Economia
Míriam Leitão: A resposta contra a crise e o vírus
Governo não dará estímulo fiscal. Estagnação do PIB e risco externo serão enfrentados com reformas, que estão paradas no próprio governo
O presidente Jair Bolsonaro mudou vários pontos da reforma administrativa, mas tem adiado insistentemente o seu envio ao Congresso. Ela e a proposta de reforma tributária estão paradas no governo. O problema é que diante do baixo crescimento do ano passado e dos riscos de desaceleração forte da economia internacional, por causa do coronavírus, a agenda de reformas é a resposta que a equipe econômica gostaria de dar para manter um clima positivo na economia do país.
Na semana que vem, a projeção de crescimento oficial será revista de 2,4% para 2%. As previsões de várias instituições do mercado financeiro são de crescimento menor e há várias delas refazendo os cálculos para baixo. A explicação dada dentro do Ministério da Economia é que apesar de ter sido apenas 1,1% de alta do PIB, no último trimestre o país cresceu 1,7% em comparação ao mesmo trimestre do ano anterior. E que a composição do PIB mudou, há muito mais presença do PIB privado que do governo.
O governo não pensa em adotar qualquer estímulo fiscal, ao contrário de alguns países que estão anunciando expansão de gastos. A avaliação feita no governo é que a economia brasileira tem uma “dinâmica própria” e, portanto, será menos atingida. E que é possível estimular o crescimento através das reformas. A crise internacional decorrente do coronavírus já atingiu o país, na verdade. Estão em queda todas as projeções de alta do PIB e já houve um forte impacto no câmbio. Para se ter uma ideia, a cotação de R$ 4,65 de ontem representa uma alta de 16% desde 30 de dezembro, quando estava em R$ 4,00.
Se a resposta que será dada pelo país à crise é a aceleração das reformas, é preciso que elas andem. Para isso, precisam ser enviadas. A proposta de reforma administrativa já foi alterada, mas ainda permanece no gabinete do presidente. Um dos pontos principais seria a desindexação dos salários do funcionalismo. O presidente Bolsonaro vetou esse dispositivo sob o argumento de que a reforma da Previdência já havia feito várias alterações de regras para os servidores e que, por enquanto, não haveria qualquer mudança nesse sentido. Do ponto de vista econômico isso era fundamental, na visão dos formuladores. O argumento levado ao presidente foi que a inflação está caindo, portanto, esse seria o melhor momento para dar mais um passo no processo de desindexação. Não o convenceram. “Mais pra frente”, ele disse. Outro ponto que o presidente tirou da reforma foi a proibição de que servidores, de atividades típicas de Estado, tenham filiação partidária. A reforma também não atingirá os atuais funcionários. Portanto, o ganho fiscal num primeiro momento será pequeno, mas a tese é a de que se criará um funcionalismo público “britânico” no futuro. De qualquer maneira, até agora o presidente mantém esse projeto em sua mesa. A expectativa é a de que ele envie na próxima semana. “Estamos trabalhando para isso”, afirma um economista do governo.
A reforma tributária foi formulada em etapas, como já disse aqui. E a primeira fase a ser enviada é a de união do PIS-Cofins, que deve ir para o Congresso em uma ou duas semanas. O problema é como esse pedaço de reforma se encaixará na proposta que está tramitando. Na avaliação que se faz no governo, a emenda 45, que tramita na Câmara, inspirada em ideias do economista Bernard Appy, aumentaria muito a taxação sobre o comércio.
A avaliação de empresários e consultores é a de que os efeitos da reforma tributária devem demorar a chegar na atividade real. Antes, o que se espera é um período de paralisia e até de aumento de custos, porque dois modelos tributários estarão vigorando paralelamente: o atual e o novo, que precisa ser entendido e regulamentado.
São muitos os conflitos de interesse e eles podem ocorrer dentro de um mesmo setor. A Abinee, por exemplo, explica que o segmento elétrico é intensivo em mão de obra. Por isso, pode ser mais propenso a aceitar um imposto de transações financeiras, desde que a folha de pagamento seja desonerada. Já as empresas do ramo eletrônico pensam o contrário, pois são mais dependentes de investimentos e se preocupam mais com os custos de capital.
Para que dê certo o plano de responder à crise dando mais ritmo às reformas será preciso duas preliminares: que os projetos sejam enviados e que exista mais diálogo com o Congresso.
Eliane Cantanhêde: Que surpresa?
É normal crescer 1%? Não. Não é normal, mas não é surpresa e faz todo o sentido
O ministro Paulo Guedes manifestou “surpresa com a surpresa” diante do pibinho de 1,1% de 2019, que conseguiu a proeza de ser menor que o 1,3% de 2017 e 2018, apesar de pesos e condições políticas bem diferentes: o presidente Michel Temer assumiu após um impeachment, Jair Bolsonaro chegou com a força do voto.
Na verdade, porém, não houve “surpresa” com o pibinho, mas, sim, desânimo, decepção e preocupação com o futuro. Se no primeiro ano de um governo cheio de gás foi assim, como será o segundo? Em 2019, houve Brumadinho, os embates EUA-China, se quiserem dá para incluir a crise suína na China. Em 2020, há coronavírus, Bolsas derretendo, dólar disparando e previsão de desaquecimento global, que já antecedia tudo isso. E não é só. Há muito mais para atrapalhar.
Na barafunda, uma constatação incomoda: a agenda do governo parece ter se esgotado em 2019, com a reforma da Previdência e o programa de privatizações e concessões deixado praticamente de bandeja por Temer. Logo, não dá para pular de otimismo para este ano. Nem para os próximos.
Como o que está ruim sempre pode piorar, há um mesmo fator político em 2019 e 2020 segurando investimentos, confiança e a própria recuperação do Brasil: o presidente Jair Bolsonaro, que insiste em viver em guerra e ultrapassa limites mínimos de civilidade e de respeito ao cargo.
Como investir num país onde o presidente, para fugir de falar do PIB, traz em carro oficial um comediante para jogar bananas em repórteres? Eles estão ali para ouvi-lo (ao presidente, não ao comediante) e informar a população. E, não satisfeito com cenas grotescas, o presidente também age colocando em risco o aquecimento da economia, logo, a retomada dos tão desesperadamente necessários empregos.
