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DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”
Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680
Merval Pereira: Sem legenda
O presidente Bolsonaro, cujos atos estrambóticos levaram o país à desmoralização internacional, é o tipo político que chega ao governo central do país como consequência de uma disfunção eventual da democracia. Como tal, não tem a compreensão do que seja o presidencialismo de coalizão, que reduz a uma troca de favores entre quem manda e quem obedece.
Não lhe passa na cabeça que é possível montar uma base parlamentar sobre interesses republicanos, sem repetir expedientes como o mensalão, o petrolão e que tais. Mas também não sabia que, sozinho, não teria como governar.
Do radicalismo inicial, em que montou um governo com pessoas da sua linha de pensamento, que, como ele, sabiam o que queriam destruir, mas não o que colocar no lugar, teve que se aproximar do Centrão e aprovar um “orçamento secreto” para tentar garantir que não será votado o impeachment. O único que sabia o que queria, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não sabia que precisaria do apoio do Congresso para aprovar as reformas e queria mais do que Bolsonaro aceitava, como ficou demonstrado.
Porque tem uma visão política de baixa extração, de onde montou sua estrutura eleitoral que se limitava a um nicho suficiente para elegê-los todos e, como consequência, formar a fortuna da família à base de “rachadinhas” e ligações com interesses de forças militares oficiais e paralelas, Bolsonaro achou que podia tudo e descobriu que pode muito, mas não tudo. Não tem moderação nem discernimento para usufruir o poder que tem, por isso não conseguiu ficar na legenda que o elegeu, o PSL, nem montar uma própria, muito menos encontra outra para abrigar seus sonhos megalomaníacos.
Não há dúvida de que o PSL cresceu nas eleições de 2018, tornando-se o segundo maior partido da Câmara, devido à onda bolsonarista. Mas, transformado em uma potência mais econômica do que política devido aos fundos partidário e eleitoral, transformou também seus “donos” em felizardos descobridores de uma mina de ouro, de cujo controle não querem abrir mão.
A desorganização de seu grupo político ficou demonstrada na tentativa de criar uma legenda própria, a Aliança pelo Brasil, que acabou abandonado antes de nascer por impossibilidade de conseguir as assinaturas necessárias. Em busca de um partido para disputar a reeleição em 2022, o presidente Jair Bolsonaro, que já foi de nove partidos diferentes, não consegue encontrar sua décima legenda.
Quando fazia parte do baixo clero, podia pular de legenda em legenda com a garantia de uma votação acima da média. Hoje, quer controlar o partido que o receber e, até agora, teve rejeitados todos os seus desejos. Acontece que, no Brasil, não há partidos programáticos, mas com “donos” controladores. Controlar um partido é negócio grande, o que ganha menos ganhou na recente eleição R$ 1,5 milhão do fundo eleitoral, mesmo sem ter cumprido as cláusulas de barreira.
Os que conseguiram cumprir as exigências novas da legislação eleitoral, além de tempo de televisão, ganham também os Fundo Partidário e o Eleitoral, que deram cerca de R$ 359 milhões ao PSL pelo resultado da eleição de 2018. O PRTB — Partido Renovador Trabalhista Brasileiro —, em que o vice-presidente Hamilton Mourão está inscrito, não cumpriu as cláusulas de barreira e ficou sem tempo de televisão e fundo partidário, mas, mesmo assim, a família de Levy Fidelix, que controla o partido com a morte de seu patriarca, não aceitou a condição de Bolsonaro de controlar suas finanças.
Quem hoje preside a legenda é a viúva Aldinea Fidelix, e um dos seus três filhos, Levy Fidelix Filho, é o secretário-geral. Um negócio familiar de que não desejam abrir mão, mesmo com a possibilidade de ter o presidente Bolsonaro como candidato à reeleição. Bolsonaro teria pedido carta branca, o que significa que, além dos fundos de financiamento, os Bolsonaros poderiam alterar o comando de diretórios estaduais e controlar as decisões da Executiva Nacional.
Não será por falta de partido que Bolsonaro deixará de disputar a eleição presidencial de 2022, mas a dificuldade para encontrar uma legenda demonstra também que já foi o tempo em que sua vitória era considerada favas contadas.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/sem-legenda.html
Carlos Andreazza: Uma aposta fatal
Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.
A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.
O tempo passava. E então falaram a Murillo que a tal lei resolveria o impasse forjado pelo comprador; e o homem queria vender. Vendeu. Por que contrariaria — exporia — um cliente, tanto mais numa CPI? Já havia fechado o negócio. A lei lhe servira. Esvaziara o governo de desculpas. Ele falou a verdade à comissão.
Quem deveria querer vacina em 2020 era o Brasil. Não quis. De sua parte, o laboratório continuaria a nos ofertar seu produto; com a diferença — decisiva para nós —de que, mês a mês, perdíamos lugar na fila. Poderíamos ter doses do imunizante da Pfizer —reforce-se — em dezembro de 2020. Tivemos em abril de 2021.
Repito: a lei não era necessária. Conforme escrevi em 4 de maio: “Uma aquisição pública emergencial de vacinas, em meio a uma pandemia e sob a natureza calamitosa do período, ajusta-se às especificidades do que é, afinal, um mercado internacional, ademais tocado em circunstâncias excepcionais; de modo que caberia ao governo justificar a admissão da cláusula considerada excessiva como condição para transitar competitivamente, em nome do interesse do cidadão, no comércio mundial de imunizantes. Seria a Constituição Federal a se sobrepor. O próprio direito à saúde. Um direito fundamental cuja imposição — acima da existência de qualquer lei —deriva diretamente do texto constitucional”.
