Economia
Monica de Bolle: A empregada de Schrödinger
Quanto mais pessoas acreditarem que a empregada deveria se esforçar mais para não receber o Bolsa Família, mais as políticas de redução de pobreza e redistribuição de renda serão rechaçadas
Lembram-se do gato de Schrödinger? Trata-se de uma alegoria sobre o aparente paradoxo da superposição quântica, em que um gato hipotético pode estar morto e vivo ao mesmo tempo. Portanto, duas realidades contraditórias existem simultaneamente até que um observador determine em qual delas está — na realidade do gato morto, ao observar o cadáver, ou na realidade do gato vivo. Antes de o observador determinar qual realidade haverá de se impor para ele, as duas realidades são igualmente prováveis para aquele indivíduo particular ainda que sua experiência real seja única.
Tenho pensado sobre os paralelos entre o estranho mundo da física quântica e o igualmente estranho mundo da política e da economia. Por exemplo: no Brasil, hoje, há muita gente que rejeita o programa Bolsa Família por considerá-lo — colocando de forma crua — uma medida que alimenta a preguiça dos que recebem o benefício, eliminando o incentivo de encontrar formas de sustento que não dependam do Estado.
O governo parece compartilhar dessa visão diante das notícias de que milhões de pessoas deixaram de receber o benefício recentemente, ou padecem em longas filas para recebê-lo. O problema reside no fato de que há pessoas que, ao mesmo tempo, compartilham da visão do ministro da Economia de que “há muita empregada doméstica indo para a Disney”. Qual o paradoxo? Ora, se tantas empregadas viajam para o exterior, dificilmente o fazem com o exíguo benefício do Bolsa Família — mas muitas são beneficiárias do programa. Eliminando, portanto, a hipótese anacrônica de que recebam o Bolsa Família por necessidade e viajem para a Disney, eis a empregada de Schrödinger: aquela que viaja para a Disney e não viaja para a Disney ao mesmo tempo.
A empregada de Schrödinger veio para mim não só como inspiração devido à fala do ministro, mas pela leitura de um paper recente de Alberto Alesina, Armando Miano e Stefanie Stantcheva intitulado The polarization of reality e publicado em janeiro desse ano pelo NBER (Bureau Nacional de Pesquisa Econômica, na sigla em inglês). Nesse estudo, os autores discorrem sobre a polarização da realidade, isto é, a situação em que as pessoas têm diferentes percepções de uma realidade que pode ser constatada ou observada a partir de fatos verificáveis.
Para ilustrar o fenômeno que investigam, os autores descrevem o “imigrante de Schrödinger”, aquele que é um estorvo por estar desempregado, mas que rouba seu emprego. Porém, uma vez observado, ou ele está desempregado ou ele desfruta de seus afazeres profissionais após sua demissão. A revelação de que as duas realidades podem continuar a existir na cabeça de algumas pessoas é espantosa. Não só isso, ela tem claras implicações para a política migratória: quanto mais pessoas abrigarem duas realidades contraditórias em sua cabeça, maiores as chances de que a política migratória reflita escolhas que inibam a imigração — mesmo quando ela é inequivocamente benéfica.
Volto à empregada. Quanto mais pessoas acreditarem que a empregada deveria se esforçar mais para não receber o Bolsa Família, sobretudo porque estão viajando para a Disney aos montes, mais as políticas de redução de pobreza e redistribuição de renda serão rechaçadas. O repúdio respaldará a decisão do governo brasileiro de ignorar os imensos problemas de mobilidade social e acesso aos serviços básicos de boa parte da população brasileira.
Os autores do estudo mencionado conduziram um experimento para testar a maneira como as pessoas processam a realidade. Sem distinguir o posicionamento ideológico, indivíduos foram postos em dois grupos. O primeiro grupo teve acesso a diversos dados sobre desigualdade e a redução do grau de mobilidade social nos EUA, enquanto o outro grupo não teve acesso a essas informações. Em seguida, todos foram perguntados sobre a capacidade de uma pessoa pobre alcançar níveis de renda mais elevados por meio de seu próprio esforço. Os membros do primeiro grupo mostraram-se inequivocamente mais pessimistas do que os do segundo. Contudo, no segundo grupo, pessoas mais à esquerda do espectro político revelaram-se substancialmente mais pessimistas do que pessoas à direita.
A empregada de Schrödinger apresenta paradoxos à política econômica que talvez só possam ser resolvidos pelo velho cara ou coroa. Talvez baste o lançamento de uma moeda de R$ 1, no lugar do salário de R$ 31 mil de um ministro.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
Zeina Latif: Freio de arrumação
Com o passar do tempo, vai ficar cada vez mais difícil aprovar reformas estruturais
São conhecidos os pilares da agenda econômica, como reduzir o tamanho do Estado e torná-lo mais eficiente. Ainda não estão claras, porém, as prioridades do governo e sua capacidade de entrega. Governar vai muito além de enviar propostas ao Congresso. É necessário trabalho para aprovação. Capacidade política é tão importante quanto boas intenções.
As dificuldades do governo têm consequências.
A reforma tributária, por exemplo, que deveria ser prioritária, talvez se inviabilize. O momento ideal para seu avanço pode ter ficado para trás, após a aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Perder o timing pode ter saído caro. Tem crescido muito a resistência a ela e as eleições municipais este ano atrapalham a discussão do tema. Os setores que perdem com a reforma se mobilizam. Alegam a distribuição desigual do ajuste, mas omitem o fato de, no sistema atual, serem os que menos pagam impostos, sendo necessário reequilibrar o peso tributário.
Pelo cálculo político e de curto prazo de Bolsonaro, ele provavelmente não vai apoiar essa iniciativa, pois quase nada teria a ganhar com a aprovação tardia da reforma, e o custo político seria seu.
A política econômica, no entanto, não se resume a aprovar reforma. Evitar retrocessos e consolidar a disciplina fiscal será importante feito. No contexto atual, não se deve subestimar esse desafio. O menor foco do governo na agenda econômica e o descuido na política têm aberto espaço para iniciativas que preocupam.
Cito alguns exemplos.
Primeiro, o aumento de recursos na proposta de emenda constitucional que prorroga o Fundeb, o fundo para educação básica. Pela proposta, os gastos subirão quase R$ 80 bilhões em seis anos. O problema não é apenas o elevado custo fiscal. A medida é inadequada em um país que envelhece e menos crianças ingressam nas escolas. E há impacto nos cofres estaduais, posto que o aumento do custo por aluno se eleva e implica, pela regra atual, o aumento do piso salarial dos professores. Vai aumentar o custo da folha dos Estados, sendo que muitos já estão violando ou estão prestes a violar a regra de não comprometer mais de 60% da receita corrente liquida com o pagamento da folha.
