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Ricardo Noblat: Vencido pelo vírus, Bolsonaro quer ganhar a guerra da vacina
Credite-se a João Doria (PSDB), governador de São Paulo, a mudança de comportamento do presidente Jair Bolsonaro de sair às pressas em busca de vacinas contra o coronavírus, quanto mais não seja para poder dizer que não ficou para trás.
Doria promete dar início à vacinação no seu Estado antes do fim de janeiro nem que para isso tenha de apelar à justiça. O Ministério da Saúde havia falado em vacinar a partir de abril. Depois em março, em fevereiro, e agora, se tudo der certo, logo.
A vacina chinesa está sendo produzida em larga escala pelo Instituto Butantã, em São Paulo. Por ora, o governo federal não tem uma vacina para chamar de sua, daí o desespero. Precisa dispor de algumas doses para pelo menos tirar fotos.
Durante a 2ª Guerra Mundial, ganhou o nome de “Guerra de Mentira” o período entre 3 de setembro de 1939 e 10 de maio de 1940. A Alemanha nazista invadira a Holanda, Bélgica e França. A França e o Reino Unido declararam guerra à Alemanha.
Foram oito meses sem verdadeiros combates armados. Os dois lados se observavam à distância segura. Quem tinha a iniciativa era a Alemanha. E quando ela finalmente foi para cima derrotou com facilidade o Exército francês, o mais poderoso da época.
Bolsonaro perdeu a guerra contra a pandemia quando se recusou a travá-la, preferindo dar passe livre à Covid-19 para que matasse quem tivesse de morrer. Imagina ganhar a da vacina que não passará de fato de uma guerra de mentira.
O vencedor não será aquele que vacinar por aqui o primeiro brasileiro, mas o que vacinar o maior número possível de brasileiros em prazo regularmente curto. E, nesse caso, como foi mais previdente e acordou cedo, Doria deverá vencê-la.
Nesta quinta-feira, o governo de São Paulo pedirá à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a autorização para o uso emergencial da CoronaVac, a vacina chinesa. A Anvisa terá dez dias para autorizar ou não sua aplicação.
Se autorizar, Doria terá largado na frente. Se não autorizar, ficará como vítima de Bolsonaro – e o presidente, como principal algoz de um país que se aproxima da marca de 200 mil mortos pelo vírus e de quase 8 milhões de infectados.
O Ministério da Saúde já quis ter o monopólio da vacinação. Como sequer conseguiu comprar seringas e agulhas, passou a admitir que poderá trabalhar em conjunto com clínicas privadas que as adquirirem e que disponham também de vacinas.
Como sempre, quem tiver dinheiro para pagar será vacinado primeiro. O ministério nega que isso possa acontecer. Mas você acredita?
O que mostra a eleição de Bruno Covas em São Paulo? Paulo Fábio Dantas Neto explica
Em artigo na revista da FAP de dezembro, professor da UFBA analisa relação do resultado das urnas com governador João Doria
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O doutor em ciência política e professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Paulo Fábio Dantas Neto diz que há duas versões acerca do desfecho do segundo turno das eleições de 2020 na capital paulista. Em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro, ele cita que a primeira mostra que a reeleição do prefeito Bruno Covas foi uma vitória do governador João Doria e a segunda aponta à possibilidade de o PSDB paulista adotar perspectiva mais ao centro e mais nacional.
Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!
Todos os conteúdos da publicação mensal, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Na primeira hipótese, segundo ele, poderia se estimular uma aliança entre PSDB, DEM e MDB, com posição determinante do primeiro. Na segunda, acrescenta, o objetivo seria superar dificuldades de trânsito de Doria, fora da centro-direita.
Na avaliação de Dantas Neto, o peso de São Paulo nas análises encobre movimentos de fortalecimento de outro tipo de centro moderado em Fortaleza, Recife, Rio e Porto Alegre, convergentes com o ocorrido, no primeiro turno, em Salvador. “Nessas cinco cidades, DEM, PSDB, MDB e Cidadania estiveram juntos com o PDT e/ou o PSB, no primeiro e/ou no segundo turno. Em todas, venceram”, afirma. “Em Fortaleza, a aliança chegou a englobar, no segundo turno, o PT. Nessas cidades, com diversas peculiaridades óbvias, há um desenho comum, diverso daquele que São Paulo sugeriu”, acrescenta.
Dessa bifurcação surge uma outra questão, de acordo com o autor do artigo, que foi vereador em Salvador (1983-1988), deputado estadual (1989) e secretário municipal de Educação (1994). “Saber se esses movimentos apontam a um tipo de centro moderado que pode atrair São Paulo, em vez de gravitar em torno do contencioso paulista e do PSDB. Sinalizam a chance de uma frente ainda no primeiro turno, situada, de fato, ao centro, aproximando setores da centro-direita e da centro-esquerda”, acrescenta.
Isso, segundo ele, pede uma candidatura capaz de dialogar embaixo e partidos que tenham papel aglutinador. “Do nome, ainda estão longe”, afirma o professor da UFBA. “Quanto a partidos, é preciso conversar a sério sobre o DEM. Ele é tão central para essa rota Brasil-São Paulo como o PSDB e Boulos são para a rota São Paulo-Brasil. Para observá-lo, é preciso uma filmadora que capte seu movimento da centro direita ao centro, não flashs que o flagrem como um ator com ‘essência’ de centro-direita”, diz.
