Ditadura
Folha de S. Paulo: Vitória no plebiscito é recado a políticos do Chile e líderes estrangeiros, diz Lagos
Para ex-presidente, aprovação de mudança da Constituição mostra que 'modelo chileno' é falsa solução
Sylvia Colombo Folha de S. Paulo
SANTIAGO - Para o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos, 82, o plebiscito que derrubou a Constituição da época da ditadura de Augusto Pinochet é um recado a líderes estrangeiros, como o presidente Jair Bolsonaro, que consideram ou chegaram a considerar que o “modelo chileno” seria um exemplo a ser seguido.
Lagos presidiu o país entre 2000 e 2006. Tentou convocar uma Assembleia Constituinte, mas, na época, partidos de direita se mantiveram unidos e não permitiram a realização de um referendo. O socialista, então, alterou, ponto por ponto, aspectos mais autoritários da Carta hoje em vigor.
Além do tom liberal, a Constituição de 1980 dava muito poder aos militares, o que colocava obstáculos a decisões do Legislativo e do Executivo. Entre as 58 modificações realizadas por Lagos estavam a redução do mandato presidencial de seis para quatro anos, o aumento do peso do poder do Congresso em detrimento da participação das Forças Armadas e o fim da designação de senadores vitalícios.
Como o senhor avalia o resultado do plebiscito?
Estou muito orgulhoso por termos honrado uma tradição chilena de institucionalidade. Este foi um processo que teve momentos de violência nos últimos meses, mas que não foram preponderantes ao final. Tivemos uma eleição massiva se considerarmos a pandemia e o histórico recente do Chile, de comparecimento muito baixo. Os cidadãos votaram com paz, inclusive os idosos, que poderiam ter temido o vírus e ficado em casa. Votou-se com entusiasmo, alegria e respeito.
Por que foi possível aprovar uma Assembleia Constituinte agora e não em seu período como presidente?
No meu tempo, a direita estava unida, e, portanto, era impossível aprovar um processo como este. Hoje, temos um setor da direita que concorda com a necessidade de renovar a Constituição. Demorou, mas chegamos a esse momento. Esses direitistas que mudaram de opinião, que poderiam ser considerados traidores em seu ambiente, deram-se conta de que as mudanças são necessárias. A explosão social do último ano colaborou para que abrissem os olhos para a inevitabilidade de ter de acompanhar as transformações dos tempos. Agora vamos assistir a uma reorganização da direita para a eleição constituinte e para as próximas presidenciais [em novembro de 2021].
O senhor considera que este plebiscito foi um recado à classe política?
Sim. É importante notar que boa parte de quem votou pelo “rejeito” ainda assim escolheu, na segunda cédula, a Assembleia Constituinte integralmente eleita. Ou seja, admitiu que, caso a Constituinte passasse, preferiam que fossem eleitos novos legisladores para redigi-la. Nesse sentido, foi um recado a legisladores e partidos que estão no poder agora. É um número interessante de ser analisado. Porque se os que votaram pelo “rejeito” estivessem contentes com os atuais políticos, pediriam que a assembleia fosse mista, pois assim os partidos de sempre poderiam ter controle da situação. Essa hipótese foi derrotada, portanto, tanto pelos que votaram “aprovo” quanto pelos que votaram “rejeito”.
Quais são os desafios do governo agora?
A votação gerou grande expectativa, mas é preciso que a população tenha paciência, porque a nova Constituição não ficará pronta neste mandato. É preciso eleger os membros da constituinte, que eles redijam a nova Carta e que depois ela seja aprovada. Portanto, os problemas da população seguirão presentes nos próximos dois anos, e o desafio do governo é atender a essas questões mais urgentes agora. No momento, o foco deve estar na recuperação econômica e em vencer a pandemia. O trabalho da assembleia constituinte seguirá paralelo, e seu efeito não é imediato.
O que o senhor diria para líderes como Jair Bolsonaro, que chegaram a defender a aplicação do chamado “modelo chileno”?
Respondi a essa questão a vários líderes, um deles foi o ex-presidente dos EUA George W. Bush. Quando você mexe num tema como a Previdência, por exemplo, adotando a capitalização em vez da repartição, você diminui muito aquilo que a pessoa receberá no futuro. E, no final das contas, isso acaba virando um problema novo para o Estado. A ex-presidente [Michelle] Bachelet teve de fazer aportes novos, com o sistema de “pilares solidários”, que foram repasses de benefícios para quem não tinha com o que viver depois de aposentado. O mesmo acontece em outras áreas quando você quer retirar o Estado de tudo. No final, o Estado tem de arcar com as contas. Ou seja, é uma falsa solução, muito imediata, que não funciona a longo prazo. Isso explicaria ao sr. Bolsonaro. Bush entendeu, nunca mais me perguntou.
O senhor acredita que as manifestações continuarão?
É possível, pois os problemas imediatos seguirão, temos muito a percorrer até a Constituição ficar pronta. Ela pode ser uma solução para o futuro, mas não para o presente. O governo tem de lidar com as urgências. Se não conseguir, as pessoas voltarão às ruas.
