Ditadura

Vladimir Carvalho nasceu em Itabaiana, no estado da Paraíba, em 31 de janeiro de 1935 | Foto: reprodução/Podcast Correio Braziliense

Vladimir Carvalho fala sobre festival de Brasília, ditadura e memória

#24 - Vladimir Carvalho fala sobre o festival de Brasília, ditadura e memória - Podcast do Correio

O convidado do novo episódio do Podcast do Correio é o cineasta Vladimir Carvalho, diretor de grandes clássicos do cinema brasileiro, como Conterrâneos velhos de guerra (1992) e O País de São Saruê (1971). No programa, o documentarista, que comemora 88 anos, fala sobre suas mais de cinco décadas vivendo em Brasília, sobre o Festival de Cinema da capital e sobre preservação da memória.

O Podcast do Correio está disponível também nas principais plataformas de áudio. Confira:

https://www.youtube.com/watch?v=tga6CvZTvB8

Podcast originalmente produzido pelo Correio Braziliense.


BNDES financiou caminhões de empresa investigada por ato golpista

Vinicius Konchinski*, Brasil de Fato

O Grupo Sipal, gigante do agronegócio que teve contas bancárias bloqueadas por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) por suposto envolvimento em atos golpistas, obteve R$ 22,5 milhões em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para comprar caminhões dois meses antes da eleição.

Sete caminhões com as mesmas características dos comprados foram registrados em relatório do governo do Distrito Federal por estarem estacionados em frente ao quartel general do Exército enquanto eram realizadas manifestações contra o resultado das eleições.

O governo distrital identificou 234 caminhões presentes em manifestações em Brasília. A íntegra do documento foi revelada pelo site Metrópoles na semana passada.

No documento, estão listadas as placas dos veículos. Com base nelas, é possível verificar que todos os caminhões vinculados à Sipal eram fabricados pela Mercedes-Benz, de modelo 2022 e registrados em Francisco Beltrão (PR), onde fica uma filial do grupo cujas contas foram bloqueadas por ordem do STF.

Em agosto, mês em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) lançou sua campanha à reeleição, o BNDES liberou R$ 22,5 milhões à Sipal, em cinco operações, intermediadas pelo banco Mercedes-Benz. O banco opera basicamente financiando vendas da Mercedes, montadora dos caminhões da Sipal vistos em atos golpistas.

A Sipal confirmou que comprou caminhões da Mercedes com dinheiro do BNDES. Não deu detalhes sobre quantos. Afirmou, porém, que nenhum dos caminhões comprados com recursos disponibilizados pelo banco público foram enviados pela empresa à Brasília.

A empresa, aliás, informou que somente um caminhão registrado em nome do grupo esteve em Brasília, diferentemente do registrado pelo governo do DF. A empresa também informou que esse caminhão não foi enviado por ela. O veículo, segundo a Sipal, já havia sido vendido quando esteve na capital. A documentação dele é que não havia sido regularizada.

O STF determinou o bloqueio de contas da Sipal e outras empresas e pessoas porque, entre outras coisas, elas estariam envolvidas no envio de 115 caminhões a Brasília “com fins de rompimento da ordem constitucional – inclusive com pedidos de ‘intervenção federal’, mediante interpretação absurda do art. 142 da Constituição Federal”.

O Grupo Sipal foi fundado em 1970, tem mais de mil funcionários e sede em Curitiba, no Paraná. No Estado, ele realiza operações portuárias no Porto de Paranaguá e controla armazéns de grãos em diferentes cidades. O grupo também tem armazéns de grãos e uma destilaria de álcool em Mato Grosso.

Por conta disso, ela considera-se uma das maiores empresas do agronegócio Brasil. Reportagens sobre a Sipal indicam que ela vem faturando mais de R$ 10 bilhões por ano.

O próprio BNDES considera a empresa de “grande porte”. Levando isso em consideração, o banco emprestou, via agentes parceiros, R$ 119 milhões ao Grupo Sipal só neste ano, incluindo os financiamentos a caminhões. Ao todo, foram 18 operações, com média de R$ 6,6 milhões cada.

Dívida com a União

O Grupo Sipal tem diferentes empresas, cada uma com um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). A decisão do STF, proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, cita somente um deles (02.937.632/0017-79), da filial de Francisco Beltrão.

Essa filial tem nove sócios e administradores, quase todos ligados à família Scholl. Um dos citados no quadro societário é Willian Scholl.

Willian Scholl também é um dos dois sócios da Sipal SA Indústria Comércio e Agropecuária (CNPJ 83.297.663/0001-47). Essa empresa deve mais de R$ 211 milhões à União, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, vinculada ao Ministério da Economia.

::Investigados doaram R$ 1 mi a Bolsonaro::

O outro sócio da Sipal SA é Wagner Scholl, o qual também tem participação em empresas do grupo Grupo Sipal, como a Centro Sul, Usimat e Tirolesa.

Procurado, o Grupo Sipal não comentou a decisão do STF que cita a empresa. Informou também que não tem relação com a empresa Sipal SA, devedora da União.

A empresa também informou que segue trabalhando normalmente e que a decisão do STF não afetou em nada suas operações.

O BNDES informou que, do ponto de vista financeiro, os empréstimos à Sipal “transcorrem dentro da normalidade”. “Na época em que foram realizadas, o cliente estava com todas as condições prévias atendidas”.

O banco informou que não pode financiar empresas que não comprovem regularidade fiscal perante a União. Informou que, em operações realizadas com intermediação de agentes financeiros, clientes precisam apresentar a Certidão Negativa de Débitos (CND) ou Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPEND), expedida pela Receita ou Procuradoria-Geral da Fazenda.

O BNDES ressaltou que, pelo fato de a Sipal SA Indústria Comércio e Agropecuária (CNPJ 83.297.663/0001-47) não fazer parte do contrato de financiamento firmado com o banco, a regularidade fiscal dessa empresa não foi avaliada.

O banco não comentou o suposto envolvimento da Sipal em atos antidemocráticos. Ressaltou, porém, que “acompanha os processos envolvendo seus clientes”. “Caso confirmadas irregularidades no uso dos recursos emprestados, o banco adota procedimentos previstos em seus contratos e seus normativos”, declarou.

O BNDES não deu detalhes sobre os financiamentos concedidos à Sipal alegando sigilo empresarial. Confirmou que, em 2022, a empresa obteve financiamentos por meio das linhas BNDES Finame Ônibus e Caminhões e BNDES Finame Materiais.

Procurado, o banco Mercedes-Benz não respondeu.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Nas entrelinhas: Quando a história se repete como um factoide irresponsável

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

As melhores reportagens políticas sobre momentos decisivos da história muitas vezes estão nos livros e não, necessariamente, nos jornais e revistas da época. É o caso, por exemplo, de Renúncia de Jânio — um depoimento, do jornalista Carlos Castello Branco, que foi referência do jornalismo político para minha geração por suas colunas durante o regime militar, no antigo Jornal do Brasil, apesar da censura prévia imposta pelo Ato Institucional nº 5. O livro mostra como uma intriga envolvendo o presidente da República e o governador carioca Carlos Lacerda, nos bastidores do Palácio do Planalto, deu início à crise política que levou Jânio Quadros à renúncia. Seus desdobramentos resultaram em 20 anos de ditadura.