Admitamos, porém, o preciosismo. E consideremos que houvesse ali, no palácio, alguém preocupado mesmo com segurança jurídica. Poderia ter preparado um projeto em regime de urgência. Poderia ter recorrido a uma medida provisória. Foi por meio de uma que se abriu o crédito de R$ 20 bilhões para a compra de imunizantes.
Aliás, lembrou o senador Randolfe Rodrigues que o governo concebera, em dezembro de 2020, uma medida provisória, a de número 1.026, em cuja minuta constava dispositivo autorizando a União a tomar os riscos relativos à responsabilidade civil sobre eventuais efeitos adversos decorrentes da aplicação de vacinas. Minuta avalizada por AGU e CGU, mas cuja versão final remetida ao Congresso excluía aquela parte. O senador, então, propôs emenda para recompor o texto original — emenda que seria rejeitada por recomendação do Planalto.
À CPI, Murillo informou que alguém do governo só lhe falaria sobre a necessidade de ajustes legislativos — para que o contrato fosse celebrado — em novembro de 2020. Conversa; mas sem providências. De agosto a novembro, período em que as propostas do laboratório não tiveram respostas, as desculpas foram outras. Lembremos o que relatou Fabio Wajngarten — passagem confirmada pelo executivo. Que, ao receber o telefonema de Murillo, dirigiu-se ao gabinete de Bolsonaro, com o interlocutor na linha, para lhe comunicar da tratativa — e que o presidente lhe teria passado um papelucho com a condicionante para que se avançasse: Anvisa. Nenhuma palavra sobre entrave jurídico.
(Aqui, outra mentira bolsonarista — aplicada seletivamente — já desmontada: que o governo não poderia assinar contrato com o laboratório antes da aprovação do imunizante pela agência reguladora.)
Na última sexta, O GLOBO publicou matéria que considero iluminar o intervalo — último trimestre de 2020 — em que o governo negligenciou a importância, a urgência, de fechar contratos para aquisição de vacinas. O texto dá conta da justificativa do Ministério da Economia para não haver previsto recursos ao enfrentamento da pandemia no Orçamento de 2021.
Fica documentado, como confissão de incompetência (mas não somente), o que já estava claro havia meses: que Bolsonaro, Paulo Guedes e turma — delirantemente, para ser generoso — acreditaram, contra todos os alertas, que o vírus perdia força e entraria cadente em 2021; daí por que não apenas não priorizaram robustecer a carteira de fornecedores de vacinas, como deixaram morrer o auxílio emergencial em dezembro. Uma aposta fatal.
Guedes em outubro de 2020: “A doença está descendo. A economia está voltando. Está voltando em V. A criação de empregos está se dando em ritmo bastante impressionante”. E em novembro: “A doença desceu. É um fato. Alguns dizem agora: ‘Não, mas está voltando, segunda onda’. Espera aí. Nós tínhamos 1.300 mortes por dia, 1.200, 1.000, 900, 700, 500, 300… E agora parece que está havendo um repique. Mas vamos observar. São ciclos”.
Essa é a cabeça do governo; que — óbvio está — não precisaria de aconselhamento paralelo para fazer suas escolhas criminosas. E esse “vamos observar” — combinado àquele “espera aí” — parece-me a senha para nossa tragédia.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/uma-aposta-fatal.html
DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”, disse à agência de notícias Efe Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680
Pablo Ortellado: Sem medo do voto impresso
Precisamos ter cuidado com as tomadas de posição automáticas e irrefletidas que adotamos em tempos de polarização. Nem tudo aquilo que Bolsonaro propõe é ruim, apenas porque ele propôs. É o caso do voto impresso auditável, uma proposta bastante razoável, que tem o respaldo de muitos especialistas e é adotada com bons resultados noutros países.
Embora a medida seja apropriada, ela certamente não é oportuna, seja porque não temos tido casos de fraude, seja porque a substituição dos equipamentos é cara e a implementação, demorada. E deveríamos ter outras prioridades em tempos de Covid-19.
O voto impresso tem muitos apoiadores no Congresso. A medida chegou a ser aprovada na minirreforma de 2015, mas foi derrubada depois pelo STF. Agora, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenta aprová-la por meio de uma proposta de emenda à Constituição de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF).
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, tem se esforçado em defender o legado da urna eletrônica, que pôs fim às fraudes recorrentes das cédulas de papel e aguentou bem o teste prático das eleições democráticas dos últimos 25 anos, sem que tenha mostrado problemas relevantes.
Mas, ainda que seja segura, ela tem problemas. Seu modelo de criptografia fechado tem sido alvo de críticas de especialistas, que defendem que um sistema aberto seria mais robusto porque permitiria uma auditoria permanente da comunidade acadêmica e de outros interessados.
Críticos também têm apontado que o sistema de impressão do voto, depositado automaticamente na urna, permitiria uma auditoria da máquina que não fosse apenas a inspeção do software, seria de melhor entendimento e transmitiria mais segurança aos eleitores.
Essa poderia ser uma discussão acadêmica sobre aperfeiçoamentos técnicos do sistema de votação, mas ela é hoje bem mais do que isso.
Desde as eleições de 2018, Bolsonaro tem criticado a confiabilidade da urna eletrônica sem que tenha apresentado qualquer evidência concreta de fraude. Apesar disso, acredita que ganhou as eleições passadas com uma margem maior que a oficialmente registrada e ameaça que, se o sistema de votação não for modificado, pode não aceitar o resultado das eleições, como fez Donald Trump.
Não está claro se o objetivo da proposta que está tramitando agora é realmente implementar o voto impresso auditável para as eleições de 2022 ou se é apenas um jogo de cena que permitiria a Bolsonaro dizer que tentou resolver o problema da confiabilidade das urnas, mas foi impedido pelo Congresso, pelo STF ou pelo “sistema”. Ainda que a proposta seja aprovada por Câmara e Senado antes de outubro deste ano, não seria viável implementar mais que um projeto-piloto para as próximas eleições.
