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Assassinatos de indígenas no Brasil crescem 22% em uma década
Atlas da Violência mostra que um indígena foi morto a cada dois dias entre 2009 e 2019. Taxa dos demais homicídios caiu no mesmo período
DW Brasil / Agência Brasil
A taxa de homicídios de indígenas cresceu 22% no Brasil em uma década, saltando de 15 mortes por 100 mil habitantes em 2009 para 18,3 em 2019 – enquanto a taxa de assassinatos da população como um todo caiu 20%, de 27,2 por 100 mil habitantes em 2009 para 21,7 em 2019. O dado inédito consta no Atlas da Violência 2021, publicado nesta terça-feira (31/08).
Ao todo, o Brasil registrou 2.074 homicídios de indígenas entre 2009 e 2019, o que significa que um indígena foi assassinado a cada dois dias no país ao longo desses 11 anos.
Em 2019, último ano analisado pelo relatório, foram computadas 186 mortes. Os estados que registraram mais homicídios de indígenas em números absolutos naquele ano foram o Amazonas (49), Roraima (41) e Mato Grosso do Sul (39).
Também em 2019, a taxa de homicídios de indígenas relativa à população chegou a superar o índice de assassinatos em geral em cinco estados: Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Roraima, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Neste último, enquanto a taxa de mortes violentas foi de 17,7 por 100 mil habitantes, a taxa de homicídio de indígenas foi de 44,8.
É a primeira vez que o Atlas da Violência inclui dados sobre violência letal contra indígenas. A pesquisa anual usa dados do Ministério da Saúde, especialmente do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), e foi elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
O relatório deste ano observa que houve "recentes mudanças nas orientações da política indigenista brasileira", sobretudo a partir de 2019, sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, o que vem impactando a segurança dos povos indígenas.
"[Terras Indígenas] se veem pressionadas progressivamente por crimes como invasões, grilagens e desmatamentos ilegais, aumentando as tensões, os conflitos e, previsivelmente, os números de homicídios", afirma o texto.
No início deste mês, Bolsonaro foi alvo de uma denúncia protocolada no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade e genocídio contra os povos indígenas. O pedido de investigação foi apresentado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e reúne uma série de discursos, decisões e omissões registradas desde 1º de janeiro de 2019, início do mandato de Bolsonaro, que comprovariam a intenção de extermínio dos povos originários.
Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta semana o julgamento da tese do marco temporal, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que já estavam ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição de 1988. A Apib considera o julgamento na Corte "o mais importante do século" para os povos indígenas.
Quase 17 mil mortes violentas sem causa conhecida
Ao todo, entre 2009 e 2019 o Brasil contabilizou 623.439 vítimas de homicídio. Destas, 333.330, ou 53% do total, eram adolescentes e jovens. Somente em 2019, foram 45.503 homicídios.
O Atlas da Violência destaca, porém, que esse número pode ser ainda maior, devido ao grande número de mortes violentas por causa indeterminada. Tais mortes podem ter sido causadas por assassinatos e agressões, mas também por acidentes ou suicídios, portanto são registradas oficialmente como indefinidas.
Segundo a pesquisa, houve um aumento de 35% no número de mortes violentas por causa indeterminada entre 2018 e 2019, saltando de 12.310 para 16.648 – o que pode se refletir em uma subnotificação dos homicídios registrados no país no período.
O total de 45.503 homicídios em 2019 é, inclusive, o menor registrado no Brasil desde o início da série histórica, em 1995. Em comparação com os números de 2018, quando foram registrados 57.956 homicídios, houve uma queda de 21%.
Segundo os pesquisadores, acredita-se que, em média, 73% dos casos de mortes indeterminadas referem-se a homicídios, o que por si só já elevaria o número de mortes no país em 2019.
Negro tem 2,6 vezes mais chance de ser assassinado
O número de negros assassinados também cresceu na última década, enquanto caiu o número de homicídios de não negros, segundo divulgou o Atlas da Violência.
Em números absolutos, houve um aumento de 1,6% dos homicídios de negros entre 2009 e 2019, passando de 33.929 vítimas para 34.446. Enquanto isso, entre não negros houve redução de 33% no número de vítimas, passando de 15.249 mortos em 2009 para 10.217 em 2019.
Em 2019, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios no país, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes. Entre os não negros, a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil, o que significa que o risco de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra.
Crescem as mortes de mulheres em casa
Em relação aos homicídios femininos, o Atlas da Violência informou que 50.056 mulheres foram assassinadas entre 2009 e 2019. Nesse período, o número de mulheres negras mortas cresceu 2%, enquanto o homicídio de mulheres não negras caiu 26,9%.
O relatório também aponta uma mudança na distribuição dos homicídios femininos: enquanto a taxa de homicídios de mulheres dentro das residências cresceu 6,1%, a taxa de mulheres mortas fora das residências caiu 28,1%.
Segundo a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, o local do homicídio é importante para se compreender as dinâmicas de violência.
"Assassinatos de mulheres dentro de casa estão associados à violência doméstica. Os homicídios de mulheres fora de suas residências, por outro lado, em geral, estão associados a dinâmicas de violência urbana. O crescimento dos homicídios de mulheres dentro do próprio lar nos últimos 11 anos indica o recrudescimento da violência doméstica no período", afirma Bueno.
Mortes por armas de fogo
Entre 2009 e 2019, 439.160 pessoas foram assassinadas por arma de fogo, o que corresponde a 70% de todos os homicídios do período, afirmou o Atlas da Violência. O número significa que 109 pessoas foram assassinadas a tiros por dia no país ao longo da última década.
Em 2019, o Brasil registrou 14,7 assassinatos por armas de fogo por 100 mil habitantes, com 16 estados registrando taxas acima da média nacional. A maior taxa foi registrada no Rio Grande do Norte (33,7 homicídios por 100 mil habitantes), seguido de Sergipe (33,5), Bahia (30,9), Pernambuco (28,4) e Pará (27,2).
O relatório destaca que os desdobramentos da política armamentista promovida pelo governo Bolsonaro "produzem riscos de elevar os números de homicídios a médio e longo prazos".
"À luz das evidências científicas, essa política deve ser reavaliada o quanto antes, não apenas para que assim sejam reduzidos os danos trazidos na atualidade a toda a sociedade, bem como os riscos futuros contra a vida e a segurança dos brasileiros", afirma o documento.
Violência contra pessoas com deficiência
Além dos dados sobre indígenas, outro levantamento inédito do Atlas da Violência 2021 envolve pessoas com deficiência. Em 2019, foram registrados no país 7.613 casos de violência contra pessoas com deficiência – seja física, intelectual, visual ou auditiva.
Segundo a pesquisa, foram encontradas taxas elevadas de notificações de violências contra pessoas com deficiência intelectual (36,2 notificações para cada 10 mil pessoas), sobretudo mulheres, quando comparadas à população com outros tipos de deficiência.
Quanto à faixa etária, a maior concentração de notificações é contra pessoas de 10 a 19 anos. Os autores do estudo destacam que há mais casos notificados de violência contra mulheres do que contra homens em todas as faixas etárias, exceto entre 0 e 9 anos (293 contra 332).
Em 2019, a violência doméstica representou mais de 58% das notificações de violência contra pessoas com deficiência – e ela também atinge mais as mulheres (61%).
Fonte: DW Brasil/Agência Brasil
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Pandemia ameaça fazer países emergentes afundarem
Só na China a economia ainda cresceu em 2021; Em 2022, crescimento da economia brasileira deve ficar abaixo de 2%, estima o FMI
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Quanto mais um país está vinculado à economia mundial, seja através da indústria, comércio ou turismo, maior seu potencial de danos pela pandemia de covid-19. A Alemanha e outras nações ricas tentaram minorar esses prejuízos implementando gigantescos pacotes de ajuda e conjunturais; os emergentes, em geral, não têm condições para tal.
"Faltam-lhes os recursos", afirma Klaus Jürgen Gern, especialista em conjuntural internacional do Instituto de Economia Mundial (IfW) de Kiel, Alemanha. "Em comparação com a produção econômica total, suas arrecadações estatais costumam ser mais baixas. Eles tampouco podem se endividar nos mercados de capital internacionais na mesma medida que os países industrializados."
Apesar disso, não ocorreu a grande catástrofe que se temia quando começou a pandemia, no início de 2020. Na época, os investidores retiraram a toque de caixa o seu capital dos países emergentes, havia perigo de uma sangria financeira. Após o primeiro choque, porém, a situação voltou a se normalizar.
Isso foi possível, também, graças ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que disponibilizaram grandes verbas. "Assim, livraram os mercados de capitais do medo de que a crise pudesse acarretar falências estatais", explica Gern. Além disso, os proventos nos países industriais eram tão baixos que os assustados investidores tinham poucas alternativas de aplicação de seu dinheiro.