Outra obra desse naipe é Cinco dias em Londres, de John Lukacs, que narra os bastidores do Gabinete de Guerra britânico, de 24 ao dia 28 de maio de 1940, quando Winston Churchill travou uma dura luta política com o Lorde Halifax para convencer seus integrantes a não fazerem um acordo de paz com Hitler. A resistência de Winston Churchill a um acordo da Inglaterra com a Alemanha evitou um desastre. O livro conta em detalhes a entrega do cargo a Churchill por Neville Chamberlain e revela a desconfiança do governo inglês, do presidente norte-americano Franklin Roosevelt e do próprio povo inglês, além da imprensa e dos aliados em relação a Churchill, homem confiável, íntegro e respeitado, porém alcoólatra e um pouco velho para o desafio da guerra.

Entretanto, a melhor reportagem política já escrita talvez seja o 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. Publicado em 1852, o texto descreve um golpe de Estado recém-ocorrido na França. Carlos Luís Napoleão Bonaparte, eleito presidente do país em 1848, resolveu impor uma ditadura três anos depois. Essa repetição de Napoleões no poder levou Marx a cunhar uma frase famosa, muito repetida pelos políticos, às vezes sem saber quem é seu verdadeiro autor: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

O título do livro é inspirado no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, com o qual se tornou cônsul da França, antes de se autoproclamar imperador. No calendário da Revolução Francesa de 1789, essa data correspondia ao dia 18 do mês de brumário. Marx mostra que o golpe dado por Napoleão III era apenas uma cópia daquele que fora dado antes por seu tio. A data escolhida para o golpe foi 2 de dezembro de 1851, aniversário de 47 anos da coroação de seu tio como imperador da França. Nessa obra, Marx conclui que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.

Farsa ou tragédia

Ontem, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, entrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com um pedido de verificação extraordinária do resultado do segundo turno das eleições. Pediu a invalidação dos votos de mais de 250 mil urnas, com base no relatório elaborado por uma consultoria privada, que alega que as urnas anteriores ao modelo 2020, cerca de 60% do total utilizado nas eleições, têm um número de série único, quando, na opinião da consultoria, deveriam apresentar um número individualizado, porque somente assim, afirma o relatório, seria possível fazer uma auditagem. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, de pronto pediu ao PL que aditasse ao requerimento o pedido de invalidação também dos votos do primeiro turno, que utilizaram as mesmas urnas, no prazo de 24 horas.

É óbvio que o pedido do PL faz parte de uma estratégia do presidente Jair Bolsonaro para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que incentiva os protestos contra o resultado da eleição e a favor de intervenção militar para se manter no poder. O pedido não tem a menor chance de ser aceito pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal, apenas cria um factoide político que serve para a agitação golpista de extrema-direita à porta dos quartéis. O relatório é uma farsa montada para tumultuar a transição. Além disso, serve de cortina de fumaça para o estelionato eleitoral praticado pelo atual governo, cujo rombo nas contas públicas está colocando em risco o funcionamento dos serviços básicos da administração federal, da vacinação à emissão de passaportes.

O relatório é uma farsa, como foi o Plano Cohen, um relatório de inteligência segundo o qual os comunistas pretenderiam tomar o poder, incendiar prédios públicos, promover fuzilamentos, greve geral, saques e desordem. O documento circulou pelos quarteis em 1937 e serviu de pretexto para Getúlio Vargas dar um golpe de estado e permanecer no poder. O Plano Cohen foi arquitetado pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, organizador das milícias da Ação Integralista Brasileira e lotado no setor de inteligência do Estado-Maior do Exército. No dia 1º de outubro, a Câmara Federal aprovaria, por 138 votos a 52, a implantação do estado de guerra. No dia 10 de novembro, Getúlio anunciaria ao país e ao mundo a instituição do Estado Novo. Só em 1945 os brasileiros saberiam que o Plano Cohen não havia passado de uma grosseira falsificação. Mourão Filho, promovido a general, anos mais tarde, deflagraria o golpe militar de 1964.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quando-a-historia-se-repete-como-um-factoide-irresponsavel/

Revista online | Breve notícia da terra devastada

Luiz Sérgio Henriques*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)

Em Washington, mal começado o governo e já na primeira viagem internacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) cunhou a epígrafe definitiva da obra a que se dedicaria com afinco nos anos seguintes. Conservadores de variado coturno – ou melhor, reacionários do calibre de Olavo de Carvalho e Steve Bannon – ouviram-no proclamar o sentido da “missão divina” que se autoatribuía e que consistia em “desconstruir” e “desfazer” regras e valores, hábitos e instituições, antes de começar a pôr de pé a parte supostamente positiva da sua agenda. 

Livramo-nos há pouco da promessa bolsonarista da “construção” a ser cumprida em mais um mandato, mas é forçoso admitir que só quatro anos bastaram para legar um cenário de terra devastada. Em outras palavras, a metade inicial do projeto está realizada. A celebração grosseira do “politicamente incorreto” contaminou parte das elites e infiltrou-se por toda a sociedade, criando um reacionarismo de massas agressivo e destruidor. 

Juristas defenderam uma leitura golpista da Constituição – em particular, do artigo 142, simultaneamente curto e prolixo, que na aparência dá voz a quem numa democracia deve ser o “grande mudo”. Médicos militaram, e talvez militem ainda, no movimento antivacina, deixando um traço lastimável de retrocesso civilizatório. E a violência política tornou-se um recurso, quando não legítimo, ao menos aceitável para setores da sociedade contaminados pelo culto às armas e pela tentação de eliminar fisicamente o inimigo interno – se preciso for. 

Confira, a seguir, galeria de imagens:

Reprodução: Unisinos
Reprodução: Jornal da USP
Foto: Drazen Zigic/Shutterstock
Foto: Jesse33/Shutterstock
Reprodução: Proceso Digital
Foto: Day Of Victory Studio/Shutterstock
Foto: Wellphoto/Shutterstock
Foto: Jacob Lund/Shutterstock
Foto: Daniel Caballero/Valor Econômico
Foto: Vincenzo Lullo/Shutterstock
Reprodução: Unisinos
Reprodução: Jornal da USP
Young,African,American,Woman,Shouting,Through,Megaphones,While,Supporting,Anti-racism
Foto: Jesse33/Shutterstock
Reprodução: Proceso Digital
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Reprodução: Unisinos
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Na verdade, a contrarrevolução política e cultural a que fomos submetidos desde 2019 – e a que, em certa medida, assistimos “bestializados” – teve mais de uma vertente. Desde logo, vimo-nos arrastados pela grande crise das democracias contemporâneas, que está longe de ter se esgotado e parece renovar-se em cada eleição e em cada momento. 

Uma crise estrutural, certamente, com aspectos até bizarros. Não é comum que alguém como Viktor Orban, autocrata de um país distante e pequeno (ainda que culturalmente muito relevante), torne-se uma espécie de ídolo global dos “revolucionários” da extrema-direita, inclusive no país-chave do Ocidente, os Estados Unidos. Mais do que ídolo, um modelo para o programa de corrosão das democracias aplicado em várias realidades nacionais. Pois a Viktor Orban fomos também apresentados na posse mesma do presidente Bolsonaro, sinalizando uma aliança e uma afinidade que até então inocentemente ignorávamos.   