Apesar de cara e apressada, pode ser conveniente aprovar a proposta de uma vez, dadas as circunstâncias políticas. No mérito, a proposta de fato aperfeiçoa o sistema de votação. E ela pode retirar dos autoritários um dos argumentos que seguramente serão usados para criar instabilidade nas eleições de 2022.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/sem-medo-do-voto-impresso.html
Cristina Serra: Brasil, pária ambiental
O projeto de lei que desmonta o licenciamento ambiental no Brasil, aprovado na Câmara, é um crime contra o meio ambiente, a sociedade e a Constituição. Nosso atual sistema de licenciamento resulta de décadas de construção legal e do aprendizado com enormes erros no passado.
Exemplos na mineração ajudam a entender essa evolução. Antes da Constituição e das normas atuais, algumas empresas lançavam rejeitos em rios e lagos, como se estes fossem latas de lixo. Já com o licenciamento em vigor, tivemos duas grandes tragédias na mineração: o colapso das barragens da Samarco, em Mariana, e da Vale, em Brumadinho, com quase 300 mortos.
Estudei a fundo o licenciamento da barragem da Samarco. O que aconteceu ali foi leniência do órgão licenciador, com indícios de corrupção. No caso da Vale, houve um licenciamento atipicamente célere, em favor da conveniência da empresa, não da segurança da estrutura. O problema não foi a lei, mas a má aplicação dela pela autoridade licenciadora.
É claro que uma legislação sempre pode ser melhorada e atualizada. Mas o projeto em questão não tem esse objetivo. Muito ao contrário. Ele faz parte de um ataque sistemático ao meio ambiente, com asfixia dos órgãos de fiscalização e desidratação orçamentária. Uma das malandragens do projeto é o tal licenciamento autodeclaratório. Ou seja, o poder público deixaria de exercer seu papel regulador do impacto ambiental das atividades econômicas. É raposa no galinheiro que chama?
Na prática, o projeto todo implanta um “liberou geral” para vários setores da economia, notadamente para a agropecuária, base de apoio ao bolsonarismo. Se aprovado em definitivo, ao contrário do que dizem seus defensores, ele não vai destravar a economia. Vai prejudicar a atração de investimentos e piorar ainda mais a imagem do Brasil no exterior, onde já é visto como pária ambiental pelo descontrole no desmatamento. Ainda é tempo de barrar a boiada no Senado.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/05/brasil-paria-ambiental.shtml
Murillo de Aragão: O jogo da polarização
As mudanças nas regras eleitorais em 2015, ainda vigentes, fizeram em 2018 a campanha eleitoral durar apenas 45 dias, em vez de noventa. Além disso, foram banidos os financiamentos empresariais de campanhas e estabelecido um teto de gastos por tipo de candidatura.
Outra consequência importante de tais mudanças foi dar maior relevância aos potenciais candidatos no período pré-eleitoral. É o que está acontecendo agora. No Congresso e nos partidos e, obviamente, na Presidência da República, a pré-campanha já está em curso.
Mas enquanto o debate sucessório toma o mundo político, o eleitorado ainda se mantém distante do tema. A Covid-19 e o desemprego são questões prioritárias e decisivas para a escolha do próximo presidente em 2022. E o debate midiático sobre a política ainda não causa efeito mobilizador entre o eleitorado.
No momento, dois presidenciáveis largam na frente. O primeiro é Jair Bolsonaro, que, pela força do cargo, tem condições de impor sua narrativa, o que, naturalmente, terá grande repercussão. Além disso, Bolsonaro conta com forte apoio nas redes sociais. Embora outros presidenciáveis também façam uso dessas mídias, só ele possui militância engajada com capacidade de disseminar conteúdo nas redes.
“Um problema do centro político é que, quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum”
Quem também leva vantagem na pré-campanha é o ex-presidente Lula (PT). Apesar de o Lula de hoje não ter, por exemplo, a força do Lula de 2010, quando foi o maior responsável pela eleição de Dilma Rousseff, ele mobiliza a maior parte das esquerdas. Sem contar que parte significativa do eleitorado, sobretudo no Nordeste, e os segmentos de menor renda têm uma lembrança positiva de seu governo no campo econômico e social.
As demais opções — João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB), Tasso Jereissati (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo), Luciano Huck e Sergio Moro — não estão apresentando narrativa consolidada nem militância partidária ou digital engajada.
No centro político existe uma dúvida sobre se o engajamento eleitoral deve ser antecipado. Tal dúvida se fortalece pelo fato de não haver um candidato natural que aglutine as forças de oposição. Quando se tem muitos candidatos, na verdade não se tem nenhum. É o caso. Nenhum dos nomes acima aglutina, e a luta por uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula parece difícil de ser construída. Mas isso não deixará de ser tentado.
Enquanto o centro político está desorganizado e parte do Centrão já foi cooptada por Bolsonaro, o que deve acontecer nos próximos meses? Enquanto se tenta uma frente ampla contra Bolsonaro e Lula, eles devem tentar rachar o centro tendo em vista neutralizá-lo. A desunião do centro interessa tanto a Lula quanto a Bolsonaro.
Não à toa a estratégia preferencial de Lula é manter Bolsonaro sob pressão, sem, porém, que ele seja inviabilizado pela CPI da Covid: que ele se mantenha no poder, mas enfraquecido. Já Bolsonaro aposta que seu adversário ideal é Lula, uma vez que acredita que o antipetismo forçaria o eleitorado centrista a escolhê-lo. Sendo assim, a polarização acirrada interessa a ambos, ainda que não necessariamente ao país.
