sobre aqueles dias?
R. Bem, eu era um tecnocrata. Era o chefe de economia internacional no Conselho de Assessores Econômicos, e Larry Summers era o economista-chefe. Éramos dois democratas de carteirinha, trabalhando em assuntos técnicos. Foi fascinante ver como era o debate sobre as políticas. Provavelmente a Administração Reagan foi pior que as anteriores. Você via um monte de gente que não tinha nem ideia do que estava falando. Também aprendi como é difícil conseguir que algo seja feito. Isso faz você perceber que não vai mudar o mundo apenas por ter uma ideia inteligente.

P. Há quem situe naqueles anos de desregulamentação o início das desigualdades nos EUA.
R. Sim, é uma grande ruptura no rumo da economia americana, em direção a uma maior desigualdade e ao desmoronamento do movimento trabalhista. Reagan teve um grande impacto no tipo de economia que os EUA eram. Nunca nos recuperamos.

P. Muita gente também critica o consenso dos anos noventa [durante a Administração de Bill Clinton] sobre a globalização. O senhor mesmo mudou seu ponto de vista.
R. Ainda acredito que a globalização, em seu conjunto, funcionou bem. Do ponto de vista global, fez mas bem que mal. Possibilitou o crescimento de economias pobres em direção a um padrão de vida decente. Depois, também foi um fator de desigualdade em algumas comunidades específicas nos EUA.

P. Os economistas também vivem em uma bolha, como se diz, às vezes, a respeito dos jornalistas?
R. É claro que observar o que acontece com seus amigos é uma forma muito ruim de julgar o que acontece no mundo. E ver apenas o que as pessoas publicam em estudos pode ser um problema, porque esses autores podem ter pontos cegos. Nunca imaginei que a globalização teria apenas ganhadores, sem perdedores. O que não vi é algo muito específico, que é até que ponto algumas comunidades concretas ficariam tão mal. Perguntávamos o que iria acontecer com os trabalhadores do setor manufatureiro e pensávamos que provavelmente seu salário real [descontando o efeito da inflação] cairia em torno de 2%, o qual não é pouco, mas também não é enorme. O que não consideramos foi o que iria acontecer com as cidades da Carolina do Norte dedicadas apenas à indústria de móveis. E o fato é que [a globalização] estava destruindo essas cidades. Isso eu não soube ver porque o mundo é muito grande e, efetivamente, não conheço nenhum trabalhador do setor de móveis de Hickory, Carolina do Norte.

P. Essa crise industrial é frequentemente usada para explicar a ascensão do trumpismo. Acredita que isso também tem a ver com o crescimento do socialismo?
R. Não, são histórias distintas. A tecnologia tem sido mais importante que o comércio em relação ao pessoal da indústria. Se você observar os lugares mais favoráveis a Trump, são as zonas de carvão, e não porque perderam as exportações, nem pelas políticas ambientais, que são algo muito recente. O declínio se deve à mudança tecnológica, ao fato de que paramos de enviar tantos homens para as minas e usamos sistemas que precisam de menos mão-de-obra. Quanto ao socialismo... na verdade, em primeiro lugar, não acredito que existam muitos socialistas nos Estados Unidos.

P. Acredita que esse suposto crescimento do socialismo é superestimado?
R. Existem muitas pessoas que se definem como socialistas, mas são social-democratas. Em geral, são pessoas jovens e altamente qualificadas que veem o quanto é difícil ganhar a vida com essa economia. E nos últimos 60 anos, toda vez que alguém propôs algo para facilitar a vida das pessoas, foi chamado de socialistas pelos grupos de direita. Por isso, muita gente acaba dizendo: “Se isso é socialismo, então sou socialista”. Alexandria Ocasio-Cortez, por exemplo, representa uma mistura de pessoas formadas, de cor, em uma área muito democrata. Bernie Sanders diz: “Quero que sejamos como a Dinamarca”. Bem, a Dinamarca não é socialista, e sim uma forte social-democracia.