Há também uma dimensão propriamente interna – ou, mais do que isto, um emaranhado de contradições que são coisas nossas e nos levaram à beira do precipício. A exasperação do conflito político, especialmente a partir de 2013, teve efeitos desastrosos, cuja enumeração exaustiva não cabe aqui.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

Mencionemos só um exemplo. Não soubemos lidar nada bem com o instituto do impeachment. Todos os governos não petistas, sem exceção, foram alvo de insistentes pedidos de impedimento por parte do PT ou de figuras próximas. E, no entanto, o impeachment de Dilma Rousseff, num contexto de recessão brutal e perda de apoio parlamentar, teve como contrapartida a acusação inapelável de “golpe”, como se 2016 tivesse sido o marco zero da ruptura institucional – o que, a bem da verdade, não tivemos em momento algum, sequer em 2018 e menos ainda, obviamente, em 2022. Aliás, com seus sinais de nova esperança, a data mais recente reuniu numa só trincheira todos os personagens de vocação democrática, inclusive os que antes se contrapuseram duramente.

Coisa bem diferente é postular que o segundo mandato do aspirante a autocrata teria aprofundado a ação da toupeira ou, para usar termo militar, o trabalho de sapa contra as instituições consagradas na Constituição. Uma democracia fortemente tutelada e uma sociedade conflagrada poderiam, em conjunto, somar a repressão “tradicional” dos aparelhos de Estado e a violência nascida das entranhas do corpo social, violando todas as dimensões da liberdade duramente conquistadas após a ditadura. E assim terminariam por se desenhar as linhas de um pós-fascismo, ou de um fascismo do século XXI, encerrando tragicamente, com um grau maior ou menor de coerção, o mais longo período de vida democrática que tivemos sob a República.  

Há quem diga que construções intelectuais dizem pouco, quase nada, sobre as lutas cruas pelo poder a que se entregam de corpo e alma as forças políticas e que são sua razão única de ser. Afinal, o cinismo autoriza a dizer que programas convincentes sempre podem ser encomendados na primeira esquina e nunca falta gente para fornecer discursos altissonantes. 

A vantagem de conjunturas críticas, como esta que ainda não deixamos para trás, é que evidenciam a conexão mais íntima entre ideias e atitudes, ideólogos e políticos – mesmo que uns sejam farsantes e os outros toscos. Uma conexão que funciona para o bem e, como acabamos de ver, vezes sem conta para o mal, o que talvez seja uma das advertências mais poderosas sobre as possibilidades de degradação social e política sempre latentes em qualquer circunstância.    

Sobre o autor

*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta

* O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Em discurso na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro tentou puxar coro de 'imbrochável' para si mesmo

'Machopopulismo' de Bolsonaro é parte de tradição que remonta ao fascismo, diz historiador

Thais Carrança*, BBC News Brasil

A análise é do historiador argentino Federico Finchelstein, professor da New School for Social Research (EUA) e autor do livro Do Fascismo ao Populismo na História (Edições 70, 2020), e foi feita pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro (PL) puxar um coro de "imbrochável" para si mesmo, em discurso na Esplanada dos Ministérios no 7 de Setembro, em Brasília.

Mas o que é esse "machopopulismo", que na visão de um dos principais estudiosos do radicalismo e do populismo da atualidade une líderes como Donald Trump (EUA), Silvio Berlusconi (Itália), Abdalá Bucaram (Equador), Carlos Menem (Argentina), Rodrigo Duterte (Filipinas) e Jair Bolsonaro?

"É uma característica notável de todos esses populistas e, antes deles, dos movimentos fascistas. Um entendimento da sociedade baseado na supremacia masculina, num senso particularmente reacionário de virilidade e na distinção entre gêneros", disse Finchelstein, em entrevista à BBC News Brasil nesta quarta-feira (7/9).

"Por mais chocante que soe o presidente do Brasil celebrar dessa forma sua própria virilidade, isso não é algo novo ou original. É parte de uma tendência reacionária e da história do fascismo e do populismo", completa o pesquisador.

Finchelstein lembra episódios diversos de bravata viril e grosseria machista por líderes contemporâneos considerados populistas.

Durante debate no processo de eleições primárias do Partido Republicano, Trump se gabou do tamanho de seu órgão genital. E num vídeo de 2005, recuperado durante a campanha eleitoral de 2016, usou termos chulos ao falar sobre beijar, acariciar e tentar fazer sexo com mulheres ("Pegue-as pela vagina. Você pode fazer qualquer coisa", dizia Trump no vídeo).

O ex-primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, fez referências grosseiras ao físico da ex-chanceler alemã Angela Merkel e constantemente se gabava de sua performance sexual, além de ter dito certa vez que sua paixão pelas mulheres era "melhor do que ser gay", lembrou Finchelstein.

"Se eu posso amar 100 milhões [de Filipinos], eu posso amar quatro mulheres ao mesmo tempo", disse certa vez o ex-presidente filipino Rodrigo Duterte, que também fez piada sobre querer estuprar uma missionária australiana, morta após ser torturada e sofrer estupro coletivo.

Segundo o professor da New School for Social Research, todos esses episódios revelam líderes cujo entendimento da política e da sociedade é extremamente discriminatório com relação às mulheres.

"Eles consideram que as mulheres têm um papel secundário e que os homens, por suas alegadas proezas sexuais, devem ser os líderes das nações", diz Finchelstein. "Isso não faz o menor sentido de um ponto de vista racional e democrático, mas é parte da lógica irracional dessas tradições reacionárias."

'Dois lados da mesma moeda'

Para o especialista, a exaltação à própria sexualidade, combinada a um conservadorismo repressor da sexualidade da população, são dois lados de uma mesma moeda.

"Essa ideia bastante violenta de dominação masculina já implica em si na repressão de outros. No passado, líderes fascistas e populistas eram um pouco mais discretos com relação a essa dimensão. No caso de Trump, Berlusconi e Duterte, a coisa se torna cada vez mais explícita. Mas, embora a vulgaridade seja algo mais recente, a ideologia é bastante antiga, com origem em [Adolf] Hitler e [Benito] Mussolini. Essa ideia de um líder macho que, devido a essa masculinidade exacerbada, deve ser aceito como o líder da nação", diz Finchelstein.

Para o pesquisador, essa perspectiva machista e chauvinista apela a uma parcela da população que se vê refletida nessas declarações repressoras e discriminatórias, se identificando com essas mensagens.

"Esse líderes têm apelo não para a maioria da sociedade, mas para aqueles que estão insatisfeitos com a democracia e com a diversidade", afirma.

Ele cita a comparação feita por Bolsonaro entre sua esposa Michelle Bolsonaro e as esposas de outros candidatos.

"É ultrajante, porque trata-se de uma clara objetificação das mulheres. Mas não é uma surpresa quando falamos desses 'machopopulistas' e seu senso de masculinidade discriminatória."

Finchelstein lembra que Trump fez o mesmo durante as primárias americanas, ao comparar sua esposa, Melania Trump, com a esposa do também republicano Ted Cruz.

"Isso é parte do manual trumpista, há poucas coisas originais a respeito de Bolsonaro", afirma.

Os quatro elementos do fascismo

Para o pesquisador, apesar de sua falta de originalidade, Bolsonaro se destaca entre os líderes autoritários contemporâneos por estar, assim como Trump, mais próximo do fascismo do que os demais populistas.

Finchelstein enumera os quatro elementos-chave do fascismo:

  • Mentiras e propaganda autoritária;
  • Militarização da política e glorificação da violência e de armas;
  • Política do ódio e total demonização do outro;
  • Ditadura.