A armadilha do endividamento estatal
Nesse ínterim, contudo, o medo voltou a se fazer sentir. Como a inflação sobe nos Estados Unidos, o banco central nacional Fed poderá em breve elevar seus juros. "Para os países emergentes, há então o perigo de um forte aumento dos custos de capital e de uma evasão do capital", prevê Clemens Fuest, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica (Ifo), sediado em Munique.
Esse fenômeno já se fez observar diversas vezes, desde a crise financeira global, por exemplo em 2012/13 ou 2015/16: com a retirada de capital dos países emergentes, caem as moedas locais e faltam verbas para investimentos. Por outro lado, Gern, do IfW, ressalta que nos últimos anos os emergentes "elevaram dramaticamente" suas dívidas.
"Antes da crise financeira de 2008, o endividamento público das nações emergentes perfazia cerca de 30% de seu desempenho econômico: agora são 65%." Assim, quando crescem os débitos, uma parcela cada vez maior das arrecadações estatais é destinada à amortização das dívidas.
O resultado é que alguns desses países já estão com água até o pescoço. Por exemplo: desde o começo da pandemia, o peso argentino perdeu cerca de um terço de seu valor em relação ao dólar, com uma inflação em torno de 50%.
Também em grandes nações emergentes, como a Índia, México e África do Sul, a economia recuou de 7% a 8% em 2020. Ao contrário de ocasiões anteriores, a maioria dos emergentes não conseguiu se desvincular da tendência descendente global, perdendo o papel de motores de crescimento.
Brics afunda
Segundo cálculos do FMI, a perda econômica no Brics, excluída a China, chegou a ser maior do que a dos países industrializados. A crise também deixou claro que os antes tão celebrados integrantes do grupo (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) praticamente nada mais têm em comum. No ano do coronavírus, só na China a economia ainda cresceu; na Rússia a queda ainda foi moderada, ficando em 3%.
No Brasil, a um déficit de 4% somaram-se altas cifras de contágios e mortes por covid-19, assim como um presidente populista, na pessoa de Jair Bolsonaro, que testa os últimos limites de resistência das instituições democráticas do país.
O FMI estima que em 2022 o crescimento da economia brasileira ficará abaixo de 2% – um saldo devastador para um país que já foi considerado sério candidato ao rol das nações industriais.
A falta de estabilidade política, muitas vezes também de segurança legal, é um dos motivos para o ocaso do Brics, na opinião de Michael Hüther, presidente do Instituto da Economia Alemã (IW). Foram-se os tempos em que "bastava dizer 'Bric' e os investidores já saltavam", comentou ao jornal Handelsblatt.
É semelhante o prognóstico para a África do Sul, que desde 2011 participa dos encontros do grupo dos cinco grandes emergentes. Na visão de Christoph Kannengiesser, diretor-gerente da Associação para a África da Economia Alemã, "aqui há uma combinação de muitos fatores".
"A África do Sul está integrada a cadeias de agregação de valor por todo o mundo, sendo, assim, quase tão vulnerável como as economias europeias." Acrescentem-se vários lockdowns rigorosos, a corrupção que floresceu na época do ex-presidente Jacob Zuma e os tumultos políticos após a prisão dele.
Para as cerca de 600 empresas alemãs no país africano, entretanto, não há motivos para se retirar, ressalva Kannengiesser: "A indústria alemã, que investe muito lá, acredita na África do Sul como local de negócios e está basicamente otimista."
Nas mãos do novo coronavírus
O que virá a seguir depende também da possibilidade de controlar a pandemia de covid-19. Como há carência de vacina, as taxas de inoculação no continente africano são extremamente baixas – enquanto na Alemanha e outros países industrializados já se anunciam doses de reforço.
Kannengiesser não considera construtivo perguntar-se se isso é "justo". Mais importante seria tornar o continente menos dependente da assistência alheia: "A África deve ser colocada em condições de fabricar, ela própria, as vacinas de que precisa. Não é uma questão de patentes, mas sim de capacidades de produção."
Isso, no entanto, não acontecerá do dia para a noite. Nesse ínterim, seria o caso de a Alemanha considerar a doação de suas doses excedentes, não só através do consórcio Covax, mas também bilateralmente. A experiência da Associação para a África é que essa aliança humanitária internacional tem grande dificuldade de abastecer rapidamente os países que mais têm urgência de vacinas.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/pandemia-amea%C3%A7a-fazer-pa%C3%ADses-emergentes-afundarem/a-59032741
Estudo aponta queda da eficácia de vacinas dentro de 6 meses
Pesquisa britânica mostra que proteção do imunizante da Pfizer contra covid caiu para 74% e da AstraZeneca, para 67%
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Uma pesquisa realizada no Reino Unido com base nos resultados de exames PCR de mais de um milhão de pessoas que haviam recebido as duas doses das vacinas da Pfizer-Biontech ou da AstraZeneca trouxe novas evidências sobre a redução da eficácia dos imunizantes contra a covid-19 ao longo do tempo.
A proteção da vacina da Pfizer-Biontech contra uma infecção caiu de 88% um mês após a imunização completa para 74% após cinco ou seis meses, e a proteção da AstraZeneca caiu de 77% para 67% após quatro ou cinco meses, segundo o estudo.
O resultado se soma a outras pesquisas já realizadas que apontam redução da eficácia das vacinas ao longo do tempo, e esquenta o debate sobre a necessidade de aplicar uma terceira dose de imunizante em quem já recebeu as duas doses enquanto muitas pessoas no mundo ainda nem receberam a primeira.
A pesquisa foi liderada pelo professor Tim Spector, do King's College de Londres, e feita com dados do aplicativo de pesquisa epidemiológica Zoe Covid. Spector afirmou à BBC que uma redução da proteção ao longo do tempo dos imunizantes já era esperada e não é um motivo para não se vacinar.
"As vacinas ainda fornecem altos níveis de proteção para a maioria da população, especialmente contra a variante delta, então ainda precisamos do maior número possível de pessoas para sermos totalmente imunizados", disse.
A Public Health England, agência de saúde pública do governo britânico, estima que a campanha de vacinação na Inglaterra evitou 84,6 mil mortes e 23 milhões de infecções até o momento.
Queda de eficácia contra a delta
Outro estudo britânico, realizado pela Universidade de Oxford e publicado na semana passada, a partir dos resultados de exames PCR de quase 400 mil adultos, já havia identificado queda da eficácia de ambas as vacinas contra a variante delta após três meses da imunização completa.
A pesquisa apontou que a eficácia da vacina da Pfizer-Biontech em infecções pela variante delta caiu de 94%, 14 dias após a segunda dose, para 78% após três meses, enquanto a eficácia da AstraZeneca caiu de 69% para 61% no mesmo período.
Esses resultados, em conexão com indícios de que a variante delta pode infectar pessoas vacinadas, que por sua vez podem transmitir o vírus, reforçam a perspectiva de que a imunidade coletiva contra o coronavírus será inalcançável.
Nesse cenário, a população irá conviver com o vírus e o combate à covid-19 não será resolvido como o sarampo, para o qual a vacina funciona por toda a vida. Mas as vacinas serão importantes para que as pessoas infectadas desenvolvam, em sua maioria, sintomas mais suaves da doença.
Projeção de alta nas internações
Spector, do King's College de Londres, estima que o nível de proteção nos idosos e nos trabalhadores do setor de saúde na Inglaterra, que tomaram a vacina primeiro, pode cair para menos de 50% até dezembro, quando começa o inverno no hemisfério norte, e afirma que doses de reforço serão necessárias para parte da população.
Se a taxa de infeção continuar alta, incentivada pela variante delta e o relaxamento de restrições, "esse cenário pode significar alta nas internações hospitalares e mortes", afirmou.
Ele ressalta que nem todos precisariam da terceira dose, e que aqueles que já foram infectados pela covid-19, se curaram e receberam a vacina podem ter um "reforço natural" equivalente a ter tomado três doses.
"Tudo precisará ser gerenciado com muito mais cuidado do que apenas dar [a terceira dose] para todo mundo, o que seria um grande desperdício e eticamente duvidoso considerando os recursos que temos. Precisamos pensar em uma abordagem mais focada do que da última vez", afirmou.
Desigualdade na vacinação mundial
A Organização Mundial de Saúde vem criticando os países que decidiram iniciar a aplicação da terceira dose, enquanto não há consenso científico sobre quem precisaria do reforço e muitas nações ainda não conseguiram nem aplicar a primeira dose na maior parte de sua população.
Em 13 de agosto, o o americano Seth Berkley, diretor executivo da Gavi Alliance – que promove a distribuição de vacinas para países mais pobres –, e o professor britânico Andrew Pollard, do grupo de vacinas da Universidade de Oxford, afirmaram que um número ainda maior de pessoas em todo o mundo morrerá se os países desenvolvidos ignorarem suas "responsabilidades com o resto da humanidade".