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738
Fonte:
Monica de Bolle: Biden brasileiro?
Nas últimas semanas tenho escrito sobre o que ocorre nos Estados Unidos sob a liderança de Joe Biden. Para quem vive aqui, vê e sente as mudanças, inclusive no cotidiano, a transformação é extraordinária. Em poucos meses, os Estados Unidos deixaram de ser o país com a pandemia mais descontrolada no mundo para estar entre aqueles que, em breve, deixarão para trás os piores temores em relação à saúde pública e à economia. Alguns estados já atingiram a marca de mais de 70% de vacinados com ao menos uma dose dos imunizantes em uso; outros logo alcançarão esse patamar. Em Washington D.C., há uma sensação palpável de alívio: escolas estão reabrindo, as restrições mais duras estão sendo gradualmente removidas, as pessoas sentem que podem voltar a viver. É claro que há hesitação vacinal, um dos motivos que explica a falácia de se pensar em imunidade de rebanho. Mas, apesar desse grupo, em poucos meses o país estará em condições de deixar para trás o pior da pandemia.
Além de ter conseguido entregar esse resultado no tempo prometido, o governo Biden também montou uma agenda notável de reconstrução da economia e do investimento no país. Como expliquei em artigos anteriores, a agenda Biden não rompe com o passado dos EUA, com a tradição do envolvimento do Estado no desenvolvimento de longo prazo do país. Ao contrário, os planos anunciados e parcialmente aprovados resgatam essa tradição, com a novidade de orientá-la para as pessoas, sobretudo as mais pobres e vulneráveis. Como também já escrevi por aqui, não tem sentido afirmar que, por isso, Biden se tornou um radical de esquerda. Na coluna publicada na edição passada apresentei uma reflexão sobre como Biden está reposicionando as disputas políticas em uma democracia madura e fazendo algo que poucos no Brasil conseguem compreender: removendo o protagonismo da economia como definidora do que é ou não democrático e entregando esse papel novamente à política. Enquanto Biden articula sua agenda reconhecendo os conflitos como centrais para o bom funcionamento de qualquer democracia, o partido Republicano se aproxima rapidamente de uma fratura possivelmente irreversível. A expulsão da deputada Liz Cheney — ferrenha opositora de Trump e filha do ex-presidente Dick Cheney — da posição de liderança e prestígio que teve no partido revela aquilo que já se sabia: Trump foi um golpe de misericórdia para os Republicanos.
Em 2022, haverá eleições legislativas. Com o Partido Republicano rachado e a agenda de Biden a pleno vapor, para não falar do sucesso no controle da pandemia e de todas as suas repercussões — notavelmente, a recuperação econômica —, o campo parece aberto aos democratas. Ainda que existam desavenças intrapartidárias sobre várias questões, elas em nada se comparam à crise existencial dos republicanos. E aí está a razão de ser de Biden ter se tornado o 46º presidente americano: as fraturas, o desarranjo, os desmandos de quatro anos de Trump. Mas Trump não é comparável a Bolsonaro, a não ser de forma extremamente superficial. O dano que causou ao Partido Republicano não tem equivalente no sistema político brasileiro. As origens das disputas entre republicanos de diferentes linhagens e democratas não tem paralelos no Brasil.
Não há um “Biden brasileiro”. Insistir nesse raciocínio, com a apresentação de nomes supostamente mais centristas à direita, à esquerda e mesmo ao que, no Brasil, entende-se por centro é uma perda de tempo tremenda.
Esse tempo deveria estar sendo empregado para buscar soluções imediatas, de médio e de longo prazo para um país destroçado.
De acordo com as pesquisas de opinião, Bolsonaro se mantém com cerca de 40% de aprovação. Nas disputas simuladas com outros candidatos presumidos, Bolsonaro mantém a liderança. A exceção? A exceção é aquilo que parte do Brasil se recusa a reconhecer: Lula. Lula, goste-se ou não, não é Bolsonaro. Podem ser polos opostos, porque Lula não é Bolsonaro, e por isso mesmo não se equivalem: insistir em sua equivalência é uma fantasia besta, outra perda de tempo. Por outro lado, se foi o antilulismo que pariu o bolsonarismo, não deixa de ser interessante que a única via que se apresenta como viável hoje seja o caminho contrário.
Antes que cause terror e espanto entre os leitores, explico: o que escrevi é mera constatação daquilo que vejo com o benefício da distância. Não é apoio ou rejeição. É tão somente uma tentativa de eliminar as fantasias que impedem que se veja com clareza em que o Brasil se transformou. Biden brasileiro? Balela.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
Fonte:
Época
https://epoca.globo.com/monica-de-bolle/biden-brasileiro-1-25016297
Datafolha: Lula lidera corrida eleitoral de 2022 e marca 55% contra 32% de Bolsonaro no 2º turno
Fábio Zanini, Folha de S. Paulo
Pouco mais de dois meses após ter seus direitos políticos restabelecidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera a corrida para a Presidência com margem confortável no primeiro turno e venceria o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na segunda etapa, revela pesquisa Datafolha.
O petista alcança 41% das intenções de voto no primeiro turno, contra 23% de Bolsonaro.
Em um segundo pelotão, embolados, aparecem o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido), com 7%, o ex-ministro da Integração Ciro Gomes (PDT), com 6%, o apresentador Luciano Huck (sem partido), com 4%, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que obtém 3%, e, empatados com 2%, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o empresário João Amoêdo (Novo).
Somados, os adversários de Lula chegam a 47%, apenas seis pontos percentuais a mais do que o petista. Outros 9% disseram que pretendem votar em branco, nulo, ou em nenhum candidato, e 4% se disseram indecisos.
