distritão
Câmara rejeita distritão, mas aprova retorno das coligações proporcionais
Deputados entraram em entendimento após duas reviravoltas em votação na noite desta quarta-feira
Bruno Góes e Evandro Éboli / O Globo
BRASÍLIA — Após mudança de última hora, em sessão conturbada, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, a reforma política com o retorno das coligações proporcionais.
Em sessão tensa, com duas reviravoltas, líderes de partidos decidiram excluir o distritão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O acordo envolveu ampla correlação de forças e promessa de apreciação também no Senado. O texto principal foi aprovado por 339 votos a favor e 123 contra. Deputados ainda analisam destaques ao texto, e o segundo turno deve ser votado amanhã.
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No distritão, seriam eleitos os candidatos a deputado mais votados em cada estado, sem levar em conta o peso de cada legenda. Com as coligações proporcionais, duas ou mais siglas podem somar seus votos para atingir o quociente eleitoral e, assim, ocupar melhores posições no cálculo de divisão de cadeiras.
A sessão da noite desta quarta-feira começou com uma surpresa quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou o assunto que estava previsto para análise só na quinta-feira.
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No início da deliberação, apoiadores do distritão achavam que teriam maioria para aprovar o modelo de votação. A partir do momento em que o apoio foi minguando, sem a certeza de que havia o quorum mínimo, ou seja, 308 votos para aprová-lo, a relatora, Renata Abreu (PODE-SP), fez um aceno aos contrários e se reuniu com líderes de oposição e do Centrão para encontrar um meio termo.
— Somos contrários ao distritão, é a derrota ao distritão. Mas as coligações são o mal menor — disse o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), após reunião de 30 minutos enquanto a sessão se desenrolava.
A partir do acordo, outras legendas defenderam a volta das coligações, para vigorar em 2022. Foi o acordo que envolveu a grande maioria dos partidos com representação na Câmara, que incluiu do DEM ao PT. Já PSD e Cidadania ficaram de fora do acordo, pois rejeitaram qualquer um dos modelos.
Levado a toque de caixa, o texto foi negociada no varejo pela relatora. Antes de o distritão ser descartado, levantamento feito pelo GLOBO junto às lideranças e dirigentes de partidos apontava que só cinco siglas, que somam 122 parlamentares, decidiram orientar a favor do novo sistema de votação para o Legislativo.
Em compensação, nove legendas não haviam definido posição ou iriam liberar os seus filiados para votarem como bem entenderem, um total de 220 deputados. Já 170 se posicionariam de forma contrária.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/reforma-politica-camara-rejeita-distritao-mas-aprova-retorno-das-coligacoes-proporcionais-25151889
Hélio Schwartsman: O distritão como ameaça
Se fosse desenhar nossas instituições, proporia algo bem diferente do que temos
Como tem ocorrido nos últimos ciclos eleitorais, a Câmara ameaça aprovar uma reforma que inclua o distritão, um sistema de cômputo de votos em que todos os candidatos a deputado por um estado, inclusive os de uma mesma legenda, concorrem diretamente uns com os outros, debilitando ainda mais os partidos políticos, que já são fracos no Brasil.
É pouco provável que a iniciativa prospere. Mas, numa estratégia semelhante à do ministro que gosta de fazer passar a boiada, parlamentares acabam trocando a desistência do distritão pela aprovação de alguma outra medida de menor alcance que os beneficie. Todo mundo fica feliz. A massa crítica de eleitores e os políticos responsáveis porque evitaram o pior, e deputados que prosperam na balbúrdia partidária porque conseguiram arrancar uma vantagem.
Se eu fosse desenhar do nada as instituições políticas brasileiras, proporia algo bem diferente do que temos. Eu adotaria o parlamentarismo num sistema unicameral em que os representantes são escolhidos por voto distrital ou distrital misto.
A questão é que não estamos criando algo do nada. Ao contrário, estamos num país concreto com eleitores concretos, que, consultados, já disseram não ao parlamentarismo duas vezes nos últimos 60 anos. Mudanças enfiadas goela abaixo do cidadão, por mais bem desenhadas que sejam, tendem a não funcionar.