*Ricardo Lagos, 82, primeiro presidente socialista do Chile depois de Salvador Allende (1908-1973), que foi deposto pela ditadura de Augusto Pinochet, governou o país de 2000 a 2006. Advogado e economista, anunciou candidatura para as eleições de 2017, mas desistiu pouco depois por falta de apoio dentro de sua coalizão.
Entenda o plebiscito
O que foi votado?
No dia 25 de outubro, a população chilena decidiu se o país aprovava ou rejeitava a elaboração de uma nova Constituição. O plebiscito também perguntou se a nova Carta deveria ser elaborada por uma comissão constituinte formada apenas por representantes eleitos ou por uma comissão mista, que inclua também os atuais membros do Congresso.
Quais são as críticas à Constituição atual?
Liberal, a Carta não obriga o Estado a fornecer diretamente saúde, educação e proteção social aos chilenos, o que estimula a atuação privada nessas áreas. Uma mudança constitucional poderia obrigar o governo a ser mais atuante e ampliar o acesso da população a serviços básicos. Outra crítica é a de que ela foi feita pela ditadura de Augusto Pinochet, em 1980, com pouca participação popular, e que refazê-la permitirá incluir demandas de mais grupos, especialmente das mulheres.
E quais eram as razões para não mudá-la?
Defensores do "não" dizem que uma mudança radical pode comprometer a estabilidade econômica e argumentam que a Constituição poderia ser apenas reformada. Os críticos da mudança apontam que expandir a atuação social do governo depende muito mais de ter dinheiro em caixa do que das intenções da Constituição e consideram que ela não deveria ser tão detalhista, como apontar em quais questões sociais o governo deve agir.
Como se chegou ao plebiscito?
A mudança da Constituição foi uma das demandas dos protestos realizados no país a partir de outubro de 2019. O estopim foi a alta da tarifa do metrô em Santiago, mas logo se tornou um movimento contra a alta do custo de vida e a dificuldade de acesso à educação e saúde e o baixo valor das aposentadorias. O Congresso aprovou a realização de um plebiscito constitucional em novembro, que seria votado em abril. Por causa da pandemia, ele foi adiado para outubro.
‘Pandemia mostra que cidades não são mundos encapsulados’, diz Alberto Aggio
Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, professor da Unesp aponta ‘saldo positivo a esperar dos brasileiros’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio afirma que “a pandemia do coronavírus demonstrou, de forma cabal, que as cidades não são mundos encapsulados, que vivem para si mesmas”. Em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de outubro, ele observou que, nos momentos mais agudos, elas se “fecharam” e restringiram o movimento dos seus cidadãos, mas, conforme acrescenta, se mantiveram conectadas com o que de mais importante se fazia ao redor do mundo no enfrentamento da pandemia.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. Em seu artigo, Aggio observa que as orientações dos especialistas não responderam de imediato às expectativas de contenção do vírus e, com o decorrer dos meses, foram alteradas, embora mantidas como as referências mais seguras para enfrentar a emergência sanitária que se apresentava.
“Elas [orientações] eram insuficientes diante da complexa realidade que se instalava”, analisa o historiador. “Sabia-se do alcance, dos benefícios e dos limites do isolamento social confrontado com a realidade social e econômica. Se é verdade que a fala dos especialistas não poderia ser tomada de maneira absoluta, era rematada tolice vocalizar que a pandemia estava sendo politizada. Em suma, não havia sentido em pensar que as decisões quanto à pandemia estivessem fora da dimensão política”, emenda.
O professor da Unesp diz que, como nem governadores nem prefeitos e muito menos os cidadãos poderiam ficar à mercê de orientações conflitantes, o resultado foi a desorientação da população, com mais de 150 mil mortos no Brasil em pouco mais de seis meses. “No essencial, em relação à pandemia, Bolsonaro entregou uma política truculenta e beligerante, eivada de incompreensão e de ausência de solidariedade, além da absoluta falta de empatia com aqueles que perderam pessoas queridas”, critica.
Na avaliação de Aggio, “se há algum saldo positivo a esperar é que os brasileiros, nas próximas eleições e nas vindouras, exerçam suas escolhas estabelecendo claramente a diferenciação entre lideranças e dirigentes políticos que se comprometeram em superar a crise e aqueles que se aproveitaram dela visando apenas seus interesses pessoais”.
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Editorial da revista Política Democrática Online de outubro destaca que estratégia é para ‘ganhar tempo e fortalecer posições do governo’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A política de confronto aberto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o Legislativo e o Judiciário não cessou por alguma mudança nas convicções profundas dele e de seu círculo mais próximo, mas pela ausência das condições mínimas necessárias para levar essa política às últimas consequências. O alerta é do editorial da revista Política Democrática Online de outubro, cujos conteúdos são disponibilizados, gratuitamente, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.
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De acordo com o editorial, a mudança da estratégia de Bolsonaro é para ganhar tempo e fortalecer as posições do governo, com dois objetivos, especificamente. O primeiro deles, diz o texto, é possibilitar o aceleramento da política de destruição nacional em andamento.
“Passar a boiada, na expressão do ministro [do Meio Ambiente, Ricardo Salles], para avançar no rumo da catástrofe ambiental, do isolamento internacional, do desastre sanitário, do retrocesso educacional, bem como da transformação da segurança pública e dos direitos humanos em campos repletos de minas”, afirma o editorial da revista Política Democrática Online.