O levantamento foi realizado com 2.071 pessoas, de forma presencial, em 146 municípios, nos dias 11 e 12 de maio. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, Lula levaria ampla vantagem, com uma margem de 55% a 32%. Ele receberia a maioria dos votos dados a Doria, Ciro e Huck, enquanto o presidente herdaria a maior fatia dos que optam por Moro, seu ex-ministro da Justiça e atual desafeto.
O petista também venceria na segunda etapa contra Moro (53% a 33%) e Doria (57% a 21%).
Já Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria, marcando 39%, contra 40% para o tucano. E perderia para Ciro, obtendo 36%, contra 48% para o pedetista.
É a primeira pesquisa de intenção de voto do Datafolha feita desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações judiciais do petista, com a justificativa de que a Justiça Federal em Curitiba não era o foro competente para as ações.
A decisão de Fachin depois foi referendada pelo plenário do STF, que deu a Lula outra vitória relacionada à Lava Jato: o reconhecimento de que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao condenar o petista no caso do tríplex de Guarujá (SP).
As decisões do Supremo não significam a absolvição de Lula, uma vez que as quatro ações penais do ex-presidente na Lava Jato foram transferidas para Brasília.
Na prática, o petista readquiriu o direito de disputar a Presidência no ano que vem, e não perdeu tempo em retomar contatos políticos.
Após ter sido imunizado com as duas doses contra a Covid-19, ele viajou a Brasília na semana passada, onde teve encontros com representantes de diversos partidos.
Além de contatos com a esquerda, também conversou com líderes do centrão e até do MDB, partido que capitaneou o impeachment conta a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Assim que a pandemia permitir, ele pretende também realizar viagens por estados brasileiros, numa espécie de pré-campanha. Segundo aliados, Lula pretende se apresentar como um político moderado, de centro, e cogita repetir a fórmula de suas duas vitoriosas campanhas presidenciais, em 2002 e 2006, com um empresário como vice.
Nesta pesquisa, Lula mantém seu padrão tradicional de apoio, com índices superiores de intenção de voto em segmentos de menor renda e escolaridade.
Ele marca 51% entre os que declaram ter ensino fundamental, e 47% na faixa de renda familiar de até dois salários mínimos mensais.
Por outro lado, seu índice cai para 30% nos que têm curso superior, e 18% no estrato mais rico, o de renda maior do que dez salários mínimos. Mais uma vez, o Nordeste demonstra ser o maior reduto eleitoral para o petista, onde ele atinge 56%.
Bolsonaro, por sua vez, vive um momento de abalo em sua imagem, em razão da criticada gestão da pandemia, que é objeto de uma CPI no Senado.
Ele tem 36% das intenções de voto entre os que declaram estar vivendo normalmente, mesmo com a pandemia, em empate técnico com Lula (33%). Bolsonaro tem promovido aglomerações, e muitas vezes dispensa o uso de máscaras.
Na outra ponta, aqueles que dizem estar totalmente isolados apoiam Lula de forma maciça (58%), contra apenas 8% dados a Bolsonaro.
O presidente tem mais apoio do que a média entre os homens (29%), os eleitores que têm ensino médio (26%) e os de renda de 5 a 10 salários mínimos (30%).
O presidente perde para o petista em todas as regiões, mas tem melhor desempenho no Sul e no Centro-Oeste/Norte, nas quais é forte o agronegócio, uma de suas grandes bases de apoio. Tem 28% em ambas.
Em outro segmento que costuma dar apoio ao presidente, o dos evangélicos, Bolsonaro tem 34%. Mas Lula também vai bem neste grupo, com 35% das intenções de voto, uma situação de empate técnico.
Bolsonaro também sofre os efeitos do aumento do desemprego e do repique da inflação, sobretudo a de alimentos.
No mês passado, o pagamento do auxílio emergencial pelo governo federal foi retomado, mas com um valor mais baixo, o que limitou a recuperação da popularidade do presidente. Dentre os que receberam o benefício, 22% declaram intenção de voto em Bolsonaro, o que não destoa da média geral aferida pelo instituto.
Entre os que se declaram desempregados à procura de trabalho, Bolsonaro tem apenas 16% das intenções de voto. O único estrato profissional em que ele lidera é o dos empresários, com 49% contra 26% de Lula.
Com o avanço da CPI da Covid, os apoiadores do presidente retomaram a participação em manifestações de rua, muitas vezes ignorando os protocolos de proteção contra a pandemia. Isso ocorreu em diversas cidades no Dia do Trabalho, enquanto o próprio presidente prestigiou um ato de motociclistas em Brasília no domingo (8).
As últimas semanas também viram uma intensa movimentação de Ciro, que busca dar uma guinada ao centro, após a volta de Lula ao cenário eleitoral.
Seu partido contratou o publicitário João Santana, que trabalhou com o PT, para mostrá-lo como uma alternativa à polarização representada por Lula e Bolsonaro. Em vídeos divulgados em redes sociais, Santana também tem buscado suavizar a imagem do ex-ministro, conhecido pelo pavio curto.
Ele se sai melhor entre os que têm ensino superior (11%) e no estrato mais rico (13%).
A pesquisa revela ainda que Doria segue tendo dificuldades para capitalizar politicamente o fato de ter trazido ao Brasil a Coronavac, parceria do Instituto Butantan com um laboratório chinês.
Até o momento, cerca de 80% das vacinas aplicadas no Brasil são fruto desta parceria, mas o tucano não tem conseguido transformar esse fato em intenções de voto.
Com relação aos demais candidatos, há dúvidas se vão mesmo concorrer. Huck teria de deixar um lucrativo contrato com a TV Globo, enquanto Moro desgastou-se após a série de derrotas sofrida pela Lava Jato.