Nenhum sistema é perfeito, e todos podem ser aprimorados com mudanças incrementais. No Brasil, introduzimos timidamente duas delas na última reforma: o fim das coligações em eleições proporcionais e um arremedo de cláusula de barreira. Se dermos tempo para que produzam seus efeitos, o que já começou a ocorrer, em mais alguns ciclos observaremos a redução do número de partidos políticos, o que deve favorecer a formação de coalizões estáveis de governo. Meu receio é que seja justamente uma dessas medidas que deputados planejem reverter.
Fausto Mato Grosso: Reforma eleitoral e distritão
A legislação eleitoral brasileira é uma colcha de retalhos. Ela é composta de diversos dispositivos constitucionais e de inúmeras leis, cada uma delas tratando separadamente temas pontuais. Além disso, existem diversos projetos dos deputados e senadores tramitando sobre questões eleitorais. A reforma que se discute agora tem o objetivo anunciado de articular esse conjunto desconexo, em um novo Código Eleitoral.
No aspecto técnico-jurídico, não há como se opor a sistematização da legislação dispersa. O próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, ressalta que, pela quantidade de leis que surgiram ao longo do tempo, “está chegando a hora de se ter uma sistematização dessas normas eleitorais”. Assinala ainda que o Direito Eleitoral é o mais dinâmico de todos, porque ele segue um pouco a dinâmica do processo político e das vontades das maiorias que se formam em cada momento. Portanto, é importante considerar que a corrente política hegemônica no Congresso hoje é o Centrão que valoriza a politica como negócio privado e não prima pela defesa da democracia.
O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprindo compromisso de campanha, instalou há poucos dias, um grupo de trabalho que irá atualizar e sistematizar a legislação eleitoral. Integram o colegiado 15 deputados, dos quais oito são protagonistas de processos no Tribunal Superior Eleitoral. As alterações nas regras eleitorais só irão valer nas eleições de 2022 se forem aprovadas, nas duas casas legislativas, até um ano antes do pleito que será em outubro do ano que vem.
Entre as modificações que estão sendo discutidas, uma das que mais preocupa é a mudança do sistema eleitoral com a criação do chamado distritão. O presidente da Câmara Arthur Lira sinalizou que já existe grande força no Congresso pela sua aprovação.
No distritão cada estado é um grande distrito e são eleitos os deputados mais votados, independentemente do desempenho de suas siglas. O voto passa a ser 100% individualizado, “cada um por si e Deus por todos”. Há um enorme desperdício de votos, todos aqueles que não votaram nos poucos vencedores se considerarão não representados. Isso enfraquecerá a legitimidade dos eleitos.
Esse sistema também inibe a renovação dos políticos: serão eleitos aqueles já conhecidos individualmente. Em uma sociedade de espetáculo como a nossa, seria o reino das personalidades da mídia, das igrejas e do esporte, além de grandes grupos econômicos com poder de patrocínio.
Sem dúvida esse sistema tem a vantagem de ser mais fácil para o entendimento do eleitor, mas promove o personalismo na política, enfraquecendo os partidos e as ideias políticas. Acontece que não existe democracia moderna sem partidos fortes. A fragmentação tão criticada da Câmara e do Senado será ainda mais nociva quando cada deputado virar um partido do eu sozinho.
Há ainda que se considerar a experiência internacional. Segundo pesquisa do Instituto Internacional da Democracia (Idea), entre 200 países pesquisados somente 2% deles utiliza esse sistema do distritão, entre eles Jordânia, Afeganistão, Ilhas Pitcairn e Vanuatu.
Por certo, o sistema eleitoral brasileiro está precisando de atualizações e sistematização técnica-legislativa, mas há que se ter cuidado para evitar jabuticabas e jabutis. Se o sistema atual de voto proporcional possibilitou a eleição de Tiririca ficará pior se possibilitar a eleição de vários tiriricas e big-brothers bem votados em seus estados.
FAUSTO MATTO GROSSO - Engenheiro e professor da UFMS
Roberto Freire: Distritão derrotado e a reforma possível
A derrota do distritão, que não obteve os 308 votos mínimos necessários para uma emenda à Constituição, foi muito importante porque impediu um enorme retrocesso no processo democrático brasileiro
Alguns dos principais itens discutidos e aprovados na Câmara dos Deputados indicam que a reforma política possível de ser alcançada já para as eleições de 2018, se não é aquela de que o Brasil necessitava, ao menos representa um avanço em relação ao que tínhamos e um evidente aprimoramento do nosso modelo político-eleitoral. Há que se destacar a rejeição do sistema conhecido como “distritão”, uma contrafação da democracia representativa e que praticamente acabaria com os partidos e tornaria impossível a governabilidade.