O segundo objetivo, de acordo com o texto, é criar as condições para revisitar a estratégia do confronto, quando as consequências da crise e a responsabilidade do governo sobre o processo aparecerem de forma mais clara para a opinião pública. “Cenários de popularidade baixa e dificuldades eleitorais crescentes são propícios para investidas populistas contra a legitimidade do processo eleitoral”, diz um trecho.
Por isso, conforme destaca a revista, cabe às oposições não ceder às tentações da divisão, ao conforto ilusório do isolamento. “Urge retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”, destaca.
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Destruição do Pantanal e estratégias de discurso de Bolsonaro também são analisadas na edição de outubro da publicação da FAP
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Brasil menos transparente no combate à corrupção, Pantanal destruído em meio ao desmonte de políticas ambientais no governo Bolsonaro, a retórica do ódio nas pregações do guru do Bolsonarismo e politização do combate à pandemia frente a perspectivas filosóficas dos governantes brasileiros. Esses são os principais destaques da revista Política Democrática Online de outubro, lançada nesta sexta-feira (16).
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza acessos gratuito a todos os conteúdos da revista em seu site. No editorial, a revista Política Democrática Online chama atenção para a urgente necessidade de “retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”.
“Está em curso a consolidação da aliança entre o presidente da República e o bloco de deputados e senadores que responde pelo nome de ‘centrão’”, observa o texto. “Repudiada, no primeiro momento, pelos núcleos duros do bolsonarismo como capitulação frente à velha política, a aliança já rende frutos significativos ao governo e promete colheita ainda maior de resultados no futuro”, critica.
Em entrevista exclusiva para a nova edição da revista, o economista Gil Castello Branco, fundador e atual diretor executivo da Associação Contas Abertas, diz que o Brasil está menos transparente. A entidade fomenta a transparência, o acesso à informação e o controle social no país. Ele alerta que o país pode perder cerca de R$ 18 bilhões de recursos federais usados no combate à pandemia por conta da corrupção.
A reportagem especial, por sua vez, analisa como a destruição do Pantanal confirma retrocessos da política ambiental no governo Bolsonaro, o que, de acordo com o texto, é refletido também na declaração do próprio presidente e de seus ministros em defesa do “boi-bombeiro”. “A versão do governo não sinaliza, positivamente, para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país”, afirma um trecho.
'Ética do diálogo'
Ao analisar a retórica do ódio e bolsonarismo, o professor titular de Literatura Comparada da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ensaísta João Cezar de Castro Rocha aponta para a necessidade de se abraçar “a ética do diálogo, na qual o outro é sempre um outro eu, cuja diferença enriquece minha perspectiva porque amplia meus horizontes”. Segundo ele, esse é o primeiro passo para a superação da problemática.
A política nacional na pandemia é analisada pelo professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio. Segundo ele, Bolsonaro notabilizou-se, dentro e fora do país, porque politizou a pandemia da forma mais equivocada possível. “Desdenhou de suas consequências e principalmente dos mortos; recusou-se a colaborar com governadores e prefeitos no combate à pandemia, alegando falsamente suposta obstrução do STF [Supremo Tribunal Federal]”, exemplificou.
Aggio também avalia que Bolsonaro impediu a comunicação e a transparência a respeito do avanço e do combate à pandemia. “E, por fim, buscou, a todo custo, ‘abater’ politicamente seus supostos concorrentes às futuríssimas eleições presidências de 2022. Assim se comportou com dirigentes democraticamente eleitos e com ministros que ele próprio convocou como seus auxiliares”, lamenta.
Além desses assuntos, a revista Política Democrática Online também tem conteúdos sobre economia e cultura. A publicação é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado e tem o conselho editorial formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
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RPD || Henrique Brandão: Uma noite de autógrafo sem autor e livro
Jornalista, crítico de arte, ensaísta, artista plástico, cronista, dramaturgo, autor de Poema Sujo, sua obra-prima. Assim era Ferreira Gullar que, se vivo fosse, teria completado 90 anos no último mês de setembro

Quem é quem na foto - Rio de Janeiro, livraria Rubayat, 1976. De pé, da esquerda para a direita: Cacá Diegues, retrato de Ferreira Gullar, Zuenir Ventura, Tereza Aragão (mulher de Gullar), Oswaldo Loureiro, Leon Hirszman, Bete Mendes, Mary Ventura, Arnaldo Jabor, Neném Werneck de Castro, Moacir Werneck de Castro, Mario Cunha, Helena Furtado, João Saldanha, Teresa Cesário Alvim, Neusa Amaral. Sentados: Mario da Silva Brito, Mario Lago, Sergio Augusto, Antonio Pitanga, Ziraldo, Darwin Brandão e Guguta Brandão
No mês de setembro deste ano, o poeta Ferreira Gullar completaria 90 anos. Não conseguiu receber as devidas homenagens. Faleceu em dezembro de 2016, dois meses depois de completar 86 anos.
José Ribamar Ferreira, seu nome de batismo, era um homem de hábitos simples. Sua figura, no entanto, chamava atenção. Magro, com a cabeleira escorrida ao longo do rosto, o nariz adunco e as mãos expressivas – que gesticulavam sem parar enquanto falava – não passava despercebido onde quer que estivesse.