54% DIZEM QUE NÃO VOTARIAM EM BOLSONARO DE JEITO NENHUM EM 2022
Para se reeleger em 2022, Jair Bolsonaro também terá de enfrentar um alto índice de rejeição, que ultrapassa metade do eleitorado e poderá ser um complicador, especialmente em um segundo turno.
Dentre os entrevistados pela pesquisa Datafolha, 54% dizem que jamais votariam nele.
A rejeição de Lula é a segunda maior, com 36%, seguida pelas de Doria (30%), Huck (29%), Moro (26%) e Ciro (24%).
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/datafolha-lula-lidera-corrida-eleitoral-de-2022-e-marca-55-contra-32-de-bolsonaro-no-2o-turno.shtml
Marcelo Godoy: Em dois anos, militares da ativa postaram 3,4 mil tuítes políticos
Pesquisa feita em contas de 115 militares da ativa ligadas ao ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas localizou 3.427 tuítes de caráter político-partidário, entre abril de 2018 e abril de 2020. Eles estavam nas contas mantidas na rede social por 82 integrantes das Forças Armadas, entre os quais 22 oficiais-generais – 19 generais, dois almirantes e dois brigadeiros.
São casos como o do coronel Ricardo. Era 7 de outubro de 2018, dia do primeiro turno da eleição presidencial, quando a conta do militar no Twitter fez propaganda do então candidato Jair Bolsonaro: “É dia de mudar o Brasil. Vote consciente. Brasil acima de tudo! Deus acima de tudo!” Outro oficial – um tenente-coronel de Cavalaria – escreveu: #MitoPrimeiroTurno.
A maioria dos tuítes é de apoio ao governo, mas há exceções. Um general disse sobre o caso das “rachadinhas”, no gabinete de Flávio Bolsonaro quando o hoje senador pelo Republicanos era deputado estadual no Rio: “Ventos novos exigem posturas novas”. Um dia depois da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, um coronel escreveu: “A minha melhor continência a esse patriota!” E repetiu a frase do ex-juiz da Lava Jato: “Faça a coisa certa, sempre”.
Um general chegou a mudar o nome de seu perfil, adotando outra identidade na rede, após a demissão de Moro, e passou a tuitar contra Bolsonaro, criticando-o pela atuação no combate à pandemia de covid-19.
Para o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira, as publicações dos militares demonstram a existência de um “ativismo militar”. As manifestações político-partidárias de integrantes da ativa são proibidas pelo Estatuto dos Militares e pelos regimentos disciplinares e portarias das três Forças Armadas. Na avaliação de Eliezer, é importante controlar esse fenômeno, pois “a aplicação das normas republicanas confronta o partido fardado, ao passo que a impunidade reforça a autonomia militar”.
Punições
O Ministério da Defesa disse que Marinha, Exército e Aeronáutica têm “manuais e cartilhas que normatizam e orientam adequadamente a conduta e o uso de mídias sociais por parte dos militares”. O uso incorreto de redes já levou à punição de militares da ativa. O Exército cita casos de violação da segurança de unidades, mas não revelou o total de punidos.
A Força Aérea informou que registrou “17 procedimentos para apuração de suposta transgressão por ‘mau uso’ de redes sociais, dos quais dez praças foram punidos disciplinarmente” – seis deles em 2019 e quatro em 2020. Nenhum oficial foi punido. Entre os que fizeram postagens políticas está o brigadeiro Carlos Baptista Júnior, com 80 publicações políticas, todas em apoio ao presidente e ao bolsonarismo antes de ser nomeado comandante da Aeronáutica.
A Marinha respondeu que, em 2019, foram determinadas 17 punições a 17 militares pelo uso de redes. Em 2020, esse número subiu para 20 punições a 20 militares. Os dados foram obtidos pelo Estadão por meio de Lei de Acesso à Informação.
Para o Exército, atualmente o problema está sob controle. A reportagem apurou que uma dezena dos perfis de militares que publicavam manifestações políticas apagou os tuítes, fechou suas contas ou abandonou a rede social. A questão foi disciplinada pela portaria de 2019 feita pelo ex-comandante da Força, general Edson Leal Pujol. Ela criou critérios para a manutenção de contas nas redes sociais pelos militares, proibindo sua vinculação delas com perfis institucionais, à exceção dos integrantes do Alto Comando.
O uso do Twitter por militares voltou a ser debatido após o novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira, congelar sua conta para priorizar a comunicação institucional no YouTube. Ele criara o perfil em abril de 2018, depois dos tuítes de Villas Bôas às vésperas do julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva, então preso na Lava Jato. Além dele, outros 30 generais e coronéis abriram contas de abril de 2018 a abril de 2020, período abrangido pela pesquisa, publicada no livro Os Militares e a Crise Brasileira. Entre os tuiteiros, um quinto dos posts políticos critica a oposição e a imprensa e 35% traz mensagens de apoio ao governo ou reproduz opiniões de bolsonaristas, como as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
Especialistas apontam a volta do ‘partido fardado’
A presença de militares no governo Jair Bolsonaro e o comportamento deles reanimaram o interesse na atuação política dos militares e sobre obras como as dos antropólogos Celso Castro e Piero Leirner e as de cientistas políticos como José Murilo de Carvalho e Oliveiros S. Ferreira, autor de Vida e Morte do Partido Fardado e Elos Partidos. Um dos centros do debate atual é o conceito de “partido fardado”, usado por Oliveiros e pelo cientista político francês Alain Rouquié.
