Economia
José Márcio Camargo: De volta ao paraíso
Suspender ou flexibilizar o teto fatalmente levará a uma reversão da trajetória de queda dos juros
Na semana passada, o Congresso derrubou o veto do presidente Bolsonaro ao projeto que aumenta o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de ¼ para ½ do salário mínimo. Segundo o Ministério da Economia, isso significa um aumento de gasto obrigatório de R$ 20 bilhões em 2020 e R$ 217 bilhões em dez anos, o que tornaria impossível o cumprimento do teto para o crescimento do gasto público. Uma decisão em total desacordo com as necessidades do País.
No final de 2019, o governo enviou ao Congresso três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que, em conjunto com a PEC da Regra de Ouro, caso aprovadas, criariam condições para a redução dos gastos obrigatórios do governo e tornariam o teto do gasto sustentável. A derrubada do veto ao aumento do limite do BPC faz com que a aprovação dessas propostas seja uma condição necessária, mas talvez não suficiente, para a manutenção do teto.
A pandemia da covid-19 é uma emergência que vai requerer recursos públicos e, portanto, redução de outras despesas para que o teto seja respeitado. Este é um dos objetivos do teto dos gastos: criar na sociedade brasileira (população, Legislativo e Executivo) a cultura de ordenar e definir prioridades no processo orçamentário. As quatro PECs que estão no Congresso viabilizam essas escolhas ao diminuir os gastos obrigatórios. A opção seria suspender ou flexibilizar o teto, como já sugerem alguns analistas. Por que não adotar essa alternativa?
Um importante objetivo do teto é criar condições para uma redução estrutural das taxas de juros da dívida pública brasileira, que, por décadas, estavam entre as maiores do mundo. Por que a existência do teto atingiria esse objetivo?
Para respeitar o teto, os gastos públicos terão de permanecer constantes em termos reais até 2026. Ou seja, todo aumento de receita terá de ser alocado para reduzir o déficit primário, ou a dívida pública, ou a carga tributária. Portanto, qualquer crescimento real do PIB vai, eventualmente, levar a uma redução da dívida como proporção do PIB. Afinal, se o PIB cresce, crescem as receitas tributárias e, como os gastos estão constantes, eventualmente vão sobrar recursos para diminuir a dívida.
Como a relação entre a dívida pública e o PIB é o principal indicador de solvência do País, a existência de um teto é uma garantia de que o grau de solvência do Brasil vai melhorar no futuro. Quando isso acontecer, a demanda pelos títulos públicos e, portanto, seus preços deverão aumentar, com a consequente queda das taxas de juros.
Mas os investidores só conseguem lucrar com suas aplicações financeiras se forem capazes de antecipar os movimentos dos preços dos ativos. Ou seja, se a expectativa dos investidores é de que os preços dos títulos vão aumentar no futuro, a melhor estratégia é comprar hoje e esperar os preços aumentarem para vender no futuro. Com a antecipação do movimento, o resultado é um aumento dos preços e queda nas taxas de juros no presente.
Não deve ter sido por simples coincidência que as taxas médias de juros reais pagas pelos títulos do governo brasileiro mostraram forte redução (de 21% ao ano para 5% ao ano) desde que o teto para o crescimento do gasto público foi aprovado, em dezembro de 2016.
Suspender ou flexibilizar o teto retira a restrição para o crescimento do gasto público e destrói este mecanismo automático de ajuste, o que fatalmente vai levar a uma reversão da trajetória de queda dos juros que ocorreu nos últimos três anos e meio. E, com juros mais elevados, aumenta a probabilidade de uma volta da recessão. Um tiro no pé.
Também não foi coincidência que, após a derrubada do veto ao aumento do BPC, uma decisão que mostra total irresponsabilidade do Congresso, as taxas de juros dos títulos públicos subiram acentuadamente. Um indicador eloquente do que poderá estar à frente caso o teto seja flexibilizado ou suspenso: a volta do paraíso dos rentistas!
* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
Adriana Fernandes: Até quando?
Não há um momento de trégua entre o governo e os líderes do Congresso
É inacreditável que depois de a pandemia do coronavírus mostrar a sua cara no Brasil, ameaçando a população e derrubando o Produto Interno Bruto (PIB) do País, ainda se veja uma sequência de bate e apanha entre governo e Congresso.
Não há um momento de trégua entre as duas partes para, juntas, traçarem uma estratégia de votação de projetos importantes para o País segurar o tranco enquanto os efeitos da pandemia estiverem por aí.
Dane-se a população.
Um plano de contingência para as próximas votações já deveria estar sendo traçado. E não só para avançar nas ditas reformas, mas também para a votação dos créditos extraordinários e as medidas de curto prazo que o governo deverá enviar ao Congresso para atender as necessidades mais urgentes do combate do vírus em várias frentes.
De um lado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobra de Paulo Guedes responsabilidade para anunciar um plano organizado e eficiente. Em seguida, Guedes responde a Maia cobrando do Congresso avanço das reformas.
Assim, os dias estão se passando sem que nada aconteça de fato. Só elencamos até agora frases de efeito de cada lado, que alimentam os cliques das redes sociais.
Alguém já se perguntou como ficará o quadro se o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tiver que suspender as sessões?
Parlamentares com mais idade, preocupados com o risco de contaminação, já pediram ao presidente Alcolumbre que tome essa decisão.
Mesmo de forma precária e desorganizada, a equipe econômica, que conta na sua retaguarda com técnicos de carreira experientes (muitos já passaram pelas últimas grandes crises em vários governos do PSDB, PT a Bolsonaro), começou a organizar a sua reação. E a Câmara e o Senado? Em outros países o Parlamento está ajudando. A responsabilidade é de todos.
Quem viveu a crise financeira internacional de 2008, que abalou os alicerces do mercado financeiro mundial, lembra que a reação brasileira à crise não foi assim tão imediata. As medidas foram surgindo. É um processo, mesmo. Cheio de trancos.
Apesar da urgência do momento, não se tira medidas de socorro, com implicações diversas na economia, da noite para o dia.
As primeiras medidas já foram anunciadas. O mais importante nesse primeiro momento é garantir todo dinheiro necessário para que população tenha acesso a tratamento eficiente nos hospitais públicos; que, caso haja uma expansão do coronavírus, com a necessidade de maior isolamento das pessoas, não falte comida e produtos de primeira necessidade.
Crédito, socorro e subvenções temporárias vão aparecer no cardápio, se a crise piorar. Que ninguém se engane disso. Mas precisa ser de forma organizada.
É bem verdade que o presidente Jair Bolsonaro atrapalha o avanço da agenda econômica. Isso não é novidade. Assinou um projeto que selaria um acordo com o Congresso para o impasse em torno das novas regras do Orçamento, que dão mais poder ao relator, Domingos Neto (PSD-CE), e depois voltou atrás.
Dar mais poder ao relator do Orçamento, mesmo diminuído as suas emendas de R$ 30 bilhões para R$ 15 bilhões, significa dar mais poder a Maia, Alcolumbre e aos seus líderes e retirar dos parlamentares que são opositores a eles no Congresso.
É preciso ficar claro que a guerra pelo poder de mando do dinheiro do Orçamento não é só entre Bolsonaro-Guedes versus Congresso. É uma briga também entre o alto e o baixo clero.
À medida que as regras do Orçamento impositivo foram sendo construídas ao longo dos últimos anos (vale muito a pena a leitura do material especial produzido pelo portal do Estado na internet sobre a linha do tempo desde a sua semente em 2009), os mecanismos de controle dos líderes por meio das emendas também diminuíram.
Com um governo medíocre na articulação política, o alto clero abocanhou para si uma fatia maior do Orçamento por meio das emendas de relator. O relator representa o alto clero. É, por isso, que a briga continua. Bolsonaro, Guedes, Maia, Alcolumbre, baixo clero. Já estamos na metade de março. Até quando?
Luiz Carlos Azedo: Ilustre passageiro
"A reação dos países à epidemia é proporcional à envergadura de seu sistema de saúde, esclarecimento da população e escala de medidas de contenção por parte dos governos"
Um dos mais famosos “cases” da propagada brasileira é um anúncio de bondes: “Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rum Creosotado”. O poeta Bastos Tigres levou a fama, mas a autoria seria do farmacêutico Ernesto de Souza (1864-1928), criador da fórmula, que até hoje serve de exemplo nas escolas de comunicação, por causa da simplicidade de seus versos. De acordo com o anúncio publicado no jornal Correio da Manhã, de 8 de agosto de 1920, a fórmula do Rum Creosotado, produzido pela centenária Drogaria Granado, era mesmo aquela que aparece na propaganda, com “fartos elementos para a hygiene dos pulmões”: iodo, hypophosphito de sódio (NaH2PO2), e de cálcio [Ca(H2PO2)2]. Naquela época, como grande público tinha baixa escolaridade, os versos e a ilustração facilitavam a propagação do anúncio boca a boca.