Além da “surpresa com a surpresa”, Guedes declarou que a economia está “claramente acelerando” e acenou com crescimento de 2% neste ano... “se as reformas forem aprovadas”. É aí que mora o perigo, porque não adianta botar a culpa nos deputados e senadores, no coronavírus, em Marte ou na “herança maldita”, como fazia Lula em relação a Fernando Henrique. A responsabilidade maior pelas reformas é do Executivo e não dá para fugir disso. Ele tem de apresentar suas propostas e tem de negociá-las com o Congresso, como em toda democracia.
Há dois consensos, dentro e fora do governo. Um é que a reforma da Previdência foi um ótimo passo, mas só um primeiro passo. Outro é que o Congresso tem uma disposição muito positiva para aprovar as reformas seguintes, mas há uma questão de timing: o ano é eleitoral e, portanto, deputados e senadores têm interesses diretos nas campanhas, aliás, legitimamente.
Se Guedes condiciona crescimento a reformas e o Congresso está disposto a aprová-las, o que está atravancando o processo? A área econômica, o Planalto, ou o próprio presidente? A reforma tributária do governo, ninguém sabe, ninguém viu. A reforma administrativa foi fechada pela equipe de Guedes há meses e o Planalto diz que Bolsonaro já assinou, mas é um fantasma. Foi adiada uma, duas, três, sei lá quantas vezes, atravessou o carnaval, a Quarta-Feira de Cinzas, a semana seguinte e... ainda não se materializou!
Para piorar, as reformas só saem com acordo entre Executivo e Legislativo (ou “entendimento”, para não contrariar o presidente e os bolsonaristas), mas Bolsonaro, os filhos e seu entorno não param de atacar os “chantagistas” do Congresso e torcem pelos protestos que terão Rodrigo Maia na mira das pedradas.
Para o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, “não é normal um país como o Brasil crescer 1% ao ano”. De fato. Nada é surpresa, nada é normal, mas tudo faz sentido.
Vinicius Torres Freire: Carnaval no governo, cinzas na economia
Autoridades econômicas colaboram para aumentar o paniquito no mercado
Era um daqueles dias de pânico nos mercados financeiros, quando muita gente não sabe bem o que está fazendo nem para onde o vento sopra. O ministro da Economia deu mais uns tiros nesse desconcerto.
Para quê? O tempo está fechando. Já há paniquito entre os negociantes de dinheiro grosso, "o mercado", mas também questões reais na praça, além dos lobbies de costume.
Nesta quinta-feira (5), o pessoal da finança pediu ao Banco Central que atenue a corrida do dólar. Foi também dia de pregar que o BC não reduza a taxa básica de juros daqui a duas semanas.
O mercado já jogou a "sua" taxa básica de curto prazo no chão, mas argumenta que nova queda da Selic vai colaborar para alta adicional do dólar e alimentar riscos de inflação, com o que os juros de prazo mais longo já sobem. Na terça-feira (3), o Banco Central sugeriu que tal coisa não tende a acontecer.
Caso fosse duradoura e relevante, essa alta das taxas de juros de prazos mais longos encareceria o financiamento dos negócios, de fato. Mas a alta dos juros mais longos nem durou nada, nem foi relevante e nem alguém tem ideia segura do destino do dólar e de seus efeitos na inflação. Até mesmo o impacto da crise que veio da China no PIB brasileiro é incerto.
O tiroteio de frases de Paulo Guedes pode dar em nada, assim como a desordem desta quinta-feira na praça financeira --por vezes isso simplesmente passa. No entanto, como o governo de Jair Bolsonaro é dado ao disparate atroz contínuo, o ambiente anda estressado e a desconfiança aumenta.
Por exemplo, há cada vez mais fofoca sobre a permanência de Guedes no governo, o que não está em questão, mas é um exemplo dos efeitos nocivos do rumorejo constante, desde janeiro em nível de gritaria graças às crises de Bolsonaro.
No dia depois do pibinho, Guedes:
1) disse que, se "fizer muita besteira", "se o presidente pedir para sair, se todo o mundo pedir para sair", o dólar pode ir a R$ 5;
2) observou que as notícias da relação conturbada de Bolsonaro com o Congresso e o risco de atraso nas reformas contribuem para alta do dólar (não deu para entender se o ministro atribuiu a responsabilidade ao tumulto ou ao fato de o tumulto ser noticiado);
3) fez observações azedas sobre uma declaração de seu secretário do Tesouro ("se o Mansueto [Almeida] estava esperando que fosse crescer 3%, ele deve estar frustrado");
4) disse que sua previsão de crescimento da economia é diferente da estimativa da Secretaria de Política Econômica.
"Se todo o mundo pedir para sair"? Do que se trata?
Guedes disse ainda que, como o Brasil é uma economia fechada, a crise mundial não terá efeitos tão grandes ("quando ventou a favor [no mundo], não pegou, quando ventar contra, também não pega tanto"). Hum.
Não tem sido esse o caso do último quarto de século, por exemplo, quando a economia brasileira passou a sentir especialmente as variações da economia chinesa e seus impactos nos termos de troca (a relação entre os preços das exportações e das importações brasileiras). Uma queda relativa do preço dos bens que exportamos, dominados por commodities, tende a reduzir o crescimento brasileiro. Não é destino, mas é provável.
Em si mesmas, em um ambiente e país mais normais, uma afirmação dessas de Guedes não faz lá diferença. Soltar todas elas em apenas um dia, dia de paniquito, em país ainda mais conturbado pela sensação crescente de desgoverno, confirma essa impressão de que a coisa está desgovernada.
Coronavírus: Como epidemia pode afetar crescimento econômico da China e do Brasil?
Em artigo produzido para Política Democrática Online, economista José Luis Oreiro cita que economia do Brasil pode ter crescimento inferior a 1,5% em 2020
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A epidemia do coronavírus pode contribuir na projeção da redução do crescimento da China para 4% em 2020 e queda de 33% no ritmo de crescimento na comparação com 2019, segundo analistas. A avaliação é reforçada pelo professor associado do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília) e doutor em economia José Luis Oreiro. Em artigo que produziu para a 16ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), ele analisa como o aumento de casos de infecção pelo coronavírus também pode impactar, negativamente, a economia do Brasil. A íntegra do artigo e outros conteúdos podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.
» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online
“Nesse contexto, é possível que a economia brasileira apresente crescimento inferior a 1,5% em 2020, completando assim quatro anos de crescimento medíocre após o fim da grande recessão”, afirma o economista. A produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, segundo informações divulgados no mês passado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ele tem um site próprio e já publicou mais de 80 artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior.
De acordo com o economista, o recuo da produção industrial interrompe o movimento de tímida recuperação da produção industrial ocorrido em 2017 e 2018. “Os dados de recuo da produção industrial jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020”, afirma Oreiro. Ele acrescenta que não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu redução da tendência de crescimento da economia brasileira.
Dados divulgados pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), conforme ressalta o economista, mostram que a formação bruta de capital fixo recuou 2,7% no quarto trimestre, na comparação com o período imediatamente anterior. “Diante dos dados recentemente divulgados, os analistas do mercado financeiro já começaram a reduzir suas previsões de crescimento para 2020, as quais já se encontram bem abaixo de 2,5%, com algumas até mesmo abaixo de 2%”, afirma o professor da UnB.
A questão relevante, de acordo com o professor da UnB, é saber qual o motivo. “Na minha visão, a redução do potencial de crescimento de longo prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada, em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.
Oreiro foi professor do departamento de economia da Universidade Federal do Paraná de 2003 a 2008, onde exerceu o cargo de Diretor do Centro de Pesquisas Econômicas (CEPEC), de vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico (2004-2008) e de coordenador do Boletim Economia & Tecnologia (2005-2007), do qual foi o fundador.
Além de escrever para a revista Política Democrática Online, o economista já publicou artigos em outras veículos de grande relevância, como Journal of Post Keynesian Economics, Cambridge Journal of Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista de la Cepal, Economia (Anpec), Revista de Economia Política, Economia e Sociedade e Estudos Econômicos.
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Zeina Latif: Juros baixos não blindam a economia
O contágio financeiro sobre o setor produtivo, se relevante, precisa ser mitigado
O momento é de apreensão por conta das incertezas decorrentes da epidemia de coronavírus. Não há, no momento, como afirmar quando será o ápice da crise, para podermos dizer que o pior já passou.
Como agravante, o timing da epidemia não é nada favorável, pois o comércio mundial está encolhendo desde o ano passado, por conta, principalmente, das políticas protecionistas dos países. O foco da crise, a China, representa hoje mais de 20% do PIB mundial, e a expectativa de uma desaceleração econômica suave caducou. Estivesse a economia mundial em melhor forma, seria mais fácil dirimir as incertezas.
Adicionalmente, os países, com poucas exceções, não contam com muitos instrumentos para mitigar o impacto da crise. Além dos juros já muito baixos, poucos têm espaço para expansão fiscal, diante dos déficits e dívidas elevados. Exageros na expansão dos gastos públicos podem até piorar o quadro econômico, ao despertar a desconfiança de credores. Além disso, não é qualquer expansão fiscal que funcionaria. O momento pede políticas sanitárias e para ampliar o acesso da população aos serviços de saúde, e não o aumento indiscriminado de gastos.
No caso dos EUA, o Fed resolveu cortar a taxa básica de juros para 1,0-1,25% em reunião extraordinária de seu comitê de política monetária, alegando a necessidade de um ação preventiva por conta da epidemia. A preocupação é bastante compreensível, mas essa decisão em um quadro de incertezas e indefinição sobre o impacto da epidemia sugere uma sensibilidade exagerada do Fed à piora no mercado financeiro.
O contágio financeiro sobre o setor produtivo, se relevante, precisa ser mitigado. As empresas poderão enfrentar problemas financeiros, em caso de uma paralisia da economia, mas está cedo para este diagnóstico. E se ocorrer, a indicação seria mais por injeção de liquidez ou relaxamento regulatório para empréstimos. Juros baixos, mesmo próximos de zero, não seriam muito eficazes para ativar o crédito nessas circunstâncias.
Finalmente, o choque do coronavírus é, por ora, um choque mais de oferta (afeta o funcionamento das empresas por falta de insumos), do que de demanda (mais localizado em atividades relacionadas ao fluxo de pessoas entre países), ainda que o este último possa aumentar. E o corte de juros se refere a um estímulo à demanda, e não à oferta.
Entendo que seria o momento de aguardar por mais informações sobre o impacto da epidemia, antes de os bancos centrais cortarem as taxas de juros. E convém guardar munição caso se confirmem as perspectivas mais pessimistas, com contágio relevante na demanda.
No Brasil, vale a mesma reflexão. Ainda não se sabe se o efeito da crise será inflacionário ou desinflacionário: se a alta do dólar e a retração da oferta de alguns bens terão maior impacto nos preços do que a queda dos preços de commodities e o recuo do consumo (menos provável) e das exportações.
O Banco Central, a julgar pelo seu comunicado de terça-feira, já tem a resposta ao afirmar: “À luz dos eventos recentes, o impacto sobre a economia brasileira proveniente da desaceleração global tende a dominar uma eventual deterioração nos preços de ativos financeiros.” Foi um sinal claro para os mercados que haverá um corte da taxa Selic na próxima reunião do Copom.
Parece uma avaliação precipitada. E considerando que os juros reais estão em patamares bastante baixos, não haveria razão para tanta pressa.
Se o Banco Central estiver errado – e não saberemos isso tão rapidamente –, a consequência será uma necessária correção de rumos antes do esperado, gerando uma volatilidade indesejada nos juros.
De qualquer forma, não será a taxa de juros baixa que trará a volta do investimento produtivo – praticamente estagnado em 2019 – e protegerá o Pais do contágio. É querer demais da política monetária. O que fará diferença será o avanço das reformas. A letargia do governo e os ruídos constantes atrapalham bastante.
* Consultora e doutora em economia pela USP
William Waack: Haja Confusão
O cenário político está embaralhado, mas o pequeno PIB de 2019 não confunde
É óbvio que um presidente contracenando com humoristas faz parte do arsenal de promoção de imagem “humana” ou “popular” em qualquer lugar – Barack “Late Night Show” Obama que o diga. Mas quando Jair Bolsonaro divide a cena com um humorista fantasiado de presidente do Brasil diante do Alvorada (um edifício oficial) – como ocorreu ontem –, a quem encarrega de responder a perguntas de repórteres, e depois o próprio presidente divulga o vídeo em redes sociais, sugere uma confusão: afinal, quem é o comediante?