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Vinicius Torres Freire: Na guerra da vacina, Doria injetou veneno de descrédito na testa
Governador exagerou no show e ameaça programa de imunização
Ao fim da guerra da vacina, João Doria poderia parecer um líder mais nacional e um contraponto da razão a Jair Bolsonaro. O governador paulista decerto fez o bom serviço de cutucar a inoperância federal. Mas, depois dos vexames recentes, Doria pode parecer apenas um destrambelhado provinciano. Pior, lançou desconfiança sobre a própria vacina que comprou, grave em termos sanitários e econômicos.
Por duas vezes, o governo de São Paulo adiou a publicação da eficácia da Coronavac. Na quarta-feira (23), o país foi induzido a esperar boas notícias. Em vez disso, ouviu uma conversa palerma de que os dados precisariam ser antes mastigados pela Sinovac, por uma obrigação contratual, e de que a eficácia da vacina era diferente daquela verificada em outros países, no limite de apenas 50%.
Descobriu-se que Doria estava em Miami, o que pareceu fuga do fiasco. Para piorar, soube-se na sexta (25) que a Turquia não teria “obrigação contratual”, pois divulgou, de modo mambembe, que a Coronavac seria eficaz em 91,25% dos casos.
O governo Doria suscitou desconfiança sobre os números que virão sobre a vacina, já objeto de propaganda negativa criminosa de Bolsonaro.
Quanto menos confiança, menos gente tende a aderir ao programa de vacinação. Quanto menos vacinados, menor a possibilidade de a vacina evitar mortes, aliviar hospitais e atenuar as restrições obrigatórias ou autoimpostas de contato social, o que tem óbvio impacto econômico também.
Mesmo com uma vacina eficaz em 85% dos casos, a campanha contra a Covid teria de atingir adesão do nível de vacinações contra a gripe (uns 95%) para propiciar um alívio notável apenas a partir lá de maio. A vida, porém, ainda teria restrições sérias, em especial para negócios e empregos que dependem de aglomerações e circulação livre pelas cidades.
Na reunião dos governadores com o capacho do ministério da Saúde, dia 8, Doria já trocara as mãos pelos pés. Em vez de vencedor generoso e agregador, pareceu um “mauricinho metido e exibido”, como disse a este jornalista um governador ainda simpático ao colega paulista. Depois, houve duas negaças dos resultados da vacina. Doria blefava, com confiança temerária?
No mundo político, ficou a impressão de que Doria não sabia bem o que estava fazendo, o que sublinhou sua imagem de pouco confiável, um tipo obstinado que faz qualquer negócio, de atropelar aliados a apoiar Bolsonaro em um dia para sair de fininho pouco depois.
O governo paulista poderia simplesmente apresentar a situação tal como ela é, dando publicidade e explicações racionais para a atos e processos, o que seria um contraponto confiável ao desvario bolsonarista. Tem gente para fazê-lo. Doria nomeia muitos bons quadros para seus governos.
Não se trata de ser “transparente”. Apenas na fantasia juvenil ou anarquista um governo pode ser um BBB ao vivo. É política, administrativa e tecnicamente inviável. Mas, claro, em qualquer tempo e lugar, gente com poder sonega informação do público, o que é autoritário.
A fim de recuperar terreno, Doria terá de abafar seu caráter espetaculoso, parar com segredinhos, com vazamentos de notinhas publicitárias e mostrar que pode ser alternativa de racionalidade mínima à pura monstruosidade bolsonarista. Já tem um passivo grande, até pelo Bolsodoria de 2018, relembrado nestes dias de vexame.
Terá de contar com sorte também, que a vacina seja eficaz em nível relevante, uns 75% ao menos, e fazer a mais bem-sucedida campanha de vacinação da história.
Ricardo Noblat: Nota da Anvisa trai sua contaminação pelo bolsonavírus
Órgão técnico vira órgão político
Criada pela Lei nº 9.782 de 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é uma autarquia que “tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população […] mediante a intervenção nos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, em ação coordenada e integrada no âmbito do Sistema Único de Saúde”
É um órgão de natureza eminentemente técnica como ela própria, em nota distribuída, ontem, a propósito do uso de vacinas contra o coronavírus, fez questão de ressaltar. Ocorre que a nota é o maior atestado público de que a Anvisa, em tempos de governo presidido por um ex-capitão do Exército e de Ministério da Saúde repleto de militares, foi inoculada pelo vírus ideológico.
A primeira parte da nota disserta sobre o plano mal ajambrado de vacinação em massa ainda sem data marcada para começar – mas até aí nada demais a levar-se em conta um presidente que tratou a Covid-19 como uma gripezinha, estimou que não mataria mais do que oitocentas pessoas, menos ele dotado de saúde de atleta, e que ao fim acabariam morrendo os que tivessem de morrer, e daí?
Vale como confissão do aparelhamento político da Anvisa o que está escrito na nota do seu meio para seu final. Está dito lá que deve ser levada em consideração ao se avaliar o uso emergencial de vacinas “a potencial influência de questões relacionadas à geopolítica que podem permear as discussões nacionais e decisões estrangeiras relacionadas à vacina da Covid-19”.
Segundo a Anvisa, “há o risco ainda de que países coloquem interesses nacionais em primeiro lugar na garantia de acesso a uma vacina para seus próprios cidadãos, criando potencial de corromper o rigor com que as vacinas candidatas contra a Covid-19 são avaliadas para autorização de uso de emergência”. E aí? Aí a nota entra no assunto que de fato a justifica: a vacina chinesa.