Seu principal concorrente era o Biotônico Fontoura, criado em 1910 pelo médico Cândido Fontoura para sua esposa. Seu amigo Monteiro Lobato, que tomava o produto para combater o cansaço, batizou a fórmula exaltando suas propriedades e o nome do criador. O Biotônico ganhou muita fama por causa da Lei Seca dos Estados Unidos (1920-1933), para onde foi exportado e fez muito sucesso como remédio que podia ser comprado nas farmácias, mas que servia para aliviar a abstinência dos beberrões, por causa do teor de 9,5% de álcool. No Brasil, era usado como abridor de apetite das crianças, misturado com leite condensado e ovos de pata, um coquetel antianêmico. Em 2001, a Anvisa proibiu que produtos destinados às crianças tivessem qualquer quantidade de álcool em sua composição, razão pela qual o produto foi modificado, ganhando os sabores morango e uva, sem álcool, para as crianças. Rico em ferro, é vendido até hoje, por R$ 26.
A propósito do tipo faceiro, ilustre passageiro ao lado, era o caso do secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, que viajou aos Estados Unidos com o presidente Jair Bolsonaro e seus familiares e está com coronavírus. Toda a comitiva presidencial — parentes, ministros, assessores civis e militares, parlamentares — fez exames ontem para saber se alguém mais foi contaminado. Fábio está em isolamento, depois de fazer novo exame em São Paulo; o resultado da contraprova confirmou a infecção. Bolsonaro, a primeira-dama Michelle e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, fizeram o teste no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, e não apresentam sintomas da doença.
Desdenhar do coronavírus é a mesma coisa que acreditar que o Rum Creosodato resolveria o problema dos pulmões, numa época em que a penicilina não havia sido descoberta e, por isso mesmo, não existiam antibióticos capazes de curar a tuberculose, e a pneumonia era quase fatal. Essa suposição é alimentada pela baixa letalidade da epidemia (entre 0,5% e 3,5% dos infectados), que atinge grupos de risco (cardiopatas, diabéticos e idosos). O problema é a velocidade da propagação da epidemia, que aumenta sua letalidade por causa da incapacidade de o sistema de saúde atender o crescimento exponencial de casos graves, que exigem entubação dos pacientes em leitos de UTIs. Até a volta dos Estados Unidos, Bolsonaro tratava o assunto de forma até leviana, comparando o coronavírus a uma simples gripe e culpando a imprensa — sempre ela — pelo justificado temor que se disseminou na população, o que é muito diferente de pânico.
Escolhas
Trata-se de uma escolha de Sofia (decisão difícil sob pressão e enorme sacrifício pessoal, como a vista no filme homônimo de 1982, que valeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz), entre a redução das atividades da sociedade, principalmente as aglomerações e circulação das pessoas, com consequente redução da atividade econômica, ou o colapso do sistema de saúde, sem leitos, máscaras, tomógrafos, respiradores e outros equipamentos para quem precisa, provocando o aumento do número de mortos. A capacidade de reação dos países à epidemia é mais ou menos proporcional à envergadura de seu sistema de saúde, nível de esclarecimento da população e escala de medidas de contenção da epidemia por parte dos governos.
O caso da China proporcionou aos especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS) um estudo do comportamento da doença em diversas regiões do país, que está servindo de paradigma para o enfrentamento da epidemia, sobretudo depois do colapso do sistema de saúde da Itália, que é um dos melhores do mundo. As ruas desertas das cidades italianas escondem o drama terrível dos hospitais lotados, onde não se morre só de coronavírus, mas de câncer, ataque cardíaco, traumatismo craniano, pneumonia e até gripes comuns, por falta de leitos de UTIs.
O Brasil vai contratar 5 mil médicos pelo Programa Mais Médico e direcionar 2 mil leitos de UTI para o tratamento de pacientes com Covid-19 pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, em entrevista coletiva, revelou que o nível de preocupação com leitos aumentou após registros dos casos na Itália. Ontem, em Florianópolis (SC), prefeitos das capitais e das principais cidades do país, se reuniram para discutir medidas de combate ao coronavírus. Ninguém se iluda, o sucesso no combate ao coronavírus precisa de medidas governamentais corajosas, dos prefeitos e dos governadores, para reduzir a velocidade de propagação da epidemia e contê-la, poupando vidas.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ilustre-passageiro/
Elio Gaspari: Economia ensina que esperança não é estratégia
Guedes deve ter seus motivos para estar tranquilo, mesmo que seja um dos poucos com essa serenidade
A Bolsa de Nova York teve a maior queda desde a crise de 2008, a de São Paulo suspendeu o pregão, fechou com um tombo de 12% e o dólar bateu em R$ 4,73. Diante desse quadro, o doutor Paulo Guedes disse que "estamos absolutamente tranquilos", pois sua equipe "é serena, experiente". Nada contra, salvo os precedentes.
Em 2008, Lula disse que a grande recessão americana chegaria ao Brasil como uma "marola". Deu no que deu. Em 1979 e 1980, diante de uma alta do petróleo e dos juros americanos, o governo brasileiro (e o FMI) garantiam que a dívida externa seria administrável. O país quebrou, entrando na sua década perdida. Em 1973, quando o mundo sofreu o primeiro choque do petróleo, o Brasil era apresentado com uma "ilha de tranquilidade".
Paulo Guedes deve ter seus motivos para estar tranquilo, mesmo que seja um dos poucos ministros da Economia com essa serenidade. Seus antecessores acreditaram que crises podiam ser mitigadas com otimismo. Como ensinou Tim Geithner, o ex-diretor do Federal Reserve Bank de Nova York e ex-secretário do Tesouro americano, que toureou a crise de 2008, "esperança não é estratégia".
Ninguém explicou a origem do pânico financeiro das últimas semanas. Atribuí-lo ao coronavírus é pouco. Se for só isso, a economia mundial tomará um tombo em 2020. Em 1973, quando os países exportadores de petróleo começaram a aumentar o preço do barril, poucos se deram conta do tamanho da encrenca. Seis anos depois, quando o aiatolá Khomeini derrubou o Xá do Irã e provocou a segunda alta do petróleo, muita gente achava que ele era um velhinho bondoso de barbas brancas. Em 2008, quando o economista Nouriel Roubini previa a crise bancária, chamavam-no de "Doutor Fim do Mundo". Ele virou profeta e, na segunda-feira (9), diante da queda do preço do petróleo somada ao coronavírus, tuitou: "recessão e crise à vista".
A serenidade de Guedes inquieta quando ele diz que "a democracia brasileira vai reagir, transformando essa crise em avanço das reformas". Uma coisa tem muito pouco a ver com a outra. Viu-se isso com o pibinho que se seguiu à reforma da Previdência. Essa e todas as propostas de Guedes podem melhorar a situação da economia, mas são mudanças de médio prazo. Democracia não reage, apenas existe ou deixa de existir. Misturando-se banana com laranja consegue-se apenas travestir um mau cenário econômico, fantasiando-o como questão política.
A crise de 2008 deveu muito a um clima de festa da banca, mas quando um sujeito é responsável pela administração de uma economia deve conhecer seus limites. Em março daquele ano, quando a banca não falava em crise, o presidente George Bush submeteu ao seu secretário do Tesouro, Henry Paulson, um discurso no qual diria que o governo não salvaria empresas. Paulson surpreendeu-o pedindo-lhe que cortasse a afirmação. Em setembro o mundo caiu. Ele conhecia o mercado e evitou que o presidente dissesse algo que poderia obrigá-lo a desmentir-se.
O Fed de Nova York tem hoje uma caçadora de encrencas potenciais no comportamento e nas certezas dos banqueiros. Ela se chama Margaret McConnell e ensina: "Nós gastamos tempo procurando pelo risco sistêmico, mas é ele quem tende a nos achar."
Poder espiritual ganha força com sincretismo religioso em Brasília
Buscas por novas experiências move pessoas sem religião no país, que apresenta aumento de evangélicos
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Sincretismo religioso e misticismo movem multidões de pessoas para a região de Brasília, a capital do poder. Toda essa mobilização ocorre em meio ao aumento de número de evangélicos e de pessoas sem religião no país, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O assunto é tema da reportagem especial da 16ª edição da revista Política Democrática Online, editada e produzida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.
» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online
Todo o movimento em torno de Brasília, segundo sociólogos e antropólogos, tem relação com o aumento do número de pessoas sem religião no país, que, em 2010, era equivalente a 8% da população. Além disso, em 2022, se mantida a tendência atual de crescimento da quantidade de evangélicos, os católicos devem representar menos de metade da população brasileira. Desde os anos 1990, o catolicismo registra queda significativa no número de fiéis: em 2010, 64% dos brasileiros professavam a religião, contra os 91% registrados em 1970.
No ano 2000, 26,2 milhões de pessoas se declaravam evangélicas, o que representava 15,4% da população. Dez anos depois, esse número saltou para 42,3 milhões de pessoas, o equivalente a 22,2% dos brasileiros. Em 1991, os evangélicos somavam 9% e, em 1980, 6,6% da população brasileira. Todo esse movimento tem reflexo na política. A bancada evangélica hoje tem 91 parlamentares no Congresso Nacional.
As urnas reforçaram a bancada evangélica no Congresso Nacional. Para a Câmara dos Deputados foram eleitos 84 candidatos identificados com a crença evangélica – nove a mais do que na última legislatura. No Senado, os evangélicos eram três e, em 2019, serão sete parlamentares. No total, o grupo que tinha 78 integrantes ficará com 91 congressistas.
O levantamento é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2014, o Diap identificou 75 deputados seguidores da doutrina evangélica. Em 2010, a bancada tinha 73 representantes na Câmara.
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Paulo Fábio Dantas Neto: Prudência e urgência (razões de tática e estratégia políticas)
Pouco mais de um ano de governo Bolsonaro e tornou-se um bordão, aceito em amplos ambientes, a ideia de que os democratas brasileiros precisam se articular e se entender para derrotar a estratégia de enfraquecimento da democracia representativa, levada a cabo pelo Presidente da República. Situação limite essa, pois caberia, a quem ocupa esse posto, ser justamente o mais poderoso e eficaz defensor do regime e da Constituição, graças aos quais chegou aonde está. Os fatos, porém, já não deixam dúvida de que temos um presidente subversivo da lei e da ordem. Esse ponto é tacitamente reconhecido, seja por quem aplaude, seja por quem abomina a sua conduta golpista. Quem aplaude admite lhe dar ainda mais poderes para, supostamente, mandar os políticos embora. Quem abomina, busca a melhor maneira de atalhar esse seu caminho.
No campo bolsonarista, eventuais dúvidas táticas sobre como levar ao sucesso a sua estratégia golpista resolvem-se com ordens do dia de um capitão que se tornou especialista em constranger generais. A ordem em vigor, no momento, convoca abertamente, para o próximo domingo, 15/03, uma manifestação de rua, fisicamente próxima à Praça do Três Poderes, para aclamar o presidente e contestar as autoridades ocupantes dos dois outros poderes da República. A essa altura, a sociedade, apreensiva, já se pergunta, com razão, o que farão a Polícia Militar e as Forças Armadas se algum dos dois poderes postos na berlinda solicitar, legitimamente, sua proteção, em caso dessa manifestação sair dos limites razoáveis e degenerar em agressão direta como, aqui e ali, há muito tempo se ensaia. Augusto Heleno esteve só, em sua provocação golpista? Poderia ser devidamente “enquadrado”, por seus interlocutores na ativa, depois daquelas declarações? Autoridades militares responsáveis e comprometidas com a democracia terão força para não deixar que o ovo da serpente alimente os apetites e contamine a corrente sanguínea de seus pares e comandados?
Essas perguntas não calam porque nenhuma pessoa sensata, que observe com atenção a cena política atual, ignora que as cúpulas dessas corporações já podem estar sofrendo uma dupla pressão nas bases que, por hierarquia profissional, comandam. Refiro-me à disseminação, pelo aparelho de doutrinação bolsonarista, em estratos mais baixos da oficialidade das forças armadas, de uma nostálgica ideologia golpista e salvacionista que a derrota do regime autoritário na transição democrática dos anos de 1980, seguida de três décadas de democracia, puseram em desuso naquele ambiente. Em que grau essa subversão de valores democráticos já avançou recentemente na corporação é algo que só pode ser sabido por quem detém informações privilegiadas. Mas o processo preocupa, assim como deve preocupar também a pressão corporativa que pode emanar, em grau crescente, ainda mais embaixo, diante de uma eventual indisposição, por dever constitucional, de comandantes militares com um presidente subversivo. Sim, pois esse presidente e seus filhos propagam um discurso demagógico que acena às tropas com vantagens materiais e, no caso de policiais transgressores da lei, também com uma odiosa impunidade.
Já nas instituições civis e no campo político heterogêneo que se opõe a essa aventura, parece ainda estar longe o momento em que uma estratégia comum será pactuada. Ela convém, entre outras razões, para tornar consequente a tática de evitar o confronto, que tem sido intuitivamente adotada por todos, por cálculo político racional, e/ou por receio de retrocesso institucional. Paciência e moderação têm sido as contraordens que até aqui interditaram o caminho, democraticamente justificável, de um processo de impeachment, para o qual o presidente já forneceu vários motivos, cometendo sucessivos crimes de responsabilidade.
O bom senso já nos sugere supor que esses crimes estão sendo cometidos deliberadamente, como um risco calculado, para antecipar um confronto político, num momento em que se sabe ainda não existir, no Congresso, maioria qualificada para impedir o presidente. E ela não existe justamente porque ainda não há, no eleitorado, clara rejeição ao presidente (como já existe na sociedade civil), nem há, no empresariado, convicção sobre o malogro da atual política econômica. Com eleitores divididos e empresários indecisos, o Congresso fica neutralizado para um confronto, embora possa operar – e tem operado - como importante força política de contenção do golpismo presidencial.
Assim, ao usarem o cálculo político, lideranças do Congresso e das demais instituições civis têm conseguido evitar que Bolsonaro converta a eventual rejeição de uma denúncia contra si em capital político, isto é, em trunfo para avançar mais em sua estratégia golpista. Ao falarem com prudência sobre o tema, as forças políticas mais responsáveis do País têm evitado dar, ao bolsonarismo, o pretexto que busca para colocar a sociedade (e as forças armadas) diante de um dilema crucial entre um quadro de desordem e uma solução autoritária. Cenário plausível, pois não temos mais direito a duvidar de que a lógica miliciana que guia o Presidente não hesitará em fomentar (inclusive apelando à violência e ao terror) tal quadro problemático para obter tal solução.
Tudo correto, portanto, com a tática dos democratas. Mas alguma tática, por mais racional e prudente que seja, pode ter sucesso, em política, se não estiver ligada, de modo politicamente convincente, a uma estratégia? É possível defender a democracia com eficácia política pensando só em prevenir, isto é, tratando-a - para reiterar jargão conhecido - como plantinha tenra que se deve regar todo dia, tal qual bem alertava Octávio Mangabeira, como sugestão de conduta virtuosa para tempos normais? Se não estamos em estado de exceção, mas estamos num tempo de gravidade excepcional, é preciso ver que a democracia é mais que uma planta tenra. Sequer é só uma árvore.
É complexa floresta de instituições, direitos e interesses, que pode ser agredida, inclusive, pelo manejo demagógico dessa malha. A democracia representativa precisa não apenas ter, mas demonstrar, sempre, a força necessária para dissuadir aventureiros, quando eles a testam.
A missão não é fácil pois o terreno do trabalho atual é pantanoso. A estratégia dos golpistas é ajudada pela imagem má que políticos e partidos têm perante a sociedade e o eleitorado. Aqui não tenho como me deter sobre razões e não razões desse fenômeno, mas chamo a atenção para o fato de que a imagem negativa se refere a apenas um lado da realidade da democracia representativa.
O outro lado, muito positivo, é o suculento inventário de conquistas democráticas que encontram no Congresso uma usina de processamento. A agenda de políticas públicas socialmente positivas avançou muito no Brasil desde que superamos a ditadura militar e isso se deve, fortemente, a processos de elaboração e negociação legislativa. No fundo, o povo sabe disso e não se pode precipitadamente achar que sua insatisfação com outros aspectos da atividade de representação política leve a que ele queira abrir mão dela, seja para entregar seu futuro a ditadores, seja para cair na ilusão de que pode, como povo, governar diretamente o País. Pode ter faltado ao povo brasileiro, no passado, ocasiões de participação maior, para exercer uma cidadania mais qualificada e pode estar lhe faltando hoje um cardápio de representantes de melhor qualidade. Mas algum senso de medidas não lhe falta, mesmo quando suas necessidades e medos abrem espaço a demagogias populistas. Por isso, entre nós, jamais tiveram durabilidade aventuras caudilhescas irresponsáveis, ou discursos meramente utópicos. Nossas elites políticas, mesmo quando não democráticas, precisaram sempre negociar sua legitimação no terreno das realizações concretas.