Gullar era muitos. Além de poeta, foi jornalista, crítico de arte, ensaísta, artista plástico, cronista, dramaturgo.
Participou ativamente do Concretismo e do Neoconcretismo, movimentos importantes no cenário da cultura brasileira, nos anos 1950.
Gullar entrou tarde na política. Já rompido com o Neoconcretismo, participava do Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), quando ocorreu o golpe de 1964. “Eu me filiei ao PCB no dia do golpe de 64. Eu queria participar da resistência a um regime que se impunha ao país pela força”. Após o fechamento da UNE, Gullar e seus companheiros do CPC fundaram o grupo Opinião, que teve grande repercussão com suas peças e shows musicais.
Após o AI-5, em 1968, o regime militar apertou o cerco. Sobrou para todo mundo que se opunha à ditadura, até mesmo para os comunistas ligados ao PCB, que não defendiam a luta armada. A essa altura, Gullar fazia parte do Comitê Cultural do PCB.
Quem avisou que a barra tinha pesado foi Leandro Konder, também membro do Comitê Cultural, com a notícia de que um companheiro havia caído e, sob tortura, entregara todo mundo. Gullar deveria se esconder, pois estava na mira da repressão.
Depois de um tempo escondido, não restou alternativa a não ser o exilio. Clandestino, Gullar seguiu para a União Soviética e, de lá, para o Chile; depois para o Peru e, por fim, para a Argentina. Triste sina: a cada país que chegava, as condições políticas, passado algum tempo, pioravam. A direita ganhava corpo na América Latina.
A Argentina era então presidida por Isabelita Perón, que, pressionada pelos Montoneros à esquerda, preferiu se aliar ao peronismo de direita. O clima se radicalizava. Com o passaporte cancelado pelo consulado brasileiro e com todo o Cone Sul sob ditaduras – além do grave quadro de esquizofrenia de seu filho no Brasil –, a angústia e o desespero tomaram conta do poeta. Gullar achou que era hora de, segundo suas palavras, “expressar num poema tudo o que ainda necessitava expressar, antes que fosse tarde demais – o poema final”.
Assim nasceu o Poema Sujo, sua obra-prima. Gullar trabalhou nele de forma visceral, de março a setembro de 1975. “Nada me fez interromper o poema. Estava entregue a ele todas as horas do dia e da noite”, registrou em Rabo de Foguete, seu livro de memórias do exílio.
Na época, Vinícius de Moraes fazia muito sucesso em Buenos Aires. Em uma das ocasiões em que esteve por lá, na casa de Augusto Boal, também exilado, Gullar leu o poema para Vinícius. “Esse poema é uma coisa muito séria. Quero levar para o Brasil e mostrar para o pessoal. Não há tempo a perder”, disse o poetinha. E assim nasceu a famosa fita, que veio na bagagem de Vinícius e, no Brasil, foi reproduzida entre os amigos.
As reuniões para ouvir o Poema Sujo se multiplicaram. O poema circulava em audiências domésticas, enquanto seu autor permanecia na Argentina, onde a situação política se deteriorava.
Foi então que um grupo de amigos resolveu fazer uma noite de lançamento do poema, sem a presença do autor e sem livro. Seria um ato político, a fim de ajudar na operação de trazer Gullar de volta ao Brasil. Em um mundo distante das redes sociais, a mobilização era feita por telefone ou no boca a boca, nas mesas de bar. Diante das circunstâncias, acabou virando um feito relevante. Várias pessoas compareceram para demonstrar solidariedade e manifestar repúdio ao regime militar.
Dessa noite de autógrafos, sem livro e sem autor, restou a fotografia feita ao fim do evento, que dá a dimensão daquele momento histórico. A trajetória política dos que aparecem na imagem ganhou rumos diferentes, após a derrocada da ditadura. Muitos, inclusive, já morreram. Mas, naquele momento, importava marcar posição contra o regime militar. De um lado, armas e repressão; de outro, um livro de poesia que ainda não existia e cujo poeta estava exilado.
A mensagem não podia ser mais clara.
*Jornalista e escritor
RPD || Alberto Aggio: A política em tempos de pandemia
Filtro político das recomendações para o combate à pandemia do novo coronavírus desnudou as perspectivas filosóficas dos governantes, suas concepções de civilização, sua visão do presente e do futuro, avalia Alberto Aggio
Alberto Aggio*
É uma verdade relativa a que se pode deduzir da expressão “o cidadão vive no município, não no Estado ou na Federação”. A vida mudou profundamente nos últimos tempos, tornando-se cada vez mais complexa e cosmopolita. Se as fronteiras entre os países se enfraqueceram, o que dizer então dos limites meramente administrativos das cidades? A pandemia da Covid-19, que já ceifou mais de 1 milhão de vidas no mundo, é mais uma evidência da mudança. Em meio a esses trágicos resultados, ou precisamente por conta deles, teríamos pelo menos um saldo positivo desse sofrimento todo se pudéssemos assimilar a nova forma de pensar a relação do cidadão com a Pólis e, em função dela, construir uma maneira contemporânea de pensar a política no nosso tempo.