A derrota do distritão, que não obteve os 308 votos mínimos necessários para uma emenda à Constituição, foi muito importante porque impediu um enorme retrocesso no processo democrático brasileiro. Caso aprovado, tal sistema resultaria em uma preocupante distorção da representação política no Parlamento.
Seriam eleitos os candidatos mais votados a deputado, independentemente das coligações que integrassem ou dos partidos aos quais pertencessem, que se transformariam em meros cartórios para o registro de candidaturas. A Câmara seria formada por nada menos que 513 entidades autônomas, cada uma valendo por si, o que faria com que os governos tivessem de se articular sem qualquer mediação partidária com cada um desses “deputados de si mesmos”, inviabilizando totalmente a indispensável interlocução entre Executivo e Legislativo. Em nosso regime presidencialista, não teríamos condições mínimas para promover uma articulação de governo. Não haveria como viabilizar qualquer tipo de coalizão da base.
Para que se tenha dimensão do absurdo da proposta – que esteve em vias de ser aprovada após uma estarrecedora articulação entre PMDB, PSDB e PT –, o distritão que se queria implementar no Brasil vigora atualmente apenas no Afeganistão, na Jordânia e em pequenos países insulares. Tal sistema já foi utilizado pelo Japão em uma única eleição, no pós-guerra, e imediatamente revogado diante de tamanho fracasso.
Outro aspecto significativo aprovado pela Câmara foi um destaque proposto pelo PPS extinguindo as coligações nas eleições proporcionais a partir de 2020 – elas serão permitidas apenas para as disputas majoritárias. Essa era uma reivindicação benfazeja que já vinha de muito tempo e pôde, enfim, ser votada e aprovada a partir de um consenso com as demais forças políticas da Casa.
Além disso, a instituição de uma cláusula de desempenho progressiva, a ser iniciada em 2018, será um passo importante para impedir o acesso indiscriminado das legendas aos recursos do Fundo Partidário. As agremiações teriam de alcançar 1,5% dos votos válidos nacionais a deputado federal já em 2018, distribuídos em ao menos um terço dos estados – em 2030, esse percentual mínimo seria de 3%. Somente os partidos que chegarem a esse índice poderão ser contemplados com os recursos do Fundo e o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão.
Pessoalmente, não compartilho da tese de que as anomalias do modelo eleitoral brasileiro tenham relação com a possibilidade de criação de novas agremiações. Partido político é direito de cidadania e não pode ser tutelado ou regulamentado pelo Estado. O grande imbróglio é justamente o acesso irrestrito ao Fundo Partidário e ao tempo de TV. Criou-se no Brasil um amplo mercado de negociações espúrias e tentativas de enriquecimento fácil à custa do dinheiro público, com uma profusão de pedidos de registro de novos partidos. É algo semelhante ao que ocorre no sindicalismo, cada vez mais dependente dos valores provenientes do imposto sindical, felizmente abolido.
Outra ideia absurda que deve ser derrotada é a criação de um fundo de R$ 3 bilhões para financiar campanhas eleitorais, o malfadado “fundão”. Temos de caminhar justamente em sentido contrário, buscando o barateamento das campanhas. É evidente que a sociedade não aceita o uso de dinheiro público para custear as eleições, especialmente neste momento difícil que o Brasil vive, ainda se recuperando da mais grave recessão econômica de sua história e em meio ao impacto dos inúmeros escândalos de corrupção envolvendo políticos, partidos e empreiteiras. Seria um deboche.