Segundo, a capitalização de empresas estatais, que, assim como o Fundeb, não está limitada pela regra do teto de gastos. Os valores foram elevados em 2019, abrindo perigoso precedente. A capitalização de R$ 7,6 bilhões da Emgepron, empresa estatal de projetos navais, é polêmica, não sem razão. Caberia o questionamento desse acordo firmado no governo Temer. Adicionalmente, segundo a imprensa, o Ministério da Defesa negocia com o governo ampliar o escopo da empresa, para que ela seja também responsável por projetos estratégicos das Forças Armadas, e não só da Marinha. Seria mais adequado discutir a liquidação da empresa.
Terceiro, associações de juízes e procuradores pedem no STF a suspensão do aumento da alíquota de contribuição previdenciária previsto na reforma da Previdência.
Recentemente, o governo conseguiu demover o líder do governo no Senado da ideia de elevar gastos utilizando recursos a serem liberados por fundos públicos, que pela proposta original do governo seriam direcionados para reduzir a dívida pública.
E por aí vai. Sempre uma novidade. Um perigo em cada esquina.
Um risco a ser acompanhado é o de não cumprimento da regra do teto pelo Judiciário e Legislativo, pois a partir deste ano, o Executivo deixará de compensar o estouro do limite dos demais órgãos, o que ocorreu em 2019. Grande esforço de ajuste será, portanto, necessário.
Com o passar do tempo, vai ficar cada vez mais difícil aprovar reformas estruturais, especialmente com as dificuldades do governo. Reforçar, porém, a disciplina fiscal e garantir o cumprimento da regra do teto será grande conquista. Além de promover a estabilidade da economia, esse é um instrumento importante para reavaliar políticas públicas que geram injustiças sociais, má alocação de recursos e baixo crescimento.
* Consultora e doutora em economia pela USP
Míriam Leitão: O risco chinês entra na projeção
Vários indicadores apontam um forte impacto do coronavírus na economia da China. Risco é de desaceleração também no Brasil
A paralisia econômica na China, por causa do coronavírus, está entrando com força nos modelos econômicos de projeção do que acontecerá em 2020. Há indicadores impressionantes: a atividade nos portos chineses continua 50% mais baixa do que há um ano. O consumo de carvão também caiu 50%, o que o planeta até agradece. A movimentação de pessoas mostra queda de 60% a 80%, dependendo do meio de transporte. A lentidão do PIB que se viu em janeiro continua em fevereiro e isso significa que os efeitos sobre a economia mundial podem ser mais fortes. O departamento econômico do banco BNP Paribas que opera na China cortou para 4,5% a projeção para o PIB chinês. Logo em seguida, a equipe que trabalha aqui reduziu o número do PIB brasileiro para 1,5%.
Ontem foi dia de recordes nas bolsas dos EUA e de alta também no Brasil, depois que o BC chinês falou em impacto curto e localizado do vírus, e o FMI afirmou que a economia mundial terá aceleração este ano, na comparação com o ano passado. O Fundo, no entanto, fez a ressalva de que o vírus é a grande ameaça a esse cenário. O economista-chefe do banco Itaú, Mário Mesquita, em conversa com jornalistas ontem em São Paulo, falou em um choque duplo na China: pelo lado da demanda, com queda do consumo chinês de matérias-primas a artigos de luxo, e pelo lado da oferta, com a redução da exportação do país, afetando as cadeias globais.
Apesar das avaliações positivas do BC chinês e do FMI, o que tem acontecido com mais frequência é uma visão negativa sobre o impacto do Convid-19. Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas no Brasil diz que os números que vêm da China são “dramáticos”.
— O corte na projeção da China foi do time que a gente tem lá em Pequim. A percepção é que o tamanho do impacto do coronavírus é maior do que as pessoas imaginam. Em alguns dados que temos acompanhando, é dramático. Quando a gente olha para o trânsito nas cidades, é como se a China estivesse parada — explicou.
Os efeitos sobre o Brasil podem comprometer todo o primeiro semestre, na visão do BNP. O banco estima crescimento de 0,2% no primeiro trimestre e alta de apenas 0,1% no segundo. Ou seja, praticamente uma estagnação. O Itaú prevê 0,3% de alta no primeiro trimestre, mas não descarta um número negativo, por causa do impacto chinês. O banco manteve a projeção de alta do PIB deste ano, de 2,2%, mas disse que o viés é de baixa e não só por causa da crise chinesa:
— Vamos esperar o número final de 2019, que o IBGE divulga no mês que vem, para rever a projeção deste ano. Na nossa visão, não é só a China. Temos redução dos efeitos do FGTS sobre o consumo, vários países da América Latina, para onde o Brasil exporta, ainda com baixo crescimento, como a Argentina — explicou Mesquita.
Houve uma queda forte dos casos reportados em Hubei, epicentro da crise, de 1700 novos casos na terça para 349 novos casos. Mas isso se deveu a nova mudança na metologia de registro. O fato de a China ser tão opaca eleva bastante o nível de insegurança. A redução de novos casos de coronavírus fora da província de Hubei foi o melhor sinal até agora. Esses dados foram vistos como um fortalecimento da possibilidade de o melhor cenário se confirmar, que é o de a China começar a voltar à normalidade em abril. Vários economistas no mercado financeiro, contudo, começam a se preocupar também com os problemas internos que podem afetar a recuperação do Brasil.
— Qualquer fator de disrupção no crédito pode colocar em risco o crescimento. Crédito é o principal vetor de recuperação da demanda. E a recuperação do mercado de trabalho também é importante, principalmente do mercado formal, porque facilita o acesso ao financiamento mais barato — explicou Mesquita.
As cadeias globais de produção estão todas sendo afetados de uma forma ou de outra pelo que acontece na China, principalmente as da Ásia. O Japão, que teve forte queda do PIB no último trimestre de 2019, pode ter novo trimestre negativo. A Apple emitiu um alerta de que não vai atingir as metas do trimestre que termina em março por causa do impacto do Convid-19 nas suas atividades na China. O Brasil é afetado porque a China é grande para o nosso comércio, seja de exportação e importação. E há ainda os fatores internos, políticos e econômicos que tornam as projeções otimistas do começo do ano mais incertas.