O Brasil é o líder internacional no processo de avaliação da Coronavac, vacina que já se encontra com Autorização de Uso Emergencial (AUE) na China desde junho. A agência argumenta que os critérios chineses para concessão de autorização de uso emergencial não são transparentes e que não há informações sobre os critérios empregados para essa tomada de decisão.
E decreta: “Até o momento, nenhuma outra autoridade reguladora estrangeira tomou decisão semelhante. Caso venha a ser autorizada a replicação automática da AUE estrangeira no Brasil, sem a devida submissão de dados à Anvisa, são esperados enfraquecimento e retardação na condução do estudo clínico no Brasil; além de expor a população brasileira a riscos”.
Há pouco mais de um mês, depois de ter sido autorizado pelo presidente Jair Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, reuniu-se com mais de 20 governadores e anunciou que todas as vacinas comprovadamente eficazes seriam compradas pelo governo federal, inclusive a Coronavac. Desautorizado no dia seguinte, recuou sob a desculpa de quem tem juízo obedece.
A questão é muito simples: à falta de interesse do governo federal em preservar vidas, João Doria (PSDB), governador de São Paulo, saiu em defesa do seu rebanho, e o Instituto Butantã fechou um acordo com a China para a produção da Coronavac. Ao invés de correr atrás de outras vacinas, Bolsonaro faz tudo para impedir que Doria seja bem-sucedido, mesmo que à custa de mais mortes.
Eliane Cantanhêde: O sonho e o pesadelo
Com graves dúvidas sobre vacinas, o santo remédio para Bolsonaro é… reforma ministerial
As vacinas mexem com os nervos e o medo da população, tornam-se o maior desafio do governo e serão um divisor de águas para o presidente Jair Bolsonaro, que, se você prestar atenção, vai repetindo os antecessores Dilma Rousseff e Fernando Collor. É o remake de uma série que a gente já viu, capítulo por capítulo, só que com personagens ainda mais absurdos, fantásticos.
Todos os três presidentes nunca tiveram alguma intimidade ou cumplicidade com seus vices, a quem qualificam de traidores. Assim como Dilma e Michel Temer, Collor e Itamar Franco, Bolsonaro nem consegue mais ouvir falar de Hamilton Mourão, que dá entrevistas sobre qualquer coisa, fazendo uma clara contraposição a Bolsonaro e alternando concordância e discordância com decisões do governo.
A história se repete com os ministros e com a forma de governar – ou de não governar. Todo presidente acuado, que erra muito e fica sob forte pressão da opinião pública e com medo de impeachment saca três fórmulas mágicas: cria um bunker com seu grupinho “leal”, abre os braços (e os cofres) para o Centrão de ocasião e lança uma reforma ministerial.
Dilma se trancou no palácio com meia dúzia de gatos pingados que pensavam exatamente como ela e deixou de fora até mesmo os lulistas do PT. Orelhas ardiam, principalmente as do vice Temer e do ministro da Economia, a culpa era sempre da mídia, o Centrão fazia a festa.
Collor, que se elegeu com a bandeira de “caçador de marajás”, descartou tudo isso junto com o seu PRN, jogou para segundo plano os coloridos de primeira hora e, num último e desesperado esforço para salvar o pescoço, tentou atrair Fernando Henrique Cardoso e o PSDB (que balançaram, mas não foram) e conseguiu Jorge Bornhausen e o então PFL. Era tarde demais.
Bolsonaro vem fazendo o mesmo: desvencilhou-se das bandeiras de campanha, dos bolsonaristas-raiz, do PSL e atracou-se ao Centrão. É hora de… reforma ministerial. O primeiro time reuniu velhos amigos do capitão Bolsonaro na caserna e do deputado Bolsonaro na Câmara, líderes de bancadas temáticas (como a do agro) e pitadas de estrelismo: astronauta, um economista conhecido, o ícone de Lava Jato. A segunda será mais pragmática.
Lêem-se os nomes de Temer daqui, Davi Alcolumbre (Senado) dali, José Mucio (ex-TCU) acolá. Não são nomes ao vento, isolados. Fazem parte do mesmo pacote dos sonhos – ou da necessidade – de um Bolsonaro que pode ser tudo, mas não tem nada de bobo na hora de pensar em si e nos filhos. Os candidatos são do DEM, MDB e até PSDB.
Assim como trocou neófitos por experientes nas lideranças e vice-lideranças do Congresso, Bolsonaro agora articula trocar ministros que só dão problema por gente conhecida, testada, capaz. Mais ou menos como ocorreu na eleição municipal. Depois do fiasco do “novo” de 2018, volta o “experiente”. Inclusive no governo.
Bolsonaro apostou tudo na vitória de Arthur Lira e do Centrão para a presidência da Câmara, contra Rodrigo Maia e o centro ampliado. Se vencer com Lira, terá o que entregar às suas bases eleitoral e parlamentar originais: armas, conservadorismo e recuos em costumes. E reunirá força para atrair os tais nomes conhecidos, torcendo para não ser tarde demais, como foi com Collor. Se Maia vencer, porém, o núcleo DEM, PSDB e MDB ganha impulso para 2022 e um hábil articulador: o próprio Maia.