Ainda há alguns pontos a serem analisados, mas estou confiante de que impediremos mais retrocessos. Assim como derrotamos o distritão, derrubaremos o indecente fundão. Diante do que foi votado e vetado pela Câmara, é possível dizer que avançamos na construção de uma reforma política tão necessária quanto urgente para o Brasil. Não é a reforma ideal, longe disso, tampouco a “contrarreforma” que se delineava no início do processo. Há imperfeições e aspectos que não foram modificados simplesmente porque não houve consenso em torno de propostas melhores. Mas um primeiro passo foi dado, o que não é pouco, e nos aproximamos de um sistema político-eleitoral mais justo, democrático e funcional. (Diário do Poder – 22/09/2017)
*Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
Luiz Carlos Azedo: As velhas raposas
O velho Piantella não perde a majestade. Na noite de quarta-feira, ao contrário da maioria dos deputados que gostam de futebol e foram assistir ao clássico Flamengo e Botafogo pela televisão (um zero a zero dos mais sem graça, no campo do Engenhão, no subúrbio carioca do Engenho de Dentro), um grupo de velhas raposas do Congresso se reunia nos fundos do velho reduto dos deputados Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA). Ambos pontificaram na política nacional tecendo grandes acordos políticos que garantiram a transição à democracia, o primeiro, e o sucesso do Plano Real, o segundo. Ambos deixaram discípulos na arte da política.
Estavam lá o atual decano da Casa, Miro Teixeira (Rede), eleito pela primeira vez nas eleições de 1974 com um caminhão de votos, Heráclito Fortes (PSB-PI), Benito Gama (PTB-BA), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Rubens Bueno (PPS-PR) e Tadeu Alencar (PSB-PE), que é novo no grupo, mas respeitado porque é muito sensato e bom advogado, o que é muito importante nessas horas nas quais a criatividade pode selar o destino do país com uma boa saída jurídica. O assunto da conversa entre essas velhas raposas da política não poderia ser outro: desatar o nó da reforma política, em discussão na Câmara, que havia acabado de encerrar a sessão sem conseguir votar nenhuma proposta. Motivo: absoluta falta de clareza da maioria sobre o que fazer com o sistema eleitoral e o financiamento das campanhas.
Nessa roda de conversa, todos são contrários ao “fundão” de R$ 3,6 bilhões e a favor de uma forma de financiamento privado, com limite de arrecadação e previamente controlado pela Receita Federal. Se a fórmula que discutem será emplacada, não será a primeira vez que isso acontece. O grupo costuma jogar conversa fora em público e garante grandes acordos nos bastidores do plenário da Câmara. A maioria articulou os dois impeachments aprovados na Casa, do Collor de Melo e de Dilma Rousseff. Algumas conversas decisivas foram em almoços e jantares fechados na casa de Heráclito, no Lago Sul, sem a presença de jornalistas, lobistas e boquirrotos. Quem vaza conversas nesses encontros está fora do jogo. O convidado mais recente do grupo foi o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que resolveu sair da toca por causa do prefeito paulistano, João Doria.
Não há acordo no grupo sobre a outra proposta polêmica, o “distritão”, projeto que tem como um dos seus patronos o deputado Miro Teixeira. Seu amigo Rubens Bueno é radicalmente contra a proposta. Para Miro, o “distritão” não é problema, é solução. Elege-se com facilidade e se livra das amarras da Rede, embora não diga isso em nenhum momento. Para Rubens, é o fim dos partidos, principalmente os pequenos, com menos tempo de televisão e recursos, porque o leilão do troca-troca partidário já é uma realidade na Câmara. Benito Gama se diverte com a polêmica. Como bom baiano, ironiza a situação. E comemora o fato de o Congresso reagir às pressões da opinião pública. “Quem vai dar uma solução para crise política somos nós, os políticos, não são os juízes, promotores e militares. Democracia é assim!”
Essa é a questão de fundo da crise ética. Não há a menor possibilidade de uma solução a la Emmanuel Macron, o novo presidente francês, que deixou o governo do socialista de François Hollande, criou um movimento que, em um ano, filiou 200 mil militantes e derrotou gaulistas e socialistas, os tradicionais partidos franceses, levando de roldão a direita chauvinista de Marine Le Pen. A solução da crise terá que sair das eleições de 2018, é a regra do jogo democrático, cuja primeira condição é a manutenção do calendário eleitoral; a segunda, a possibilidade de alternância de poder.