"Este é um momento fundamental para os tomadores de decisões", afirmaram. Na avaliação de ambos, a adoção da medida nos países mais ricos poderá enviar um sinal para todo o mundo de que a terceira dose é, de fato, necessária. Segundo eles, isso poderá fazer com que muitas doses de vacina fiquem fora do sistema, levando à morte de um número maior de pessoas que sequer tiveram a chance de receber a primeira dose.
Brasil anuncia terceira dose
Mesmo após o apelo da OMS, diversos países decidiram ir adiante com os planos de começar a aplicar uma terceira dose em parte de sua população já em setembro, inclusive o Brasil, devido a preocupações com o avanço da variante delta.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou nesta terça-feira que a partir de 15 de setembro será iniciada a aplicação de uma dose de reforço da vacina da Pfizer-Biontech nas pessoas com mais de 80 anos ou imunossuprimidas que tomaram a segunda dose da vacina há pelo menos seis meses. Nessa data, o governo espera que toda a população maior de 18 anos já tenha recebido pelo menos a primeira dose da vacina.
A Alemanha e a França já anunciaram a terceira dose para os mais idosos e vulneráveis, enquanto Israel começou a administrar a terceira dose em pessoas com mais de 50 anos.
Os Estados Unidos autorizaram a dose reforço para cidadãos que têm o sistema imunológico debilitado, o que equivale a 3% de sua população. E o Uruguai anunciou que oferecerá uma terceira dose da Pfizer-Biontech a quem tomou a Coronavac.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/estudo-aponta-queda-da-efic%C3%A1cia-de-vacinas-dentro-de-6-meses/a-58980546
Indígenas protestam antes do "julgamento do século" em Brasília
Acampados na Esplanada dos Ministérios, cerca de 6 mil indígenas de 170 povos manifestam-se contra o marco temporal, que pode ser julgado pelo STF nesta quarta e definir o futuro das demarcações de terras no Brasil
Milhares de indígenas estão acampados desde o último fim de semana em uma área da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para protestar por seus direitos e contra a controversa tese do marco temporal, que está na pauta desta quarta-feira (25/08) do Supremo Tribunal Federal (STF).
O plenário da Corte deverá decidir se as demarcações de terras indígenas devem seguir o critério do marco temporal, segundo o qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que já estavam ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição de 1988. Se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito comprovado pela área na data.
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Uma história de resistência
Luta pela Vida reúne mais de 5 mil indígenas
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera o julgamento do STF "o mais importante do século" para os povos indígenas. Eles afirmam que a adoção do marco temporal limitaria o acesso ao seu direito originário sobre suas terras, e que há casos de povos que foram expulsos delas algumas décadas antes da entrada em vigor da Constituição.
Já ruralistas argumentam que o marco temporal daria dar maior segurança jurídica contra desapropriações de suas propriedades.
INDÍGENAS PROTESTAM EM BRASÍLIA
Maior mobilização indígena desde a redemocratização
Organizadora do acampamento em Brasília, batizado de "Luta pela Vida", a Apib afirma se tratar da maior mobilização indígena desde a redemocratização, com a participação de cerca de 6 mil indígenas de mais de 170 povos. Eles devem permanecer na capital federal por um total de sete dias, até o próximo sábado.
Nesta terça-feira, os indígenas marcharam pela Esplanada dos Ministérios portando 1,3 mil faixas com os nomes de todas as terras indígenas do país, as quais depositaram diante do Congresso Nacional. Todas as pistas da via ficaram interditadas por cerca de uma hora.
Indígenas também protestaram contra "agenda anti-indígena" do governo e pediram o impeachment de Bolsonaro
Segundo a Apib, o objetivo do protesto foi reivindicar a continuidade das demarcações, paralisadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, e a proteção dos territórios indígenas. Os povos denunciam "a agenda anti-indígena em curso no Congresso Nacional e no governo federal" e o "agravamento das violências contra os povos originários dentro e fora dos territórios tradicionais".
Os manifestantes também gritaram "Fora Bolsonaro!”, e ergueram faixas pedindo o impeachment do presidente e com a frase "Genocida, seu destino é o Tribunal de Haia", em referência à denúncia apresentada neste mês pela Apib ao Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Bolsonaro.
No início da noite, os indígenas fizeram uma vigília com velas e acenderam a mensagem "Brasil Terra Indígena", com 380 lâmpadas de led, em frente ao Supremo.
Manifestantes também fizeram uma vigília com velas em defesa do direito a suas terras
"Ninguém vai calar as nossas vozes"
Para a Apib, a tese do marco temporal é "injusta porque desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição". "Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos."
Samara Pataxó, coordenadora jurídica da Apib, afirmou que a mobilização em Brasília é importante para demonstrar que os indígenas acreditam no STF como protetor da Constituição. "O ato é justamente para chamar a atenção dos Poderes, e agora do STF, de que é necessário proteção territorial, que é necessário proteger as vidas indígenas, e proteger a Constituição, já que o direito territorial indígena é um direito constitucional, e compete ao STF a proteção da Constituição”, defendeu.
"São as nossas vidas e a vida da humanidade que está em jogo no STF. E ninguém vai calar as nossas vozes", reforçou Sonia Guajajara, da coordenação executiva da Apib.
Risco de ameaças ainda maiores
A decisão do STF sobre o marco temporal deverá servir de diretriz para o governo federal e todas as instâncias da Justiça em relação à demarcação de terras e servir de referência em processos sobre o tema.
Paralelamente à votação no Supremo, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 490, de 2007, que pretende tornar mais difícil a demarcação de terras indígenas — inclusive utilizando o argumento do marco temporal. O PL havia mobilizado indígenas a realizarem outro acampamento em Brasília, em junho.
À DW Brasil, sociólogo Rogério Baptistini Mendes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirmou que a possibilidade de aprovação da tese do marco temporal e do PL 490 significa que os povos indígenas podem sofrer "ameaças ainda maiores do que as que enfrentam nestes dias de fiscalização precária e incentivo à invasão de suas terras".
A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou nesta segunda-feira apelos do seu relator especial sobre os direitos dos povos indígenas, Francisco Cali Tzay, defendendo que o STF rejeite a tese do marco temporal, a qual afirmou se basear num "argumento legal promovido por agentes comerciais com o fim de explorar recursos naturais em terras tradicionais" do Brasil.
"A decisão do STF não só determinará o futuro destas questões no Brasil durante os próximos anos, mas também sinalizará se o país pretende estar à altura das suas obrigações internacionais de direitos humanos", concluiu.
Fonte: DW Brasil
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Francisco e o trabalho escravo: 'A esquerda deve tratar desses horizontes'
REVISTA IHU ON-LINE
Mario Tronti, um dos últimos intelectuais da esquerda italiana, desde sempre um espírito crítico, mas não destrutivo do universo político, lê assim a carta de Francisco: “Ele é o Papa dos últimos e devemos agradecer pelo seu apelo, mas quem o ouvirá? Eu sou cético porque sobre temas de trabalho se repetem muitas vezes as palavras rituais. A começar pela esquerda, que deveria tratar desses temas: não digo que não fale nada sobre isso, mas certamente não coloca a questão do trabalho no centro da sua atenção e da sua política”.
Nascido em 1931, ex-professor de Filosofia Política, um dos principais teóricos do marxismo operário, na esquerda Mario Tronti é um dos interlocutores naturais de um Papa como Francisco.
A entrevista com Mario Tronti é de Fabio Martini, publicada por La Stampa, 13-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
O Papa usou uma expressão forte que corre o risco de se dissipar na tagarelice cotidiana das mídias: escravidão, também em referência à indústria cultural. Parece-lhe adequada ou excessiva?
Ainda é impressionante ler sobre trabalhadores, na sua maioria imigrantes, que ganham 3 euros por hora, ficando 10 horas sob o sol. Sim, são formas de escravidão. Infelizmente, falar de trabalho escravo faz sentido nesta sociedade que em muitos aspectos é livre apenas na aparência.
Maggiani e o Papa refletem sobre o tema: vale a pena produzir beleza, isto é cultura, graças aos escravos?
Antigamente havia a cultura do trabalho, que atravessava os partidos da esquerda comunista e socialista, e os intelectuais trabalhavam em contato com o mundo do trabalho: hoje essa cultura não existe mais. É por isso que falta sensibilidade em relação a esses temas.
Francisco argumenta: “A caneta e o computador nos oferecem outra possibilidade: a de denunciar, de escrever até coisas incômodas para estimular as consciências”. Por que os holofotes se acendem intermitentemente sobre esses temas?