Pode-se até acreditar que confusão seja uma arma conscientemente empregada por Bolsonaro para desequilibrar adversários, mas não se pode fugir à constatação de que virou uma de suas características permanentes. Para focar no que é mais recente, é confusa a pauta da manifestação que ele apoia (ou não?) para o dia 15, além da palavra de ordem mais abrangente de prestigiar o presidente.
Ficou confusa também a demanda, do ministro da Economia, Paulo Guedes, para que participantes do ato “defendam reformas”. No caso da tributária, qual a ser defendida? Existe uma do governo? Qual das várias que tramitam no Legislativo? Qual se deveria pedir em primeiro lugar? A PEC emergencial, talvez?
A favor de Bolsonaro deve-se assinalar que não é o único, de propósito ou não, a criar confusões. Na raiz da queda de braço entre Legislativo e Executivo para disputar migalhas do Orçamento (afinal, mais de 90% já estão comprometidos em despesas obrigatórias), está uma confusão política de autoria dos próprios parlamentares.
O fundo da questão não era o Orçamento impositivo, mas a esdrúxula criação do dispositivo que permitiria a um relator dispor de R$ 30 bilhões do Orçamento. Os parlamentares criaram uma perigosa confusão entre “legisladores” e “executores” do Orçamento. Que o governo, confuso, demorou para perceber.
Nos desdobramentos da original criou-se mais uma confusão espetacular. Os que apoiaram a manutenção de vetos presidenciais (que o Planalto havia negociado, depois repudiado, depois renegociado) à “emenda do relator” eram em boa parte senadores conhecidos pela oposição ao governo, mas cientes de uma confusão de interesses dentro do próprio Congresso. Querendo arranjar um jeito de continuar onde estão além do fim do ano, os dois presidentes das casas legislativas tinham topado uma manobra (a tal “emenda do relator”) de políticos aglomerados numa massa em geral amorfa (o tal “Centrão”), ao preço de deslegitimar a própria instituição.
Desembarcar de acordos “meia boca” discutidos em conversas de bastidores não ficou fácil pra ninguém dos dois lados da praça. Mesmo a projetada tramitação “normal” e seguindo ritos daquilo destinado a eliminar confusões – os projetos do governo regulamentando a execução de emendas, parte dos “acordos” – não diminuiu as ansiedades. Raposas felpudas no Congresso alertam para o fato de que na Comissão Mista Orçamentária, que vai examinar os tais projetos, jabuti sobe em árvore. Em outras palavras, não consideram letra morta a esdrúxula “emenda do relator”, pois é o “Centrão” seu motor e a grande força no Congresso.
De novo a favor de Bolsonaro deve-se reconhecer que ele tinha de proteger seu ministro da Economia ao retirar dele poderes para movimentar o Orçamento – que mais fazer, diante da confusão sobre aplicação e alcance do Orçamento impositivo? Note-se, porém, que, ao se evitar uma confusão dessas, torna-se ainda mais evidente uma outra de imensa abrangência na economia: a da insegurança jurídica. Fora a ironia do fato de Guedes ter ingressado no nutrido clube de gestores públicos que preferem nada decidir, pois temem ver seu CPF envolvido numa averiguação de órgãos de controle.
Nesse cenário, talvez só o PIB de 1,1% em 2019 não confunda. É muito pouco.
Míriam Leitão: Uma superterça na economia
O problema da epidemia do covid-19 na economia é saber quais os instrumentos apropriados para lidar com uma crise como esta
Na economia também foi uma superterça. O movimento de ontem no mercado americano mostrou o tamanho da crise provocada pelo novo coronavírus. O Fed fez uma reunião de emergência e cortou os juros. As bolsas subiram e depois despencaram. A ação foi entendida não como um estímulo, mas como alerta. Mais cedo, a Austrália também havia cortado os juros. E a Malásia. Houve casos na Argentina e no Chile. O FMI avisou que talvez não faça o encontro de abril. O Banco Central brasileiro soltou nota indicando futuros cortes. O Banco Mundial anunciou linha para auxiliar os países a enfrentaram os efeitos da crise, e o G7 fez uma reunião para discutir o que pode ser feito. Os BCs europeu e inglês defenderam medida para equilibrar a economia. No Japão, informou-se que os Jogos Olímpicos podem ser adiados.
O grande problema da epidemia do covid-19 é quais são os instrumentos econômicos apropriados para lidar com uma crise como esta. A produção está caindo não por uma desaceleração clássica, mas porque há falta de peças e componentes. O consumo está encolhendo porque as pessoas suspendem reuniões e evitam lugares públicos. Os instrumentos convencionais não funcionam.
A revista “Economist” usou um título recente que define o momento: “Globalização em quarentena.” A reportagem tratava de um assunto específico, mas o título reflete de forma ampla o momento de separação entre países, controle de fronteiras, redução da circulação de mercadorias. O fechamento de fábricas na China afetou países em série e isso terá impacto sobre a economia mundial.
Estão sendo revistas no mundo inteiro as previsões de crescimento. Do Brasil, só ontem, a consultoria Capital Economics cortou a projeção de crescimento em 2020 de 1,5% para 1,3% e o Goldman Sachs cortou de 2,2% para 1,5%. Outras instituições estão esperando o resultado do PIB de 2019, que sai hoje, para voltar a fazer contas.
A OCDE cortou a projeção do PIB mundial em meio ponto, para 2,4%, no melhor cenário, de impactos mais localizados na China. No pior, a desaceleração chegará a 1,5%, com a epidemia espalhando pela Ásia, Pacífico e hemisfério Norte. As estimativas da China sofreram o maior corte, de 5,7% para 4,9%. Para o Brasil, foram mantidas em 1,7% este ano e 1,8% no ano que vem.
A entidade explicou que o vírus atingiu a economia em várias frentes. As medidas de contenção levaram a quarentenas, restrições de viagens e fechamentos de espaços públicos. Pelo lado da oferta, fábricas ficaram fechadas, serviços deixaram de ser fornecidos com impactos nas cadeias de suprimento. Pelo lado da demanda, houve queda da confiança, redução do turismo e de serviços de educação e entretenimento.