Vinicius Torres Freire: São Paulo cresce mais do que o Brasil; o Nordeste, bem menos
Região Nordeste tem sequelas da recessão; PIB de 2020 ainda é incógnita
A economia paulista cresceu 2,75% em 2019, segundo contas feitas com dados do Banco Central. O Nordeste cresceu um quarto disso. O Brasil, 0,89% (1,1%, na mediana da projeção “do mercado”).
São apenas estimativas, que nos últimos anos não têm ficado longe dos resultados do IBGE para o crescimento do PIB, no entanto. Nas contas do Seade, o “IBGE paulista”, São Paulo teria crescido 2,5% nos 12 meses contados até novembro.
A recessão em São Paulo começou antes. O estado começou a afundar no vermelho em 2014 (quando o Brasil ainda cresceria o quase nada de 0,5%). A recessão foi mais profunda. A economia encolheu 8,2% entre 2014 e 2016, ante 6,2% de queda no Brasil; a baixa foi maior do que a de qualquer grande região.
Desde 2018, São Paulo anda mais rápido, em particular pela aceleração do setor de serviços. A média nacional é mais lerda por causa do Nordeste e de resultados ruins ou fracos de grandes economias com governos em crise fiscal feia como a de Minas Gerais (também prejudicada pelo desastre de Brumadinho) e a do Rio de Janeiro, que se recuperou um pouco por causa do petróleo.
O Nordeste cresce menos do que a média nacional, a julgar pelas estimativas do PIB regional, sempre sujeitas a muitas revisões, embora os números já oficiais de rendimentos do trabalho, da indústria e do comércio evidenciem a fraqueza.
A região não se recuperou do fim do ciclo de obras dos anos petistas, algumas delas de resto desastrosas (como a refinaria Abreu e Lima). Meia dúzia de anos de seca até 2018, colapso de preços e produção de petróleo e da quimérica indústria naval deixaram sequelas.
Mais recentemente, a indústria nordestina tem apanhado muito mais que a do restante do país. Foi muito prejudicada pela baixa da produção de veículos, arrastada pela crise argentina, pela retração na petroquímica e na celulose.
O desemprego é cronicamente mais alto na região, mas a oferta de trabalho se recupera de modo ainda mais lento do que a lerdeza desesperadora do país inteiro. A limitação do crescimento de benefícios sociais (contidos ainda pelos reajustes quase nulos do salário mínimo) deve também ter tido impacto na região.
No conjunto do Brasil, a virada do ano ainda é uma incógnita com cheiro de queimado. Os dados de comércio, indústria e serviços para o trimestre final de 2019 foram frustrantes, ainda mais para quem fazia festinha na praça financeira. No entanto, os dados das contas nacionais, do PIB, do IBGE têm informações mais completas –saem daqui a duas semanas. Logo, é prematuro decretar o fracasso do final de 2019.
Tampouco haverá sucesso. A expectativa mais razoável e menos deprimida ainda é a de continuidade do ritmo de crescimento que vem desde a metade do ano passado. Mantido esse passo até o final deste 2020, o país terá crescido um tico mais de 2%. É pouco, mas seria o primeiro ano com algum avanço do PIB per capita.
Os dados mais recentes para este ano, vagos e precários, indicam que a confiança da indústria continuou a crescer, assim como a intenção de consumo das famílias. Por ora, não dá para dizer que haverá frustração grande de expectativa, como vimos no vexame do início de 2019.
Afora a possibilidade de catatonia estrutural da economia brasileira, os riscos maiores são a baderna política promovida pelo governo e a doença do novo coronavírus, um bicho ainda mal conhecido, mas que terá algum impacto também no Brasil.
Luiz Carlos Azedo: Como começa a bagunça
“As declarações do general Heleno nos trazem à memória as “quarteladas” que caracterizaram a indisciplina nos quartéis e a presença dos militares na política“
O que têm a ver as declarações contra o Congresso do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o tiro disparado por policiais militares grevistas, encapuzados, contra o senador Cid Gomes (PDT-CE), em Sobral? Aparentemente, nada; em sua essência, porém, tudo: a bagunça. O ex-governador cearense tentou negociar e, depois, conduzindo uma retroescavadeira, enfrentou os grevistas de forma exaltada, imprudente e voluntarista, sendo baleado no peito e na clavícula. O episódio, no entanto, também é uma demonstração da anarquia que começa a vicejar nas polícias militares, pois as greves são ilegais e estão sendo preparadas em outros estados.
As declarações do general são incompatíveis com o cargo que ocupa no governo e nos trazem à memória as “quarteladas” que caracterizaram a indisciplina nos quartéis e a presença dos militares na política durante o século passado, inclusive durante o regime militar, só encerradas no governo Ernesto Geisel, com a demissão do então ministro do Exército, general Sílvio Frota, do qual Augusto Heleno foi ajudante de ordens. Ainda que minimizadas pelo presidente Jair Bolsonaro — diga-se de passagem, o responsável pela sua divulgação —, as declarações afrontam um poder constituído, que está no pleno exercício de suas prerrogativas.
A fala do ministro foi transmitida ao vivo, via internet, pelo perfil do presidente Jair Bolsonaro em uma rede social, na terça-feira. No evento de hasteamento da bandeira em frente ao Palácio da Alvorada, Heleno conversava com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. No diálogo, disse que o governo não pode “aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo”. Ontem, em uma rede social, Heleno tentou minimizar as declarações, mas a emenda foi pior do que o soneto: argumentou que, na conversa com os ministros, estava expondo sua visão pessoal sobre “insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares por fatias do Orçamento Impositivo”.
As declarações provocaram reações no Congresso, que discute os vetos do presidente Bolsonaro às regras que dão a deputados e senadores maior controle sobre o Orçamento da União. Manter ou derrubar os vetos presidenciais é prerrogativa do parlamento. O que todos os governos democráticos procuram fazer é articular uma base sólida, que garanta a aprovação do que interessa ao Executivo. O Palácio do Planalto, porém, não se empenha muito para garantir que isso aconteça.
Reações
A reação mais forte foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que fez duras críticas ao general: “Geralmente na vida, quando a gente vai ficando mais velho, a gente vai ganhando equilíbrio, experiência e paciência. O ministro, pelo jeito, está ficando mais velho e está falando como um jovem estudante no auge da sua idade, da sua juventude”, disse. Maia também ironizou: “Eu não ouvi da parte dele nenhum tipo de ataque ao parlamento quando a gente estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva (…) Talvez ele estivesse melhor em um gabinete de rede social, tuitando, agredindo, como muitos fazem, como ele tem feito ao parlamento nos últimos meses”, concluiu o presidente da Câmara.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também se manifestou sobre a fala de Heleno. Em nota, disse que “nenhum ataque à democracia será tolerado pelo parlamento” e que “o momento, mais do que nunca, é de defesa da democracia, independência e harmonia dos poderes para trabalhar pelo país”. Contra todas as expectativas, às vésperas do carnaval, o esgarçamento das relações do Palácio do Planalto com o Congresso aumenta as incertezas em relação à economia.