"Mesmo em seu discurso de Dia da Independência, e isso não é irrelevante, Bolsonaro classificou o outro lado como 'o mal'", observa Finchelstein — as palavras do presidente foram as seguintes: "O mal que perdurou por 14 anos no nosso país, que quase quebrou nossa pátria e que deseja voltar à cena do crime. Não voltarão, o povo está do lado do bem."

Para o pesquisador, "se você tem esses quatro elementos, você está numa situação fascista".

*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.


Contra a ditadura | Imagem: Jorm S/Shutterstock

Nas entrelinhas: Manifesto resgata narrativa da luta contra a ditadura

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, lançada ontem nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), na sequência do manifesto de empresários e sindicalistas organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) como o mesmo objetivo, resgatou a narrativa da luta pela democracia que aprofundou o isolamento e levou à derrota o regime militar. Organizado por ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), juristas, professores e alunos, o manifesto pode chegar a 1 milhão de assinaturas.

É uma ironia tudo isso. Tanto fizeram o presidente Jair Bolsonaro (PL), os generais que o cercam no Palácio do Planalto e seus apoiadores, saudosistas do regime militar, nos ataque às urnas eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao STF, que o mundo jurídico reagiu em defesa dos postulados básicos da democracia e conseguiu galvanizar o apoio da sociedade civil. Isso ficou muito evidente no Largo do São Francisco e em dezenas de outras cidades brasileiras. Não por acaso, o evento relembrou o manifesto lançado nas comemorações dos 150 anos dos cursos de Direito no Brasil, em 1977.

O evento de ontem reuniu remanescentes da manifestação realizada 45 anos atrás, que contou com a participação de cerca mil pessoas, que saíram em passeata no centro de São Paulo, em pleno regime militar. A leitura da nova carta foi realizada pelas professoras da Faculdade de Direito da USP Euníce de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara (vice-diretora da instituição) e por um dos signatários da carta de 1977, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, com 82 anos, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM).

Em 1977, a motivação dos protestos foi o fato de a celebração oficial ter ficado a cargo do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, um dos autores do AI-5. Os juristas Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso decidiram organizar um ato que realmente representasse a comunidade acadêmica e seu entendimento sobre a situação do país. O professor Goffredo Telles Júnior foi encarregado de redigir e ler o manifesto, que entrou para a história.

Outro contexto

O contexto era completamente diferente. O general Ernesto Geisel operava uma abertura política “lenta, gradual e segura”, em resposta à derrota eleitoral do regime, em 1974. Milhares de pessoas haviam sido presas em 1975, a maioria ligada ao antigo PCB. O regime perseguia opositores, censurava meios de comunicação e não permitia a eleição direta de governantes.

Entre junho e agosto, 17 jovens militantes do antigo MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), entre os quais o atual deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), haviam sido presos. Em resposta, houve uma grande manifestação de estudantes na PUC do Rio de Janeiro.

Os signatários da Carta aos Brasileiros, pot tudo isso, começavam o documento declarando-se decididos “a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. O texto de 14 páginas terminava afirmando: “A consciência jurídica do Brasil quer um a cousa só: o Estado de Direito”.

O documento, de certa forma, serviu para unificar a agenda do movimento democrático, que desaguou na vitória do MDB nas eleições de 1978 e na campanha da anistia para os presos políticos e exilados, que viria ser aprovada em 1979. Daí em diante, da nova derrota eleitoral de 1982 até a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o regime foi se desagregando, até a derrota final dos militares.

Hoje, a situação é completamente diferente. Generais voltaram ao poder pelas mãos de um ex-capitão que deixou a ativa por indisciplina e se elegeu presidente da República. O Centrão substitui a antiga Arena, da qual o PP é o legítimo sucessor, no controle do Congresso. Entretanto, o poder moderador na República é exercido pelo STF e não pelas Forças Armadas, embora o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se comporte como se fosse xerife das eleições.

A narrativa golpista de Bolsonaro assusta a sociedade civil, cujas lideranças se uniram para defender a democracia sem a intermediação dos partidos. Esse é o eixo político institucional da disputa eleitoral em curso, mas é a situação da economia que decidirá o pleito. Por meio da chamada PEC Emergencial, que desconsidera a legislação eleitoral, o governo usou o peso do seu poder econômico para mudar a correlação de forças nas eleições. Por isso, Bolsonaro tripudia do manifesto.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-manifesto-resgata-narrativa-da-luta-contra-a-ditadura/

Simone Tebet no Plenário do Senado | Moreira Mariz/Agência Senado

MDB rachado e presidenciável com pouco voto: uma história recorrente

Glauco Faria*, Brasil de Fato

Caso não haja nenhuma surpresa, o MDB deve confirmar hoje a candidatura à Presidência da República da senadora do Mato Grosso do Sul Simone Tebet. Mas, de saída, a legenda já sai rachada. Líderes emedebistas de onze estados manifestaram apoio à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, embora o presidente nacional da sigla, Baleia Rossi, tenha declarado que a candidatura da parlamentar tem o apoio de 19 diretórios estaduais, a divisão já é evidente.

Não que isso seja novidade na história da legenda. Partido que antagonizava com a Arena no período da ditadura civil-militar, o PMDB da pós-democratização chegou a eleger todos os governadores do país, exceção ao de Sergipe, em 1986, fazendo ainda 38 dos 49 senadores e 261 dos 487 deputados federais naquele ano. Mesmo com tamanho poderio, não chegou forte e tampouco unido nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime autoritário, em 1989.

Àquela altura, o "Senhor Diretas", presidente da Assembleia Constituinte e figura histórica da luta contra a ditadura, Ulysses Guimarães, foi o candidato de uma legenda castigada pela impopularidade do governo Sarney e pelo papel dúbio que exercia frente à opinião pública. No ano da eleição, a sigla havia se retirado do governo, mas mantinha alguns ministérios e cargos importantes.

E se Ulysses seria o nome certo da legenda em uma eventual eleição direta em 1985, a história foi bem diferente em 1989. Em 29 de abril daquele ano, o PMDB realizou sua convenção nacional com quatro candidatos. No primeiro turno da escolha, Ulysses Guimarães foi o mais votado com 302 votos, seguido pelo então governador da Bahia Waldyr Pires, com 272, vindo em seguida Iris Rezende (251) e Álvaro Dias (72). Para evitar um segundo turno, Ulysses e Waldir formaram uma chapa única, que na prática não representou a unidade esperada, ainda mais por conta de uma parte significativa da sigla sonhar com a candidatura do governador paulista Orestes Quércia.

O presidenciável peemedebista foi "cristianizado" e viu muitos daqueles que deveriam ser seus correligionários aderirem a outras candidaturas, em especial a de Fernando Collor (PRN). Ao fim, terminou a eleição com parcos 4,6%, ficando em sétimo lugar. Ao menos o jingle de sua campanha, "Bote fé no velhinho", entrou para a história como um dos mais bem marcantes das campanhas eleitorais.

Em 1994, um novo revés do PMDB

Se Ulysses seria um nome natural para uma eleição direta que não aconteceu em 1985, a candidatura mais forte da legenda em 1989 talvez fosse a de Orestes Quércia. Mas quando ele se tornou de fato presidenciável em 1994, seu tempo tinha passado. Àquela altura já havia sofrido com inúmeras denúncias de irregularidades que abalaram sua popularidade, tendo ainda problemas internos em São Paulo e desavenças com seu ex-afilhado político, o então governador Luiz Antônio Fleury.