A economia chinesa hoje representa mais de 15% do PIB mundial, mais de 10% do comércio e 9% do fluxo de turistas. Por isso, a desaceleração do país preocupa e terá efeitos em cascata. Os países exportadores de commodities serão afetados. Para se ter uma ideia, a China importa quase 60% de todo o alumínio vendido mundialmente, mais de 50% do cobre e quase a metade do níquel.
Se na China há falta de informação sobre o tamanho real da paralisação no país, aqui no Brasil entidades setoriais têm feito sondagens para medir os impactos econômicos do coronavírus. O presidente da Abinee, que representa o setor de eletroeletrônicos, Humberto Barbato, explica que o problema é que algumas informações são consideradas estratégicas pelas companhias.
— Ninguém quer mostrar o seu nível de estoque. É uma informação guardada a sete chaves porque pode demostrar vulnerabilidade. Nossa melhor expectativa é que a China consiga superar a crise neste mês de março e volte a produzir plenamente em abril— explicou.
Os segmentos de telefonia celular e computadores têm sido os mais afetados dentro do setor de eletroeletrônicos no Brasil, pela falta de peças e componentes. E não há outros fornecedores disponíveis no mundo para se importar. Até porque é preciso um período de testes que minimizem o risco das fábricas brasileiras.
O maior problema sempre será a proteção da vida humana e a luta para vencer um vírus que ainda não está sob o controle dos médicos e dos cientistas. Ainda se aprende a cada dia sobre sua capacidade de dispersão e letalidade. Enquanto isso, a economia mundial oscila entre o pânico e a incerteza.
Cristiano Romero: Conselhos, onde estão as mulheres?
Entidade criada por um grupo de mulheres busca corrigir a ‘discriminação’ de gênero no conselho de empresas no país
Num país onde a escravidão perdurou por quase 400 anos, a discriminação do outro é regra e não exceção. É o que mais nos distancia da possibilidade de sermos uma nação. Tanto tempo vivendo sob um regime escravagista nos condenou a jamais enxergar o outro como um de nós. Na Ilha de Vera Cruz, mas não só aqui, floresceram todas as formas de discriminação: étnica, social, de gênero, origem, opção sexual...
A escravidão, previu o abolicionista Joaquim Nabuco, “permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. A história ensina que decorria do domínio de um povo sobre outro. Na colonização das Américas, de um cálculo econômico: a acumulação de capital, uma vez que escravos eram mercadoria, não recebiam salário e isso dava às colônias do Novo Mundo, dominado pelos europeus, vantagem competitiva em relação à Asia.
O Brasil foi o derradeiro país do continente americano a abolir a escravidão, em maio de 1888. O contexto em que isso se deu evidencia a dificuldade que sempre teremos para superar o vergonhoso legado. Contrários ao fim da escravidão, barões do café ajudaram a derrubar a monarquia pouco mais de um ano após a abolição da escravatura. O regime monárquico esticou a desonra escravagista, mas a nossa República não nasceu para modernizar o país. Fruto de um golpe militar, esteve a serviço dos produtores rurais de São Paulo e Minas Gerais por mais de 30 anos, condenando os habitantes de 48% do continente sul-americano a um atraso extraordinário.
Barões do café, senhores de engenho e correlatos não só odiavam os negros; eles os desprezavam. Por isso, em represália ao fim da mão de obra escrava, forçaram o primeiro governo republicano a abrir a imigração para japoneses e europeus, especialmente das nações que viviam momentos de dificuldade. Muitos imigrantes foram tratados como escravos porque, para os capitalistas nacionais, eles eram custo.
E os escravos? Rejeitados, foram jogados à própria sorte em Estados como Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Não tinham acesso à educação, saúde, nada. Seus descendentes nasciam condenados pela cor da pele. Para sobreviver, voltaram à escravidão, disfarçada de emprego, principalmente, o doméstico.
A ignomínia nos acompanhou por tanto tempo que transbordou para outros aspectos da vida nacional. Discriminar tornou-se a principal forma de organização social. E é. As relações pessoais e profissionais, as distinções entre regiões, Estados, capitais, cidades e bairros, entre sotaques, para ficar nestes exemplos, são mediadas sempre por uma hierarquia. Esta é estabelecida por critérios como cor da pele, naturalidade, gênero, renda...
Neste imenso território, as mulheres só começaram a votar na década de 1930. Observe-se portanto o caráter da República instaurada no início do século passado. A boa nova por aqui é que, depois de superar por duas ditaduras no espaço de apenas três décadas, e de viver acelerado processo de industrialização e crescimento econômico entre as décadas de 1950 e 1980, a sociedade civil começou a andar mais rapidamente que o Estado e suas instituições anacrônicas. Esse caminhar resultou na adoção, pela Constituição de 1988, de aspectos civilizadores, como a penalização de toda e qualquer forma de discriminação.
Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República com uma agenda recheada de ideias que contrariam avanços da sociedade no que diz respeito a direitos consagrados não só pela Constituição de 1988, mas também por jurisprudências firmadas por decisões do Supremo Tribunal Federal. Num país marcado pela distinção das minorias, soa muito fora de lugar qualquer iniciativa para reduzir direitos de cidadãos livres.
Até o momento, apesar do alarido, Bolsonaro não logrou sucesso na agenda de sua base social, de seus eleitores naturais. Mas a ameaça de retrocesso tem feito florescer uma série de iniciativas de fortalecimento da diversidade. O curioso é que, embora motivadas pelo temor ao bolsonarismo, as ações combatem a falta de diversidade perpetrada por vários setores da sociedade.
É nesse contexto que um grupo de mulheres criou, no ano passado, a WOB (podia ser no idioma pátrio, mas é a sigla de “Women on Board”, isto é, “Mulheres no Conselho”). Chris Aché, Carol Conway, Carolina Niemeyer e Patrícia Marins constataram que há pouquíssimas mulheres nos Conselhos de Administração das empresas de capital aberto e nos Conselhos Consultivos das companhias familiares, de capital fechado.