Um comentário do presidente da República, em cerimônia oficial, sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, gerou ainda mais insegurança no mercado, pois deixou no ar que Guedes estaria demissionário do cargo e sofre uma fritura interna. Seu prazo de validade estaria próximo do fim. O que alimenta essas especulações é o vai-não-vai da economia, cujo crescimento está sendo medíocre, apesar dos juros baixos e da inflação controlada.
O IBC-BR, índice do Banco Central, aponta alta de 0,5% no último trimestre do ano e de 0,9% no ano de 2019. Em 2018, quando o PIB teve alta de 1,3%, o IBC-BR também subiu 1,3%: se o padrão se repetir, o que não é garantido, o PIB em 2019 terá tido pior desempenho que no biênio 2017-18. Nesse ritmo, só em 2022 voltaremos ao PIB de 2014. Levar oito anos para completar a recuperação de uma recessão em qualquer época e em qualquer lugar é um fracasso.
Essa situação tem ampliado os questionamentos à política de Guedes, um ultraliberal, por parte de setores do governo que têm formação desenvolvimentista, entre os quais, os militares. O próprio Bolsonaro é um recém-convertido ao liberalismo e vem adotando postura cada vez mais populista, como no caso dos combustíveis e da reforma administrativa, e não perde oportunidade de abrir novas frentes de conflito, como a queda de braço com os governadores.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-como-comeca-a-bagunca/
Monica De Bolle: Alegoria sem adornos
Analisando os dados da Latinobarômetro em anos diversos, constata-se que quando perguntados como avaliam a situação econômica do País em relação ao passado recente, mais de 80% dos entrevistados dizem que está pior
Há poucos dias do Carnaval e pensando em alegorias e desfiles mostrando o que há de melhor e pior no Brasil, retomo tema abordado nesse espaço há 4 meses. Trata-se da alegoria do túnel formulada por Albert O. Hirschman nos anos 70 para descrever as tensões sociais provenientes dos processos de desenvolvimento e mudanças na mobilidade social. Convido os leitores interessados a ler a coluna “Dentro do túnel”, publicada em 20 de novembro de 2019. Nele discuti como fileiras de engarrafamentos dentro de um túnel em que algumas se moviam mais rapidamente do que outras – a alegoria de Hirschman para a mobilidade social e sua tensões – davam uma boa dimensão do que acontece nas sociedades quando parte da população progride, enquanto parte permanece estagnada.
O efeito túnel prevê, entre outras coisas, que a população tende ao otimismo quando percebe o progresso de algum segmento da sociedade, ainda que as condições econômicas em geral não sejam favoráveis – ou percebidas como tal. Tal efeito é mensurável em pesquisas de opinião. Analisando os dados da Latinobarômetro em anos diversos, e em 2018 especialmente, constata-se que quando perguntados como avaliam a situação econômica do País em relação ao passado recente, mais de 80% dos entrevistados dizem que está pior. Contudo, quase 60% afirmam que sua situação econômica pessoal e familiar haverá de melhorar. Embora esses dados se refiram a 2018, em todos os anos é possível observar algo semelhante. Não se trata de um comportamento irracional, mas de um reflexo da previsão de Hirschman de que se alguma parcela da população está se beneficiando mais rapidamente do que outras, em algum momento todos haverão de colher os frutos dessa melhoria. Ou seja, os atores econômicos – trabalhadores, empresários, classe média, classe alta, ou os mais pobres – fazem julgamentos a respeito de sua situação pessoal de modo relativo, não absoluto. Essa simples observação é fonte de enormes tensões sociais esteja o País crescendo muito ou relativamente pouco.
Tomemos os anos Lula como exemplo. Sem querer desmerecer de forma alguma a corrupção espantosa com a qual seu partido, e outras agremiações partidárias se envolveram durante os seus governos, os mandatos consecutivos de Lula tentaram atender dois anseios em aparente contradição: agradar os empresários por meio do crédito farto e barato, além das práticas clientelistas de praxe e da corrupção em nome dos “amigos”, e dar aos trabalhadores e às pessoas de renda baixa acesso a diversos bens e serviços dos quais antes não podiam compartilhar. Ao tentar conciliar os desejos desses dois segmentos da sociedade em constante tensão, o Estado teve crescentemente de adaptar suas políticas desaguando na farra do crédito público e na gastança que marcaram os anos Dilma – Lula teve a sorte de mascarar políticas inconciliáveis em tese devido ao ambiente externo ineditamente favorável. A corrupção, que muitos ainda entendem como um projeto de poder – não que não o tenha sido – foi também a forma encontrada de agradar gregos e troianos mantendo a ilusão de que todos se moviam dentro do túnel brasileiro.
Velocidade
Contudo, os movimentos se davam em velocidades diferentes, sobretudo nos anos Dilma quando a bonança externa acabou. Ressentimentos se agravaram e tensões começaram a borbulhar, como vimos em 2013. O desfecho fica para a interpretação de cada um. No entanto, alguns fatos são inescapáveis: a política da gastança para agradar empresários e trabalhadores desaguou numa imensa crise fiscal e no desmonte de alguns pilares básicos da economia. Abalado também pela corrupção generalizada, o País não resistiu e caiu em profunda recessão entre 2015 e 2016. Anos e mais anos tentando manter todos em movimento dentro do túnel sem dar a devida atenção às suas saídas – a melhoria da educação, da infraestrutura do País, entre outras medidas – foram responsáveis pela perda de dinamismo da economia e pela situação atual, em que difícil é achar um argumento razoável para defender a tese de que o crescimento brasileiro vai pegar no tranco, é só esperar as reformas.
As tensões descritas e o profundo descontentamento também ajudam a entender esse Brasil do ódio que vem surgindo há algum tempo. Há ressentimentos velados e explícitos contra aqueles que conquistaram alguns ganhos sociais – sim, penso na fala de Paulo Guedes sobre as empregadas domésticas. Na mesma linha, não existe um senso de urgência suficiente, seja no governo ou no empresariado que o apoia de forma mais fervorosa – não falo de todos os empresários, evidentemente – de que o Brasil não crescerá sem que haja uma retomada da mobilidade social que testemunhamos recentemente. Essa é a alegoria sem adornos, as alas que se movimentam de modo quase catatônico pelo túnel escuro em que se transformou o Brasil.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Revista Política Democrática || José Luis Oreiro: Por que o crescimento da economia brasileira não decola?
Produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, segundo informações divulgadas na primeira semana de fevereiro deste ano pelo IBGE. Os dados jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020
Entre 1980 e 2014, a economia brasileira cresceu a um ritmo médio de 2,81% a.a, segundo dados do IPEADATA. A grande recessão, iniciada no segundo semestre de 2014, produziu queda acumulada de 8,3% do PIB até o último trimestre de 2016. Formalmente a economia brasileira saiu da recessão no início de 2017, ano que apresentou crescimento do PIB de 1,32%, valor 53% inferior à tendência de longo-prazo para o período 1980-2014. Em 2018, o crescimento foi de 1,31%, repetindo assim o desempenho de 2017 e ficando novamente abaixo da tendência de longo-prazo.
Os dados divulgados pelo IBGE em dezembro sobre o comportamento do PIB no terceiro trimestre do ano passado deram ensejo a um aumento (temporário) do otimismo entre os analistas econômicos, não só sobre a performance da economia em 2019. Eles também alimentaram uma narrativa de que, em 2020, o crescimento da economia brasileira iria finalmente decolar, podendo situar-se acima de 2,5%. Em artigo que publiquei no jornal O Estado de São Paulo (3/12/2019), chamei atenção para o fato de que o crescimento observado no terceiro trimestre do ano – de 0,6% na comparação com o período imediatamente anterior – havia sido puxado, pelo lado da oferta, pela agropecuária e pela indústria extrativa. Pelo lado da demanda, as exportações haviam apresentado queda expressiva de 2,8%, ao passo que as importações apresentaram crescimento de 2,9%, sinalizando clara tendência de piora das contas externas brasileiras no médio prazo. Argumentei que a estagnação da produção da indústria de transformação, fonte dos retornos crescentes de escala, absolutamente indispensáveis para a sustentabilidade do crescimento econômico no longo prazo, combinada com a deterioração do saldo comercial e, consequentemente, com o aumento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, atualmente em torno de 3% do PIB, sinaliza um retorno da general restrição externa[1], tornando insustentável qualquer aceleração mais forte do crescimento da economia brasileira no médio prazo.
Os dados divulgados na primeira semana de fevereiro deste ano jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020. Com efeito, o IBGE divulgou que a produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, interrompendo assim o movimento de tímida recuperação da produção industrial ocorrido em 2017 e 2018. Dados divulgados pelo IPEA mostram que a formação bruta de capital fixo recuou 2,7% no quarto trimestre, na comparação com o período imediatamente anterior. Diante dos dados recentemente divulgados, os analistas do mercado financeiro já começaram a reduzir suas previsões de crescimento para 2020, as quais já se encontram bem abaixo de 2,5%, com algumas até mesmo abaixo de 2%. A esse quadro nada animador deve-se somar a incerteza quanto aos efeitos da epidemia de coronavírus sobre o crescimento da China (algumas análises projetam redução do crescimento da China para 4% em 2020 e redução de 33% no ritmo de crescimento na comparação com 2019).
Nesse contexto, é possível que a economia brasileira apresente crescimento inferior a 1,5% em 2020, completando assim quatro anos de crescimento medíocre após o fim da grande recessão. Dessa forma, não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu redução da tendência de crescimento da economia brasileira. A questão relevante é saber qual o motivo.
Na minha visão, a redução do potencial de crescimento de longo prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada, em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A crise de 2014-2016 piorou esse quadro, pois (i) fez com que as empresas brasileiras suspendessem seus planos de ampliação e modernização da capacidade produtiva, o que aumentou a defasagem tecnológica da indústria brasileira; e (ii) propiciou a adoção de uma agenda de consolidação fiscal baseada na contração do investimento público e das operações de crédito do BNDES, amplificando assim os efeitos da queda do investimento privado em 2014 sobre a demanda agregada, com efeitos negativos também no lado da oferta da economia. Isso em função dos efeitos de transbordamento positivos do investimento público sobre a rentabilidade das empresas do setor privado.
* Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq e Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da FGV-SP. E-mail: joreiro@unb.br.
[1] Analogia ao General inverno. Trata-se do papel que a restrição externa tem historicamente no Brasil de estrangular o crescimento econômico e desestabilizar o governo (Nota do autor).
Míriam Leitão: Câmbio em seu devido lugar
O ministro Paulo Guedes disse que a alta do dólar é boa para todo mundo. A frase foi soterrada por outra ainda pior que acabou ganhando destaque. Mas do ponto de vista técnico, sobre câmbio ele também estava errado. Não há qualquer evidência de que o real desvalorizado produza crescimento. Ele subiu por exemplo em 2015, de R$ 2,65 para R$ 3,90 e a economia mergulhou na recessão. É um preço que tem impacto sobre vários outros e o ideal é que ministros não estimulem especulações e que o Banco Central faça intervenções mínimas, apenas por razões técnicas e pontuais.
A declaração do ministro da Economia provocou reação imediata, por ter revelado preconceito social. “Empregada doméstica estava indo para a Disneylândia. Uma festa danada. Peraí”. O que aparece nessa fala infeliz é tão discriminatório que evidentemente provocou polêmica. Um ministro da Economia deveria querer a prosperidade do país como um todo, um liberal deveria se preocupar menos com as escolhas individuais, um economista deveria olhar os números que não confirmam sua tese.
O preço mais difícil de entender — e prever — é o câmbio. Baixo, não nos torna ricos, alto, não garante crescimento. Quando está sobrevalorizado cria distorções, se for excessivamente desvalorizado, também.
Os exportadores sempre querem uma cotação mais alta porque isso aumenta seus ganhos na exportação e ameniza os efeitos da falta de competitividade da indústria brasileira. Muitos que produzem apenas para o mercado interno também gostam do dólar alto que encarece o produto importado com o qual vão competir. O problema é que a moeda americana saiu de R$ 1,80 em 2012 para R$ 4,30 agora e não houve crescimento sustentado das exportações do setor industrial. O Brasil precisa resolver problemas estruturais que reduzem competitividade dos manufaturados, como inovação e logística.