Disputou a prévia com o ex-governador do Paraná Roberto Requião e saiu vitorioso. A declaração de seu rival após o resultado já dava o tom que iria imperar nas hostes da sigla dali em diante. "Com Quércia concorrendo à Presidência, o PMDB mostra sua face horrível e corrupta", disse Requião.

O CPDOC da Fundação Getulio Vargas relembra a divisão naquele momento, apontando o alto índice de abstenção daquela prévia, sobretudo no Rio Grande do Sul, foco da dissidência comandada por Antônio Brito e Pedro Simon, e no Maranhão, reduto do ex-presidente José Sarney. "O senador José Fogaça, dissidente da bancada gaúcha, lamentou que o ex-presidente do PMDB não tivesse compreendido, antes da convenção, o 'desajuste' provocado por sua candidatura e afirmou que Quércia era 'sinônimo de inadequação ao pensamento político do partido, uma dificuldade de contexto'."

Seu último comício, na Praça da Sé, em São Paulo, marcou o fim de uma campanha melancólica em 30 de setembro. Na ocasião, atacou o candidato tucano Fernando Henrique Cardoso afirmando que "o PSDB é um partido fraco, sem tradição, sem estrutura. Com Fernando Henrique, quem vai comandar? O governo vai ser como um monstro, com várias cabeças e vários braços". E não poupou seu colega de legenda José Sarney, que apoiava FHC, chamando-o de "canalha".

Quércia terminou a eleição com 4,38%, atrás de Enéas Carneiro, do Prona. Talvez um dos fatos mais lembrados daquela disputa presidencial tenha sido seu embate com o jornalista Rui Xavier no programa Roda Viva, da TV Cultura, com um desfile de xingamentos, ofensas e ameaças nada usual na grade televisiva.

Sem candidatos do PMDB

A candidatura presidencial de Quércia foi a última do PMDB durante um bom período. Em 1998, a base da legenda aliada a FHC conseguiu barrar a candidatura própria na convenção realizada em março daquele ano. O placar de 389 contrários com 303 a favor já deixava à vista o diagnóstico recorrente de desunião. "Houve uma descortesia. Humilharam o Itamar Franco. Vai ser difícil reconstruir a unidade do partido", disse o senador Ronaldo Cunha Lima, defensor da candidatura própria, em referência ao ex-presidente que acabou candidato vitorioso ao governo de Minas Gerais. O partido não fechou apoio formal à reeleição do tucano, mas a maioria seguiu esse caminho.

Já em 2002, com a implosão da aliança dentre o então PFL, hoje DEM, e o PSDB, os peemedebistas indicaram a deputada federal capixaba Rita Camata como vice na chapa de José Serra. Mais uma vez a tese da candidatura própria foi vencida, assim como a pretensão renovada de Itamar Franco de ser o candidato peemedebista. Em 2002, nova derrota para os defensores de um presidenciável da sigla: a disputa teve a ala governista (agora pró-Lula) com 351 votos contra 303, mas não houve a formalização da aliança.

Em 2010, a vitória dos governistas foi expressiva, com 560 dos 660 votos apurados na convenção nacional optando pela coalizão com o PT e a indicação de Michel Temer para vice de Dilma Rousseff. O ex-governador do Paraná, Roberto Requião, e Antônio Pedreira, do PMDB do Distrito Federal, que buscavam a vaga para disputar a Presidência, conseguiram 95 e 4 votos, respectivamente. Em junho de 2014 a manutenção da aliança foi aprovada com 69,7% dos votos dos convencionais. Ali, Temer fez um discurso profético por vias tortas ao seus correligionários pedindo unidade (que efetivamente não ocorreu).

"Uma maior presença do PMDB na área social, assim como teve no passado. São ações relativas à saúde, à educação, à integração nacional, entre outras”, prometeu o vice.

A falta de um projeto nacional

"O atual MDB já há algumas eleições tem mostrado que não tem um projeto nacional. Ou ele embarca numa candidatura a vice ou em uma candidatura como a do Henrique Meirelles que não chegava a ser sequer uma aventura, com números insignificantes para um partido que ainda tem uma bancada de senadores e deputados federais expressiva", explica a cientista política e professora da PUC-SP Rosemary Segurado, em entrevista ao Jornal Brasil Atual. "Fica sempre numa negociação ou de uma candidatura à vice-presidência ou numa composição governamental em que possa ter alguns ministérios. Parece que isso lhe é suficiente. Um partido que tem uma história importante, desde antes da democratização."

Rosemary faz referência à candidatura do ex-ministro do impopular governo Temer às eleições de 2018, que cumpriu o rito de candidatos pouco expressivos ao Planalto por parte da sigla, marcando então o pior desempenho de um presidenciável do partido. Henrique Meirelles, mesmo tendo investido R$ 54 milhões em sua própria campanha, teve somente 1,2% dos votos válidos, finalizando sua participação atrás do Cabo Daciolo (Patriotas).


Henrique Meirelles investiu pesado, mas ganhou poucos votos em 2018 / Antonio Cruz/Agência Brasil

Com a candidatura de Simone Tebet, o desempenho deve ser pouco melhor que o da última eleição, mas nada que inspire possibilidade de vitória. "Uma das perguntas é como o MDB vai fazer para manter essa candidatura, até porque tem questões relacionadas ao recebimento do fundo eleitoral, que são importantes para o partido, mas certamente esse desembarque da candidatura da Simone Tebet é anterior ao embarque porque parte expressiva do MDB atual não vê essa candidatura com nenhuma possibilidade de representar o partido nacionalmente", aponta Segurado, destacando que a política local também se torna determinante para o apoio ou não a um presidenciável.

"O que um candidato do MDB em determinado estado olha: quem vai alavancar minha candidatura? É Simone Tebet ou o ex-presidente Lula? E as pesquisas estão mostrando que a influência de Lula em algumas regiões pode ser decisiva para os candidatos a governador. Obviamente aquele candidato do MDB e aqueles acordos locais estão olhando para sua própria sobrevivência", pontua.

A questão local é vital para a sobrevivência não apenas de políticos em determinadas regiões, mas do próprio poderio da legenda. O partido continua sendo o líder no ranking de prefeituras comandadas no Brasil, mas viveu um recuo expressivo em 2020, passando de 1044 em 2016 para 784. Isso pode ser um indicativo de redução de bancadas, com a perda de espaço para outras agremiações, em especial do chamado Centrão. No Senado, os emedebistas ainda são a maior sigla com 12 parlamentares, mas na Câmara ocupam um hoje modesto sétimo lugar, com 37 deputados.

O que pode ser dado como certo, independentemente dos resultados de 2022, é que parte do MDB deve buscar compor com um novo governo. Como lembra o professor de História do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) Cássio Augusto Guilherme, sem contar a gestão de Fernando Collor e o período inicial do primeiro governo Lula, até 2017 o PMDB permaneceu por 28 anos em coalizões governistas. Nisso, a história também pode se repetir.

*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Título editado


Astrojildo Pereira | Foto: reprodução/HH Magazine

Gilberto Maringoni: entre a análise e a militância

Gilberto Maringoni, Carta Capital*

Os cem anos de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) mereceram comemorações públicas abaixo de sua importância histórica. No mundo editorial há, no entanto, uma celebração maiúscula: a reedição das obras completas de Astrojildo Pereira (1890-1965), um dos fundadores e um dos primeiros teóricos da agremiação.