Estou impressionado com a sequência de mortes no trabalho que ocorrem diariamente e que se intensificam. Estamos diante de um dos fenômenos mais trágicos de nosso tempo. Um problema muito sério que deve ser colocado na ordem do dia. Vejo que o governo prometeu tratar mais a respeito e mesmo que o problema venha de longe, nunca se torna uma questão estratégica.
O Papa diz o que deveria dizer uma esquerda digna desse nome?
Francisco vem de lugares distantes do centro da civilização ocidental, depois de ter amadurecido em seu país de origem uma sensibilidade social que trouxe para Roma, no centro da Igreja, e representa uma grande oportunidade para todos.
Certas declarações do Papa parecem quase da esquerda revolucionária: não deveria bastar uma esquerda rigorosamente reformista?
A esquerda? Eu diria de forma mais geral, toda a classe política fala sobre muitos problemas, nunca sobre o tema do trabalho. Muita gente morre ou se cansa demais e é até explorada: a esquerda deveria recomeçar a partir da defesa do trabalho, como tarefa central e não como uma de tantas, que certamente não devem ser esquecidas.
O partido que representa a esquerda está no governo ...
Certamente, o Ministro do Trabalho deveria lançar um grito mais alto e tomar as providências necessárias. O governo tem muitas coisas a fazer, mas nesse campo se pode tomar as iniciativas que forem necessárias. A começar por uma maior presença de fiscais do trabalho nas zonas de exploração selvagem.
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*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da FAP
Amazônia: Brasil perdeu uma França de florestas para pastos desde 1985
Com 89 milhões de cabeças de gado, só a Amazônia abriga hoje 42% do rebanho brasileiro. Após décadas de avanço "predatório" da pecuária, especialistas dizem ser possível zerar desmatamento sem perdas econômicas
Edison Veiga / DW Brasil
A Amazônia está virando pasto. É o que números mostram: quase 42% do rebanho brasileiro está nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão, que formam a chamada Amazônia Legal. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 89 milhões de cabeças de gado na região.
E o preço é pago pela floresta. Segundo um levantamento da plataforma Mapbiomas, entre 1985 e 2019 o Brasil transformou 67,8 milhões de hectares de florestas em pastagens, uma área maior que a da França, além de 8,6 milhões de outras formações naturais, como áreas alagadas e savanas.
"Ou seja, cerca de 76,4 milhões de hectares de vegetação nativa foram convertidos em pastagens no Brasil entre 1985 e 2019", comenta o pesquisador Tiago Reis, que estuda ações de combate ao desmatamento na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.
Considerando os dois últimos censos agropecuários, entre 2006 e 2018, a área de pasto apenas na Amazônia Legal saltou de 42,4 milhões para 50,6 milhões de hectares. É como se todos os anos 747 mil campos de futebol avançassem sobre a mata nativa — e fossem ocupados por bois.
Governo incentivou avanço de pecuaristas sobre a floresta
De acordo com especialistas, isso ocorre por um motivo simples: plantar capim e encher de gado é a maneira mais simples de ocupar um território. E para entender essa questão é preciso recuar algumas décadas.
"O momento histórico em que se começa a pensar em políticas públicas para a Amazônia é exatamente o período da ditadura militar, com uma visão um tanto paranoica, o ‘integrar para não entregar', e grandes projetos de estradas, de agronegócio de ocupação econômica da Amazônia", contextualiza Marcio Isensee e Sá, diretor de conteúdo do projeto ((oeco)) e diretor do filme Sob a Pata do Boi, lançado em 2018.
Nos anos 1970, o governo federal incentivava esse avanço dos pecuaristas sobre a floresta. Anúncios com slogans "toque sua boiada para o maior pasto do mundo" eram recorrentes na mídia.
"O boi é a forma mais fácil de ocupar um território, depois que você derruba a floresta. O capim você planta muito facilmente, pode ir de avião e jogar semente, vai nascer. Colocar boi é a forma mais fácil de ocupar a região, mesmo que não seja necessariamente para a produtividade", pontua Sá.
Recém-lançado pelo projeto ((o))eco, em parceria com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o livro Sob A Pata do Boi - Como a Amazônia Vira Pasto traz histórias e números que fundamentam esse cenário.
O estado do Pará ilustra bem a questão. De acordo com informações compiladas pelo livro, em 1970, havia ali pouco mais de 2 milhões de habitantes. E eram menos de 2 milhões de cabeças de gado. Trinta anos mais tarde, o estado já contava com 6 milhões de habitantes e mais de 10 milhões de bois nas pastagens. Em 2010, o número de habitantes havia saltado para quase 8 milhões — já o de gado, estava em 18 milhões.
Exploração "predatória"
"A Amazônia vira pasto porque existem pessoas que não sabem extrair valor da floresta, só sabem extrair valor da floresta convertida em pasto, da pecuária extensiva e ineficiente", critica Reis. "O boi tem alta liquidez e é uma forma de o sujeito guardar sua reserva de valor. É um ativo que sempre valoriza."
Ele aponta que tais pecuaristas atuam "de forma predatória". "Ele não recupera o solo, não preserva pastagem. Desmata, queima, usa a pastagem até o solo esgotar, então vai para outra área, abre outra área", explica.
Há muitas situações também em que a pastagem é apenas um veículo para a grilagem. Nesse sentido, ela é feita em uma área pública invadida, para que o grileiro "afirme a posse".
"Isso é característico de regiões de fronteira agrícola, áreas que estão sendo abertas para a ocupação humana. A pecuária sempre ocupou muito esses espaços por ser uma atividade mais barata, que exige menos tecnologia e menos capital inicial do que a produção de soja, por exemplo", avalia a jornalista Fernanda Wenzel, especializada em Amazônia e uma das autoras do livro Sob a Pata do Boi.
Especializado em meio ambiente e outro dos autores do livro, o jornalista Aldem Bourscheit atenta para o fato de que nas últimas duas décadas o rebanho brasileiro tem se deslocado das regiões Sul e Sudeste para o Centro-oeste e Norte.
"Isso não é apenas por uma questão de mercado", avalia. "Está associado, sem dúvida, ao domínio do território por uma lógica econômica. O gado é usado no Brasil como instrumento de ocupação."
Conscientizar e recuperar
Soluções para a questão são complexas. Instituído em 2010, o Termo de Ajustamento de Conduta conhecido como "TAC da carne" obriga os frigoríficos a comprarem bois apenas de terras comprovadamente não desmatadas.
O problema, contudo, é que durante a vida do boi, na lógica de produção extensiva, ele passa por diversas pastagens, diversos proprietários. Na prática, como explicam os especialistas, é relativamente fácil driblar o TAC, garantindo que a última pastagem do boi antes do abate seja uma terra sem ficha suja.
Pesquisador no think tank sueco Instituto Ambiental de Estocolmo, o biólogo Mairon Bastos Lima cobra uma melhoria na fiscalização.
"O Brasil tem excelente capacidade de monitoramento e expertise no combate ao desmatamento e foi a partir disso que se conseguiu reduzir em até 80% o desmatamento da Amazônia entre 2004 e 2012. Mas essa efetividade depende de um Ibama fortalecido, de um ICMBio ativo, com recursos", cobra.
"Não há mistério: é uma questão de restaurar o que foi sucateado nos últimos anos. O Brasil soube fazer antes e pode fazer de novo o combate efetivo ao desmatamento. Em grande medida é questão de vontade política e pressão da sociedade para que as coisas aconteçam."
"Pessoas têm de ser sensibilizadas. Pesquisas demostram que não é só saber das consequências, mas também se importar com a situação, entender aquilo como o problema", comenta ele. "As pessoas ficarão mais sensibilizadas sobre o desmatamento da Amazônia se entenderem que se trata também de um esquema criminoso, de uma forma de corrupção que tem impactos já no presente e que custa o futuro do país."
Lima também cobra um trabalho de conscientização sobre os efeitos que o desmatamento traz para o dia a dia. A escassez de chuvas e o aumento da conta de luz, por exemplo.
Os especialistas também acreditam que se as áreas já desmatadas fossem recuperadas — e não simplesmente deixadas para trás depois do esgotamento do solo — e reutilizadas para a própria pecuária, não seria necessário desflorestar mais para aumentar a produção de carne.
"Podemos zerar o desmatamento sem perdas econômicas, pois a produtividade das pastagens no Brasil é muito baixa. É possível produzir nas áreas já desmatadas e ainda sobrariam áreas para a restauração florestal. A restauração, por regeneração natural ou reflorestamento, é importante para proteger áreas sensíveis e para absorver carbono da atmosfera e, assim, reduzir o risco climático", pontua o engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador do Imazon e também um dos autores do livro Sob a Pata do Boi.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/brasil-perdeu-uma-fran%C3%A7a-de-florestas-para-pastos-desde-1985/a-58729980
A esperança que habita nos cantos do Brasil desolado pela pandemia
Além de um estado de luto constante, a pandemia trouxe fome para milhões de brasileiros. A desigualdade é desoladora, e parece não haver saída. Mas basta olhar para os cantos para ver a possibilidade de outros Brasis
Ynaê Lopes dos Santos / DW Brasil
Temos motivos de sobra para estarmos cansados, desgostosos, exaustos e profundamente tristes.