Mas preocupa, e muito, a ausência ou, ao menos, a invisibilidade, na atual conjuntura, de uma estratégia política comum das forças democráticas, que se preocupe com movimentos táticos, mas também as prepare, desde já, para desdobramentos que não se pode prever de antemão. Deixo claro que não se trata de propor que persigam objetivos político-eleitorais que supostamente possam unir democratas de direita, de centro e de esquerda. Isso é quimera. Trata-se de cuidar, em conjunto, da preservação de condições para que disputas democráticas continuem acontecendo. Isso passa por não deixar dúvidas na opinião pública sobre a capacidade das instituições se fazerem respeitar, inclusive pelos poderosos. Do mesmo modo, não se trata de fazer análises adivinhadoras de cenários futuros, como se ações políticas devessem se orientar por essas especulações. Sabemos que nenhuma linha de ação tem futuro se não se ancorar no que há, no aqui e no agora. Trata-se é de não deixar que um poderoso inimigo da democracia representativa jogue solto e decrete o futuro como resultado de ações ousadas no presente. Ponho-me entre aspas para recorrer a uma metáfora que usei em artigo publicado há três meses: “um desafio à política positiva é ser eficaz na conjuntura. Seus praticantes não podem ser uma zaga que olha para a bola, com foco eleitoral em 2022, sem marcar o atacante demolidor” (Política positiva e política negativa, Estadão, 01.12.2019).
Na ausência de estratégia defensiva comum, cada zagueiro age à sua maneira. Declarações do ex-presidente Lula, em recente homenagem que recebeu da esquerda francesa, se ajustam como uma luva à metáfora acima. Aposta suas fichas num novo embate eleitoral polarizado, em 2022. Nessa posição há dupla racionalidade política: objetivamente, ele lidera, de fato, o partido que ainda é a maior força eleitoral da oposição e que, por isso, pode pensar em desafiar eleitoralmente o bolsonarismo, nem que seja para conservar essa condição de polo de oposição, que conquistou em 2018. E, subjetivamente, Lula raciocina ser esse o melhor modo de seguir politizando seu embate com a Justiça brasileira. Porém, ao dizer que esperar 2022 é dever democrático, ele não apenas descarta, por ora e por realismo político, a defesa de um processo de impeachment. Vai mais longe e admite que Bolsonaro ainda não cometeu crime de responsabilidade que o justifique. Relaxando assim na marcação do atacante agressivo, esse “bom mocismo” fará, da ala do lado esquerdo da defesa democrática, uma avenida. Quantos gols serão marcados por ali até um zagueiro democrata poder se arriscar a um contra-ataque nesse sonhado 2022? Em quanto já estará o placar em favor do time cuja estratégia é asfixiar a democracia? Que chance haverá de haver uma eleição livre?
Zagueiros democráticos mais ao centro (os do fugidio centro político e os que ocupam posições institucionais centrais) costumam usar retórica crítica mais contida que a do PT, porém têm sido mais diligentes na marcação do atacante. Ainda assim não escapam da carapuça da metáfora. Marcam por zona, evitando o enfrentamento individual, justamente porque operam instituições e – é preciso reconhecer - elas objetivamente têm impedido, até aqui, demolições explícitas. Mas os recuos que conseguem impor revelam-se efêmeros porque dirigem ao atacante seguidas advertências, mas não sanções por violação das regras. Assim, no momento seguinte, novos ataques voltam a deixar a defesa em permanente estado de tensão e perigo. Contudo, prevalece sempre a tática da paciência de jardineiros de plantas tenras, sancionada por recentes declarações do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um experimentado político orgânico que a realidade quer converter em outsider. Aos atores com seu perfil político e aos que detém poder real também cabe fazer a mesma pergunta que pode ser feita à esquerda petista: até que ponto arranhões parciais restantes após cada escaramuça poderão esgarçar - ou já esgarçaram, de algum modo - o tecido da democracia, a ponto de comprometer a chance de chegar-se a 2022 ao menos no compasso da situação atual? O enfrentamento, que táticas prudenciais querem evitar agora, poderá ser evitado se, em dado momento, a infiltração antidemocrática tiver corroído o Estado a ponto de setores decisivos seus comportarem-se como milícias? Haverá eleições “normais” se o bolsonarismo pressentir uma derrota eleitoral? E havendo eleições que, porventura, confirmem sua derrota, haverá paz para que haja governo? Que poder de retaliação terão, então, caminhoneiros em pé de guerra e policiais amotinados, se os laços que os une hoje ao bolsonarismo prosperarem por um continuado e desabrido uso não republicano do poder? E que reação se pode esperar das instâncias judiciais diante dessas retaliações, após as mudanças que podem ser feitas no STF até lá?
Zagueiros com um terceiro tipo de perfil político são imprescindíveis numa hora dessas. Refiro-me a uma direita conservadora que ainda não entrou para valer em campo e precisa entrar. Um cochilo da ala direita, na marcação de um atacante que se apresenta como conservador, embora seja o seu oposto, pode ter efeito bem mais devastador para a democracia representativa do que cálculos políticos e eleitorais de uma esquerda fora do poder. Um conservadorismo político que mereça esse nome não pode, depois de tantas lições do passado, compactuar com uma estratégia desestabilizadora da ordem e das instituições moderadoras, que tenta emparedar o Congresso, intimidar o Judiciário e sabotar, ao modo do chavismo (ver Demétrio Magnoli, “O povo e Exército” – FSP, 29.02.2020) a hierarquia das forças armadas. Principalmente não pode chancelar uma propaganda ideológica que quer desacreditar a conciliação como método, no intuito (quimérico, mas nem por isso menos perigoso) de eliminar a chamada “dialética da ambiguidade”, uma marca de origem da nossa tradição política. Conservadores que se prezam não podem coonestar com a conspiração de um governo passageiro para sufocar e assassinar uma tradição nacional.
Democratas ao centro e à esquerda não podem perder de vista que convencer conservadores a tirar o oxigênio da aventura golpista é o objetivo que pode firmar uma estratégia política comum, que falta aos democratas de todos os matizes para darem consequência política realista – portanto, eficácia - à conduta tática prudencial que têm adotado. Essa conduta precisa deixar de ser só intuitiva e reativa, para ser também racional e propositiva. O momento exige equilibrar sensos de prudência e de urgência para dar à sociedade a confiança em que a democracia é a melhor opção e em que golpistas serão enfrentados não só no terreno das ideias, mas também no da política real.
Se a consequência dessa atitude realista será a abertura de um processo de impeachment não é possível antecipar. Mas não se pode tirar a hipótese da agenda, ainda que ela não esteja na ordem do dia. Criar um abismo lógico entre essa eventualidade e a conduta prudencial é um suicídio político prévio. Equivale a subestimar o poder do adversário de provocar destruição e desordem. A conduta prudencial ajuda-nos não apenas a evitar esses males. Também nos afasta da conduta imprudente de, num ambiente polarizado, fazer política sem um objetivo estratégico no horizonte.
*Cientista político e professor da UFBa
O Estado de S. Paulo: 'Este é o momento de abandonar o teto de gastos', diz Monica de Bolle
Para Monica de Bolle, governo precisa reconhecer que o cenário econômico mudou e trocar reformas por investimentos públicos em infraestrutura
Douglas Gavras, O Estado de S. Paulo
A perspectiva de uma crise global deve obrigar o governo brasileiro a reavaliar sua política econômica: com a suspensão do teto de gastos e a volta do investimento público, para evitar que o Brasil volte a entrar em recessão, avalia Monica de Bolle, pesquisadora sênior em Washington do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos.
Nesta segunda-feira, 9, a Bolsa brasileira fechou em queda de 12,17%, aos 86.067,20 pontos, a maior queda diária, em porcentual, do Ibovespa desde setembro de 1998. O dia foi de caos nos mercados financeiros globais, com o avanço da crise do coronavírus e a queda no preço do petróleo.
Para a economista brasileira, o governo precisa reconhecer que o cenário econômico mudou e trocar a agenda de reformas por uma agenda de investimentos públicos em infraestrutura. "Alguns investimentos podem começar imediatamente. É preciso deixar a ideologia de lado."
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado:
Há algum sinal de que essa crise possa durar pouco?