Lançados esparsamente entre 1935 e 1963 por pequenas e heroicas editoras, os cinco volumes vêm agora numa caixa, acrescidos de um sexto. Trata-se de O revolucionário cordial, perfil político de autoria de Martin Cezar Feijó. Estamos diante de um de nossos raros intelectuais orgânicos a serviço de uma causa transformadora, para usar a definição de Gramsci.

Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras

Em Astrojildo, biografia e bibliografia são inseparáveis. Da obra, pode-se dizer que “é como Portugal e os jumentos: é pequena, mas tem uma história grande”. A definição bem-humorada é dele mesmo, ao classificar seu primeiro livro URSS, Itália e Brasil, lançado numa magérrima tiragem de 180 exemplares, em 1935.

A vida política do personagem, ao contrário, foi longa e rocambolesca. Como líder anarquista na juventude, percebeu as limitações de uma ação pública sem organicidade definida e teoricamente frágil. Influenciado pelos ventos da Revolução Russa, logo transitou para o marxismo e o comunismo.

Esse carioca de Rio Bonito foi o único brasileiro a presenciar os funerais de Lenin, em 1924, “sob um frio de 30 graus abaixo de zero”, em Moscou. Em sua folha corrida consta o feito de levar os primeiros livros marxistas ao capitão do Exército que liderara uma marcha pelo interior do Brasil entre 1925 e 1927. Por suas mãos, Luís Carlos Prestes começou a trajetória de dirigente comunista, num encontro na Bolívia, em 1929.

Em reviravolta marcada por acusações de desvios pequeno-burgueses e sectarismos variados, foi expulso, no ano seguinte, do Partido, ao qual voltaria apenas em 1945. Seguiu a partir daí trajetória inusitada, de vendedor de frutas a refinado crítico literário.

Astrojildo Pereira e sua companheira Inês Dias | Reprodução: Vermelho.org.br
Os fundadores do PCB em março de 1922, na cidade de Niterói (RJ) | Reprodução: Cidadania23
Astrojildo Pereira, sua mãe Isabel e sua esposa Inês Dias | Reprodução: Famosos Que Partiram
Astrojildo Pereira em fotografia de 1962 | Reprodução: Folhapress
Reprodução: FAP
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Astrojildo Pereira escoltado por policiais em 1965 no Rio de Janeiro | Reprodução: Folhapress
Astrojildo Pereira durante visita à redação do jornal Última Hora em 1965 | Reprodução: Folhapress
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Astrojildo Pereira e sua companheira Inês Dias | Reprodução: Vermelho.org.br
Os fundadores do PCB em março de 1922, na cidade de Niterói (RJ) | Reprodução: Cidadania23
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Astrojildo Pereira escoltado por policiais em 1965 no Rio de Janeiro | Reprodução: Folhapress
Astrojildo Pereira durante visita à redação do jornal Última Hora em 1965 | Reprodução: Folhapress
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Os primórdios do comunismo no Brasil geraram dois intelectuais que viviam às turras entre si, Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, autor de Agrarismo e industrialismo (1927), tentativa de se fazer um levantamento da economia brasileira sob a ótica socialista. Lido hoje, o livro mostra-se primário e maniqueísta, mas foi uma ousadia em tempos de escassez de dados oficiais e reduzido acesso à literatura marxista. O que Brandão exibia de dogmatismo, Astrojildo escancarava em criatividade e aplicação flexível do materialismo dialético.

Seu segundo livro, Interpretações (1944), é uma espécie de portfólio pessoal. Nos anos finais do Estado Novo, o autor revela maturidade intelectual em análises literárias e históricas, em pelo menos dois ensaios longos e inovadores. O primeiro é “Machado de Assis, romancista do segundo Reinado”, no qual aponta “uma consonância íntima e profunda entre o labor literário (…) e o sentido da evolução política e social do Brasil”, com destaque para a escravidão. O segundo é “Confissões de Lima Barreto”, sobre o autor que pertencia “à categoria dos romancistas que (…) menos se escondem e se dissimulam” em suas obras.

É pouco provável que Astrojildo tivesse contato com as formulações pioneiras do marxismo no terreno da estética, em especial as de György Lukács, lançadas no Brasil no início do século XXI. A esse respeito, José Paulo Netto assinala, no prefácio de Machado de Assis (1959), terceiro volume da coleção, que seu “quadro teórico (…) era pobre” no âmbito da crítica literária. É, porém, inegável que o fundador do PCB incide com competência nas relações entre literatura e ideologia.

Nessa obra, ele dá seguimento ao caminho aberto por José Veríssimo, em História da literatura brasileira (1912), que arrisca estabelecer correspondências entre a literatura e a ideia de nação. A partir de uma crônica de 1873, Astrojildo especifica: “O problema da literatura como representação e interpretação da nacionalidade foi, com efeito, uma constante inalterável em toda a obra de Machado de Assis”. O conceito de nação, um dos mais controversos nas Ciências Sociais, é enfrentado sem escorregões pelo autor.

Astrojildo jamais colocou suas memórias no papel. Apenas um fragmento foi produzido, com Formação do PCB (1962), lançado para as comemorações dos 40 anos do Partido. Uma observação feita no prefácio dá a noção do país em que o ativista se formou: “Não nos esqueçamos que o PCB, em 40 anos de vida, passou ao menos 35 na ilegalidade”. Se estendermos a observação para os dias atuais, podemos dizer que a agremiação enfrentou seis décadas e meia de proscrição institucional.

Há, no livro, uma permanente tensão entre o analista e o militante, o que o leva a delimitar seu período de análise do Partido entre 1922 e 1929, ou seja entre os antecedentes da fundação da legenda e a data de seu III Congresso. Nada há sobre o abalo político representado por sua expulsão.

Crítica impura (1963) é seu último e mais alentado trabalho, e único publicado por uma grande editora, a Civilização Brasileira. Nele, Astrojildo alarga seu radar reflexivo para autores como Eça de Queiroz, José Lins do Rego, Monteiro Lobato, Aníbal Machado, José Veríssimo e Howard Fast, e faz ensaios sobre Cuba, China, sindicalismo, escravidão etc.

Preso aos 74 anos, após o golpe, Astrojildo Pereira morreria em 1965, de ataque cardíaco. A reedição de seus textos deve ser saudada em tempos nos quais o país se debate entre um obscurantismo tacanho e a possibilidade da retomada de tradições democráticas e libertárias no terreno cultural.

*Texto publicado originalmente no Carta Capital


Simone Tebet | Foto: reprodução/Flickr

O espaço de Simone é o mesmo de Itamar

Ivan Alves Filho*

Toda vez que o Brasil vivenciou um regime ditatorial ou esteve ameaçado de sofrer um golpe de Estado, as forças do Campo Democrático souberam se unir, impondo uma saída dentro do quadro institucional. 

Foi assim na ruptura com o Estado Novo, de Getúlio Vargas, em 1945; na garantia da posse de Juscelino Kubitschek, dez anos depois; na superação da ditadura dos generais, em 1985; e no impedimento de Collor de Mello, em 1992. No núcleo dessa política se configurava a aliança dos liberal-democratas com os social-democratas e os comunistas. 

Este é o espaço da Frente Ampla, da Democracia.