Ainda atravessamos uma pandemia que transformou a vida de todos/as, nos obrigando a enfrentar a morte e o medo dela o dia todo, todos os dias. Num estado de luto constante, mesmo quando não conhecemos nenhum dos mais de mil mortos do dia. E se não bastasse termos que andar de mãos dadas com a morte, para muitos de nós a vida de antes não existe mais.
São as horas em frente às telas, na tentativa de reinventar as conexões. São sorrisos que agora vislumbramos pelo canto ou pelo brilho dos olhos, quando muito. São os abraços engasgados, como nós na garganta, que transformaram os cotovelos em objetos de afeto e afeição. Entrar num transporte público com inúmeros receios. Perder o emprego, o chão. É olhar para uma aglomeração e achar estranho, saber ser errado, mesmo com tanta saudade. É não saber direito onde estamos, nem para onde iremos. E mesmo assim, continuar caminhando.
É também a volta da fome. Muitos de nós estamos vivendo uma enorme fome de diversão e arte – aspectos que sempre fizeram parte das "coisas boas da vida". Mas essa é uma fome que tem CEP certo, e que, infelizmente, não é a pior de todas.
O Brasil vive o agravamento da fome por sobrevivência. Nos últimos dias têm aparecido no noticiário pessoas formando fila para pegar ossos de boi, tendo em vista os preços exorbitantes da carne. O nosso arroz com feijão (combinação que garante a base alimentar de milhões de brasileiros) está tão caro, que agora temos uma versão "mais pobrinha", composta por fragmentos de arroz e bandinhas de feijão. Grãos fracionados que, embora liberados para o consumo humano, demonstram bem a situação que estamos vivendo: a falta de inteireza. E também falta leite, pão, dinheiro para o gás de cozinha.
Dentre os 210 milhões de brasileiros, aproximadamente 19 milhões estão passando fome. Um dos países que mais produz carne e grãos em todo o mundo permite que quase 10% de sua população esteja faminta. Uma constatação que, de tão perversa, chega a ser irônica.
De fato, estamos dentro de um quadro desolador, no qual a desigualdade é nosso denominador comum, e nem sei bem o quanto isso nos indigna. Parece não haver saída. No entanto, a sobrevivência de uma grande parcela da população brasileira é a constatação da perversidade do sistema em que vivemos, mas também a possibilidade de pensarmos a vida e construirmos um mundo a partir de outras possibilidades.
Se olharmos com atenção para os cantos, como bem nos lembra o belo samba de Dona Ivone Lara, teremos uma nova perspectiva. Que não anula a violência que nos cerca, nem a fome que nos assola, mas que nos dá um sopro de esperança, nos lembrando que também somos feitos de (em)canto.
Esta semana começou com o dia 25 de julho, o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. O dia de mulheres que, historicamente, estiveram fadadas a sobreviver… Mulheres que só puderam ver a esperança nos cantos, e não no centro de suas vidas. A escolha por trás da comemoração deste 25 de julho tem uma história toda especial. A história de Tereza de Benguela, uma mulher escravizada (não sabemos ao certo se nascida no Brasil ou em alguma sociedade africana), que em meados do século 18 se tornou a liderança máxima do Quilombo de Quariterê, no que hoje é o estado do Mato Grosso.
Ao longo de quase 20 anos, a rainha Tereza de Benguela chefiou uma comunidade que se colocava abertamente contrária à sociedade escravista e colonial da época. O quilombo era formado por homens, mulheres, negros e indígenas que produziam alimentos para subsistência, além de criarem animais de pequeno porte e plantarem algodão. Em Quariterê não havia escravidão, e ninguém passava fome. E se isso não bastasse, o quilombo era governando por meio de um sistema parlamentar, que reconhecia em Tereza de Benguela a autoridade máxima.
O que se viu naquele "canto do Brasil" foi uma outra forma de viver. Sob o comando de uma mulher negra houve esperança, e também outra experiência de vida marcada pela liberdade e pela inteireza. Foi possível experimentar o que Beatriz Nascimento chamou de paz quilombola.
E mesmo que o fim da rainha de Quariterê tenha sido trágico, sua história é um lembrete de que outros mundos são possíveis. E Tereza de Benguela não foi exceção. Nos cantos do Brasil, temos as histórias de inúmeras mulheres (e de muitos homens) cujo norte não era o medo de se tornarem menos ricos. Histórias de sobrevivência, mas também de reinvenção, de resistência. Outros Brasis que foram imaginados e sonhados.
Essas outras possibilidades de Brasil atravessaram toda nossa história e chegaram aos dias de hoje. Estão na memória de Marielle Franco, no "Baile de Favela" de Rebeca Andrade (prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020), nas pesquisas científicas de Jaqueline Goes de Jesus, nos bordados de Rosana Paulino, na voz rouca e certeira de Elza Soares, e nas lutas diárias de tantas outras mulheres rememoradas neste 25 de julho.
Ainda há esperança. Que nossos cantos possam inundar o Brasil inteiro.
Ynaê Lopes dos Santos é mestre e doutora em História Social pela USP, Ynaê Lopes dos Santos é professora de História das Américas na UFF. É autora dos livros Além da Senzala. Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec 2010), História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017) e Juliano Moreira: médico negro na fundação da psiquiatria do Brasil (EDUFF, 2020), e também responsável pelo perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/a-esperan%C3%A7a-que-habita-nos-cantos-do-brasil/a-58686142
'Pesquisadores vivem ameaças como na ditadura'
Radicada na Bélgica, professora da USP que estuda papel nocivo dos agrotóxicos na produção de alimentos diz que ficou impossível permanecer no Brasil em meio a "terrorismo psicológico"
Edison Veigas, DW Brasil
Foram dois anos em que a geógrafa brasileira Larissa Mies Bombardi, professora da Universidade de São Paulo (USP), não conseguia dormir em paz. O pesadelo começou com o lançamento, na Europa, da versão em inglês do seu atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia.
Ao levar para fora do país o cenário dos agrotóxicos na produção de alimentos no Brasil, ela contribuiu para aumentar a pressão internacional sobre o setor. "A maior rede de orgânicos da Escandinávia passou a boicotar produtos brasileiros por conta do meu trabalho", relata.
A geógrafa passou a viver uma rotina de ameaças e enfrentou uma série de posicionamentos contrários de instituições ligadas ao setor agropecuário.
"Teve um e-mail de uma pessoa que se identificou como piloto de avião. Era uma mensagem muito ambígua, falava que 'se a professora diz que pulverização aérea não é uma coisa segura, então eu convido a professora a dar uma voltinha no avião pra ver como tem segurança'", conta.
No ano passado, sua casa foi assaltada. Bombardi tomou a decisão de sair do país. Transferiu-se para a Bélgica e segue sua carreira acadêmica na Universidade Livre de Bruxelas. Em entrevista à DW Brasil, ela dá detalhes sobre as ameças sofridas.
DW Brasil: Ameaças e um assalto… Quando você percebeu que era hora de deixar o Brasil?
Larissa Mies Bombardi: Depois que eu lancei em inglês o atlas [Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia], em 2019, foi a primeira vez que perdi o sono. Entendi que havia um risco e começaram as intimidações, umas mais veladas, outras menos. Precisava me proteger, proteger meus filhos e ficar fora do Brasil.
Pode descrever alguma ameaça que recebeu?
Foram várias coisas, mas teve um e-mail de uma pessoa que se identificou como piloto de avião. Era uma mensagem muito ambígua, falava que "se a professora diz que pulverização aérea não é uma coisa segura, então eu convido a professora a dar uma voltinha no avião pra ver como tem segurança". […] Então a maior rede de orgânicos da Escandinávia [a Paradiset, da Suécia] passou a boicotar produtos brasileiros por conta do meu trabalho. Um professor da USP, Wagner Ribeiro, falou que eu não podia lidar com isso sozinha.
Como a USP se posicionou?
Esse professor contatou a diretora da faculdade [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a FFLCH], que nos recebeu e pediu um dossiê. Na manhã seguinte, ela contatou o reitor, que concordou que eu precisava deixar o país, seguir por um período meu percurso acadêmico fora. A reitoria se mostrou sensível e ofereceu a guarda universitária para me proteger. Não quis, achei que emocionalmente seria muito pesado lidar com isso. Recebi orientações de lideranças de movimentos sociais para evitar as mesmas rotinas, os mesmos caminhos.