P. Fala-se muito da virada para a esquerda do Partido Democrata nas primárias. Acredita que eles estão indo longe demais?
R. Não, mesmo que Bernie Sanders se torne presidente, seu programa será mais gradual. Fico um pouco preocupado com que os democratas sejam retratados como radicais. Muitas das coisas que eles defendem, inclusive os mais esquerdistas, como aumentar os impostos dos ricos e ampliar a assistência social e a saúde pública −sem eliminar os seguros privados−, são bastante populares entre as pessoas. O problema é se fizerem com que essas coisas pareçam perigosas. É interessante o que ocorreu no Reino Unido. [O líder trabalhista] tinha um programa bastante radical em 2017 e teve um bom desempenho nas urnas. Em 2019 não era mais radical, mas foi mal devido à questão do antissemitismo e ao Brexit. Portanto, não tenho certeza de que o esquerdismo seja um problema para os democratas, [o que eles não devem fazer] é cair em coisas que alienem as pessoas.

P. O senhor diz que aumentar impostos dos ricos é popular. Quem é rico? O senhor deveria pagar mais do que paga?
R. Depende. Elizabeth Warren quer ir atrás das pessoas com mais de 50 milhões de dólares [209 milhões de reais], essas são claramente ricas. Obama aumentou impostos. Sua reforma de saúde foi paga em boa medida pelo aumento de impostos para quem ganhava mais de 250.000 dólares [1,04 milhão de reais] ao ano. Houve quem reclamasse que teria dificuldade para chegar ao fim do mês e, é claro, virou piada. Quanto a mim, muito bem, vou dizer desta forma: esse imposto sobre as grandes fortunas proposto por Warren não me afetaria, mas qualquer democrata que faça as coisas que eu gostaria de ver na política econômica acabaria precisando que eu pagasse mais impostos. E tudo bem com isso. Não sou santo, mas estou disposto a pagar mais impostos para ter uma sociedade mais saudável.

P. Apoia algum pré-candidato específico?
R. Não posso fazer isso, o The New York Times nos proíbe de declarar um apoio explícito, porque se um colunista faz isso, essa posição é atribuída ao jornal [a entrevista foi feita antes que o conselho editorial do The New York Times manifestasse seu apoio às candidatas democratas Elizabeth Warren e Amy Klobuchar]. O que posso dizer é que quem tem as melhores ideias em matéria de políticas é Warren, claramente. Ela tem pessoas muito inteligentes, embora eu ache que avaliou mal a questão da saúde [Warren iniciou sua campanha defendendo a eliminação dos seguros privados, agora se mostra mais flexível]. De qualquer forma, acredito que todos os democratas seriam bastante parecidos do ponto de vista de suas políticas. A de Sanders é a mais expansionista, mas ele não poderia levá-la adiante no Senado e acabaria sendo mais gradual. Talvez Joe Biden seja o mais moderado, mas todo o partido se moveu para a esquerda. Não tenho ideia de quem vai ter mais opções nas urnas. Acho que ninguém sabe. O que espero −e certamente também não é permitido dizer, segundo as regras do Times− é que Trump não ganhe.

P. O senhor é um dos que temiam que as políticas de Trump trouxessem uma recessão global. Como vê isso agora?
R. Eu disse isso na noite das eleições, levado pela emoção, mas me retratei em seguida. As consequências econômicas de Trump foram bastante tênues. O déficit aumentou e ele tem sido protecionista, mas se tivesse conseguido revogar a reforma de saúde [da Administração Obama], muita gente teria ficado em má situação, e pelo menos ele não conseguiu. Se você observar a tendência do emprego dos últimos 10 anos, não saberia se houve eleições nesse período. Talvez tenhamos um pouco menos de investimento devido à incerteza da guerra comercial e um pouco mais de consumo devido à redução de impostos e ao aumento do valor da Bolsa, mas há pouca diferença entre os números da economia com Trump e com Obama.