Não vai melhorar tão cedo, a coisa tende a ficar tensa por um bom tempo. A questão do petróleo é pontual e afeta o Brasil, mas a crise sanitária é mais grave do que se pensava. A situação atual é muito diferente das crises tradicionais. Em uma crise tradicional, a gente conhece as políticas econômicas necessárias para combater. Em 2008, por exemplo, a resposta foi dar estímulo monetário e fiscal. Isso teve o efeito de apagar incêndio e o de dar sustentação econômica. Agora, a política econômica não tem papel no apagar do incêndio. E só os médicos e cientistas podem fazer alguma coisa a respeito, para frear o número de novos casos.
O governo pode agir para limitar os impactos na economia?
A maneira como a epidemia vem sendo tratada no Brasil e no resto do mundo é um desserviço tremendo. Tanto é, que o número de casos está subindo muito nos países afetados. Diante desse quadro, temos uma crise duradoura e a resposta de política econômica tem espaço limitado. Dá para fazer estímulos monetários e fiscais, mas enquanto a epidemia perdurar o efeito é limitado. Ajuda, mas não resolve.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil do ano passado foi uma decepção: cresceu 1,1%, quando as previsões iniciais eram de pelo menos 2,5%. Agora, com a economia mundial desacelerando, a previsão é de um 2020 difícil. Então, como fazer para que a economia responda?
Não agir é a pior escolha. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda que é preciso pensar em estímulos. No Brasil, o governo está obcecado em manter uma agenda de reformas, de médio e longo prazos, quando o momento é de pensar em como responder a essa crise. É preciso começar a desenhar medidas, deixar as reformas de lado e focar no que é preciso fazer para que o Brasil não entre em recessão.
O que é preciso fazer agora para evitar a recessão?
Suspender ou até eliminar o teto de gastos. A maneira como ele foi desenhado foi equivocada, a gente fez um teto rígido, que não permite que na hora em que precisar de uma medida anticíclica e não permite fazer. Este é o momento de abandonar o teto de gastos, que já tinha um desenho equivocado desde o início. E não é de hoje que eu aponto isso.
O mercado não reagiria ainda pior, caso o teto de gastos fosse suspenso?
Isso é uma bobagem. Agora é um momento de crise. É só olhar para fora, o cenário mudou. As pessoas precisam entender que a realidade é outra e, sem mudar a política econômica, o Brasil, que já está fragilizado, pode sofrer ainda mais. O País já está no pior dos mundos, de dólar alto e crescimento baixo.
Prosseguir com o corte de juros não é suficiente, certo?
Na área monetária, a taxa de juros está baixa e sem pressão inflacionária. É um quadro sustentável, que nos abriu espaço. A dinâmica da dívida pública está melhor. Isso não é um problema, ajudou o País a abrir um espaço fiscal, que é pequeno, mas que precisa ser usado agora. O momento é de pensar que tipo de gasto público e estímulo fiscal podem ser feitos. Eu acho que a medida mais eficiente é aumentar o investimento público, principalmente em infraestrutura.
Seria preciso trocar o remédio de contenção de gastos públicos e de foco nas reformas, aplicado nos últimos quatro anos?
O governo precisa trocar a agenda de reformas por uma agenda de infraestrutura. Alguns investimentos podem começar imediatamente. Há um grande número de concessões paradas e tudo isso terá de avançar. E o governo vai ter de deixar a ideologia de lado e voltar a envolver o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nesses investimentos. Não adianta ficar demonizando o banco.
Há uma série de crises na relação entre o Planalto e o Legislativo. O clima político no Brasil permite que essas medidas emergenciais sejam aprovadas?
É complicado. Uma pessoa que está claramente com a cabeça no lugar certo é o (presidente da Câmara dos Deputados) Rodrigo Maia. Ele percebe a gravidade da situação e sabe o que precisa ser feito no curto prazo. O governo tem de parar de falar bobagem e começar a trabalhar com seriedade. Se a melhor proposta de ação vier do Congresso, que assim seja.
O Estado de S. Paulo: Economistas apostam em agenda de reformas para atenuar efeitos do coronavírus no Brasil
Segundo economistas, parceria entre Executivo e Legislativo para dar andamento às reformas pode reduzir incertezas e atrair investimentos
Medidas que possam reduzir a exposição do Brasil ao caos verificado na segunda-feira, 9, em todo o mundo passam por entendimento entre Executivo e Legislativo para iniciar, de imediato, as reformas urgentes como a administrativa, a tributária e a PEC emergencial, segundo vários economistas ouvidos pelo ‘Estado’.
Mas há também quem defenda a continuidade da redução de juros, liberação de compulsórios e até a suspensão do teto de gastos por dois anos.
“Se tivermos clareza sobre as reformas, como elas vão andar, se virmos um clima de parceria entre Executivo e Congresso em volta de uma agenda que permita reduzir a incerteza doméstica, melhoraria o ambiente de negócios e tornaria o Brasil muito mais interessante do ponto de vista do investimento”, diz Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.
Para José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio da MB Associados, a área de infraestrutura é a que mais precisa de investimentos no momento. “A lei do saneamento, por exemplo, geraria grandes obras públicas e teria efeito social enorme, como a geração de empregos.”
Já Bráulio Borges, pesquisador do Ibre, acredita que a agenda da infraestrutura teria enorme potencial não só para dinamizar a atividade no curto prazo, como aumentar a produtividade brasileira no médio e longo prazo. “Mas essas coisas não saem do papel do dia para a noite.”
De imediato, Borges defende o uso da política monetária para atenuar o impacto do turbilhão externo provocado pelo coronavírus e acentuado pela guerra do petróleo. Ele lembra que, assim como na crise de 2008, hoje o efeito líquido da alta do câmbio e da queda das commodities é desinflacionário. “Por isso há espaço para o Banco Central cortar juros e tentar reativar a economia como já fez no passado.”
Teto de gastos
Sérgio Vale, da MB Associados, também acredita que há espaço para o BC continuar cortando juros, que, para ele, ainda são muito elevados no Brasil na comparação com o resto do mundo. Ele lembra que a regra do teto de gastos impede o aumento dos investimentos públicos e acredita que o mercado faria uma leitura ruim se as regras fossem mudadas, mesma opinião de Borges, para quem não se deve mudar regras “no olho do furacão”.
“Mexer no teto de gastos é suicídio”, concorda Castelar. O professor da Universidade de Brasília, José Luís Oreiro, pensa de forma diferente. “É preciso mudar a política econômica e suspender o teto de gastos por dois anos para aumentar investimentos públicos. Para ele, se o ministro da Economia, Paulo Guedes, não mudar a política econômica, “então que se mude o ministro”.
Para enfrentar o choque externo, Samuel Pessoa, professor da FGV, também defende urgência na aprovação das reformas para arrumar o desequilíbrio fiscal. Isso abriria espaço para uma política fiscal contracíclica, com estímulo à demanda. Ele admite, porém, que o desentendimento entre Executivo e Legislativo impede o processo.
“O governo já estava meio perdido antes da semana trágica”, afirma Mendonça de Barros. O melhor seria o ministro Guedes parar de falar em dólar e se concentrar nas reformas.”
» O que fazer para enfrentar a crise?
José Roberto M. de Barros, economista e sócio da MB Associados
‘País precisa de mais investimento’
“A melhor coisa a ser feita é um trabalho construtivo entre Executivo e Legislativo para acelerar a aprovação da PEC emergencial, que significaria inequívoca melhora na questão fiscal. São necessárias medidas que permitam mais investimentos, como a lei do saneamento básico, que geraria obras públicas e teria enorme efeito social. Outro ponto é a reforma administrativa. De resto, é manter a calma. Não podemos controlar o que vem de fora, mas quem opera câmbio é o Banco Central. Não é papel de ministro falar sobre isso.”
Samuel Pessoa, economista e professor da FGV
‘Reformas trariam equilíbrio fiscal’
“A prioridade é aprovar as reformas emergencial e administrativa. O efeito imediato da aprovação seria arrumar o equilíbrio fiscal estrutural. Essa arrumação abriria espaço para uma política fiscal contracíclica, mas só se criarmos instituições que sinalizem esse equilíbrio lá na frente. As dificuldades do Executivo e Legislativo em fazer política dificultam a aprovação de reformas e a construção do estabelecimento de instrumentos para uma política fiscal. Sem isso, há menor capacidade de enfrentar o choque externo.”
Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia
‘Há espaço para a política monetária’
“O efeito líquido de tudo isso que está acontecendo é desinflacionário. Por isso, há espaço para a política monetária reagir a isso, mas talvez não seja suficiente, pois a atividade vem decepcionando, mesmo com os juros num patamar bastante baixo. Talvez seja preciso outros estímulos. O governo já fala em mais uma rodada de liberação de FGTS. Liberação de compulsório tem o potencial de ajudar, mas o feito não é garantido. No entanto, mudar a regra do teto no meio desse turbilhão todo pode gerar muito ruído.”