Com a ajuda de um software desenvolvido pelo Fundo Teva, a WOB mapeou, a partir dos formulários de referência, os conselhos de todas as empresas de capital aberto. Os critérios são rigorosos. Foram consideradas somente as empresas listadas e negociadas na bolsa. Ficaram de fora as companhias em recuperação judicial ou extra judicial; além daquelas negociadas em mercado de balcão. Não entraram, também, as firmas sem negociação no mês de referência da pesquisa (31 de dezembro de 2019). Empresas que não tenham enviado formulários de composição do conselho nos últimos 12 meses também foram excluídas.
As conclusões são chocantes e mostram a falta de diversidade de gênero no Brasil num segmento da vida nacional (os conselhos de empresas de capital aberto) do qual se espera mais e não menos civilidade: das 272 empresas de capital aberto, mulheres têm assento no CA de apenas 137. Apenas 46 possuem duas ou mais mulheres nos conselhos.
Com o apoio da ONU-Mulher, o WOB criou um selo de certificação para as companhias que tiverem duas ou mais conselheiras, critério que, comprovadamente, mostra força nos conselhos Quando o WOB publicou a lista das que se enquadram nesse critério, as concorrentes correram à sua porta para se comprometer a fazer o mesmo. É um bom começo.
Fernando Exman: A nova realidade do Orçamento e o lobby
Adesão à OCDE pode demandar regulação da atividade
O desfecho do impasse entre o Congresso e o governo em relação à manutenção do veto presidencial que trata da extensão do Orçamento Impositivo às emendas de relator não muda a realidade: o Legislativo passou a ter um poder enorme na definição do destino dos recursos públicos. Autoridades do Palácio do Planalto podem até ter demorado a notar que o Executivo estava deixando de ser o centro de gravidade da gestão orçamentária, dando cada vez mais espaço para o Parlamento ocupar essa posição. Os lobistas, contudo, há meses se adaptaram e transformaram o Congresso em habitat prioritário. É nesse contexto que cresce a importância da aprovação de um marco regulatório do lobby.
O Brasil chega tarde. Apesar de ter apoio de deputados e senadores de diversos partidos - tanto à esquerda, como ao centro e à direita -, as discussões sobre o tema ocorrem muito lentamente no Congresso. Não é de se surpreender que ele tenha se tornado um tabu, depois de o Brasil enfrentar sucessivos escândalos de corrupção. Nos autos da Operação Lava-Jato, por exemplo, não faltam histórias escabrosas sobre o relacionamento indevido entre empresas e homens públicos. Mas elas não deveriam servir de justificativa para travar ainda mais a tramitação dessa agenda no Congresso.
Não é a ausência de regulação que faz com que a prática do lobby deixe de acontecer. Pelo contrário: ele acabará ocorrendo de qualquer forma, com ou sem regras.
Nos últimos meses, o assunto novamente entrou em evidência e a expectativa é que um projeto de lei já em estágio avançado de tramitação ganhe novo impulso. Apresentado em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a relatoria foi da ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) e pode passar por algumas mudanças de redação feitas pelas mãos do líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
O deputado também é relator da reforma tributária e deve ser recebido na semana que vem pela Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).
Assunto para a prosa não faltará. Diante da morosidade do Congresso em regulamentar a atuação dos profissionais do segmento, a Abrig decidiu discutir alternativas. Uma delas é uma proposta de autorregulação que está sendo preparada em conjunto com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O texto não está pronto e tampouco terá a força de uma lei. No entanto, pelo menos poderá ajudar a diferenciar quem quer trabalhar com o lobby de modo transparente dos que preferem atuar nas sombras.
Em 2018, o extinto Ministério do Trabalho reconheceu o lobby como uma ocupação. Mesmo assim, nada de se ter definição de regras sobre a identificação dos profissionais, como eles devem se movimentar pelos corredores e gabinetes de autoridades ou até mesmo apresentar suas propostas legislativas. Os registros das agendas de autoridades de todos os Poderes também deveriam conter os nomes dos participantes, o tempo de duração de audiências e os tópicos discutidos.
Seria positivo, por exemplo, saber quem circula em Brasília representando esta ou aquela empresa, associação setorial ou entidade de classe. Isso sem falar na autoria de emendas ou minutas de projetos de lei. Se no Congresso Nacional existe dificuldade para o credenciamento desses profissionais, deve-se refletir o quão obscuro pode ser esse procedimento em assembleias legislativas e câmaras de vereadores.
Mesmo assim, a cúpula da Abrig acredita na construção de um ambiente favorável à aprovação do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. Além de um novo impulso das principais lideranças políticas, a iniciativa pode receber um incentivo externo. Isso porque a regulamentação do lobby é alvo de tentativa de padronização na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Sonho de consumo do governo Jair Bolsonaro, a entrada do Brasil na organização pode acabar passando pela discussão dessa agenda. Em seus documentos e relatórios, a OCDE explicita o objetivo de garantir que a atividade de lobby seja exercida com transparência e retidão.
Uma das preocupações da organização é que os países assegurem acesso igualitário para a atuação dos diversos atores interessados na construção de propostas legislativas ou políticas públicas. Outro aspecto levantado é a necessidade de se oferecer um grau adequado de transparência, para que autoridades, cidadãos e empresas possam obter informações suficientes sobre as atividades de lobby em andamento. A implementação de tais regras precisam contar com a adesão dos lobistas, os quais devem cumprir padrões de profissionalismo e transparência. Para a OCDE, os países devem revisar periodicamente o arranjo legal que regula o setor.
Essa última recomendação demonstra como o Brasil está numa etapa anterior desse processo. Esse cenário, contudo, pode mudar.
O projeto de lei que regulamenta o lobby está pronto para ser votado. É um dos temas que pode ser incluído em pauta a qualquer momento pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Na mensagem que enviou ao Congresso em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro também elenca a regulamentação do lobby como uma das prioridades do Executivo. “Algumas proposições legislativas poderão conduzir para o estabelecimento de um cenário mais positivo na atuação da Controladoria-Geral da União (CGU), considerando a evolução nas discussões relativas às normas gerais de licitação e o disciplinamento da atividade de ‘lobby’, por exemplo”, destaca o texto presidencial.
Esse é um aprimoramento essencial para dar mais robustez à democracia brasileira. Por outro lado, há que se evitar a construção de um arcabouço que acabe afastando desse processo grupos menos influentes e poderosos.