O salto do dólar aumenta alguns preços como medicamentos, combustíveis, certos alimentos como pão, bens importados como celulares. Alguns produtos e matérias-primas, mesmo sendo exportados pelo Brasil, acabam subindo porque há uma correlação entre preços internos e externos. O aço, por exemplo. Os investimentos também ficam mais caros. Dos US$ 16 bilhões importados pelo país em janeiro, 32% foram “insumos industriais elaborados”, o maior item da pauta. Logo depois, vêm os bens de capital, com 22%. Peças e acessórios, equipamentos de transporte são mais 16%. Esses dados mostram como o câmbio pode ter impacto sobre os custos das indústrias e dos investimentos no país. Os bens de consumo, como eletrônicos, são 13%. Quando ele está alto, empresas que têm dívidas externas passam a ter um custo maior. A Petrobras é uma delas.
O gráfico mostra o PIB acumulado em 12 meses, trimestre por trimestre, e compara com o dólar no final de cada trimestre. O maior período de crescimento do PIB é o que tem a cotação mais baixa. Quando há o pior período do PIB, o real já havia se desvalorizado em quase 100%.
O dólar não deve ser manipulado nem para estimular o consumo nem para contê-lo. Não deve ser elevado para empurrar as exportações e proteger a indústria local, nem deve ser artificialmente baixo para segurar a inflação. Isso é o que o Brasil aprendeu com erros de sua história recente. Funciona melhor quando o câmbio é flutuante, e o Banco Central não quer defender uma cotação, alta ou baixa. E também é melhor quando o ministro da economia não explicita uma preferência, como fez o ministro Paulo Guedes, ao dizer que o dólar alto é “bom pra todo mundo”. O BC teve que entrar no mercado para conter o movimento especulativo que se formou por causa da declaração.
Há erro técnico no que ele falou sobre dólar. Mas isso é o de menos. Não é o primeiro, não será o último ministro a errar nesse assunto. O pior é a visão revelada de que um grupo de trabalhadores, pela natureza do seu trabalho, não deveria usufruir de certos prazeres. “Peraí” ministro. Como já disse aqui, neste espaço, dias atrás, Paulo Guedes deveria pensar antes de falar.
Adriana Fernandes: Meta fiscal vai mudar
Governadores e prefeitos pressionam para elevar limite de empréstimos em 2020
O Ministério da Economia vai propor ao Congresso Nacional uma mudança na meta fiscal dos Estados e municípios deste ano. A alteração será necessária para permitir que governadores e prefeitos tenham o mesmo limite do ano passado para contrair empréstimos nos bancos e garantir dinheiro novo no caixa.
A meta fiscal para Estados e municípios de 2020 foi fixada em um superávit de R$ 9 bilhões. Esse esforço fiscal deve cair para próximo de zero para acomodar os empréstimos que serão feitos esse ano. É que, com dinheiro em caixa, os governadores e prefeitos tendem a gastar mais diminuindo o esforço fiscal.
Com a mudança, a meta de déficit de R$ 118,8 bilhões para todo o setor público (União, Estados e municípios) vai piorar. Mas a equipe econômica quer garantir que o limite para a contratação de novos empréstimos com e sem aval da União seja o mesmo do ano passado, entre R$ 20 bilhões e R$ 22,5 bilhões. Nem mais nem menos.
A coluna apurou que a meta de superávit de R$ 9 bilhões dos governos regionais não comporta esse limite. Ela teria que cair para menos de 50% em 2020 para repetir o espaço de empréstimos do ano passado. O argumento da área econômica apresentado aos presidentes da Câmara e Senado para propor a mudança é que, quando a meta foi fixada, no ano passado, havia uma perspectiva de um volume menor de empréstimos.
A expectativa até então era que o chamado Plano Mansueto de socorro financeiro aos Estados e municípios tivesse sido aprovado, permitindo um volume maior de empréstimos no ano passado. O que se esperava era que a demanda deste ano ficasse menor. Como o projeto não foi aprovado, a demanda continua represada e o diagnóstico é que não dá para ter uma queda abrupta já que os planos foram traçados.
Em ano de eleições, a equipe econômica quer evitar que o limite seja expandido para um valor acima do que vem sendo praticado nos últimos anos, justamente no período eleitoral.
Todos os anos o governo estipula um limite para Estados e municípios contraírem empréstimos no setor financeiro. Esse limite é dado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Como esse é um ano eleitoral, governadores e prefeitos só têm até três meses da eleição (início de julho) para contrair os empréstimos e fazer os investimentos. Para 2020, o valor não foi fixado ainda. E é isso que está em jogo.
O governo está fechando os cálculos para calibrar a nova meta e enviar projeto de lei alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que contém as metas fiscais. A negociação em torno do espaço fiscal para os empréstimos dos governos regionais está atrelada ao andamento do acordo do governo com o Congresso para devolver ao Executivo o controle sobre R$ 11 bilhões em despesas discricionárias (que incluem investimentos e custeio da máquina) antes carimbadas pelos parlamentares. Não se sabe como os parlamentares vão reagir. Muitos não querem que adversários políticos sejam beneficiados com o dinheiro.
O projeto de lei terá um dispositivo que vai permitir a mudança nas regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para que Minas e Rio Grande do Sul possam entrar com um prazo maior de 10 anos. Hoje, o regime tem prazo de três anos, prorrogáveis por mais três. O Rio de Janeiro, o primeiro a aderir ao RRF, também será beneficiado com o alongamento. Essa alteração tem de ser feita porque a LDO exige que o governo compense receitas, mesmo financeiras, que deixarão de entrar no caixa do governo com o alongamento do prazo de pagamento da dívida.
A ideia do relator do projeto, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), é criar um mecanismo para agilizar a captação dos empréstimos por Estados em melhores condições financeiras, uma espécie de fast track com menos burocracia.
Como mostrou o Estado, há uma pressão dos governadores para aumentar o limite dos empréstimos em 2020 neste ano de eleições. Todo cuidado é pouco com esse limite e com a proposta de mudança da meta para que as finanças dos Estados não piorem. No passado, a liberação desenfreada dos empréstimos com aval da União promoveu gastos com aumentos salariais e outras benesses dos governadores. Foi isso que contribuiu para o desarranjo financeiro que o setor público brasileiro vive hoje. Atenção máxima agora é mais do que necessária.
* É jornalista
Míriam Leitão: O ritmo lento da recuperação
Ano começa sem sinais mais fortes de retomada na economia. Efeito do FGTS está diminuindo e os investimentos seguem incertos
O Banco Central alertou que a economia tem uma “dicotomia” no ritmo da retomada, o emprego está um pouco melhor, mas a indústria e o investimento estão muito baixos. Acha também que está difícil medir o real nível de ociosidade do país. A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, disse que de fato a recuperação está muito heterogênea, e o empresário Manoel Flores, da área de material de construção, diz que a inadimplência está menor, mas o crescimento do emprego está fraco. Momentos de transição, em meio a outras crises, são mesmo difíceis até de avaliar o que está acontecendo.