Em meio a tudo isso, há algo maior: a vida. Se falhar com a vacina, como falhou deploravelmente até agora em tudo o que diz respeito à covid (e não só), como Bolsonaro pretende atrair para ministérios quem respeita a vida, a ciência e a própria biografia? O sonho de Bolsonaro de fazer uma boa reforma ministerial e se reeleger em 2022 esbarra no pesadelo Bolsonaro. Assim como a própria reeleição.
José Casado: Enlaçado e cercado
Governador acena com vacina na rua em 40 dias
Trinta e oito graus sobre terra queimada. É Carnaíba, no sertão, a 400 quilômetros do Recife. Lá vivem 19 mil pessoas aturdidas pelo vírus, mas fiéis à esperança de proteção. Médico e prefeito, José de Anchieta Patriota (PSB) se cansou do desgoverno federal. Entrou no Instituto Butantan e saiu com a reserva de 40 mil doses da vacina CoronaVac.
Ontem, a lista do Butantan abrigava 912 prefeituras, 13 estados mais os governos de Argentina, Chile, Peru e Honduras. A romaria ao laboratório cresce. O início da vacinação em São Paulo está marcado para 25 de janeiro, feriado pelos 466 anos da construção do barraco pioneiro da capital paulista, obra dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.
É essa a mudança relevante na perspectiva política. Faz diferença quem chega antes com respostas objetivas à ansiedade pandêmica. O governador João Doria (PSDB) acena com vacina na rua em 40 dias.
Em contraste, depois de nove meses Jair Bolsonaro não tem vacina nem seringas — corre atrás de 331 milhões, mas vai precisar de 600 milhões. Mandou ao STF um plano sem data ou quantidade de pessoas nas fases de vacinação. Enviou ao Congresso um orçamento com déficit na Saúde (R$ 40 bilhões em 2021), sem prever gasto com imunizantes.
Diretores da Pfizer tomam chá de cadeira na Saúde desde abril, mas sua vacina já é usada nos EUA. O Butantan ainda espera resposta às três cartas que enviou no primeiro semestre oferecendo a CoronaVac.
A romaria de governantes a São Paulo evidencia fadiga com a inépcia. Bolsonaro acabou enlaçado por Doria e cercado em Brasília. O Supremo exige-lhe um plano consistente. O Ministério Público liberou estados e municípios na procura de solução, diante da omissão federal. O Congresso prepara lei para a imunização, legitimando o uso da CoronaVac.
Restou a aposta no socorro da agência reguladora, que não oculta disposição de vetar ou atrapalhar a “vacina do Doria”. É risco puro, porque o Congresso já engatilhou uma CPI da Anvisa. Ela, inevitavelmente, empurraria Bolsonaro no precipício que ele tanto contempla.
Elio Gaspari: A nova Revolta da Vacina
Só um burocrata megalomaníaco pode acreditar que poderá impedir que as pessoas busquem os postos de saúde
Depois de ter dito que a Covid era uma “gripezinha” que o brasileiro tiraria de letra e que a cloroquina era remédio eficaz, Jair Bolsonaro não deve esperar da plateia que ela lhe dê ouvidos. Já morreram mais de 178 mil pessoas, número superior ao dos mortos de Hiroshima em 1945. Contra bomba atômica não há vacina, mas contra a Covid haverá. Enquanto o processo de imunização segue um curso de racionalidade pelo mundo afora, em Pindorama o jogo político contaminou a discussão.
O governador João Doria anunciou que começará a oferecer vacinas a partir do dia 25 de janeiro. Pintada para a guerra, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária apressou-se para informar que “não foram encaminhados dados relativos à fase três, que é a fase que confirma a segurança e eficácia da vacina, esse dado é essencial para a avaliação tanto de pedidos de autorização de uso emergencial quanto pedidos de registro”.
Só um burocrata megalomaníaco pode acreditar que poderá impedir que as pessoas busquem os postos de saúde. A vacina só será oferecida em janeiro aos índios, quilombolas e profissionais de saúde. Quem anda pelas ruas de São Paulo não costuma cruzar com índios nem quilombolas. Restam os profissionais de saúde. Admitindo que esse burocrata existe, seria ridículo vê-lo dizendo ao doutor David Uip que não pode tomar a CoronaVac. Até as pedras sabem que os tribunais derrubarão quaisquer tentativas para impedir a aplicação das vacinas. Países andam para trás: em 1904, houve no Rio uma revolta contra a vacina obrigatória, o desconforto da Anvisa estimularia em 2020 uma revolta contra a vacina voluntária.
Bolsonaro falava em “menos Brasília, mais Brasil”. Pois é disso que se precisa. Se o almirante da Anvisa ou o general do Ministério da Saúde tiverem argumentos para bloquear a aplicação da CoronaVac, que coloquem a cara na vitrine dando suas razões. Há poucas semanas, a Anvisa meteu-se num vexame suspendendo testes a partir da morte de um voluntário que se havia suicidado.
Bolsonaro e Doria acusam-se de fazer política no meio da pandemia. É verdade, mas um detalhe os separa. Um faz política com a “gripezinha”, o outro oferece uma vacina.
A CoronaVac só será oferecida para quem tem mais de 75 anos a partir de 8 de fevereiro. Jair Bolsonaro, se quiser, só poderá ser vacinado a partir de 21 de março, quando completará 65 anos.
O negacionismo de Bolsonaro levou-o a uma armadilha. Continuar na linha que adota desde março será apenas falta de juízo. A Anvisa e o Instituto Butantan têm profissionais qualificados para discutir as qualidades ou os defeitos da CoronaVac. Um finge que se deve respeitar o rito burocrático; e o outro finge que respeita esse mesmo rito, impondo-lhe um prazo de validade.