A começar pelo reconhecimento de que sobreviver à pandemia só foi possível com a adoção de parâmetros de orientação científica que transcenderam qualquer dimensão municipal. O isolamento social, primeiro, e o distanciamento social, em seguida (uso de máscaras, periódica e meticulosa higiene das mãos etc.), foram as principais orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), para tentar estancar o alastramento do vírus. Mesmo que ambas tenham sido cumpridas de maneira bastante parcial no Brasil, nossas condutas, sociais e pessoais, assemelharam-se a de inúmeros países do globo.
A contestação a essas recomendações desnudou as perspectivas filosóficas dos governantes, suas concepções de civilização, sua visão do presente e do futuro. Em uma palavra, as recomendações dos especialistas foram filtradas, em toda parte, pelo crivo da política. Não poderia ser diferente. Viver ou morrer, no contexto da pandemia, estaria assim submetido a uma orientação global e se consubstanciaria em um plano político concreto em cada país, desde o nível regional até os entes locais do território. Nesse pacote estariam iniciativas referentes à montagem de hospitais, alocação e distribuição de medicamentos e de recursos financeiros e humanos etc.
O mesmo raciocínio pode ser usado em relação à vacina contra o novo coronavírus. A produção da vacina deriva do avanço da ciência e da especialização dos cientistas em nível global e, essencialmente, da troca de informações entre eles, além do grau de evolução e especialização da economia médico-farmacêutica de cada país. Da mesma maneira, o sucesso ou o fracasso no tratamento dos pacientes contaminados pelo vírus.
Em suma, a pandemia demonstrou, de forma cabal, que as cidades não são mundos encapsulados, que vivem para si mesmas – como se algum dia houvessem sido. Nos momentos mais agudos, elas se “fecharam” e restringiram o movimento dos seus cidadãos, mas se mantiveram conectadas com o que de mais importante se fazia ao redor do mundo no enfrentamento da pandemia.
Contudo, as orientações dos especialistas não responderam de imediato às expectativas de contenção do vírus e, com o correr dos meses, foram alteradas, embora tenham sido mantidas como as referências mais seguras para enfrentar a emergência sanitária que se apresentava. Em uma palavra: elas eram insuficientes diante da complexa realidade que se instalava. Sabia-se do alcance, dos benefícios e dos limites do isolamento social confrontado com a realidade social e econômica. Se é verdade que a fala dos especialistas não poderia ser tomada de maneira absoluta, era rematada tolice vocalizar que a pandemia estava sendo politizada. Em suma, não havia sentido em pensar que as decisões quanto à pandemia estivessem fora da dimensão política.
Por ser assim, o comportamento dos principais dirigentes políticos do mundo esteve em causa no contexto pandêmico. O presidente Jair Bolsonaro notabilizou-se, dentro e fora do país, porque politizou a pandemia da forma mais equivocada possível. Desdenhou de suas consequências e principalmente dos mortos; recusou-se a colaborar com governadores e prefeitos no combate à pandemia, alegando falsamente suposta obstrução do STF; impediu a comunicação e a transparência a respeito do avanço e do combate à pandemia; e, por fim, buscou, a todo custo, “abater” politicamente seus supostos concorrentes às futuríssimas eleições presidências de 2022. Assim se comportou com dirigentes democraticamente eleitos e com ministros que ele próprio convocou como seus auxiliares.
Governadores, prefeitos e todos os cidadão ficaram a mercê de orientações conflitantes e o resultado foi a desorientação total da população, com as consequências sabidas: mais de 150 mil mortos em pouco mais de seis meses. No essencial, em relação à pandemia, Bolsonaro entregou uma política truculenta e beligerante, eivada de incompreensão e de ausência de solidariedade, além da absoluta falta de empatia para com aqueles que perderam seus entes queridos.
Se há algum saldo positivo a esperar é que os brasileiros, nas próximas eleições e nas vindouras, exerçam suas escolhas estabelecendo claramente a diferenciação entre lideranças e dirigentes políticos que se comprometeram em superar a crise e aqueles que se aproveitaram dela visando apenas seus interesses pessoais.
Maria Hermínia Tavares: O honrado dr. Tibiriçá, o coronel Ustra e a justiça de transição
O Judiciário reconheceu sua responsabilidade pelo sequestro, tortura e morte de opositores da ditadura
No final de 1973, passei uma semana no DOI-Codi do 2° Exército, em São Paulo. Nesse período, fui interrogada pelo então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem os subalternos chamavam de Doutor Tibiriçá. Nos porões da repressão, nenhum agente usava o nome verdadeiro —vários adotavam o mesmo pseudônimo. O major "doutor" era uma pessoa vulgar, meio fanfarrona, que demonstrava prazer em infundir medo e gostava de alardear conhecimentos que não tinha. Não sofri maus-tratos físicos, mas, entre os poucos prisioneiros que vi, havia pelo menos um com marcas visíveis de tortura.
Os especialistas chamam de justiça de transição diferentes procedimentos adotados em países que se democratizaram ou saíram de conflitos armados internos para lidar com violações de direitos humanos cometidos no passado recente. Incluem Comissões da Verdade ou outras formas de tornar público o sofrimento das vítimas; instrumentos judiciais para o reconhecimento dos crimes praticados, responsabilização ou punição de seus autores; reparações simbólicas e monetárias; expurgo de funcionários; anistia aos perpetradores.