As quedas da indústria e do comércio em dezembro jogaram uma ducha de água fria nas projeções mais otimistas da retomada. O efeito do FGTS sobre o consumo começou a perder força, e a indústria não consegue crescer via comércio exterior. Incertezas novas apareceram no mundo, como o coronavírus. A Argentina se afunda na crise, sem conseguir lidar com a dívida externa e interna. Aqui dentro, setores e regiões do país têm disparidade de ritmos de recuperação. O governo mandou três PECs para o Congresso, mas não tem propostas conhecidas de reforma tributária e administrativa. Num quadro assim, há paralisia de investimentos.
O diretor superintendente do grupo Astra, Manoel Flores, empresa que fabrica revestimentos e materiais de construção, tem a boa notícia de que a inadimplência de seus clientes é a mais baixa desde o início da crise e que no ano passado o volume produzido e os empregos cresceram cerca de 3%. O problema é que o emprego está longe do que foi:
— A base de comparação é muito baixa. Para se ter uma ideia, cortamos 32% do nosso efetivo com a crise. No ano passado recontratamos 3%.
Mesmo assim, o empresário se diz otimista com o que está acontecendo no setor que tem puxado a retomada:
— A sensação geral é positiva, a construção civil como um todo, novos lançamentos, manutenção, reforma, tudo vai ter um desempenho melhor este ano. Mas em conversas com o nosso conselho, apontamos que está mais animado na mídia do que na realidade.
A economista Silvia Matos, pesquisadora sênior da área de economia aplicada do Ibre/FGV, diz que já esperava a continuação da recuperação lenta no início deste ano. Não se surpreendeu com os números fracos da indústria e do comércio. A FGV mantém a projeção de alta de 2,2% do PIB em 2020, mas tudo vai depender do coronavírus e da economia mundial.
— No final do ano passado houve um choque na inflação que afetou o consumo. A boa notícia é que já se dissipou. O que chama a atenção é que o crescimento é muito heterogêneo. Segmentos mais voltados ao consumo estão mais felizes, o investimento está pior. Se estivéssemos em ciclo forte e sustentado, todo mundo deveria estar crescendo junto — explicou.
Manoel Flores chama a atenção para a alta de apenas 0,1% na produção de cimento no mês de janeiro sobre o mesmo período do ano passado. Isso não é compatível com tudo o que se diz sobre a alta da construção. As chuvas em Minas Gerais, estado grande produtor, pode ter afetado o desempenho do setor. Ele explica que houve investimento em automação durante o período da crise e dificilmente empregará o mesmo número de funcionários, mesmo quando recuperar a produção.
O BC também disse na sua ata que há uma dificuldade de aferir o grau de ociosidade da produção, ou seja, que nível de produção está sem ser utilizada neste momento, um indicador importante da capacidade de crescer rápido e sem pressionar a inflação. Há economistas que acham que tão longa recessão pode ter tornado obsoleto parte do parque produtivo. Muitas máquinas devem estar defasadas. Silvia Matos também se preocupa com a baixa produtividade da mão de obra, que possivelmente se agravou depois de um desemprego tão longo.
— Educação é a chave para o crescimento. Temos um problema histórico e muitos jovens se formaram, mas ficaram fora do mercado de trabalho muito tempo. Eles estão perdendo habilidade. Não temos mais o bônus demográfico e essa juventude não está sendo treinada. Os problemas estruturais persistem — afirmou.
A agenda de reformas parece confusa para alguns empresários. A reforma tributária tem dois projetos tramitando, o governo até agora não enviou a sua proposta, mas garantiu que ela sairá em duas semanas. No setor elétrico, a dúvida é se haverá ou não a privatização da Eletrobras. Por todas essas razões, a recuperação continua em passos lentos.
José Serra: Mais uma sopa de pedras
Não precisamos de regras heterodoxas para controlar o crescimento do gasto obrigatório
No final do ano passado o governo federal apresentou ao Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 188, cujo propósito é estabelecer novas regras para controlar as despesas do orçamento federal. Mais uma! Será a 12.ª regra fiscal dos últimos anos, num país que não consegue pagar as despesas do dia a dia com os tributos arrecadados. E a nova proposta traz um detalhe perigoso: compromete a estrutura do teto de gastos, até agora uma presumida âncora da política fiscal.
O propósito da PEC 188 é nobre: integrar o pacote econômico endossado pelo Poder Executivo a fim de pôr em ordem as contas públicas. No entanto, dada a falta de consistência, a proposta pode acabar virando uma sopa de pedras. As possibilidades levantadas pela equipe econômica, contraditórias e desarmonizadas, se assemelham a pedrinhas lançadas no caldeirão do sistema de regras que deveriam nortear o nosso processo orçamentário. O gosto é insosso.
Para além de uma distribuição de recursos dos royalties do petróleo mais vantajosa para Estados e municípios, propõe-se uma nova regra de ajuste fiscal no artigo 109 da PEC 188: toda vez que um órgão da administração pública federal gastar mais do que 95% do seu orçamento com despesas tidas como obrigatórias, ficará sujeito a restrições fiscais como proibição de contratar funcionários públicos e de criar novas despesas obrigatórias.
Esse controle do crescimento do gasto obrigatório é estranho. O conceito de despesa obrigatória é um dos mais imprecisos do nosso arcabouço jurídico. Além disso, a matemática rústica que envolve a métrica incentiva o aumento dos gastos e a rigidez orçamentária. Quanto maior for o orçamento total do órgão, maior será o espaço fiscal para se criarem gastos obrigatórios.
Mas o principal problema da PEC é a alteração que propõe na estrutura do teto de gastos, aprovado em 2016 para impedir o crescimento das despesas acima da taxa anual de inflação. Sabe-se que desde 2014 o orçamento federal tem registrado resultados negativos. Ou seja, os tributos e taxas arrecadados pela União não estão sendo suficientes para bancar as despesas da máquina pública. Para combater esse déficit orçamentário o Congresso aprovou a Emenda Constitucional n.º 95, estabelecendo um limite de crescimento para os gastos públicos. Teria sido melhor aprovar naquele momento um limite para a dívida pública federal, por ser a regra fiscal mais efetiva e adotada nas democracias avançadas.
As boas práticas internacionais ensinam que a não observância de regras fiscais deve acarretar sanções. Estas podem ser monetárias, como proibição de se criar novas despesas, ou administrativas, como multas ou tipificação criminal dos responsáveis por atos que violam as regras. A Emenda 95, corretamente, foi aprovada estabelecendo sanções monetárias a serem aplicadas quando o teto é descumprido, sem partir para a criminalização da política fiscal.