O ministro da Saúde, general Pazuello, fez fama como um especialista em logística. Reunido com governadores, disse a João Doria: “Não sei por que o senhor diz tanto que ela [a vacina] é de São Paulo. Ela é do Butantan”. Ganha uma viagem a Caracas quem souber a importância disso. Do jeito que o general fala, se a logística do desembarque na Normandia estivesse nas suas mãos, em agosto de 1944 os Aliados não estariam em Paris. Os alemães é que teriam chegado a Londres.
Vinicius Torres Freire: Doria presta um serviço, mas exagera na guerra da vacina da Covid contra Bolsonaro
Anvisa será quase obrigada a liberar Coronavac se vacina for aprovada na China
Se a “vacina chinesa de João Doria” prestar e for aprovada pela Anvisa da China, Jair Bolsonaro terá perdido a primeira grande batalha dessa guerra idiota na saúde. Será quase impossível evitar a aprovação da Coronavac também por aqui e quase imediatamente (explicações mais adiante).
A fim de pelo menos empatar o jogo, Bolsonaro e seu capacho da Saúde teriam de correr para importar outra vacina já aprovada, como começam a fazer no caso da Pfizer, sobre a qual estavam sentados com a nauseabunda incompetência dos dois. Teriam também de começar uma campanha de vacinação antes de fevereiro. Ainda assim, ponto para Doria, que teria então prestado pelo menos o serviço de fazer com que Bolsonaro pare de sabotar a vacinação.
Obviamente, Doria perdeu a mão, subiu nas tamancas e queimou o filme com um monte de governadores presentes à reunião desta terça-feira com o chefe do almoxarifado da Saúde, esse Eduardo Pazuello. Em vez de apenas generosamente oferecer cooperação ao restante do país, Doria se dedicou a limpar seu sapatênis no capacho da Saúde e disse que fazia e acontecia. Não pegou bem. Politiza a vacina tanto quanto Bolsonaro, embora não seja negacionista. Etc. Mas passemos.
Segundo lei deste ano, a Anvisa pode liberar o uso da Coronavac ou de qualquer outro imunizante já aprovado pelas agências de Estados Unidos, União Europeia, Japão ou China. Se não o fizer e não tiver bons motivos para explicar sua recusa ao público, provocará um salseiro, que respingará em Bolsonaro, que de resto tenta aparelhar a agência dando mais boquinhas a militares.
Se vários países começarem a vacinar e o Brasil ficar para trás, sem solução e injeção, pior ainda. Doria prometeu vacinação a partir do dia 25 de janeiro, sabe-se lá com base em quê. Mas, suponha-se que dê certo e não exista outra vacina no Brasil.
Sem vacina, com o repique da Covid apenas controlado, na melhor das hipóteses, com inflação da comida nas alturas, sem auxílio emergencial e com desemprego perto do pico, o clima não estará bom no país e para Bolsonaro.
As aulas das crianças começam no início de fevereiro. Mesmo que a vacinação começasse amanhã no país inteiro, as escolas ainda voltariam em situação precária em 2021. No entanto, se não houver ao menos perspectiva de alívio e mais aulas presenciais seguras, as famílias vão ficar entre nervosas e enfurecidas, pelo menos um tanto desesperadas. No front econômico, a inflação continuará subindo. Mês a mês, tende a aumentar mais devagar, a partir de fevereiro. Mas a taxa anual acumulada do IPCA irá a mais de 6% até maio. A inflação da comida (“alimentação no domicílio”) já está em mais de 21% ao ano, a maior desde 2003.
No final de janeiro, não haverá pagamento de auxílio emergencial, que acaba neste dezembro. O desemprego deverá estar nas máximas de 2021 (deve piorar até março, por aí).
Em 21 de outubro, Bolsonaro escrevia nas redes insociáveis que a “vacina chinesa de João Doria” “NÃO SERÁ COMPRADA”. As medidas do governador paulista e sua campanha política puseram Bolsonaro na defensiva e, agora, em uma reação desordenada, mas que pode ser positiva para o que interessa, que é a vacinação. Sem a ameaça da Coronavac, seria mais difícil pressionar Bolsonaro e sua ordenança na Saúde.
Até aqui chegamos.
No entanto, é preciso lembrar: ainda não existe Coronavac. Se a vacina for um fiasco, essa bomba vai explodir no colo de Doria, que então terá falecido politicamente.
Merval Pereira: Doria exagerou na dose
A Revolta da Vacina 2.0, com o sinal trocado, começou. O governador de São Paulo, João Dória, teve o mérito de alertar para a lentidão do governo Bolsonaro no plano nacional de vacinação contra a Covid-19, e deu a saída para uma rebelião civil a favor da vacina.
Vários outros governadores saíram em busca de uma solução, alguns querendo partilhar com São Paulo as primeiras doses. Aproveitando a onda a favor, Dória exagerou na dose e prometeu vacina para todo brasileiro que estiver em São Paulo, não precisando viver lá, e ainda ofereceu milhões de doses para os Estados que necessitarem.
O resultado previsível é uma corrida para o Estado, e muitos prefeitos de cidades fronteiriças temem uma invasão. Outros governadores querem frear Dória, defendendo uma vacinação nacional concomitante, temerosos de que sejam considerados incapazes comparados com o governador paulista.