No fim do ano [de 2019], fui convidada a falar no Parlamento Europeu, numa conferência sobre o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Ali me falaram que lidar com esses temas no Brasil era muito perigoso. Eu respondi que nunca tinha sido efetivamente ameaçada. "Mas não precisa, as coisas não acontecem com aviso sempre", ouvi de volta.
Fiquei gelada, mas ainda falei: "Sou professora universitária, branca, tenho esse viés de classe e, infelizmente, do racismo estrutural que existe no Brasil." Ouvi então que "Zuzu Angel [(1921-1976), estilista, vítima da ditadura brasileira] também era branca". O plano passou a ser me mudar [para a Europa] em março [de 2020]. Mas aí veio a pandemia, precisamos adiar.
Em agosto do ano passado, sua casa foi assaltada… Acredita que uma coisa tenha relação com a outra?
Nunca vou saber se foi relacionado ao meu trabalho ou não. Mas levaram pouquíssimas coisas, o laptop que eu usava, que era velho. Não tinha sentido, estava defasado. Mas vasculharam minha casa por três horas, mantendo minha mãe e me mantendo sob tortura psicológica. Foi horrível. Vasculharam a casa inteira. Foi muito pesado, mas não sei se tem a ver com uma tentativa de intimidação ou com uma busca de dados.
Você está na Bélgica neste ano de 2021. Segue vinculada à USP?
Aprovei um projeto de pós-doutorado na Universidade Livre de Bruxelas, é um projeto sobre green criminology na Amazônia, um trabalho sobre conflitos ambientais. A reitoria [da USP] autorizou meu afastamento e estou trabalhando neste tema. Em maio lancei um novo atlas no Parlamento Europeu sobre as relações comerciais entre Mercosul e União Europeia. Chama-se Geografia das assimetrias, colonialismo molecular e círculo de envenenamento.
O que significam esses conceitos?
Mostro esse lugar de colônia que o Mercosul ocupa dentro da economia mundial, em especial na relação com a União Europeia. Colonialismo molecular, porque, se antes havia esse saque das riquezas naturais da América Latina, agora ele continua mas não é só um impacto físico, é um impacto químico, por causa dos agrotóxicos. Colonialismo molecular porque essas substâncias atingem nossas moléculas, causam um dano sem precedentes, de uma crueldade que a gente nunca tinha visto.
Essa suposta modernidade da agricultura, ela traz um ônus que nos oblitera, que potencialmente altera nossos corpos por conta de substâncias que não são autorizadas na União Europeia mas são vendidas por empresas da União Europeia, sem pudor em vender [para países como o Brasil] substâncias que são proibidas em seus próprios países por conta dos danos à saúde e ao meio ambiente.
Como foi a pressão sofrida quando você publicou uma pesquisa relacionando a covid-19 à suinocultura?
Publicamos no ano passado dois artigos sobre as possíveis correlações entre suinocultura e covid-19. Vimos uma certa correspondência espacial em Santa Catarina, ou seja, áreas com maior densidade de criação de porcos também eram áreas com maior número de casos, proporcionalmente, de covid. Ficou um trabalho interessante, mas apenas levantamos a hipótese de que os vírus não teriam sido trazidos pelos morcegos, mas pelos porcos, via morcegos, já que há muitas similaridades [dos humanos] com os porcos. E os porcos vivem praticamente imunodeprimidos, com todos os animais criados de maneira intensiva. Eles não têm como exercer seus hábitos mais básicos e então — vou falar com cuidado, entre aspas — eles "podem ser" laboratórios de vírus. São animais que defecam e comem no mesmo local […].
A Associação Brasileira de Proteína Animal escreveu uma carta para a USP [desqualificando o trabalho da professora], a Embrapa também produziu uma nota técnica… Mas a gente estava trabalhando com uma hipótese, em momento algum afirmando ser algo definitivo. Encerramos o texto dizendo que é preciso mais pesquisas. Não tem outro jeito de caminhar na ciência se não for buscando hipóteses, né? É assim que a gente caminha. Estou há quase 15 anos na USP e nunca vi isso de perto, como estou vendo. Essa atmosfera invasiva das entidades se acharem no direito de contestar pesquisa, de fazer ameaça… Isso é ameaça à minha carreira.
Você se considera exilada?
Sim, de alguma forma me considero exilada porque [faz uma longa pausa] simplesmente ficou impossível permanecer no Brasil lidando com essa temática. É um terrorismo psicológico gigante, e eu precisava proteger a mim e aos meus filhos. Foi um alívio gigante sair do Brasil, e isso ilustra a condição de exílio.
Está muito desesperador e eu sei que não sou só eu, há outros pesquisadores que passam por coisas parecidas, de ameaças institucionais a ameaças externas. Isso ficou muito claro a partir do governo [do atual presidente Jair] Bolsonaro, ficou nítido. É uma indecência, a gente não tem tranquilidade para fazer pesquisa. A última vez que a gente viu isso foi quando? Na ditadura. A única diferença é que agora aparentemente vivemos num regime democrático. Mas, no fundo, estamos vivendo um período de exceção.
Planeja um dia voltar ao Brasil?
Não. Pelo menos não até o fim deste governo.
DW Brasil: Há 50 anos, morria o maior idealizador da escola pública brasileira
Para especialistas, legado de Anísio Teixeira ainda está presente na organização do ensino nacional. Seu nome batiza o instituto que aplica o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
Em 11 de março de 1971, o educador, escritor e jurista Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) iria almoçar com o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), no apartamento dele, em Botafogo, no Rio. Mas ele foi encontrado morto no fosso do elevador do prédio. Oficialmente, um acidente. Mas muitos acreditam que Teixeira tenha sido vítima da ditadura militar.
Ferrenho defensor da educação universal, laica e gratuita para todos, um dos mais notáveis signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB) − da qual seria reitor e, com o golpe de 1964, aposentado compulsoriamente pelos militares − seus posicionamentos e pensamentos incomodavam o regime ditatorial.
Cinco décadas após sua misteriosa morte, especialistas concordam que seu legado ainda é visível na educação brasileira. Em sua tese de doutorado pela Unicamp, de 2018, a pedagoga Maria Cristiani Gonçalves Silva apontou Teixeira como "o maior idealizador e, portanto, a maior referência na luta por uma educação pública de qualidade, igualitária, laica, de dia inteiro, que vise a formação plena de nossas crianças e jovens".
"A ideia de uma escola pública, laica, gratuita e de qualidade para todos é talvez a mais lembrada, mas seu legado é ainda mais amplo. Não é possível discutir educação integral sem recorrer aos escritos de Anísio, que influenciaram as primeiras experiências no país", afirma o ex-secretário de Educação de São Paulo Alexandre Schneider, presidente do Instituto Singularidades e pesquisador da Universidade de Columbia e da Fundação Getúlio Vargas.
"A defesa de um fundo para o financiamento da educação pública livre da influência dos políticos de plantão, e o entendimento da docência como profissão também merecem lembrança. Anísio foi um intelectual que 'colocou a mão na massa', como secretário de Educação da Bahia, em funções no Ministério da Educação e como reitor da UnB, universidade da qual foi um dos idealizadores."
O linguista Vicente de Paula da Silva Martins, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e que estudou o tema em seu mestrado, define como impressionante a "visão ampla de pedagogia" de Teixeira, para quem "a criança deveria ser estudada não apenas em seus aspectos físicos, mas também com relação à sua história, sua relação com o meio e suas origens".
"Muitos pesquisadores em educação mostram o valor da obra de Anísio Teixeira na concepção de educação integral com base no pragmatismo, na compreensão de que o homem se forma e desenvolve na ação", aponta ele.
Escola Nova
Nascido em Caetité, no interior da Bahia, filho de médico e líder político na cidade, Teixeira foi desde cedo incentivado pelo pai a ocupar postos públicos. Estudou em colégios jesuítas e graduou-se na instituição hoje chamada de Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois de formado, retornou à Bahia. Aos 24 anos, foi nomeado Inspetor Geral do Ensino, cargo hoje equivalente ao de um secretário estadual.
Teixeira viajou por diversos países europeus e foi aos Estados Unidos para conhecer experiências educacionais. "Foi assim que tomou conhecimento de um movimento muito importante iniciado no final do século 19, identificado por Escola Nova ou Escola Ativa", contextualiza o pedagogo Ítalo Curcio, coordenador do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Nos anos 1930, quando já era secretário de Educação do Rio de Janeiro, Teixeira tornou-se um dos 26 autores do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O documento é considerado um marco inaugural da organização do ensino brasileiro, ao definir premissas que resultariam em um plano nacional de educação e princípios de gratuidade, universalidade, obrigatoriedade e laicidade.
"Além da apresentação de um novo modelo em nível de métodos e estratégias de ensino, destaca-se em Anísio Teixeira sua defesa pelo ensino público e laico, já comum e corrente na maioria das nações mais desenvolvidas", aponta Curcio.