Luiz Carlos Azedo: O vírus de cada dia
“Por enquanto, o maior problema em relação ao coronavírus no Brasil continua sendo seu impacto no comércio com a China, como acontece com a maioria dos países”
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou, ontem, um estudo sobre o comércio internacional de mercadorias nos países do G20, cujo fluxo continuou recuando no quarto trimestre de 2019, “com as exportações e importações caindo para os níveis mais baixos em dois anos”. O comunicado cita o coronavírus como um problema para as trocas entre os países, com chances reais de contaminar os resultados do primeiro trimestre de 2020.
O papa Francisco levou um susto — era uma indisposição —, com suspeita de uma gripe, num país que está à beira do pânico por causa da epidemia de coronavírus. Depois do Irã, a Itália abriga o maior número de casos fora da China. Na América Latina, o Brasil é o primeiro país a ter um caso confirmado de coronavírus, um homem que havia chegado da Itália. A Organização Mundial de Saúde ainda não declarou uma pandemia, mas admite que o risco aumentou e elevou o estado de alerta.
São 132 casos suspeitos no Brasil, em São Paulo (55), Rio Grande do Sul (24), Rio de Janeiro (9), Santa Catarina (8), Paraná (5), Distrito Federal (5), Minas Gerais (5), Ceará (5), Rio Grande do Norte (4), Pernambuco (3), Goiás (3), Mato Grosso do Sul (2), e Paraíba, Alagoas, Bahia e Espírito Santo, com um caso suspeito cada. O Ministério da Saúde trabalha na prevenção, mas já admite que os casos podem chegar a 300 e estuda medidas para enfrentar uma epidemia. Uma delas é antecipar a vacinação contra a gripe, para facilitar o diagnóstico de coronavírus. O carnaval foi um período propício à transmissão de doenças infectocontagiosas, por causa das multidões em circulação e contato físico direto.
Nas redes sociais, circulam informações de toda ordem, desde o áudio do carioca que se acha um super-homem por sobreviver a todas as mazelas da cidade até decálogos de prevenção que receitam de chá de erva-doce a vitaminas, além de lavar as mãos e higienizá-las com álcool gel. O mais sensato é só compartilhar informações oficiais das autoridades de saúde. Nos centros de pesquisa, como Fiocruz e Instituto Butantã, cientistas participam da corrida mundial para desenvolver uma vacina ou encontrar um medicamento eficaz contra a doença. O Brasil tem uma larga experiência de combate a epidemias, mas também coleciona fracassos, como a volta da febre amarela e a resiliência da dengue.
Uma empresa de biotecnologia com sede nos Estados Unidos anunciou que uma vacina produzida em tempo recorde entrou em fase de testes, outra prometeu novidades em razão de seus ensaios clínicos. Na China, universidades e centros de pesquisa especializados, coordenados pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, trabalham para produzir remédios e vacinas. Austrália, Suíça, Itália, França, Japão, Coreia do Sul e Reino Unido também correm em busca de um medicamento adequado. Hoje, esse pode ser o melhor negócio do mundo.
Golpismo
Por enquanto, o maior problema em relação ao coronavírus no Brasil continua sendo seu impacto no comércio com a China, como acontece com a maioria dos países. Para o governo brasileiro, porém, isso funciona também como aquela tempestade que desaba quando uma manifestação esvaziada ou show sem apelo popular vai começar: uma boa desculpa para o fracasso dos organizadores. A economia brasileira patina por outros motivos. Os principais são o nosso deficit fiscal, a interrupção das reformas e o diversionismo político de Bolsonaro.
Passado o carnaval, o assunto em pauta na política é a negociação entre o Palácio do Planalto e o Congresso sobre as emendas impositivas ao Orçamento da União. Havia um acordo para derrubada dos vetos do presidente Bolsonaro a emendas da ordem de R$ 30 bilhões, em troca da devolução de R$$ 11 bilhões. O Palácio do Planalto, por meio de seus negociadores, comeu mosca na negociação; depois, resolveu melar o acordo.
Bolsonaro aproveitou a situação para pressionar o Congresso, mobilizando seus partidários pelas redes sociais. Ocorre que a manifestação convocada por seus aliados de extrema direita para o dia 15 de março tem um caráter golpista, pois prega o fechamento do Congresso e do Supremo, além da implantação de um regime ditatorial. Ou seja, oportunista, o vírus do golpismo se aproveitou da situação. Quando Bolsonaro passa os feriados com os filhos Eduardo, deputado federal, e Carlos, vereador no Rio, sempre cria uma nova tensão política nas redes sociais.
Na próxima semana, os políticos e ministros do Supremo voltarão a Brasília. Ontem, o clima já era de recuo organizado no Palácio do Planalto, mas o cristal foi trincado. Generalizou-se a percepção — contra ou a favor — de que Bolsonaro prepara um golpe de Estado e estica a corda para criar uma crise com o Congresso. Sua narrativa e a dos aliados reforçam essa percepção. Ela somente será desfeita com gestos efetivos e não, com declarações evasivas, como até agora.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-virus-de-cada-dia/
Zeina Latif: O carnaval acabou
Passada a aprovação da Previdência, pouco se avançou na agenda econômica
O carnaval terminou antes do esperado para Paulo Guedes. Bolsonaro cobra do ministro o prometido crescimento econômico, não sem alguma razão. As promessas foram muitas e faltaram alertas sobre a fragilidade do País, o que vem desgastando o ministro.
Na campanha eleitoral, o candidato a formulador da política econômica exibia desenvoltura no “palanque”. Guedes exagerou nas promessas, rejeitando a ponderação usual de ministros da área econômica e descuidando do rigor técnico necessário para a boa prática da profissão de economista. Um exemplo foram as estimativas de receita com privatizações e venda de imóveis da União, totalizando cada uma R$ 1 trilhão. Pelo seu discurso, vender imóveis, privatizar, abrir a economia e eliminar os rombos fiscais eram tarefas fáceis; não foram feitas antes devido apenas à inépcia ou a visões equivocadas dos governos anteriores. Minimizou as dificuldades técnicas e políticas para avançar em temas espinhosos que demandam a construção de consensos e capacidade de enfrentamento de grupos organizados.