A justiça de transição caminha lentamente, com recuos e avanços, sobre a linha fina que separa o compromisso com os direitos humanos do sempre movediço cálculo político alimentado pelo receio da reação de quadros e adeptos do regime anterior.
Ela não é exclusiva de um país. Nos últimos 30 anos, a América Latina foi um laboratório de experiências hoje bem documentadas por muitos estudos. Entre eles, o livro organizado por E. Skaar, J.Garcia-Godos e C. Collins —"Transitional Justice in Latin America" (justiça de transição na América Latina)—, que trata das medidas adotadas em nove países da área, entre eles o Brasil. Ali se vê que, ao contrário do ocorrido na vizinhança, neste país raros foram os recursos à Justiça.
Ustra, que chefiou o DOI-Codi entre 1970 e 1974, foi objeto de duas das escassas ações judiciais impetradas. Acabou condenado em ambas, numa delas ainda sem sentença final. A Justiça reconheceu sua responsabilidade pelo sequestro, tortura e morte de opositores da ditadura. Em depoimento à Comissão da Verdade, afirmou sem corar que, na pele do Dr. Tibiriçá, "cumpria ordens de seus superiores no Exército".
Falecido em 2015, Ustra é considerado herói pelo ex-capitão alçado à Presidência e pelo general seu vice, para quem se tratava de uma "pessoa honrada". Os louvores falam por si dos valores morais de ambos —antagônicos aos que deveriam inspirar Forças Armadas cuja missão é proteger o país e sua Constituição democrática.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Bruno Boghossian: Bolsonaro, Ustra e a 'direita burra'
Qual seria a tal direita iluminada com que Bolsonaro se identifica?
Depois de apanhar nas redes por uma semana, Jair Bolsonaro se irritou com as milícias digitais que costumavam agir a seu favor. Numa transmissão ao vivo, ele disse que os ataques à sua primeira indicação ao STF partiam de "uma direita burra". "Não é infiltrado de esquerda! Não é petista, não!", reclamou.
Em 2018, o candidato extremista que explorou uma agenda ultraconservadora conseguiu se vender como o verdadeiro representante da direita naquela campanha. Hoje, o presidente se sente confortável para questionar a inteligência dos ex-apoiadores que criticam os acordos políticos que ele fechou em busca de proteção para sua família.
Qual seria a tal direita iluminada com que Bolsonaro se identifica? O presidente pode estar pensando na turba que perseguiu uma menina de 10 anos que buscava um aborto legal depois de ser estuprada pelo tio. Ou na ministra de Estado que defendeu que ela levasse a gravidez adiante.
Ainda é possível que a referência destra do chefe de governo sejam os torturadores da ditadura militar. O próprio Bolsonaro, afinal, já usou o cargo para enaltecer o coronel Brilhante Ustra, condenado por sua atuação no regime. Na última semana, o vice Hamilton Mourão disse que aquele era “um homem de honra”.
O presidente também deve atirar na vala da "direita burra" os liberais que veem nele uma desconexão com os princípios econômicos que distinguem governos desse lado do espectro político. O líder ilustrado, por outro lado, já propôs taxar desempregados e reduzir benefícios pagos a idosos miseráveis.
Bolsonaro é um direitista esperto. Embora muitos eleitores desse campo possam estar decepcionados com algumas de suas atitudes, ele sabe que pode contar sempre com o velho apelo ao medo da esquerda para conquistá-los de volta.
"O que o pessoal fez com o Macri?", perguntou, naquela transmissão ao vivo, em referência ao ex-presidente argentino. "Porrada nele o dia todo. E o que aconteceu? Voltou a esquerdalha da Cristina Kirchner!"
Demétrio Magnoli: Em defesa da Liberdade e Luta
Movimento não se distinguia pelas festas mais divertidas, mas porque seu 'Abaixo a ditadura' tinha validade universal
“Libelu – Abaixo a Ditadura”, de Diógenes Muniz, venceu o festival É Tudo Verdade. Eduardo Escorel, numa crítica aguda, disse que o documentário não é sobre Liberdade e Luta ou sobre a ditadura militar, mas sobre um grupo de sexagenários que revisitam, melancolicamente, sua juventude. Meia verdade: são dois filmes em um.
Há, no filme explícito, uma história dos anos quentes de 1975-79, cujo apogeu foi 1977, quando o movimento estudantil golpeou duramente o regime militar, preparando o tiro fatal desferido pelas greves do ABC lideradas por Lula. Esse documentário ficará, como narrativa envolvente de um período tão decisivo quanto pouco estudado.
Já o filme oculto, cujo argumento foi desvendado por Escorel, perecerá logo, vitimado pelo vírus da irrelevância. Contudo, circunstancialmente, ele ensina algo sobre a atual esquerda brasileira.
“A minha é uma geração derrotada, pois não conseguimos mudar o Brasil”, lamenta Eugênio Bucci, um dos “libelus” entrevistados. A réplica lúcida aparece na sequência, pela voz de Josimar Melo: “Conquistamos a democracia”. O tom geral melancólico deriva da pouca importância atribuída a essa conquista por vários dos ex-militantes.