Mais tarde, na década de 1950, o educador passou a atuar pela organização do ensino superior brasileiro. "Estes trabalhos levaram à criação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível de Pessoal de Nível Superior [Capes], no ano de 1952, da qual foi seu primeiro presidente", completa o pedagogo.
"O maior legado que vemos em Anísio Teixeira é o da perseverança e abnegação da defesa do ensino de qualidade, seja no âmbito público, seja no setor privado", diz Curcio. "Este legado fica claro em suas ações, em diferentes governos, independentemente de linhas ideológicas."
Para o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), Teixeira foi "o campeão na luta contra a educação como privilégio".
Lei de Diretrizes e Bases
Citada pela primeira vez na Constituição de 1934 − por influência de Teixeira − o Brasil só ganharia sua Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1961. Trata-se do conjunto de normas que regularizam a organização da educação brasileira, a partir dos princípios constitucionais. E o pensamento de Teixeira segue presente, inclusive na versão mais atual, sancionada em 1996 − redigida com grande participação do educador Darcy Ribeiro (1922-1997), que era próximo de Teixeira.
Martins acredita que, não fossem figuras como Teixeira, "dificilmente teríamos uma Lei de Diretrizes e Bases". Ele vê inspiração do ideário do educador em pontos como o artigo 3º da regulamentação, que determina igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância, gratuidade do ensino público, garantia de padrão de qualidade, vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais e garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.
"A ampliação das instituições públicas de nível superior, com qualidade compatível às similares internacionais, aprimoramento dos institutos de pesquisa, formação continuada dos professores e o acesso universal à educação básica, itens constantes nas metas do atual Plano Nacional de Educação, são realidades sonhadas e defendidas por Anísio Teixeira desde a década de 1920", avalia Curcio. "E que podem ser vistas hoje, mesmo que com muitas carências ainda."
Para o pedagogo, "pode-se dizer que Anísio Teixeira é o mentor da educação brasileira contemporânea, atuando não somente como planejador, mas também como organizador e inspirador de seus sucessores."
Manter o sonho vivo
"É inegável que a educação no Brasil teve grandes avanços nos últimos 40 anos: há mais crianças e adolescentes na escola, é possível medir a qualidade de ensino, os professores têm nível superior e os mecanismos de financiamento da educação pública estão bem assentados. Por outro lado, ainda estamos longe do sonho de garantir educação de qualidade para todos, as experiências de educação integral ainda são localizadas em escolas de elite ou algumas redes públicas e os profissionais de educação ainda se submetem a longas jornadas de trabalho em diversas escolas", comenta Schneider. "Manter o sonho de Anísio vivo é lutar por escola pública de qualidade para todos como pressuposto do funcionamento da democracia."
Teixeira deixou uma vasta obra. Entre seus livros mais importantes estão Educação é um direito, Educação não é privilégio e A educação e a crise brasileira.
"A maioria dos pressupostos defendidos por ele encontram muita ressonância na escola brasileira hoje", comenta Martins. "As condições de oferta do ensino público, é verdade, ainda deixam muito a desejar."
O educador empresta seu nome a diversas instituições de ensino do país. Autarquia do Ministério da Educação, responsável pela aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que ele presidiu nos anos 1950, também incorporou Anísio Teixeira ao seu nome oficial.
DW Brasil: Biden diz que Trump não deve ter acesso a relatórios de inteligência
Presidente menciona "comportamento errático" do republicano para justificar por que ele não deve continuar sendo informado sobre questões confidenciais de segurança nacional, como é tradição para ex-presidentes
Enquanto presidente, Trump rivalizou com os serviços de inteligência e foi acusado de vazar informações confidenciais
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que seu antecessor, Donald Trump, não deverá ter acesso a relatórios de inteligência sigilosos devido a seu "comportamento errático".
Os EUA têm a tradição de permitir que ex-presidentes continuem sendo informados sobre questões de segurança nacional, como cortesia concedida pelo atual ocupante do cargo. Mas questionado pela emissora CBS se Trump também teria essa regalia, Biden respondeu: "Acho que não."
O presidente não detalhou quais seriam seus maiores temores caso o republicano tivesse acesso aos relatórios sigilosos, mas sugeriu que não se pode confiar em Trump para manter em segredo informações confidenciais.
"Só acho que não há necessidade de ele ter os briefings de inteligência. De que vale dar a ele um briefing de inteligência? Que impacto ele teria, a não ser o fato de que pode cometer um deslize e contar alguma coisa?", disse o presidente na sexta-feira (05/02), em sua primeira entrevista desde que assumiu a Casa Branca, em 20 de janeiro.
Segundo o jornal New York Times, a recusa da cortesia a Trump seria a primeira vez em que um ex-presidente americano é excluído da tradição de ter acesso contínuo aos informes.
Na entrevista, Biden mencionou como justificativa o "comportamento errático de Trump não relacionado à insurreição", referindo-se à invasão do Capitólio, em Washington, em 6 de janeiro. À época, o então presidente insuflou seus apoiadores a marcharem até o Congresso para impedir que parlamentares confirmassem a vitória de Biden nas eleições presidenciais de novembro.
Trump insistiu que houve fraudes eleitorais e que ele venceu o pleito, apesar de nunca ter apresentado evidências disso e de perder dezenas de contestações na Justiça.
O ataque violento ao Capitólio, que deixou cinco mortos, rendeu a abertura de um segundo processo de impeachment contra Trump pela Câmara dos Representantes. A ação agora tramita no Senado.
Questionado pela CBS sobre as acusações de que o ex-presidente teve papel no motim, Biden afirmou que "correu como louco para derrotar" Trump na eleição "porque o achava impróprio para ser presidente", mas disse que deixará para o Senado decidir se o republicano deve ou não ser impedido de ocupar cargos públicos novamente.
Trump e os serviços de inteligência
Durante seus quatro anos na Casa Branca, Trump repetidamente gerou preocupações sobre seu uso dos serviços de inteligência ou mesmo por rivalizar com a comunidade de inteligência nacional, que ao todo contou seis diretores ao longo de seu mandato.
Ele questionou, por exemplo, relatórios de agências americanas que apontaram que a Rússia interferiu nas eleições de 2016 nos Estados Unidos, e também atacou chefes de inteligência por serem "extremamente passivos e ingênuos" em relação ao Irã.
Em maio de 2017, Trump teria compartilhado informações altamente confidenciais em uma reunião com o ministro do Exterior da Rússia e o embaixador russo sobre uma operação ligada ao grupo extremista "Estado Islâmico" (EI), algo que foi visto como uma quebra de confiança por muitos da comunidade de inteligência americana.
- QUE PODERES TEM O PRESIDENTE AMERICANO?
O que diz a Constituição
- O presidente dos EUA é eleito por quatro anos, com direito a uma reeleição. Ele é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e de governo. Cerca de quatro milhões de pessoas trabalham no Executivo americano, incluindo as Forças Armadas. É tarefa do presidente implementar as leis aprovadas pelo Congresso. Como o mais alto diplomata, ele pode receber embaixadores − e assim reconhecer outros Estados.
DW Brasil: Brasil fez a pior gestão do mundo na pandemia, diz estudo
Instituto australiano elabora ranking global com 98 países de acordo com a resposta que deram à crise da covid-19. Nova Zelândia lidera
Nenhum país do mundo lidou de forma tão ruim com a pandemia do novo coronavírus como o Brasil, segundo um estudo publicado nesta quinta-feira (28/01) por um instituto australiano.
O Instituto Lowy, baseado em Sidney, abordou a reposta à crise em 98 países, com base em seis critérios: mortes confirmadas; casos confirmados; casos por cada milhão de habitantes; mortes por milhão de habitantes; casos em proporção à testagem; testes por cada mil habitantes.
Dentro desses critérios, o instituto colocou a Nova Zelândia como o país que deu a melhor resposta à covid-19, com fechamento de fronteiras, lockdowns pontuais e um estrito programa de testagem por parte do governo da social-democrata Jacinda Ardern.
Do outro lado da tabela, em último lugar, aparece o Brasil, com mais de 220 mil mortes confirmadas, provável subnotificação de casos e um governo de extrema direita que, durante toda a pandemia, minimizou seus perigos e ignorou as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na parte debaixo do ranking, antes do Brasil, aparecem México, Colômbia, Irã, Estados Unidos e Bolívia. Na de cima, a Nova Zelândia é seguida por: Vietnã, Taiwan, Tailândia, Chipre, Ruanda, Islândia e Austrália.
O melhor país latino-americano no ranking é o Uruguai, em 12º. Da União Europeia (UE), a mais bem colocada é a Letônia, na nona colocação. A Alemanha, maior economia do bloco e que conseguiu controlar a primeira onda da covid-19 com relativo sucesso, viu as mortes dispararem desde o fim de 2020 e ocupa apenas a 55ª posição na lista dos 98 países avaliados.