José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB)
‘Suspender teto por dois anos’
“É preciso parar as reformas que estão em transição e focar em garantir a segurança da população e compensar os efeitos recessivos. Só ter um remédio para doenças diferentes é coisa de maluco. É preciso mudar a política econômica, suspender o teto de gastos por dois anos para aumentar os investimentos públicos. Se investir em infraestrutura, o efeito aparece em três meses. Dificilmente o ministro da Economia, Paulo Guedes fará isso. Se o ministro não mudar a política econômica, então, que se mude o ministro.”
Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV
‘Mexer no teto de gastos é suicídio’
“O que o governo pode fazer é reduzir a incerteza. Fazer parceria com o Congresso com uma agenda clara para o andamento das reformas. Isso diminuiria a incerteza doméstica e melhoraria o ambiente de negócios. Desta forma, o País ficaria mais interessante para atrair o investimento. Cortar juros, fazer política parafiscal e mexer no teto de gasto vão na direção errada. Mexer no teto de gasto é suicídio, pois vai introduzir incertezas sobre a situação fiscal. É preciso dar uma parada e tirar o Banco Central de cena.”
Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados
‘Governo está de mãos atadas’
“O governo está sem opções, com as mãos atadas, como o resto do mundo. A regra do teto de gastos impede o aumento de investimentos públicos e o mercado faria uma leitura ruim se as regras forem mudadas. O jeito seria continuar cortando juros, que ainda estão elevados no Brasil na comparação com o resto do mundo. O País deve fazer um esforço para que a reforma tributária ande o mais rápido possível, o que sinalizaria uma recuperação mais acelerada, sem jogar fora o esforço fiscal que foi feito até agora.”
Sergio Lamucci: Incertezas crescentes nublam cenário de 2020
Com a grande incerteza no cenário externo, é fundamental que o governo e a equipe econômica deixem de produzir ruídos, evitando criar mais instabilidade
As perspectivas para a economia brasileira se turvaram no fim deste primeiro trimestre, devido às incertezas no cenário global e no quadro doméstico. A epidemia de coronavírus, ao que parece, terá um efeito mais forte e um pouco mais longo sobre a economia mundial, o que tem provocado grande volatilidade e aversão ao risco nos mercados internacionais. No front interno, a atividade mostra fraqueza maior do que se esperava e o clima político segue conturbado, com o governo Jair Bolsonaro causando conflitos frequentes, desnecessários e preocupantes com os outros Poderes, em especial o Congresso. Há dúvidas sobre o andamento das reformas, num momento em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, contribui para elevar as incertezas, ao demorar para definir a sua proposta de mudança do sistema tributário e ao dar declarações confusas sobre o câmbio, por exemplo.
Nesse ambiente, murcharam as expectativas de que o Brasil poderia ter um crescimento um pouco mais forte neste ano, na casa de 2% a 2,5%. Muitas estimativas já caíram para a casa de 1,5%, apesar dos juros baixos, do aumento do crédito e da retomada gradual do mercado de trabalho, embora ainda haja quem aposte numa expansão perto de 2%.
A incerteza elevada atrapalha em especial as decisões de investimento. Num quadro indefinido, marcado ainda por grande ociosidade, muitas empresas preferem esperar para investir em projetos de modernização e ampliação da capacidade produtiva. Além disso, o capital externo fica mais arredio.
O quadro internacional ficou muito mais incerto depois da eclosão da epidemia de coronavírus. Para os economistas do Barclays, “o cenário para a economia global se deteriorou significativamente”, à medida que a doença se espalha rapidamente pelo mundo. A ideia inicial era de que o fenômeno seria principalmente um problema chinês e asiático, restrito em grande parte ao primeiro trimestre. Agora, a avaliação é que haverá uma desaceleração mais longa e mais profunda, escrevem os economistas Christian Keller e Fabrice Montagné. Com a disseminação do vírus, especialmente na Europa e nos EUA, a economia global enfrenta um choque duplo de oferta e de demanda mais demorado e mais intenso.
Para eles, considerando que a doença siga os padrões históricos de outras epidemias, a expectativa é de uma recuperação relativamente forte da atividade ao redor do mundo na segunda metade de 2020, apoiada por respostas de política econômica, tanto monetárias quanto fiscais. Essas medidas podem atenuar o choque de demanda e, principalmente, evitar o contágio financeiro generalizado. Ainda assim, o crescimento global neste ano ficaria em 2,7%, abaixo dos 3,2% do ano passado e próximo aos 2,5% que o Fundo Monetário Internacional (FMI) considera como recessão, dizem Keller e Montagné.
Projeções econômicas num cenário como esse têm obviamente um grau de incerteza muito elevado. É extremamente difícil avaliar como a epidemia vai evoluir, qual será o impacto sobre a economia global e como será o efeito sobre os mercados internacionais. Apesar disso, ganha força a avaliação de que a atividade global tende a sofrer mais e por mais tempo. Para piorar, a semana começa com o tombo das cotações do petróleo, devido à guerra de preços promovida pela Arábia Saudita.
Esse ambiente externo adverso e incerto tem levado os economistas a reduzirem as estimativas de crescimento para a economia brasileira em 2020, aliado ao desempenho mais fraco da atividade por aqui nos últimos meses. O Safra, por exemplo, cortou na sexta-feira a projeção para 2,1% para 1,6%, atualizando a “perspectiva para incorporar o novo cenário global e também os dados mais recentes” sobre a economia brasileira, como os do PIB do quarto trimestre de 2019. Na visão do banco, esses números sugerem “uma recuperação frágil” do Brasil.
Para complicar o cenário, existem as incertezas no quadro doméstico. Há os conflitos do governo com os outros poderes, por exemplo. No sábado, Bolsonaro pediu que a população participe dos protestos marcados para o dia 15. Em várias convocações para o ato feitas nas redes sociais, há um tom de forte hostilidade ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Esses conflitos ocorrem quando há grande expectativa em relação ao andamento da agenda de reformas. Depois da aprovação da reformada da Previdência, o governo enviou três Propostas de Emenda à Constituição (PEC) ao parlamento - a emergencial, a do pacto federativo e a dos fundos. Entre outros pontos, há medidas para enfrentar a rigidez das despesas obrigatórias, como os salários do funcionalismo, um ponto importante para consolidar o ajuste das contas públicas, mas os projetos são muito amplos e têm pontos controversos, dificultando a sua aprovação.
Além disso, a equipe econômica demora a definir a sua proposta para a reforma tributária, num ambiente em que parece haver um clima mais favorável à mudança do sistema de impostos. Um dos pontos que atrapalham é o desejo de Guedes de criar um tributo sobre transações financeiras, nos moldes da extinta CPMF, para compensar a desoneração da folha de salários das empresas. A medida conta com a oposição de figuras importantes do Congresso, como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o próprio Bolsonaro já mostrou diversas vezes antipatia à ideia.
Na quinta-feira passada Guedes afirmou a empresários na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) que deve enviar a proposta de reforma tributária ao Congresso nesta semana. A ver, já que o envio da proposta foi prometido para a semana seguinte várias vezes, o que também ocorreu com a reforma administrativa.
Guedes também colabora para aumentar a incerteza ao falar de modo confuso sobre o câmbio. Na quinta-feira, o ministro disse que o câmbio é flutuante, que o dólar pode ir a R$ 5 se ele fizer muita besteira e que quem quiser remeter recursos para fora do país, que os remeta. Ao se manifestar de modo desencontrado sobre um assunto da alçada do Banco Central (BC), o ministro contribui para criar mais volatilidade.
Num momento de grande incerteza no cenário externo, é fundamental que o governo e a equipe econômica deixem de produzir ruídos e conflitos, evitando criar mais instabilidade.
Se isso não ocorrer, a recuperação vai continuar a passos lentos, com o risco de mais um ano de crescimento pífio, próximo ao pouco mais de 1% dos últimos três anos.
*Sergio Lamucci é editor de Brasil
Míriam Leitão: Imagine vencer a desigualdade
Para entender a desigualdade de gênero não basta olhar os dados, é preciso imaginar os sentimentos das mulheres discriminadas
Há vários estudos mostrando que existem vantagens econômicas em combater a desigualdade entre homens e mulheres em todas as áreas. No comando das empresas, por exemplo. Um estudo publicado na “Harvard Business Review” traz os resultados de uma pesquisa do Peterson Institute mostrando que há um aumento de 15% de lucratividade nas empresas que têm 30% de mulheres na diretoria em relação às que têm apenas homens. Mas o mais decisivo, quando o assunto é discriminação contra mulher, talvez não seja tangível.