Oliveiros pensava que as reformas do presidente Castelo Branco, limitando o tempo de permanência de generais na ativa, teriam levado ao fim do partido fardado, deixando-o acéfalo. Generais se candidatavam, exerciam cargo político e depois voltavam aos quartéis. Eles simbolizavam o fenômeno. Para o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira, que prepara um livro sobre o tema, o governo Bolsonaro mostra que o partido fardado não havia morrido, só estava hibernando, sobretudo no Exército. “Estamos diante de um ativismo militar, de um partido verde-oliva.”
Segundo a pesquisadora Ana Penido, do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), para Oliveiros, o partido fardado não é algo formal para disputar eleições, mas uma organização temporária, que só se evidencia em momentos de tensão interna nas Forças Armadas ou de desencontro entre a instituição e o governo, precisando de situação favorável à politização militar.
A pesquisadora adota, porém, o termo “partido militar” para designar o fenômeno. “Pertencem ao partido aqueles militares que se julgam no direito de interpretar a Constituição e, na condição de defensores da lei e da ordem, estabelecem, por si mesmos, como e quando agirão. Integram o estabelecimento militar aqueles que agem subordinados às leis e regulamentos, pautados pela hierarquia e disciplina.”
Para o coronel da reserva Marcelo Pimentel, que analisa o fenômeno no livro Os Militares e a Crise Brasileira, o atual processo de politização dos militares começou em meados da última década. “A politização dos militares não se confunde com a mera expressão pessoal de opiniões políticas.” O partido militar se coloca em um dos polos da política e cria o risco de divisões nas Forças, com a volta ao estado de indisciplina crônica, vivido nos quartéis antes de 1964. “O que preocupa é a atual geração de tenentes em razão do exemplo dos chefes. O mau uso de redes sociais é um meio de politização do Exército.”
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Fonte:
O Estado de S. Paulo
Armando Castelar Pinheiro: À espera da inflexão
Há que resistir à tentação de usar a inflação no ajuste das contas públicas: a conta vem depois, não compensa
A realidade tem se mostrado mais complexa que as previsões. Novas cepas, múltiplas ondas de casos e mortes, efeitos colaterais das vacinas, tudo eleva a incerteza sobre quando se controlará a pandemia da covid-19 e, não menos importante, como será o novo normal depois disso. Fica claro, também, que os países ricos não conseguirão controlar a epidemia vacinando só suas populações, enquanto no resto do mundo a pandemia segue solta, facilitando o surgimento de novas e mais virulentas variantes do vírus.
Isto posto, tudo indica que 2021 verá uma inflexão nesse processo, fruto do gigantesco esforço de vacinação em curso. E de que, os dados mostram, as vacinas estão funcionando. Até aqui foram aplicadas quase 900 milhões de doses globalmente, quase uma dose para cada seis pessoas com 20 anos ou mais. Na última semana, mais de 100 milhões de doses foram administradas e a tendência é esse ritmo acelerar, conforme suba a produção de vacinas. Mesmo que isso não ocorra, mantido esse ritmo o ano fechará com 4,5 bilhões de doses aplicadas, o suficiente para vacinar boa parte dos mais vulneráveis.
A vacinação avançou mais em alguns países ricos, como os europeus e os EUA, com grandes emergentes como Brasil, Argentina, China, México e Índia vindo atrás, nessa ordem, em termos de vacinas aplicadas por habitante. Onde a vacinação andar mais rápido, a atividade econômica e o emprego também se recuperarão mais ligeiro e significativamente. Os EUA são o grande caso de sucesso na economia, para o que os redobrados estímulos fiscais também contribuem.
No Brasil, tudo parece meio parado, à espera que a vacinação avance o suficiente para a normalização, ainda que parcial, para usar o jargão da moda, da economia. Já se aplicaram cerca de 35 milhões de doses e o ritmo tem ficado, com alguma volatilidade, perto de um milhão de doses por dia. Isso permitirá vacinar, com duas doses, todos os brasileiros com 20 anos ou mais até o fim do ano. Se conseguirmos mais vacinas, poderemos atingir essa “normalização parcial” no terceiro trimestre, com o ano fechando com uma retomada mais firme da atividade.
O problema é que há muito mais com que se preocupar, o que não parece estar ocorrendo. O que me fez lembrar da frase de Samuel Johnson: “Confie nisso, senhor, quando um homem sabe que está em vias de ser enforcado, concentra sua mente maravilhosamente”. Quem sabe a forca ainda não está apertando tanto quanto parece, mas a impressão é de rompimento com o padrão das últimas décadas, quando a proximidade da crise concentrou as mentes e levou à aprovação de ajustes fiscais. Não vemos isso agora, como ficou claro na confusão, ainda em curso, com o orçamento público deste ano.
O drama humanitário - mais de 20 mil mortes por semana - explica em parte essa apatia com a deterioração do quadro fiscal. É na saúde pública que as mentes estão concentradas. Parte da explicação também está, porém, em muito da deterioração futura vir de maiores despesas com juros, e não do mais visível déficit primário.
Entre fevereiro de 2020 e o mesmo mês este ano, a Dívida Bruta do Governo Geral saltou de 75,2% para 90% do PIB. A despeito desse salto, a despesa com juros sobre essa dívida caiu de 5,5% do PIB nos 12 meses até fevereiro de 2020 para 4,7% do PIB um ano depois. Isso porque, na média dos 12 meses terminados em fevereiro último, a taxa de juros implícita incidente sobre essa dívida foi de apenas 5,7%, contra 7,5% um ano antes.
Essa taxa de 5,7% é a menor registrada na série histórica disponibilizada pelo Banco Central (BC). Essa excepcionalidade fica ainda maior quando se olha para essa taxa em termos reais, descontando a variação acumulada pelo IPCA: nos 12 meses até fevereiro de 2021, a taxa real ficou em 0,5%, contra uma média de dez vezes esse valor em 2007-20 (5%).