O governo Bolsonaro está lento mesmo, e começa-se a desconfiar que está lento de propósito, porque não leva a vacina a sério, não acha que seja a solução, e vai retardando suas decisões. O ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, já tinha descartado a vacina da Pfizer, com a alegação de que era muito cara sua manutenção. Vários países da América Latina já estão se organizando para recebê-la, países às vezes bem menos organizados e ricos que nós.
O governador da Bahia, o petista Rui Costa, começou uma negociação direta com a Pfizer, e iniciou a compra de refrigeradores compatíveis com a exigência de conservação a - 70. O ministério da Saúde teve que ficar esperto e já está negociando 60 milhões de doses com a Pfizer. O governador do Maranhão, Flavio Dino, do PCdoB, já entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo autorização para usar qualquer vacina aprovada por instituições de controle sanitário, como a Food and Drugs Administration (FDA), nos EUA.
Era claro que isso aconteceria, porque só os irresponsáveis não sabem que a vacina é a solução. Só um governo irresponsável não dá prioridade a este assunto, e fica inaugurando uma patética exposição da roupa de posse do presidente.
Uma lei, publicada logo no início da pandemia, permite o uso de vacinas aprovadas por órgãos oficiais de controle de outros países como Estados Unidos, União Européia, Japão, China. A ANVISA precisa apenas autorizar, e não aprovar as vacinas, e tem 72 horas para isso. Caso não autorize nesse tempo, a vacina está automaticamente aprovada. Para recusar, terá que ter argumento muito forte para se contrapor a suas congêneres internacionais.
O governo não quis fazer um plano nacional de vacinação, e perdeu o controle da situação. Agora está tentando retomar o domínio, aproveitando-se de que alguns governadores e prefeitos estão incomodados com a pretensão de Dória de liderar o processo de vacinação. O prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, citado por Doria como pretendente à vacina do Butantan, desmentiu ontem, avisando que vai esperar a vacinação nacional do ministério da Saúde.
A Fiocruz, no Rio de Janeiro, está se programando para iniciar a vacinação junto com o ministério da Saúde, em março. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, bolsonarista, acha que Doria está tirando proveito político por ter em seu Estado o Instituto que fez acordo com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca.
O ministro Pazuello tentou colocar Doria contra os demais governadores dizendo que a vacina não é de São Paulo, mas do Instituto Butantan. Acontece que o Instituto foi fundado pelo governo de São Paulo em 1901, e desde então faz parte da Secretaria de Saúde do Estado.
Os movimentos do governador João Doria foram fundamentais para tirar o governo do imobilismo, mas ele precisa conter-se para não deixar a impressão de que está abusando politicamente da vacina. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse recentemente que Doria precisa nacionalizar seu nome, se quiser ser candidato à presidência da República, e parece que o governador paulista está seguindo seu conselho, distribuindo a vacina para quem quiser. É preciso saber se terá tantos milhões de doses necessárias para nacionalizar a vacinação.
Joel Pinheiro da Fonseca: Bolsonaro prefere prolongar a pandemia a beneficiar Doria
Esperar uma conduta digna e racional do presidente virou utopia
Imagine um país no qual a descoberta de uma vacina salvadora para a pior epidemia do século contasse com o apoio do presidente, e não com a sabotagem ativa de seu governo e da rede de bajuladores profissionais. Sim, estou ousado na utopia.
Lá atrás, no início da pandemia, Jair Bolsonaro e João Doria fizeram cada um a sua aposta de vacina: um no consórcio da Fiocruz com a AstraZeneca, o outro no do Butantan com a Sinovac.
Não tinha como saber qual ficaria pronta antes; era questão de sorte. Calhou de ser a vacina de SP, que está mais avançada no processo de testagem.
Era natural de se esperar que aquela que ficasse pronta antes traria algum ganho ao político que nela apostou. Isso é do jogo. O governo Bolsonaro tinha, ademais, a faca e o queijo na mão para partilhar com Doria os louros dessa vitória. O ministro da Saúde até tentou fazer seu trabalho: negociou a compra de doses da Coronavac pelo governo federal (desde que ela fosse devidamente testada e aprovada) e já apontava a direção: ela seria a vacina do Brasil, não de um estado específico.
Bolsonaro não gostou. Para negar qualquer holofote a um possível futuro rival, ele prefere deixar a pandemia correr solta.
Apoiadores de Bolsonaro atacam o governo de São Paulo por não ter aguardado a autorização da Anvisa antes de colocar prazos em seu plano de vacinação.
Ora, se se pautasse pela lerdeza proposta pelos críticos —fizesse, em suma, como o governo federal— o governo de São Paulo estaria traindo a população. É preciso que tudo já esteja pronto e planejado para quando a Anvisa finalmente liberar a aplicação. Se deixar as providências para depois, aí é que não teremos vacina tão cedo.
Em um texto particularmente alucinado, o assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins, disse que os atos de Doria o alinham à "tirania global". Ter um plano para vacinar a população (inclusive pessoas de outros estados) e comprar doses da vacina. Que tirania terrível!
Só não é tão terrível quanto a omissão criminosa de Bolsonaro. Não tem plano de vacinação estruturado, não comprou os insumos para vacinar a população, não tem doses de vacina em quantidade.
Segundo informações da BBC, as compras de seringas, algodão e outros insumos já estão atrasadas. Mesmo que a licitação seja concluída ainda em dezembro, serão de 60 a 90 dias até que a compra seja entregue. Ou seja, perder-se-ão dias valiosos.