Imagine um mundo em que nenhuma mulher seja morta pelo fato de ser mulher, em que jamais uma criança veja a sua mãe ser agredida, em que as meninas sejam estimuladas a pensar que seus sonhos não têm limites, em que não haja distribuição automática de papéis, em que os trabalhos da vida cotidiana sejam divididos harmoniosamente. Se você conseguiu pensar nesse mundo terá concluído que crianças terão menos traumas, mulheres, mais autoconfiança, a sociedade, mais igualdade e a economia, mais produtividade.
O estudo publicado na “Harvard Business Review” por Marcus Noland e Tyler Moran é de 2016, mas outros recentes confirmam o fenômeno. Eles fizeram uma pesquisa em 22 mil firmas globalmente. Em 60% delas, nenhum integrante do conselho de administração era mulher, em apenas metade delas havia algum integrante feminino na diretoria executiva e só 5% tinham mulher na presidência. Isso varia de país a país. A Noruega, de novo, na frente. O Japão, sempre atrás. O curioso é que os pesquisadores descobriram que não havia diferença na lucratividade se o CEO fosse homem ou mulher, mas diretorias e conselhos de administração com mais diversidade tinham melhor desempenho.
Imagine uma mulher que apanha do homem que um dia amou e escolheu para dividir a vida. Ela se encolhe e começa a considerar que é a culpada. Algo fez de errado. Se é dependente economicamente é ainda mais difícil reunir forças e ir numa delegacia denunciar o agressor. Imagine quantas palavras depreciativas ouviu enquanto apanhava e como isso sedimentou nela a dúvida sobre sua própria natureza. E mesmo que ela não tenha sofrido violência física, as agressões verbais a fizeram crer que é inferior.
“Existem notícias encorajadoras.” Assim começa um artigo postado por Roni Mermelshtine na Good&Co, uma empresa de orientação de carreira, com presença global, mas baseada na Califórnia. Uma dessas boas notícias é que pela primeira vez existe mulher no comando de uma empresa automobilística. Em setembro de 2018, uma mulher assumiu a presidência da General Motors, Mary Barra. Na empresa, a diretora financeira também é mulher. O problema é que nas 500 maiores da “Fortune” apenas 23 têm mulheres no comando. Segundo o texto desta semana, a diversidade de gênero é pífia no mundo inteiro. A pressão de investidores, as cotas, os grupos de defesa de direitos têm conseguido aumentar a presença de mulheres, mas ela é ainda muito baixa.
Imagine que você cresça ouvindo que não pode gostar de um determinado brinquedo porque ele é de homens, que você é fraca, que certas profissões são exclusivas para meninos. E, depois de crescer, dentro da empresa seja preterida nas promoções mesmo sendo mais qualificada, e, ao fim, seja constrangida por um chefe. Imagine que você more num país onde o presidente quando critica a imprensa escolhe as mulheres como alvo principal. E que em determinado dia faça um ataque claramente sexista a uma delas, iniciando uma onda de postagens machistas nas redes.
A McKinsey faz há cinco anos pesquisa sobre gênero e desigualdade nas empresas. Repete a mesma pesquisa a cada ano. Comparando 2015 com 2019 verificou que o percentual de mulheres no nível executivo aumentou de 17% para 21%. “Apesar de ser um passo na direção certa, a igualdade continua fora de alcance. Mulheres — e particularmente mulheres negras — estão sub-representadas em todos os níveis”, diz a última versão do estudo.
Imagine as meninas que estão crescendo hoje. E pense nos sonhos que elas podem sonhar. Imagine um mundo em que elas sejam protegidas de agressões e estimuladas em seus projetos, em que nas escolas e nos lares ninguém lhes diga “isso não é coisa de menina”. O futuro haverá de ser assim, mas o que temos diante de nós ainda é uma longa caminhada. Travessia.
Adriana Fernandes: Espiral negativa na economia
Bolsonaro só joga lenha nessa fogueira; nega-se a assumir protagonismo na agenda
O governo deveria deixar de lado urgentemente o debate sobre a separação da composição do PIB privado x PIB público, que ganhou força pelas redes sociais após a divulgação do resultado de 1,1% de alta do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019.
Alimentar e estender a polarização também na área econômica, com propaganda política disparada pelo Palácio do Planalto, é irritante e tira o foco do que é principal neste momento: estancar a espiral negativa que abala a economia brasileira nos últimos dias. É uma distração desnecessária.
A espiral, sim, é assustadora. O dólar em alta e a saída rápida de dinheiro do País dão o tom do momento. O ambiente doméstico ruim se soma ao cenário desafiador provocado pelo impacto negativo na economia mundial do alastramento da epidemia do novo coronavírus.
Num piscar de olhos, a economia pode afundar e perder até mesmo o pouco crescimento que temos para hoje e que é justamente alvo das críticas. É isso que se quer?
São muitos os problemas a serem encaminhados nas próximas 15 semanas (até que o Congresso pare de vez por conta das eleições). O ministro da Economia, Paulo Guedes, está perdendo a cada dia nacos grandes de confiança que o setor privado lhe conferiu desde o início do governo.
O presidente Jair Bolsonaro só joga lenha nessa fogueira. Nega-se a assumir protagonismo na agenda e ao mesmo tempo pressiona por resultados rápidos na economia para se reeleger. Faz sentido?
É com estupefação que assistimos Bolsonaro, mais uma vez, criticar o trabalho da Receita Federal, minando o órgão que é responsável por colocar dinheiro no caixa. O que pode acontecer a um país onde os contribuintes não confiam na capacidade do Fisco de arrecadar? Aumento da sonegação e cofres mais vazios.
É, portanto, de natureza menor a polêmica encabeçada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) sobre a composição do PIB usada nas propagandas.
Estamos naquele momento difícil em que a pergunta que mais se faz em Brasília é a seguinte: Paulo Guedes vai abandonar o barco? No momento, o ministro não dá sinais de que fará isso. Mas a sua equipe dá sinais, sim, de ter perdido a direção. Ou Guedes toma as rédeas do seu plano, ou acabou o ano para a equipe econômica, sem nem mesmo ter começado. Sinalização ruim e ainda não explicada foi o presidente ter retirado competências dadas a Guedes na gestão do Orçamento.
Que motivo teríamos para ter um crescimento mais robusto? Os canais monetários, via redução de juros, estão enferrujados. Os canais fiscais (recursos orçamentários para investimentos), atrofiados. Os canais extrafiscais (como o dinheiro do FGTS) estão se exaurindo. Produtividade estagnada e demanda fraca.
É difícil ter reforma sem apoio do governo. A União é a única que pode negociar e compensar perdas na arrecadação com o Congresso. O que vai gerar crescimento são projetos que valorizem os ativos no presente.
As reformas continuam sendo importantes, por mais que os opositores da política econômica atual insistam em retirar a importância delas neste momento. Não há política econômica que vá resolver o problema do PIB baixo em um ano, dois anos.
Reformas não são só aquelas estruturantes, como a tributária e a administrativa, defendidas pelo Ministério da Economia. O Congresso deveria ir a fundo numa ampla reforma regulatória para limpar o caminho para o investimento. Isso não é ladainha. As reformas são fundamentais. São pré-requisito.
O presidente Jair Bolsonaro piora o clima com sua postura irresponsável.
Por outro lado, a dinâmica negativa pode ser revertida. Ela pode fazer o Congresso acordar e abrir uma oportunidade para trazer as coisas a um nível de razoabilidade maior, permitir avanços em pautas boas, como por exemplo, o projeto do saneamento, a reforma tributária. A agenda econômica não pode perder fôlego. Procura-se o bombeiro.
O Estado de S. Paulo: ‘O Brasil está à deriva, não vejo nenhuma estratégia’, diz Eduardo Giannetti
Para Eduardo Giannetti, presidente “encarna o corporativismo”, e governo precisa deixar claro conteúdo e cronograma de reformas
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo
Ainda é cedo para dizer que o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 - que surpreendeu não tanto pelo crescimento fraco, de 1,1%, mas por sua composição, com baixo nível de investimento - vai se repetir em 2020, segundo o economista Eduardo Giannetti. A ausência de um plano econômico claro, com propostas e cronogramas definidos publicamente, no entanto, pode fazer com que isso volte acontecer, o que, por sua vez, frustraria a população.
“Aí voltamos a um ponto: a sequência de ondas de insatisfação que vem se manifestando na sociedade. O desapontamento com o (presidente Jair) Bolsonaro prepara o terreno para uma nova onda”, diz o economista.