Hoje, com a candidatura de Simone Tebet à Presidência da República, este espaço volta com força à cena política, tal qual se apresentou da última vez entre nós. Ou seja, durante o Governo Itamar Franco, o mais progressista que o Brasil já teve, a meu juízo. 

Com uma vantagem, até: temos a oportunidade, em 2022, de estender essa Frente Ampla para além da defesa - portanto indispensável - da Democracia política, incorporando a luta pelas reformas sociais e econômicas ao novo programa de Governo. A gravidade do momento assim o exige.

O que significa apreender a Democracia,  em seus múltiplos aspectos, dos embates pela sobrevivência aos combates pela identidade cultural, da necessária proteção ao meio-ambiente à plena incorporação das mulheres e de outros grupos ainda discriminados ao processo nacional.

Alguns são mais democratas no plano político, outros nos terrenos social e econômico. Mas a opção comum pela Democracia, a sensibilidade democrática pode e deve uni-los. 

A aliança que vem se formando em torno de Simone Tebet e Tasso Jereissati aponta para este caminho. MDB, PSDB e Cidadania têm uma bela história pela restauração da Democracia entre nós. Vamos continuar a trilhá-la e aprofundá-la.

*Historiador, documentarista e jornalista, autor de 20 livros em que se destacam Memorial dos Palmares, História Pré-Colonial do Brasil, Brasil, 500 anos em documentos, Velho Chico mineiro, O historiador e o tapeceiro, O caminho do alferes Tiradentes e A saída pela Democracia.

*Texto publicado originalmente em Democracia Política e novo Reformismo


O revolucionário cordial | Arte: FAP

Revista online | Um historiador cordial 

Ivan Alves Filho*, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio/2022) 

Em debate recente com o historiador Martin Cezar Feijó, em Niterói, por ocasião das comemorações do centenário da fundação do Partido Comunista, tive a oportunidade de dizer publicamente que o considerava o intelectual mais preparado de minha geração. Não disse isso por razões de amizade, apesar da grande estima que tenho por ele. Pensei justamente na sua belíssima contribuição à cultura brasileira, por intermédio de uma obra capital: O revolucionário cordial, uma biografia política daquele que Afonso Arinos de Melo Franco considerava a maior aventura intelectual de seu tempo, o crítico literário Astrojildo Pereira.  

O livro de Martin é extremamente bem construído. E está sendo reeditado em boa hora pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e a Editora Boitempo, com prefácio de Sérgio Augusto e em novo formato. Esta obra é um ensaio, uma aula magna, sem dúvida um exemplo de como se deve construir um estudo de caráter histórico-biográfico. Pois tudo se encontra lá: a fluência do texto, a pesquisa rigorosa, a qualidade teórica, a exata compreensão do papel do indivíduo na História. 

Foi um prazer poder reler esse clássico, cuja primorosa reedição realça o livro como objeto. Astrojildo Pereira marcou, como poucos, nossa trajetória nacional. Se não, vejamos. Gráfico de profissão, foi secretário geral da Central Operária Brasileira (COB), em 1913. Em 1917 e 1918, lideraria importantes greves no Rio de Janeiro, sendo barbaramente espancado na cadeia. Fundou, em 1922, a Seção Brasileira da Internacional Comunista - Partido Comunista. Percebendo o papel crescente das camadas médias no país, buscou aproximar o movimento comunista brasileiro dos militares revoltosos - foi ele quem trouxe Luiz Carlos Prestes para o PCB - e da própria intelectualidade - Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti, participantes da Semana de Arte Moderna, os quais ingressaram no partido ainda nos primórdios da agremiação. Com isso, rompia com a chamada política de classe contra classe, revelando visão mais sofisticada da nossa realidade.  

Autor de vários livros, e posso citar Machado de Assis e Formação do PCB, Astrojildo criou também inúmeras publicações teóricas, com destaque para a revista Estudos Sociais, que circularia entre 1958 e 1964. Nessa revista seminal, apresentaria valores como Armênio Guedes e Leandro Konder, para ficarmos apenas nesses dois nomes. No plano internacional, integrou a Executiva da Internacional Comunista, fundada por Vladimir Lenin, sendo, aos 39 anos de idade, um dos líderes da revolução mundial. Não era para qualquer um. Em Moscou, dividiu um apartamento com ninguém menos do que o revolucionário, político, escritor, poeta e jornalista vietnamita Ho Chi Minh, figura central das lutas pela emancipação do homem no século XX. 

Astrojildo Pereira e sua companheira Inês Dias | Reprodução: Vermelho.org.br
Os fundadores do PCB em março de 1922, na cidade de Niterói (RJ) | Reprodução: Cidadania23
Astrojildo Pereira, sua mãe Isabel e sua esposa Inês Dias | Reprodução: Famosos Que Partiram
Astrojildo Pereira em fotografia de 1962 | Reprodução: Folhapress
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Astrojildo Pereira escoltado por policiais em 1965 no Rio de Janeiro | Reprodução: Folhapress
Astrojildo Pereira durante visita à redação do jornal Última Hora em 1965 | Reprodução: Folhapress
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Astrojildo Pereira durante visita à redação do jornal Última Hora em 1965 | Reprodução: Folhapress
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Oriundo do anarquismo, de extração libertária, portanto, Astrojildo Pereira talvez tenha trazido para o PCB visão mais rica do papel da sociedade civil entre nós, sempre maior do que o Estado. O PCB só ganharia com isso. Este revolucionário cordial, na feliz expressão de Martin Cezar, conviveu com homens como Lima Barreto, Oscar Niemeyer, Hélio Silva, Otto Maria Carpeaux, Graciliano Ramos, Heitor Ferreira Lima, Nelson Werneck Sodré e Luiz Carlos Prestes. Ou seja, com o que o Brasil tinha de melhor e mais plural.  

Com apenas 17 anos, protagonizou um encontro com Machado de Assis, eternizado em uma crônica de Euclides da Cunha, intitulada A última visita. O cineasta Zelito Vianna reconstituiu historicamente esse episódio, a partir de um argumento do próprio Martin Cezar. Astrojildo Pereira foi um brasileiro raro. 

E um democrata exemplar. Escrevendo de Moscou em 1925, reconheceu que "a democracia, ainda que burguesa, era vista como um bem pelas massas". Era preciso ter coragem política para escrever isso naquele momento no país dos soviéticos. Astrojildo sempre estivera à frente de seu tempo. No rastro dos dirigentes históricos - e pensamos em Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin, Rosa Luxemburgo, Antônio Gramsci, Palmiro Togliatti, Georgi Dimitrov, György Lukács, Karol Kosik, Adam Schaff e José Carlos Mariátegui -, Astrojildo unira dialeticamente pensamento e ação.  Era a filosofia da práxis ambulante. Também não era para qualquer um.  

Conheci-o em nossa casa, no Rio de Janeiro, logo após sua saída da prisão, em 1965. Astrojildo era companheiro de meu pai, Ivan Alves, gráfico, jornalista e comunista como ele. Eu ficara impressionado com seu estado de saúde: o velho revolucionário, então com 75 anos, tinha sofrido um infarto na cadeia, de onde saíra ainda com os dois pulmões contaminados pela tuberculose, após os interrogatórios torturantes a que fora submetido pelos esbirros da ditadura. Meu pai me confidenciou, já na década de 1980, que Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, se empenhara em sua soltura. A sobrinha de Astrojildo, Norma Dias, me diria a mesma coisa, há cerca de 15 anos. Indiquei, certa vez, que Astrojildo Pereira foi o primeiro herói da minha vida. E nem poderia ser de outra forma. 