Não foi muito diferente no governo de transição, quando se esperava a “descida do palanque”. Pouco se avançou no detalhamento do programa da pasta. Vale citar que não se partia do zero, tendo em vista o importante legado do governo Temer. Alguns temas anunciados geraram ruídos, mas nada avançaram, como as medidas na área tributária e no Sistema S.
A grande notícia de 2019, a reforma da Previdência melhor que a esperada, contribuindo para os cortes da taxa de juros pelo Banco Central, foi inicialmente apresentada como propulsora de crescimento econômico robusto, algo entre 3% e 3,5% em 2019.
Subestimou-se a gravidade da crise fiscal e a fragilidade estrutural da economia. Foram criadas falsas expectativas.
Passada a aprovação da reformada Previdência na Câmara, pouco se avançou na agenda econômica, diferentemente do prometido. Foi um semestre praticamente perdido.
Bolsonaro não foi devidamente alertado sobre os desafios da gestão fiscal, mesmo no curto prazo, e a necessidade de mais medidas fiscais estruturantes. Em agosto último, diante das reclamações dos ministérios, o presidente compreendeu que o dinheiro acabou e não havia “comida para dar para o recruta”. Os alertas deveriam ter partido do ministro da Economia, e não de terceiros.
Apesar das promessas exageradas ou até impossíveis, é injusto colocar toda a responsabilidade pelo crescimento em Guedes. Não só porque seu trabalho tem méritos, como o de evitar mudanças na regra do teto de gastos, mas principalmente porque o chefe da pasta da Economia pode muito menos do que se imagina. As mais importantes medidas econômicas dependem de interlocução com o Congresso e de coordenação interna do governo, além do diálogo com o Judiciário.
Como avançar com as privatizações, por exemplo, se o presidente limita sobremaneira seu escopo, alguns ministros se posicionam contra e a relação com o Congresso está precocemente desgastada, dificultando até a privatização mais urgente, a da Eletrobras?
Temas ligados a educação, meio ambiente e arcabouço jurídico, que assustam os investidores e freiam o crescimento, não dependem do ministro. Falta agenda de governo e liderança do presidente.
Além disso, os ruídos causados por Bolsonaro e seu entorno cobram um preço elevado: limitam a melhora da confiança de empresários e investidores, prejudicam o avanço das reformas para a volta do crescimento e desviam as instituições do seu papel. A cada energia gasta para discutir as trapalhadas do governo e o acinte contra instituições, menos resta à discussão séria e urgente de políticas públicas.
Bolsonaro já entendeu que há algo errado na economia. Não compreende, porém, a importância de reformas estruturais e de sua liderança no processo de aprovação. Improvável o presidente mudar seu estilo. Caberá, pois, a Guedes, sem ilusionismos e com perseverança, reconquistar a confiança na equipe econômica e manter a agenda econômica nos trilhos.
* Consultora e doutora em economia pela USP
Vinicius Torres Freire: Mundo discute como evitar recessão, Brasil trata de baderna autoritária
Brasil promove gritaria autoritária e mal toma cuidados para evitar recaída ou prevenir contágio
É difícil chamar a atenção do respeitável público para a economia internacional quando o governo incita manifestações de rua contra o Congresso, para dizer o menos. No entanto, senhoras e senhores, a coisa está feia até onde a vista alcança, que não é muito longe, embora o desânimo já seja visível aqui dentro.
Pode ser pior. Esse tombaço da Bolsa é espuma se considerado o problema real no horizonte próximo: redução ainda maior de exportações industriais, baixa de preços de produtos que fazem o grosso da exportação brasileira, medo puro e simples do rolo que pode dar lá fora.
Quem olhar para os números do mercado financeiro americano vai perceber facilmente que, no mínimo, os donos do dinheiro de lá e do mundo esperam que o banco central dos EUA reduza as taxas de juros —no mercado, as taxas já mergulharam para mínimas históricas.
Essa baixa também é também mero sinal de medo genérico, da finança fugindo para seu refúgio habitual. Mas há expectativa razoável de desaceleração no ainda centro econômico do mundo.
Noutras partes importantes do planeta, a coisa vai de fraca a pior. No final do ano passado, a economia europeia cresceu no menor ritmo desde 2013, quando estava em recessão. Então veio a ameaça ou o medo do novo coronavírus.
O alarme é tão alto que o governo habitualmente muquirana e fundamentalista fiscal religioso da Alemanha pensa em gastar mais. Para tanto, vai precisar mudar a Constituição a fim de, pelo menos, suspender o teto de déficit primário, o que não vai ser fácil (um limite de déficit miserável, de 0,35% do PIB).
O plano do governo, que apareceu vagamente nos jornais europeus, é assumir dívida de cidades de modo a permitir que prefeitos gastem mais em rodovias, escolas e hospitais.
O fanatismo de certos políticos alemães contra o gasto público é forte, em particular no partido conservador da chanceler Angela Merkel, que governa em coalizão com os apenas um tico menos conservadores da social-democracia.
"Vão abrir as comportas da política fiscal." "Vamos nos tornar um país endividado." "Suspender o limite do endividamento quando dá vontade é como suspender direitos fundamentais." Pois é: é o que dizem parlamentares alemães.
A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, que não nasceu ontem, é pragmática, conhece os rolos da vida e, enfim, é francesa, diz o contrário.
“Medidas fiscais [gasto extra] a fim de dar apoio à economia são certamente muito bem-vindas, nas atuais circunstâncias”, disse aos jornais. Pois é: uma presidente de banco central dizendo o contrário de deputados.
Quais circunstâncias? Risco de recessão. Juros baixos. Na prática, o governo alemão pode pegar dinheiro emprestado de graça (a taxa anual de juros de empréstimos de dez anos é de MENOS 0,47%. Sim, negativa. Quem empresta ao governo recebe menos de volta). Não é apenas Lagarde que diz tal coisa.
O ex-economista-chefe do FMI (2008-2105) e reputadíssimo economista Olivier Blanchard, mas não apenas, tem praticamente feito campanha a favor de aumento de dívida e investimento públicos no caso de países com crédito, custo baixo de financiamento e com economia estagnada.
Em suma, o centro do mundo e o mundo rico estão discutindo como evitar um novo atoleiro global, que nem sabem se é certo. Por aqui, estamos fazendo concurso de mergulho na lama, um tumulto no lodo que pode enfraquecer uma economia que mal conseguia sair da cama.