Também dei meu depoimento, concentrando-me no roteiro do filme explícito. Porém, indagado, não escondi que minha saída da Libelu (ou melhor, da organização trotskista que a impulsionava) refletiu uma ruptura intelectual com o marxismo —isto é, com a ideia de que um partido singular possui o monopólio da verdade histórica. Nos depoimentos, diversos dos antigos “libelus” definiram-se como, até hoje, “de esquerda” —e um ou outro aplicou-me o rótulo de “direitista”.
É um tanto engraçado —e só interessa como sintoma. Mensurados sob parâmetros europeus, meus valores me situariam na centro-esquerda. Por isso, a rotulação ajuda, mesmo que subsidiariamente, a decifrar a fragilidade ideológica da oposição de esquerda a Bolsonaro.
Muitos dos “libelus” que falaram à câmera tornaram-se lulistas, inclusive os ainda militantes da corrente trotskista do PT. Do ponto de vista dos lulistas, só existem “esquerda” (eles mesmos e seus “companheiros de viagem”) e “direita” (todos os demais). A extrema direita raciocina do mesmo modo, só que pelo avesso: se você não é bolsonarista, então é “comunista”. A linguagem binária compartilhada tem a finalidade de identificar o inimigo, convertendo a política em guerra.
“Abaixo a ditadura” —a palavra de ordem relançada em 1977 pela Liberdade e Luta convenceu-me a entrar na organização trotskista. Mas não só ela. Junto, atraiu-me a repulsa dos trotskistas da época a qualquer ditadura, de direita ou esquerda. Pedíamos, por exemplo, a libertação de dissidentes presos por regimes comunistas atrás da Cortina de Ferro, na Polônia e na Tchecoslováquia, uma informação que não aparece no documentário. Afastei-me quando, após as greves operárias, a “nossa” ditadura cambaleava. No fundo, suspeito que muitos de nós militávamos, de fato, pela democracia, não pela miragem da revolução socialista.
Os ex-“libelus” repaginados como lulistas regrediram à posição das correntes de inspiração castrista que concorriam pela liderança do movimento estudantil daqueles tempos. Hoje, denunciam o autoritarismo “de direita”, mas calam-se —ou, pior, até aplaudem— o autoritarismo “de esquerda”. Sua indignação diante dos saudosistas do AI-5 contrasta com sua simpatia pelos regimes cubano e venezuelano. A melancolia que invade o filme reflete essa ruptura crucial com as convicções verdadeiramente fundamentais dos anos de juventude.
Liberdade e Luta não se distinguia, no movimento estudantil, por promover as festas mais divertidas, mas porque seu “Abaixo a ditadura” tinha validade universal. Nisso, ela estava coberta de razão, tanto no plano político como na esfera moral. Viva os “libelus”.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Merval Pereira: Crise à vista
A insistência com que o vice-presidente Mourão e o presidente Bolsonaro elogiam o coronel Brilhante Ustra pode provocar uma crise diplomática
À medida que fica cada vez mais claro que Joe Biden provavelmente será eleito o próximo presidente dos Estados Unidos, mais problemática fica a prospecção do relacionamento com o Brasil. No momento, a questão ambiental é o principal obstáculo a uma relação equilibrada com os americanos, e o comentário de Biden sobre as queimadas da Amazônia é exemplar dessa dificuldade.
Mas outro ponto de divergência pode ser a questão das torturas durante a ditadura militar no Brasil. Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão insistiu em elogiar o Coronel Brilhante Ustra, único militar condenado por tortura.
Biden, quando era vice-presidente de Obama, revelou a BBC News, esteve no Brasil para entregar pessoalmente à presidente Dilma documentos sobre torturas e ilegalidades cometidas durante a ditadura militar no Brasil, entre os quais alguns que identificam Ustra como torturador contumaz.
Segundo a reportagem da BBC News Brasil, um HD com 43 documentos produzidos por autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977, a partir de informações passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e dos serviços de repressão. Para Bolsonaro, no entanto, Ustra é “um herói brasileiro” e para Mourão “um homem de honra”.
O presidente Bolsonaro reagiu à insinuação de Biden de que sérias sanções econômicas serão definidas caso a situação do desmatamento da Amazônia não melhore no Brasil. Nem mesmo a eventual captação, comandada pelos Estados Unidos, de uma verba bilionária para ajudar o combate aos incêndios e ao desmatamento foi considerada boa perspectiva pelo governo brasileiro, que se apressou a dizer que não está à venda, vendo na proposta de Biden a intenção de subjugar, não ajudar.
O vice-presidente Hamilton Mourão também comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal, e estará no centro de qualquer desavença que surja nessa área ou em outros setores, como o incômodo da nova gestão democrata com ditaduras militares que Bolsonaro e Mourão não se cansam de elogiar.
Em uma entrevista à Deutsche Welle, o vice-presidente Mourão foi duramente questionado sobre o fracasso do combate às queimadas na Amazônia, sobre a pandemia da Covid-19, que já fez cinco milhões de infectados e quase 150 mil mortes no Brasil e, por fim, sobre os elogios dele e de Bolsonaro ao Coronel Ustra, condenado como torturador.