Mas as regras da eleição estão sendo decididas por muitos líderes políticos acuados pela Lava-Jato e um baixo clero à beira de um ataque de nervos por causa do desgaste do Congresso. É nesse universo que essas raposas jogam no meio de campo e armam suas jogadas. A sociedade já detonou o “distritão” e o “fundão”. Até ministros do Supremo que votaram a favor do financiamento público já estão revendo suas posições contrárias ao financiamento privado. Miro Teixeira já queima as pestanas pra encontrar uma fórmula que salve o “distritão” do naufrágio. No momento, a ideia é “distritão” com voto em legenda. É uma tremenda jabuticaba, não existe em lugar algum. Mas ainda não colou!
Las Ramblas
Em 23 de junho, em férias, estava flanando por Las Ramblas, cujo nome é uma corruptela do árabe “ramla”, tão comum na Península Ibérica, que nesse caso significa leito de rio seco. A longa avenida de 1,2 km tem um grande calçadão que desce da Praça da Catalunha ao Porto Velho, no coração de Barcelona, pelo qual transitam diariamente de 230 mil a 310 mil pessoas. O atentado de ontem deixou ao menos 13 mortos e uma centena de feridos, de pelo menos 18 nacionalidades. Nenhum brasileiro, embora seja impossível fazer aquele trajeto sem ouvir os sotaques de diversas regiões do nosso país. O mundo está cada vez mais perigoso, não é só o Rio de Janeiro que tem motivos de sobra para se vestir de branco pela paz universal. (Correio Braziliense – 18/08/2018)
O Globo: Entenda o que é distritão e de onde virão recursos para campanhas
Comissão especial da reforma política aprovou mudanças no sistema eleitoral
Entenda o que é o distritão e de onde sairão os recursos do fundo partidário:
O que é o distritão?
Com a adoção do distritão, a eleição de deputados e vereadores passaria a ser majoritária. Ou seja, os mais votados em cada estado ou município seriam eleitos, independentemente dos resultados de seus partidos. Não há voto em legenda nem quociente eleitoral.
Na prática, o que mudaria?
Os chamados "puxadores de voto" não teriam mais influência no tamanhos das bancadas de seus partidos, levando consigo candidatos com menos votos. Por outro lado, o modelo favorece candidatos mais conhecidos e com mais recursos financeiros. Por isso, beneficia parlamentares que concorrem à reeleição.
Como funcionam os sistemas eleitorais
O distritão pode valer para as eleições de 2018?
Para que a mudança aprovada na comissão entre efetivamente em vigor na próxima eleição será necessário alcançar 308 votos entre os 513 deputados e 49 votos entre os 81 senadores em duas votações em cada Casa, até 7 de outubro. Contrários à inclusão da emenda no texto da reforma política, representantes de seis partidos ( PT, PCdoB, PSOL, PR, PRB e PHS), que somam 142 deputados, reuniram-se para lançar uma frente contra o sistema.
O distritão é aplicado em algum outro país?
A regra só é aplicada em quatro países — Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Pitcairn.
MAPA INTERATIVO: OS SISTEMAS ELEITORAIS NO MUNDO
O que dizem os críticos do modelo?
A principal crítica ao distritão é que ele privilegia políticos conhecidos, famosos ou em busca da reeleição, além dos que têm mais recursos financeiros.
Jairo Nicolau, professor de ciência política da UFRJ e especializado em sistemas eleitorais considera que “de todos os modelos propostos, o distritão, é sem dúvida, o pior”. Ele diz que “é razoável imaginar que o novo sistema estimule, por exemplo, candidaturas de lideranças religiosas e de organizações da sociedade civil e personalidades do mundo esportivo e cultural”.
O modelo também deixa sem representação todos aqueles votos dados a outros candidatos no distrito. Um partido, por exemplo, pode ter grande votação nacional e nenhum representante no Congresso, por não vencer nos distritos.
MERVAL PEREIRA: O DISTRITÃO EM DEBATE
O que diz o autor da proposta?
Para autor da proposta, deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) o sistema respeita vontade do eleitor e livra candidatos do poder das cúpulas partidárias.
- O distritão estabelece a verdade eleitoral. Se há dez vagas a serem preenchidas, os ocupantes são os dez mais votados. O voto vai direto para o candidato, não passa para outro. A vontade do eleitor é absolutamente respeitada. A frase "todo poder emana do povo" não pode ser uma frase perdida na Constituição - afirma.