Para ele, o País está “à deriva” - “não vejo nenhuma estratégia, nenhum plano definido” -, e uma possível perda de poder da ala liberal dentro do governo, além do coronavírus, acentuam a imprevisibilidade.
A seguir, trechos da entrevista.
• No fim do ano passado, o sr. falou que acreditava que 2020 não repetiria a decepção com o PIB registrada em 2018 e 2019. Ainda acha isso?
Em função de fatores externos e domésticos, estou menos convencido agora de que a recuperação cíclica é irreversível. Mas acho que é cedo para dizer que vamos repetir o que aconteceu nos últimos três anos.
• Mas as revisões para baixo já começaram.
Já, mas acho que é cedo para determinar, diante de tantas incertezas, inclusive externas, qual vai ser o desempenho em 2020. O mundo está mais imprevisível. Nos últimos 12 meses, tivemos ameaça de guerra comercial, de guerra entre EUA e Irã e agora o coronavírus. Cada um desses eventos gera incerteza. Seria improvável um mundo em que eventos de baixa probabilidade nunca acontecessem. Eles acontecem. O que mudou é que antes eles eram locais e agora são globais. Isso torna o mundo mais imprevisível.
Três fatores aumentam a imprevisibilidade mundial. Primeiro, a maior interdependência. Quando teve a Sars, em 2003, a China era muito menor do que é hoje. Uma queda da produção da China hoje faz cair o preço das commodities e afeta os emergentes. A interdependência de comércio, finanças, pessoas e informação aumenta a imprevisibilidade.
A segunda coisa é a tecnologia. Ninguém sabe qual será a estrutura econômica futura e se ela sancionará os atuais modelos de negócio que são vitoriosos. A indústria digital é um serial killer, mata um setor econômico de cada vez. Isso gera enorme insegurança nos tomadores de decisão e muita imprevisibilidade microeconômica. A terceira coisa é a polarização política. Estamos nas mãos de governos que agem de acordo com uma lógica que não era a estabelecida no sistema democrático de poucos anos atrás. Isso é uma novidade que aumenta a imprevisibilidade no processo decisório. Então, é bom a gente se preparar porque o mundo ficou mais imprevisível. Talvez esse seja o novo normal. O aumento da imprevisibilidade torna mais difícil o processo decisório e afeta investimentos.
A tendência, então, é uma queda geral de investimentos?
As pessoas vão ter de aceitar correr mais riscos. Não vão poder se ausentar completamente. Ao mesmo tempo, as taxas de juros estão baixas, o que leva os detentores de ativos a buscar alternativas para investir. São forças em direções contrárias.
E como o sr. vê a questão de previsibilidade doméstica?
Aí o governo Bolsonaro deixa muito a desejar, porque não está nem um pouco empenhado em dar sequência ao movimento reformista.
• O presidente ou o governo como um todo?
É o governo como um todo. O Brasil está à deriva em termos de governo. Não vejo nenhuma estratégia, nenhum plano definido.
Não há um plano liberal sendo implementado?
Não vejo estratégia, comprometimento ou clareza. É espantoso que a equipe econômica não tenha, até agora, dito o que deseja de reforma tributária. Eles sabem da importância desse assunto para a vida empresarial e não se manifestam. A única coisa que aparece desse governo é corporativismo. É, por exemplo, liberar terra indígena para mineração. O presidente confunde defender os grupos de interesse que interessam a ele politicamente com o governo do Brasil. Ele defende os militares na reforma da Previdência, se omite na greve das polícias militares, defende os canais de televisão dos grupos de mídia que o apoiam liberando sorteios, quer abrir terras indígenas para garimpo para defender grupos até paralegais que atuam em mineração ilegal na região amazônica.
O corporativismo era tido como uma das grandes característica do governo PT...
Ninguém encarna mais o corporativismo pequeno do que o nosso presidente. Ele não vê problema em usar o poder para favorecer aqueles que os apoiam.
O sr. já disse várias vezes que vê risco à democracia no Brasil sob Bolsonaro. Como o sr. avalia o fato de o presidente ter compartilhado um vídeo convocando para protesto contra o Congresso?
Concretamente, a linha não foi atravessada. Mas fica cada vez mais claro que o sentimento é de atropelar instituições. Temo que, num momento de crise, esse sentimento se transforme em ação. O risco é alto e tenho certeza de que a insegurança política gerada pelos pronunciamentos do Bolsonaro em nada contribui para a economia brasileira. Houve um rumor, pouco tempo atrás, de que o Paulo Guedes poderia sair do governo. E se o Bolsonaro resolve dar um cavalo de pau na economia e chamar um militar? Aliás, isso é curioso. Há três grupos no governo: o militar geopolítico, o liberal econômico e o familiar astrológico. Essa correlação de forças tem mudado e o familiar astrológico se enfraqueceu, enquanto o militar avançou e aparentemente está de olho na economia.
O sr. dizia que o familiar o preocupava. Como vê essa mudança?
A força que me parecia menos ameaçadora era a econômica. O enfraquecimento dela é mais um elemento de incerteza.
Voltando ao PIB, o resultado de 2019 e a possível debilidade que deve haver neste ano ameaçam a agenda reformista?
Pouca reforma foi feita até agora, mas uma conquista é que o Brasil saiu da UTI fiscal. Isso começou no governo Temer e teve continuidade neste início do governo Bolsonaro.
Mas isso é algo que a população não sente. As pessoas percebem o desemprego.
Está faltando essa agenda de reforma administrativa, tributária, de marco regulatório adequado para investimento em infraestrutura e de um governo que tranquilize, em vez de hostilizar. Um governo que mostre seriedade e compromisso em criar um ambiente estável para que as pessoas possam se sentir confiantes em relação ao futuro. O governo Bolsonaro não contribui em nada para isso. Essa maluquice que fez, se recusando a comentar os números do PIB, é um desastre para a credibilidade. Mas as reformas não foram feitas ainda. Se forem feitas e não derem resultado, aí tem duas possibilidades: elas podem ser necessárias, mas não suficientes, ou se mostrarem contraproducentes. Mas, se acontecer uma boa reforma tributária, isso só pode contribuir para o melhor desempenho da economia brasileira. Não tem como piorar.
O que mais precisa ser feito?
Reforma administrativa. A questão do pacto federativo é importante. Temos de descentralizar as decisões em relação ao uso de recursos públicos no Brasil. Essa é uma boa agenda que a equipe econômica do governo Bolsonaro tem, mas não está acontecendo. O governo tem de apresentar propostas, apresentar um cronograma de encaminhamento da reforma administrativa, definir uma agenda exequível de iniciativas. Isso não está acontecendo. E a impressão que dá é que eles (ala liberal do governo) estão se enfraquecendo dentro daquele arranjo tripartite de forças do governo.
Sem propostas e cronograma, além dessa ala perdendo força, o que podemos esperar para os próximos três anos?
Vamos continuar nessa frustração e aí voltamos a um ponto: a sequência de ondas de insatisfação que vêm se manifestando na sociedade. Tivemos junho de 2013, a quase vitória da Marina (Silva) na eleição de 2014 foi um sentimento anti-establishment violento, o impeachment da Dilma também foi uma onda anti-establishment, a greve dos caminhoneiros e a própria eleição do Bolsonaro. Bolsonaro capturou na eleição esse sentimento anti-político. O desapontamento com o Bolsonaro prepara o terreno para uma nova onda. As pessoas vão começar a ficar muito inquietas, insatisfeitas e aí um acontecimentozinho pode deflagrar, com as novas tecnologias, uma nova onda (de protestos).
Como o sr. vê a ameaça do coronavírus?
Tem dois cenários. Um de que é um fenômeno de grande impacto, mas de curto prazo, que, no segundo semestre, haverá uma volta à normalidade e até um movimento de recuperação do que se perdeu no primeiro semestre. A mais pessimista é de que é um choque de oferta, como foi o do petróleo nas décadas de 70 e 80, que tem implicações duradouras e que vai gerar problemas de demanda também. O choque de oferta interrompe cadeias produtivas, leva à queda de suprimentos, a fechamento de fábricas, ao aumento do desemprego, á perda de renda. E aí você tem uma recessão. O fato de o BC americano ter se precipitado e usado boa parte da sua munição tão rápido mostra que ele está assustado e que pode ter usado rápido e cedo demais a pouca munição que tem para baixar juros.
Em qual desses cenários o sr. apostaria?
Esses cenários dependem de coisas difíceis de se modelar, quanto mais de ter um resultado para o qual se possa atribuir probabilidade. Qualquer resposta muito confiante em relação a isso mostra ignorância.