Mourão tentou driblar todas as perguntas passando uma visão tranqüilizadora da situação do país, mas não quis escapar da questão sobre as torturas, embora fizesse questão de colocar-se, e ao governo brasileiro, contra a prática: “O que eu posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra é que ele foi meu oficial comandante durante o final dos anos 70 e ele foi um homem de honra que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele – posso dizer porque tive amizade muito próxima com ele — não são verdade.”
Os documentos entregues por Biden foram utilizados na Comissão da Verdade: "Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa promessa do futuro", disse o então vice-presidente dos Estados Unidos. A Comissão da Verdade é outro ponto de irritação por parte de Bolsonaro, que nega a validade de suas revelações.
"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.
Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos militares brasileiros”.
A insistência com que o vice-presidente Mourão e o presidente Bolsonaro elogiam o coronel Brilhante Ustra pode provocar uma crise diplomática semelhante à ocorrida no governo Geisel, quando o democrata Jimmy Carter deu uma guinada na política de Direitos Humanos nos Estados Unidos.
‘Economia tem taxas medíocres de investimento’, diz Nelson Tavares Filho
Provável vitória dos democratas nas eleições norte-americanas, ausência de uma política ambiental e investimentos baseados em aumento da dívida pelo governo Bolsonaro são fatores que podem influenciar a economia do país, levando a uma alta da inflação e dos juros
O economista Nelson Tavares Filho, especialista em planejamento estratégico, é enfático ao projetar um cenário preocupante no Brasil. “A economia brasileira vem apresentando taxas medíocres de investimento, 1,35% do PIB”, alerta, em artigo que publicou na 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.
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Todos os conteúdos da publicação têm acesso gratuito no site da FAP. De acordo com o economista, o problema ocorre porque os gastos correntes inadiáveis veem ocupando o espaço no orçamento. “Inúmeras estatais estão dependendo do orçamento público para pagar suas folhas salariais, sem contrapartida de ofertar um bom serviço público. Mas fechar uma estatal hoje significa subtrair ‘poder’ de um congressista. A base formada pelo governo Bolsonaro irá dificultar muito o ajuste necessário ao Estado brasileiro”, afirma.
Segundo o especialista, um detalhe importante poderá favorecer a apresentação de taxas de crescimento positivas em 2021. “O efeito estatístico causado pela diminuição do PIB em 2020. Outra questão que poderá influir no crescimento é o auxílio a ser pago a camadas mais pobres da população. 65% do crescimento é ocasionado pelos gastos familiares, e este auxílio aumenta o poder de compra dessa população integralmente, pois não possuem condições de poupar”, analisa.
Pelo valor estimado para o PIB (US$ 6,5 trilhões) e do “PIB per capita” (US$ 28 mil) no Brasil, conforme analisa o autor, é fácil deduzir que a empresa aguarda desenvolvimento significativo no longo prazo. “No cenário de curto prazo, com as variáveis mencionadas, o crescimento ocorrerá mais por efeito estatístico e/ou desrespeitando normas e leis que constituem base para um crescimento de longo prazo”, escreve ele.
O economista destaca que não são dois cenários excludentes. “Mas a prevalecer no curto prazo crescimento nas condições explicitadas, mais difícil será a realização do cenário de longo prazo traçado pela empresa”, afirma ele.
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Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, professor da Unesp diz que os dois candidatos ‘coincidem em que a China é um problema para a América’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem acrescentado pauta própria e muito sensível ao eleitor de direita do país, de acordo com o historiador e professor professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marcos Sorrilha Pinheiro. “A ênfase na lei e na ordem, sua plataforma preferida na tentativa de alertar a população do país contra os efeitos da campanha de Biden, de maior aproximação com as minorias étnicas”, explica ele, em artigo que publicou na 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.
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Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com Pinheiro, dos temas centrais que norteiam a escolha do próximo presidente, cinco despontam com particular importância: pauta étnica, economia, relações com a China, coronavírus e questão climática.
Biden, na avaliação do historiador, parece ter dois pontos seguros a seu favor, ao passo que Trump luta para consolidar seu posicionamento em ao menos dois deles também. Apenas a China está em aberto. “Ambos os candidatos coincidem em que a China é um problema para a América”, analisa o professor da Unesp.
Neste exato momento, segundo Pinheiro, a corrida eleitoral ganha contornos de indecisão. “Após três meses de muitos tumultos em torno da figura de Donald Trump – causados pela derrubada do PIB, pelas mortes causadas pela Covid-19 e pelas manifestações antirracistas –, em que uma vitória esmagadora de Biden parecia se desenhar, o atual presidente se recuperou nas pesquisas, aumentando sua vantagem em Estados ameaçados, como o Texas, e aproximando-se de seu opositor em dois campos de batalha: Flórida e Pensilvânia”, escreve o autor do artigo.
De certa maneira, avalia o professor da Unesp, a economia começa a dar sinais de recuperação e isso pode ser bom para Trump. “Além disso, o aumento das tensões em torno das manifestações étnicas é uma carta que ele mobiliza com frequência, tentando plantar o medo, vendendo a imagem de Biden como se fora a marionete da ala radical do partido, atrelada àqueles movimentos”, diz, para continuar: “Por outro lado, o candidato democrata sai-se bem em temas que são tidos como muito importantes entre os eleitores independentes – a questão climática e a crise do coronavírus – com as quais, estimam, Biden saberá lidar com mais competência”.
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