Todo mundo é político: Doria não menos que Bolsonaro. O grande teste é até onde se está disposto a sacrificar outros valores em nome do ganho político. Para um líder comprometido com o bem comum, haverá certas coisas que ele não estará disposto a fazer para ganhar mais poder. Para um projeto tirânico, não há limite: vale tudo para abocanhar uma fatia maior ou para prejudicar um adversário, o que dá no mesmo.
Agora a bola está com a Anvisa. Não acredito que ela seria capaz do crime de atrasar propositalmente a certificação de uma vacina apenas para agradar ao chefe do Executivo.
Graças a legislação aprovada pelo próprio Bolsonaro no início da pandemia, no entanto, já existem caminhos legais para aplicar a vacina em caráter emergencial caso a Anvisa demore.
Para os torcedores do presidente, cabe indagar: vale a pena —até mesmo do ponto de vista político— comprar essa briga e tentar barrar na Justiça uma vacina que pode salvar milhões? Eu já não duvido de nada. Esperar conduta digna e racional virou utopia.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
Demétrio Magnoli: Duas lendas sobre 2022
As incógnitas de 2022 não começaram a ser decifradas na São Paulo deste ano
Nasceram, no berço do segundo turno das eleições municipais, duas lendas paralelas. A primeira assegura que o triunfo de Bruno Covas (PSDB) consolida a posição de João Doria como principal desafiante de Jair Bolsonaro na disputa pelo Planalto. A segunda, que o resultado de Guilherme Boulos (PSOL) o converte no eixo de reorganização das esquerdas para as eleições presidenciais. Nenhuma delas resiste ao crivo da análise realista.
A lenda número um parte das falsas premissas de que Covas obteve uma vitória avassaladora e, ainda, de que Doria cumpriu papel relevante na batalha da prefeitura paulistana. De fato, o prefeito alcançou apenas 32% dos votos no turno inicial, um desempenho relativamente modesto, e teve que carregar o fardo do patrocínio de um governador com alta rejeição na capital paulista. Já no turno final, o triunfo por margem folgada deveu-se à geometria da disputa: desde 2015, quando escancarou-se o estelionato eleitoral de Dilma Rousseff, a esquerda perdeu as condições de vencer eleições na cidade ou no estado de São Paulo.
Doria desponta como rival nacional do presidente graças, exclusivamente, à atual carência de alternativas fora do campo da esquerda. Essa carência, por sua vez, deriva tanto da implosão ideológica do PSDB, concluída com a própria ascensão de Doria, quanto do retumbante fracasso de Sergio Moro na sua tentativa de conquistar para o Partido da Lava Jato a maior parte do eleitorado bolsonarista.
As fraquezas do governador paulista são evidentes. Bolsonaro venceu uma eleição configurada como plebiscito sobre Lula. Doria chegou à prefeitura e ao governo estadual surfando alegremente a mesma onda do antipetismo. O ano de 2022 será, ao que tudo indica, também um pleito plebiscitário —mas sobre Bolsonaro. Não é fácil ver como Doria encarnaria um contraponto crível ao seu parceiro do passado recente. Um bolsonarismo de butique, suave e racional, parece um frágil contraponto ao bolsonarismo legítimo, forjado nas brasas do extremismo e do populismo.
A lenda número dois expressa, ao menos por enquanto, apenas o desejo de Boulos. De fato, sustenta-se numa avaliação exagerada do desempenho eleitoral do candidato do PSOL.
Boulos fez uma campanha inteligente, destinada a arredondar os ângulos agudos de sua persona política. Mas, no fim das contas, foi conduzido pela correnteza de vazante que acompanha o declínio petista. O Boulos dos 20% do primeiro turno herdou o vasto eleitorado de esquerda tradicionalmente atraído pelo PT. Já o dos 40% do segundo turno acrescentou o eleitorado que rejeita Covas, Doria ou ambos. Desse ponto de vista, sua votação surpreende tanto quanto o nascer cotidiano do sol.
O PT chegou ao turno final de todas as eleições paulistanas desde 1988. O solitário ponto fora da curva foi 2016. Boulos foi adotado por um eleitorado petista decepcionado com a candidatura do obscuro apparatchik Jilmar Tatto como o legítimo nome do partido. Isso faz sentido, mas não tem as implicações sonhadas por ele.
A versão de Boulos da ideia de renovação da esquerda é o retorno a um lulismo primordial, anterior ao pecado —isto é, ao mensalão e à Odebrecht. Seu projeto nunca foi de ruptura: ele almeja receber das mãos de Lula as chaves do castelo da esquerda. Mas, para isso, seria preciso brilhar fora do PT, num palco limpo, puro e casto. No início, apostou na criação de um partido-movimento, como foi o Podemos espanhol. Depois, conformou-se com o atalho oferecido pelo PSOL.
A solução não remove os obstáculos centrais. Numa ponta, Boulos depende de um improvável gesto de renúncia de Lula para tomar posse da máquina eleitoral petista. Na outra, sua promessa de unidade das esquerdas esbarra na sua opção pela reiteração infinita do discurso político e econômico lulista.