A PEC 188 rompe com essa ideia. Se aprovada como pretende a equipe econômica, o presidente da República passa a cometer crime quando a despesa pública crescer a uma taxa superior à inflação. Esse tipo de sanção, vale dizer, também pode derrubar chefes dos Poderes Judiciário ou Legislativo que estejam gerindo despesas inercialmente crescentes por causa de administrações anteriores imprudentes do ponto de vista fiscal. Na prática, o risco de se criminalizar a política fiscal é o início do fim do teto de gastos.
Mal desenhadas, as regras fiscais não são cumpridas nos países que mais precisam delas. É curioso perceber que no Brasil a elevação do endividamento público acompanha um mosaico de leis para controle de gastos. Pesquisas do economista francês Charles Wyplosz mostram que o mesmo fenômeno se verifica em diversos países europeus – Espanha, França, Grécia e Itália –, onde a dívida pública cresce persistentemente ainda que esteja em vigor, na zona do euro, um amplo leque de regras fiscais.
Nota-se também que no Brasil a elevada fragmentação partidária promove um processo orçamentário caótico. O grande número de atores com poder de influência acaba beneficiando grupos de interesse específicos, que no mais das vezes prevalecem em detrimento dos direitos dos demais contribuintes. Nesse contexto, não podemos criar regras constitucionais de curto alcance.
O Senado deve ter presente que vai assumir a grande responsabilidade de analisar as propostas apresentadas pelo governo para pôr em ordem as contas públicas. Se queremos ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), devemos apostar no que deu certo por lá: limitar o montante da dívida pública e institucionalizar processos de revisão periódica de gastos (spending reviews) – que está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados há mais de um ano e estranhamente não foi considerado prioritário pelo atual governo. Essas medidas tornariam o teto de gastos mais efetivo no longo prazo e garantiriam o ajuste fiscal sem comprometer investimentos sociais em saúde e educação. Não precisamos ingerir sopas de pedras na forma de novas regras heterodoxas para controlar o crescimento do gasto obrigatório ou para criminalizar a política fiscal.
* José Serra é Senador (PSDB-SP)
Luiz Carlos Azedo: Inflamável
“O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e governadores é a tabela de frete rodoviário, cuja constitucionalidade será julgada pelo STF. Há inquietação entre os caminhoneiros”
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), subiu o tom contra o presidente Jair Bolsonaro, ontem, na reunião dos governadores, por causa da queda de braço envolvendo a questão dos combustíveis. Bolsonaro havia desafiado os governadores a zerar a cobrança de ICMS sobre combustíveis, prometendo fazer o mesmo.
“Estamos trabalhando em uma postura de que, em primeiro lugar, se trata as coisas sérias de uma forma séria. Essa questão de impostos é uma questão tributária, é uma questão muito séria. Então, o presidente da República deveria ter reunido primeiramente sua equipe econômica antes de entrar em um debate tão criminoso como esse, que é o debate de quebrar todos os estados, inclusive a Federação, prejudicando aqueles que são mais pobres”, declarou Ibaneis.
Presente à reunião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou apagar o incêndio e disse que a redução dos impostos sobre combustíveis só pode ser um objetivo de médio e longo prazos. O ICMS sobre combustíveis é o único imposto cobrado no destino, e não na origem, como os demais, sendo uma das principais fontes de receita dos estados.
“Nós, governadores, estamos apanhando há 15 dias, de todo mundo, inclusive do senhor e do presidente”, disse Ibaneis ao ministro Guedes. Porta-voz do encontro, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, disse que “Guedes sabe que só pode reduzir a carga tributária a partir da aprovação do pacto federativo e da reforma tributária. Não é um assunto que pode ser resolvido imediatamente”.
O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e os governadores é a tabela de frete dos transportes rodoviários, cuja constitucionalidade será julgada no próximo dia 19 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há grande inquietação entre os empresários do setor de transportes e os caminhoneiros avulsos, que ameaçam fazer uma nova greve. O tabelamento do frete foi aprovado pelo Congresso após a greve dos caminhoneiros, no governo Michel Temer, em 2018. Na época, Bolsonaro apoiou o movimento, conquistando apoio maciço dos caminhoneiros.
Nos bastidores do Supremo, é dada como certa a inconstitucionalidade da tabela de frete, cujo julgamento fora adiado pelo ministro Luiz Fux, relator do caso, a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU). A tabela em vigor trouxe como novidade no cálculo de valor a obrigação do pagamento do frete de retorno para algumas cargas, como combustível.
O texto também incluiu a cobrança de diárias de estadia e de refeição do caminhoneiro e um novo tipo de carga, a pressurizada. Com isso, a regulamentação passou a abranger, ao todo, 12 categorias. Além do aumento no preço dos fretes, os caminhoneiros querem ampliar a pauta para redução do diesel, com a exigência, por exemplo, de uma alíquota única de ICMS sobre os combustíveis para todos os estados. O combustível representa 38% dos custos do transporte rodoviário.
Jogou a toalha
Não foi só em relação à cobrança do ICMS que o governo recuou. Após a posse do ex-deputado Rogério Marinho no Ministério do Desenvolvimento Regional, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), anunciou que o Palácio do Planalto desistiu de encaminhar ao Congresso o seu projeto de reforma administrativa.
A forte reação dos servidores públicos e dos políticos às declarações do ministro Paulo Guedes sobre os servidores, nas quais comparou-os a parasitas, inviabilizou qualquer possibilidade de o governo manter essa iniciativa. O que está se discutindo, agora, é aproveitar uma emenda constitucional em tramitação numa das Casas para fazer uma reforma de iniciativa do Congresso, com certeza bem mais branda do que a pretendida por Guedes.
Repete-se a situação da reforma tributária, que o governo também desistiu de encaminhar ao Congresso. Câmara e Senado vão compor uma comissão mista para examinar a proposta do deputado Baleia Rosssi (MDB), que se baseia no projeto do economista Bernardo Appy.
Em contrapartida, os líderes do Congresso e o Palácio do Planalto entraram em acordo sobre os vetos do presidente Bolsonaro às emendas do Orçamento da União de 2020, que previa a liberação de R$ 30, 6 bilhões em emendas selecionadas pelo relator e por comissões. O Legislativo devolverá ao governo o poder de definir o destino de R$ 10,5 bilhões. As emendas individuais (R$ 9,6 bilhões) e as de bancadas (R$ 5,4 bilhões) são de liberação obrigatória.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-inflamavel/