Em uma de suas visitas ao saudoso historiador marxista Nelson Werneck Sodré, este, ao se despedir de Martin Cezar, já à porta de seu apartamento em Botafogo, disparou: "Você tem a responsabilidade de resgatar para nós a atuação do maior intelectual brasileiro do século XX". 

Meu querido amigo Martin Cezar Feijó cumpriu à risca determinação de Werneck Sodré. Astrojildo Pereira, onde quer que esteja, pode se orgulhar disso. 

Sobre o autor

*Ivan Alves Filho é historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Os mais recentes de suas dezenas de livros publicados são Os nove de 22: o PCB na vida brasileira e Presença negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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O ex-primeiro-ministro da Itália Benito Mussolini fundou o Partido Nacional Fascista em 1921 | Foto: Reprodução/Descomplica

25 de Abril: Um dia com história em Portugal... e em Itália. Do 'Bella Ciao' à 'Grândola, Vila Morena'

Correio da Manhã*

Foi a 25 de Abril de 1974 que a 'Revolução dos Cravos' acabou com a ditadura do Estado Novo em Portugal. Mas nem só por terras lusas este dia é comemorado como o da libertação de regimes ditatoriais. Corria o ano de 1945 quando, em Itália, o povo italiano colocou um ponto final na ocupação nazi no seu território.

https://youtu.be/gaLWqy4e7ls

O 25 de Abril é uma das datas mais importantes e mais comemoradas no calendário italiano desde então. Nos movimentos de libertação participaram cerca de 300 mil pessoas. Há investigadores que dizem que este número está nivelado por baixo.

Em Portugal, a 'Grândola, Vila Morena' de Zeca Afonso foi o hino da libertação do Estado Novo. Em Itália, Bella Ciao - popularizado nos últimos anos com a série 'La Casa de Papel' - foi o hino da Resistência Italiana - os partigianos - contra o fascismo de Benito Mussolini e das tropas nazis durante a Segunda Guerra Mundial.

https://youtu.be/zWas7fEBL2g

Bella Ciao é uma música cuja origem é desconhecida, historiadores defendem que terá tido origem no final do século XIX. sabe-se apenas que foi baseada em algumas composições antigas, tanto a nível de letra como musical.

Foi no dia 25 de Abril de 1945, há 75 anos atrás, que os partigianos - resistência italiana - anunciaram pela rádio, acompanhada do hino da liberdade, o Bella Ciao, a tomada de poder e a pena de morte para todos os fascistas. Foi a partir dessa data que foram recuperados os últimos territórios que ainda eram ocupados por tropas fascistas ou nazis em Itália. Em menos de uma semana, todas as cidades italianas foram libertadas. Benito Mussolini, líder do Partido Nacional Fascista em Itália, acabou por ser detido e executado, a 28 de maio de 1945.

*Texto publicado originalmente no Correio da Manhã


Reinaldo Azevedo: Hipocrisia se exalta com fala de Lula sobre Ortega

Talleyrand e La Rochefoucauld refletem, respectivamente, sobre declaração de petista

Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo

Convido Lula e o PT a uma reflexão com uma frase que já virou um clichê: "Não aprenderam nada nem esqueceram nada". É atribuída ao diplomata francês Talleyrand ao se referir à volta dos Bourbons e sua turma ao poder na França, no período da Restauração.

E um bom debate se faria se os petistas respondessem com outra frase, igualmente espirituosa e verdadeira, na trilha de La Rochefoucauld: "A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude".

Vamos sair do mundo das frases para o dos fatos, que lhes conferem valor universal.

Junto-me àqueles que criticam duramente as afirmações feitas por Lula ao jornal El País sobre o nicaraguense Daniel Ortega. Ainda que repise argumentos, vá lá: Angela Merkel e Felipe González disputaram eleições limpas, seus adversários não estavam na cadeia, e o Poder Judiciário de seus respectivos países não eram formados por bonecos de mamulengo de um ditador.

Assim, não faz sentido associar os seguidos mandatos de Ortega —que fraudou a Constituição em conluio com juízes escolhidos a dedo— à longa permanência no poder daqueles dirigentes.

Ademais, como já se verifica, trata-se de um erro de operação política que nem mesmo faz justiça à atuação de Lula como presidente.

Se quisesse, teria mudado a tempo a Constituição para disputar um terceiro mandato, para o qual teria sido reeleito no primeiro turno. Escolheu outro caminho. Dilma sofreu um processo de impeachment, e o PT deixou o poder pacificamente. Foi fazer a luta política.

Os governos petistas mantiveram relações amistosas com ditaduras, a exemplo dos que os antecederam. Não é assim mundo afora? Como é mesmo, Deng Xiaoping? "Não importa se o gato é preto ou branco, contanto que cace ratos".


Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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Brasil não tem de escolher o regime dos países com os quais se relaciona, embora, entendo, deva se alinhar, nos fóruns multilaterais, com a defesa da democracia e dos direitos humanos.

Ou venderemos soja, carne e ferro apenas a regimes democráticos, condição para que importemos sua tecnologia? A pergunta é meramente retórica. A que vem a condescendência de Lula com o governo da Nicarágua?

Ecos, entendo, de um mundo que nem existe mais, como já não existia aquele da Restauração: seu modo de ser era a evidência de sua inviabilidade. Agora vamos a La Rochefoucauld.

Eu me indignei, sim, quando Lula afirmou não saber por que os adversários de Ortega estão presos. Quando menos, esperava dele empatia e solidariedade com aqueles que são encarcerados por motivos políticos.

Afinal, no Brasil democrático, ele próprio foi condenado por um juiz parcial e incompetente, por intermédio de uma sentença sem provas. O então magistrado fez questão de deixar claro, em embargos de declaração, que não as tinha.

Reportagens da Vaza Jato e dados da Operação Spoofing apontaram o conluio entre juiz e MPF, numa violação inquestionável do sistema acusatório. Que coisa! As personagens centrais da Lava Jato disputarão o poder em 2022.

Sete meses depois de mandar Lula para a cadeia, Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Seis dias antes do primeiro turno de 2018, divulgou trechos selecionados da delação picareta —data venia!— de Antonio Palocci. Ao postular a sua candidatura à Presidência, o agora ex-juiz propõe um certo Tribunal Superior Anticorrupção e oferece a Ucrânia como exemplo.

Engana-se quem acha que estou justificando ou minimizando as declarações do líder petista. Para citar Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988 —frase vivificada no excelente documentário "8 Presidentes, 1 Juramento", de Carla Camurati—, tenho "ódio à ditadura; ódio e nojo". A qualquer uma.

Mas lastimo o rigor salta-pocinhas de supostos liberais, que se escandalizam com uma declaração inaceitável sobre o governo da Nicarágua, mas confundem, no Brasil, o devido processo legal com impunidade, condescendendo com um justiceiro que colaborou para a corrosão do processo democrático e que agora se lança como o restaurador da ordem, cavalgando um tribunal de exceção.

Sempre espero que políticos aprendam alguma coisa. E tenho tolerância zero com hipócritas.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/11/hipocrisia-se-exalta-com-fala-de-lula-sobre-ortega-ditador-da-nicaragua.shtml