As incógnitas de 2022 não começaram a ser decifradas na São Paulo de 2020.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
O Estado de S. Paulo: 'São Paulo tem neste momento dois importantes líderes nacionais: Doria e Covas', diz Bruno Araújo
Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, de 48 anos, disse em entrevista ao Estadão que as urnas pediram moderação em 2020, o que deve levar, em sua opinião, os líderes políticos a se afastarem de posições consideradas extremas. "O eleitor confirmou que quer distância dos extremos. É contra esses extremos na área comportamental e que faz agressões às instituições que o PSDB tem que falar de forma mais firme", afirmou.
Segundo o dirigente, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), é o único nome da sigla colocado para concorrer à Presidência da República em 2022. Mas "respeitando o ambiente da pulverização de alternativas no nosso campo", o centro. Segundo Araújo, porém, a eleição na capital paulista faz Bruno Covas emergir como uma liderança nacional. "A chegada de Bruno Covas com a benção desses mais de 3 milhões de votos entrega um novo líder ao Brasil. São Paulo tem neste momento dois importantes líderes nacionais."
Sobre a eleição para a presidência da Câmara, no início do ano que vem, Araújo diz que o resultado não terá, necessariamente, um efeito sobre a eleição de 2022, mas a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) deve aglutinar, de acordo com o dirigente tucano, "PSDB, Democratas e partidos do campo da esquerda".
Em 2018, o discurso da negação da política ajudou a eleger Jair Bolsonaro e outros nomes. A população voltou a acreditar na política em 2020?
Tudo isso faz parte dos ventos que sopram em direções diferentes a cada processo eleitoral. É possível que 2020 tenha iniciado um novo momento, no qual o eleitor voltou a optar por nomes que se dedicaram à vida pública para voltar a ocupar o espaço do exercício do poder municipal. O exemplo do segundo turno na maior cidade da América Latina é caricato disso. As escolha por dois jovens que fazem política, cada um seu campo, desde sempre. E há um nítido novo momento do processo eleitoral em 2020. O eleitor fez opções muito claras por posições moderadas.
O PSDB vai intensificar a oposição a Bolsonaro no Congresso?
Esse é um recado das urnas. O eleitor confirmou que quer distância dos extremos. É contra esses extremos na área comportamental e que faz agressões às instituições que o PSDB tem que falar de forma mais firme.
A eleição da presidência da Câmara dos Deputados pode ser o primeiro passo na formação de um bloco de oposição ao presidente Jair Bolsonaro em 2022? Já existe algum nome na mesa para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ)?
O coordenador do processo de sucessão na Câmara é o Rodrigo Maia. Não há muita correlação entre as alianças que se dão para a eleição do presidente da Câmara com a eleição presidencial, mas não estou dizendo que isso não tenha relevância. Nós podemos ver votando juntos o PSDB, Democratas e partidos do campo da esquerda.
O governador João Doria (PSDB), o ex-ministro Sergio Moro, o apresentador Luciano Huck e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), têm mantido conversas sobre uma possível união do centro para 2022. Como o PSDB se insere nessa construção? Doria desponta como o nome que pode encabeçar esse movimento?
O PSDB se insere como um dos mais importantes protagonistas e como o partido que polarizou a política nacional desde 1994, com exceção do tropeço de 2018. Nas duas últimas eleições municipais, o PSDB foi o partido mais votado do Brasil. O PSDB oferece nomes de qualidade nessa discussão, entre eles quem se configura como o mais intenso e presente é o governador de São Paulo, mas respeitando o ambiente da pulverização de alternativas no nosso campo. O PSDB não participa com seu ativo político e eleitoral levando prato feito. O DEM teve um belíssimo desempenho e o MDB confirmou sua vocação de pulverização por todo território nacional.
A eleição de Bruno Covas é uma vitória do projeto presidencial do governador João Doria?
Por vias indiretas, o governador João Doria tem o prefeito da maior cidade da América Latina como seu aliado. Isso é um ganho. Mas não vamos misturar. O vitorioso dessa eleição foi o Bruno Covas. Ele é o grande artífice da vitória do último domingo. Covas sai da condição de um prefeito substituto constitucional para a de alguém abençoado pelo voto. Essa vitória entrega a ele autoridade e liderança, não só como prefeito mas também como um dos mais importantes protagonistas da política nacional e do PSDB.
O PSDB tem agora então em São Paulo dois líderes de fato? Até a eleição municipal, Doria era o líder incontestável do partido no estado.
Sim. A chegada de Bruno Covas com a benção desses mais de 3 milhões de votos entrega um novo líder ao Brasil. São Paulo tem neste momento dois importantes líderes nacionais.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é também um nome do PSDB para disputar o Palácio do Planalto?
Todos os nossos governadores, senadores e quadros nacionais são sempre alternativas postas. Mas, de forma objetiva, o único nome que nós temos posto até aqui e que tem exercitado isso de forma firme e competente é o governador João Doria.
O caminho do Doria para 2022 será com o DEM em São Paulo e no Brasil?
Essa é uma relação de muitos anos que se dá por afinidade política e sem imposição. Enquanto isso estiver mantido a aposta é que sigamos sendo parceiros em eleições nacionais, estaduais e municipais. Essa relação é muito franca e sem subordinação.
O prefeito Bruno Covas disse que o PT jogou o PSDB à direita e que chegou a hora do partido reencontrar as suas teses. O sr. concorda com ele?
Concordo plenamente. O PSDB que eu imagino é o do Bruno Covas: moderado, sensato e que respeita o adversário. Foi assim que o PSDB foi fundado. Essas são as nossas bases. A eleição de Bruno aponta um caminho para o nosso projeto de 2022.