P. Outro prêmio Nobel [Kenneth Arrow] disse que as forças da economia são mais importantes que o impacto de um Governo.
R. Sim, na maior parte do tempo. As políticas monetárias podem importar muito, mas isso não está sob o controle de um presidente. Estes só têm muita importância em tempos de crise. Se Obama não houvesse promovido esses estímulos e o resgate dos bancos, teria sido muito grave.

P. Como imagina a próxima crise?
R. É difícil. De vez em quando se vê algo tão claro que a crise é previsível, como a bolha imobiliária, que foi um ciclo óbvio. Mas agora não há nada assim. O que quer que seja, não parece óbvio. Provavelmente a próxima crise virá de várias coisas ao mesmo tempo, uma mistura de muitas coisas pequenas. Também tivemos esse tipo de crise, a recessão de 30 anos atrás, por exemplo.

P. Essa próxima recessão encontrará as economias do G10 com taxas de juro zeradas.
R. Sim, essa é a principal preocupação.

P. Qual é a política cambial correta nesse caso?
R. Não tenho certeza. O que mais me preocupa não é ignorar de onde virá a crise, e sim o fato de não saber como responderemos. O Banco Central Europeu não pode baixar mais os juros, eles já são negativos. E a Reserva Federal [banco central dos EUA] tem pouca margem para fazer isso. Vamos nos deparar com um buraco na estrada e os amortecedores do carro já foram usados. Nesse caso, a política econômica do Governo ajuda, mas temo que talvez não tenhamos gente muito boa tomando decisões. Em 2008, tivemos sorte de ter pessoas inteligentes para enfrentar a crise. Agora a Europa não tem nenhuma liderança e Estados Unidos têm Trump. Não está claro que tenhamos uma boa resposta.

P. Que efeitos terá o Brexit?
R. O Brexit é negativo, prejudicará a economia britânica e a do resto da Europa, mas no longo prazo, não serão grandes números. As tarifas britânicas provavelmente serão mínimas, não será uma união alfandegária, mas haverá poucos impostos. Estados Unidos e Canadá têm um acordo de livre comércio sem união alfandegária. Assim, em uns cinco anos, o Reino Unido será um pouco mais pobre, talvez 2%, mas não será radical. O que acontecerá nos próximos seis meses é que assusta as pessoas.

P. O euro foi responsabilizado por muitas das disfunções da União Europeia, mas no final é um país com outra moeda que está saindo do bloco.
R. Acho que o euro foi um erro, causou muitos danos, mas a política não é tão racional. De fato, o Reino Unido não foi vítima da crise do euro, embora tenha imposto a si mesmo muita austeridade, enquanto a Grécia e a Espanha foram forçadas a ela. Se você observar a crise política na Europa, alguns dos países que aumentaram a rejeição à democracia não faziam parte do euro, mas o euro desacreditou as elites europeias, as pessoas pararam de acreditar que os tecnocratas de Bruxelas sabiam o que estavam fazendo e, sob esse ponto de vista, acabou contribuindo para o Brexit.

P. mudança climática continua um pouco subestimada como um risco para a economia.
R. É o problema mais importante, alguns dos principais manuais falam bastante disso, incluindo o meu. Temos dois problemas: um, ter um Partido Republicano que é negacionista, e o outro, a mudança climática. Se Deus quis criar um problema realmente difícil de combater antes de ocorrer uma catástrofe natural, esse problema é a mudança climática. É gradual e tende a ser invisível até que seja tarde demais. Avança de forma progressiva e cada vez que não agimos, piora. A questão é: quais países podem fazer esforços para resolvê-lo? Se tivéssemos uma liderança forte nos Estados Unidos, poderíamos ter adotado uma ação efetiva, mas, em vez disso, temos um Partido Republicano que nega o problema. Assim, é bastante assustador. As possibilidades de catástrofe são muito altas.