EDITORIAL: DISTRITÃO É UM DOS ERROS DA REFORMA POLÍTICA
O que é o fundo de financiamento eleitoral?
É um fundo, abastecido com verba pública, destinado a financiar as campanhas eleitorais em todo o país. A ideia surgiu após a proibição das doações de empresas a partidos e candidatos.
Qual o montante de recursos do fundo?
O relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP) dobrou o valor que estava previsto para o montante de recursos públicos que seria usado ao financiar campanhas.
Na versão anterior de seu parecer, Cândido tinha estabelecido que 0,25% da receita corrente líquida do Tesouro Nacional seria o valor usado no financiamento. A exceção seria para a eleição do ano que vem, 2018, em que o valor do fundo seria de 0,5% — também da receita corrente líquida. Isto corresponde a R$ 3,6 bilhões.
Agora, no parecer apresentado na quarta-feira (9) , Cândido reformulou o texto e instituiu 0,5% da receita corrente líquida do Tesouro como regra.
De onde viriam os recursos?
Os recursos públicos viriam dos cofres da União e poderiam estourar o teto de gastos que limita as despesas do poder público ao crescimento da inflação. O fundo seria previsto no orçamento da União em anos eleitorais e também poderia receber recursos de doações.
O Globo: A proposta de uma antirreforma política
São inconcebíveis R$ 3,6 bilhões para campanhas e o ‘distritão’, de que se beneficiarão apenas políticos conhecidos, em prejuízo dos partidos e da renovação
A proximidade de outubro, quando se esgota o prazo para que mudanças na legislação eleitoral vigorem no pleito do ano que vem, agita um Congresso preocupado com as finanças da campanha. E como o tempo é curto, amplia-se a margem de risco da aprovação de medidas de um modo geral equivocadas, e, no caso do financiamento dos gastos eleitorais, contrárias ao interesse do contribuinte.
O perigo é real, como demonstra uma miscelânea batizada de reforma, sob relatoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que ganhou notoriedade ao embutir emenda no projeto para que candidato condenado a até oito meses do pleito não seja preso. Logo recebeu o nome de “emenda Lula”, líder máximo do partido do deputado e condenado em primeira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O reluzente chamariz desse projeto é o inconcebível aumento do Fundo Partidário, já em elevados R$ 800 milhões, para R$ 3,6 bilhões ou o equivalente a 0,5% da receita líquida da União. No pleito de 2022, seria reduzido para 0,25%. Em nada alivia para quem paga imposto.
É certo que a democracia tem um custo. Mas é preciso debater esta opção de uma contribuição compulsória de R$ 3,6 bilhões, pelo contribuinte, enquanto as contas públicas continuam muito desequilibradas, e persistem efeitos sobre a população da abissal recessão de 2015 e 2016. Na falta de emprego e na queda da renda.
Este projeto também avança em outro desatino, com a instituição do tal “distritão”, pelo qual cada estado seria um distrito, em que os mais bem votados ocupariam os assentos da bancada estadual, em ordem decrescente.
O sistema é muito simples de entender e, à primeira vista, irretocável do ponto de vista de preceitos democráticos. Afinal, entrariam na bancada os mais votados. Mas é positivo só mesmo à primeira vista.
Ao atender o senso comum — algo quase sempre perigoso —, o “distritão" só beneficiará candidatos à reeleição, portanto, já conhecidos, e famosos em geral. Irá em sentido contrário à necessidade de renovação na política, e ainda deixará em plano secundário os partidos, cujo fortalecimento é crucial para a democracia representativa.
Esboça-se a possibilidade da volta daquele clima de feira livre que o então presidente da Câmara Eduardo Cunha criou em 2015, ao tentar votar uma reforma política a toque de caixa, sem qualquer maior reflexão.
Enquanto isso, está em fase final de tramitação na própria Câmara proposta de emenda constitucional, já aprovada no Senado, com uma reforma eficaz, na medida certa: cláusula de desempenho para exigir que partidos tenham um mínimo de votos, a fim de ter acesso a prerrogativas como o uso do dinheiro do Fundo; e a extinção das coligações em pleitos proporcionais, para não ser distorcida a intenção do eleitor. Não se deve perder esta oportunidade.
Editorial O Globo