"Alguns países administraram a pandemia melhor que outros, mas a maioria se destacou apenas por um desempenho insatisfatório", diz o estudo.
"Democracias tiveram um sucesso relativamente maior"
A China - onde o vírus surgiu - não foi incluída no ranking. O motivo é, segundo o instituto, a falta de dados disponíveis sobre testes.
Durante a pandemia, Pequim tentou controlar a percepção externa sobre sua gestão da crise e mostrar que seu sistema, de controle estrito de movimentação, muitas vezes com supressão de liberdades e cerceamento a vozes críticas, seria preferível às democracias ocidentais, muitas das quais falharam durante a crise.
"Em média, os países com modelos autoritários não tiveram nenhuma vantagem prolongada na supressão do vírus. De fato, apesar de um início difícil e algumas exceções notáveis, incluindo os EUA e o Reino Unido, as democracias tiveram um sucesso relativamente maior do que outras formas de governo no tratamento da pandemia durante o período examinado. Em contraste, muitos regimes híbridos, como a Ucrânia e a Bolívia, parecem ter sido menos capazes de enfrentar o desafio", observa o estudo.
O Instituto Lowy diz que não houve um vencedor claro quando se tratou de qual sistema político lidou melhor com a pandemia. Mas países pequenos, com populações abaixo de 10 milhões de pessoas, mostraram ter algumas vantagens.
"Em geral, países com populações menores, sociedades coesas e instituições capazes têm vantagem em lidar com uma crise global, como uma pandemia", diz o relatório.
No total, os casos já ultrapassaram 100 milhões no mundo inteiro. Cerca de 2,2 milhões de pessoas morreram devido ao novo coronavírus desde que o coronavírus causador da covid-19 foi detectado pela primeira vez, em dezembro de 2019.
DW Brasil: Qual será o legado da presidência de Trump?
Os quatro anos de mandato do republicano deixarão marcas que devem ser sentidas por décadas, da economia e do Judiciário americanos à relação dos EUA com o mundo
Gerações futuras terão que se confrontar com o legado de Trump.
Após quatro tumultuosos anos, a presidência de Donald Trump chega ao fim nesta quarta-feira (20/01), deixando um legado misto, a ser estudado por décadas.
Desde que o magnata imobiliário e astro de reality TV adentrou a Casa Branca, seu governo esteve infestado por controvérsias e escândalos. A reação atrasada à pandemia de covid-19, seu papel no violento ataque ao Capitólio , em Washington, em 6 de janeiro, assim como o segundo impeachment, vão se sobrepor a qualquer coisa que ele haja implementado em seu mandato.
Talvez mais do que o de qualquer outro presidente dos Estados Unidos, o legado trumpista será visto por duas lentes fortemente contrastantes. Conservadores, a abastada classe empresarial e a direita religiosa o reverenciarão como um dos grandes presidentes de todos os tempos.
A maioria dos americanos, entretanto, o condenará com desprezo, como evidencia uma consulta popular do Pew Research Center, segundo a qual Trump deixa o cargo com apenas 29% de aprovação, a pior de toda a sua presidência.
Isso, porém, não impede adeptos e aliados de o louvarem por ter abalado as bases do establishment e implementado rapidamente parte das promessas de sua campanha eleitoral de 2016.
Onda conservadora no Judiciário
O impacto de Trump sobre o sistema judiciário federal certamente será seu legado mais duradouro, a ser sentido por gerações futuras. Ele nomeou três juízes para cargos vitalícios na Suprema Corte, cimentando o maior viés conservador do órgão, com repercussões que vão desde os direitos LGBTQ+ e de reprodução, até a assistência de saúde, imigração e políticas trabalhistas.
Além disso, Trump indicou mais de 200 juízes para os tribunais federais, os quais decidirão em favor dos republicanos e conservadores em suas magistraturas vitalícias.
"Esse foi o acerto que ele fez com a direita evangélica e com as elites do Partido Republicano, e colocou esses juízes", afirma Michael Cornfield, professor associado e diretor de pesquisa do Centro Global de Gestão Política da Universidade George Washington.
De acordo com um relatório de 2019, um de cada quatro dos atuais juízes das circuit courts americanas foi nomeado por Trump, todos ferrenhos conservadores ideológicos, cumprindo uma promessa de campanha feita a seu eleitorado.
Gordos cortes tributários para os ricos
Trump terminou seu primeiro ano no cargo assinando uma lei que trouxe enormes e permanentes cortes dos tributos corporativos, de 35% para 21%. Também houve redução dos impostos das pessoas físicas, embora essas mudanças tenham sido temporárias e menos significativas.
Os cortes representaram uma bonança para os mais ricos dos EUA e os grandes conglomerados, muitos dos quais aplicaram o dinheiro extra na recompra de ações e em bônus para os executivos, em vez de aumentar os salários de seus empregados.
Tais medidas também poderão deixar em apuros os contribuintes: o apartidário Departamento Orçamentário Congressional estimou que eles acrescerão em US$ 1,9 trilhão o déficit americano nos próximos dez anos.
Além disso, os críticos do ainda presidente temem que os baixos assalariados e os mais vulneráveis é que vão pagar o pato, já que os conservadores consideram equilibrar o orçamento cortando programas de seguridade social.
Derrubar e renegociar acordos
Trump ascendeu ao poder, em parte, graças à promessa de derrubar e renegociar antigos acordos comerciais entre e os EUA e outros países. E cumpriu, embora muitas vezes de modo caótico, desencadeando guerras comerciais com a China e trazendo insegurança às empresas nacionais.
Por outro lado, Trump conseguiu anular um pacto comercial crucial, o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta, na sigla em inglês), que ele tachara de "pior acordo comercial do nosso país" e datava do governo Bill Clinton, substituindo-o por um acordo renegociado, que até mesmo seus críticos reconheceram ser melhor.
O substituto, denominado Acordo Estados Unidos-México-Canadá, inclui proteções trabalhistas mais modernas, assim como cláusulas ambientais e trabalhistas reivindicadas por muitos críticos de Trump no Congresso. Até mesmo alguns dos críticos mais severos do magnata – como a presidente da Câmara dos Representantes, democrata Nancy Pelosi – admitiram que o pacto renegociado é melhor que o Nafta.
"America first", o circo
As conquistas da administração Trump não são sempre aferidas por suas medidas políticas, mas por terem alterado o modo como os americanos e o mundo veem Washington. A agenda "America first" era muitas vezes vaga, mas fez o resto do mundo prestar atenção.
Nos estágios iniciais da campanha eleitoral de 2016, Trump zombou das políticas exteriores e comerciais do governo Barack Obama. Num artigo de opinião em 2015, ele as condenou como "desorientadas e incompetentes", assegurando que uma "administração Trump vai nos transformar novamente em vencedores".
A partir daí, ele governaria de maneira anticonvencional e imprevisível. Na avaliação de Jason Grumet, presidente do Bipartisan Policy Center de Washington, o "presidente Trump antagonizou numerosas instituições" e "rompeu as normas de governos anteriores".
E ele levou esses métodos anticonvencionais até o palco internacional, abalando normas diplomáticas de longa data. Em 2017, retirou seu país do Acordo do Clima de Paris, acusando-o de ser "injusto no maior grau com os Estados Unidos".
Além disso, detonou o Acordo Nuclear do Irã, transferiu arbitrariamente a embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, e tentou estabelecer laços diplomáticos com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un.
"Tuiteiro-Chefe" e seu eleitorado dos despossuídos
Muito disso tudo Trump realizou através de sua conta do Twitter. Apesar de ela agora estar suspensa, ele teve impacto inegável sobre a forma como as redes sociais podem usadas para fazer campanha política e governar.
Ele usou as postagens para estabelecer sua marca política e, durante toda sua legislatura, atacar adversários políticos, demitir altos funcionários do governo e interagir diretamente com seus leais seguidores. Isso lhe valeu o apelido de "Tweeter-in-Chief" ("Tuiteiro-Chefe").
"O presidente Obama utilizava as redes sociais de um jeito que era mais tradicional", comenta Jason Mollica, diretor de currículo da escola de comunicação da American University: Trump "rompeu a forma como vemos a mídia social".
Graças a sua abordagem bombástica e tiradas frequentes, passou a ser venerado por um bloco eleitoral composto por indivíduos majoritariamente brancos e evangélicos, que alegam ter sido despossuídos pelas assim chamadas "elites de Washington". Isso trouxe novo reforço ao Partido Republicano.
"Politicamente, ele conseguiu reunir uma coalizão que eles [os republicanos] nunca haviam visto antes", comentou à DW Laura Merrifield Wilson, professora assistente de ciência política da Universidade de Indianápolis. "Ele trouxe o seu próprio nicho de apoio."