Nos próximos meses a taxa de juros real incidente sobre a dívida pública vai continuar caindo, indo para valores negativos. Porém, olhando um pouco mais à frente, parece inevitável que ela suba, possivelmente de forma significativa. Isso por dois fatores.
Um, a alta dos juros pagos pelo Tesouro americano, que deve continuar conforme a economia do país se recupere, dado que o governo americano necessita emitir altos volumes de dívida para financiar seu elevado déficit. O processo será gradual, oscilando com as ondas da pandemia, mas deve ganhar força com a recuperação da atividade e a queda do emprego.
Outro, a necessidade de controlar a escalada inflacionária doméstica, que fará o BC continuar a elevar a taxa Selic, indexador de 45% da dívida pública, provavelmente para além do que projeta o analista mediano do Focus (6% ao final de 2022). A inflação segue surpreendendo para cima e o risco de o BC perder o controle das expectativas inflacionárias tem aumentado.
Torço que se resista à tentação de usar a inflação no ajuste das contas públicas: a conta vem depois, não compensa. É hora de começar a se preparar para esse novo desafio fiscal.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
Maria Cristina Fernandes: Bolsonaro pode perder corrida pelo dinheiro para governadores
Presidente se mostrou no encontro como um aliado arrependido do trumpismo
Dezessete chefes de Estado e a presidente da Comissão da União Europeia falaram antes do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes pelo Clima. O presidente do país “detentor da maior biodiversidade do planeta”, como Bolsonaro definiu o Brasil, começou a falar quase duas horas depois de a conferência virtual ter começado. E não pôde, a exemplo de Angela Merkel (Alemanha), Emmanuel Macron (França), Ursula Leyen (UE) e Cyril Ramaphosa (Africa do Sul), saudar, com uma estocada da boa diplomacia, a volta dos Estados Unidos, anfitrião do encontro, ao esforço contra o aquecimento global.
Os americanos voltaram ao Acordo de Paris um mês depois da posse do presidente Joe Biden e três anos e sete meses depois de o ex-presidente Donald Trump tê-lo denunciado. Os líderes europeus e da África do Sul não deixaram passar a oportunidade de lembrar Biden do passado muito recente do país que agora se arvora à liderança global do ambientalismo na tentativa de reconquistar um viés de “superioridade moral” perdido na era Trump. Bolsonaro, porém, não pôde fazer o mesmo porque, de todos os 40 chefes de Estado convidados para a conferência, foi o mais estreito aliado de Trump.
E foi assim que o presidente brasileiro se mostrou no encontro. Como um aliado arrependido do trumpismo, incapaz até mesmo de adotar a linha de outros infratores das metas ambientais, como o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. No comando de um país que, a exemplo do Brasil, não cumpriu o que havia acordado no Acordo de Paris, em 2015, Trudeau colocou o combate ao aquecimento global como prioridade que secunda o enfrentamento da covid-19. Como a pandemia nunca foi sua prioridade, Bolsonaro preferiu centrar seus esforços numa única mentira, a do empenho nacional pela redução dos gases do efeito-estufa.
Os argumentos foram os mesmos apresentados na carta enviada, na semana passada, ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A carta parece ter sido tão pouco convincente que o presidente americano esperou a vez de David Kabua, presidente das Ilhas Marshall, país minúsculo do Pacífico que tende a desaparecer pelo avanço dos oceanos, mas não Bolsonaro. Biden deixou a sala da conferência virtual antes de o brasileiro começar a falar. A mensagem brasileira foi mais ponderada do que as da era Ernesto Araújo, mas distorce a responsabilidade do país pela emissão de gases estufa, traça meta de redução baseada numa pedalada (para trás) sobre as conquistas anteriores e comemora a matriz limpa do parque energético como feito de seu governo.
A conferência deixou claras as dificuldades de Bolsonaro em limpar a imagem do Brasil depois da devastação e do desmonte das instituições de fiscalização promovidas por seu governo. Por razões inversas, Biden também pisou em ovos em seu discurso, que abriu a conferência. Ciente de que uma parte importante do eleitor americano rejeita o discurso ambiental, falou mais em emprego do que em clima. Ancorou a necessidade de mudar a matriz energética do país com o desenvolvimento de novas tecnologias como meio para a geração de emprego. O temor do eleitorado se estende ao mercado. À tarde, de volta à tela, mal acabara de falar da necessidade do esforço conjunto para o financiamento das ambiciosas metas ali traçadas, as bolsas despencaram, alarmadas com aumento de impostos.
O presidente chinês, Xi Jiping, citado por Merkel, Macron e pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em função dos esforços na pauta ambiental que precedem os dos EUA, também tratou de seus interesses sem subterfúgios. Ao enfatizar o multilateralismo, deixou claro que as conquistas não decorrerão do novo protagonismo americano mas do conjunto das nações. Xi insiste em se apresentar como liderança dos países em desenvolvimento propugnando o reconhecimento dos esforços que estes têm feito no sentido de buscar o desenvolvimento sustentável.
Todos os chefes de Estado exibiram esforços maiores do que aqueles que têm sido efetivamente feitos. E todos se comprometeram com metas ambiciosas para 2030 a serem acordadas na conferência das Nações Unidas sobre o clima, em Glasgow, em novembro. Nenhum deles, porém, enfrenta descrédito tão grande sobre a distância a ser percorrida entre os esforços e as metas quanto Bolsonaro.
O primeiro teste se dará no acesso ao fundo de US$ 1 bilhão, mobilizado a partir da coalizão de EUA, Noruega e Reino Unido e de empresas como Amazon, Airbnb, Bayer, Nestlé, Unilever, Boston Consulting Group, McKinsey, Salesforce e GKS (ver reportagem na página A5). É um dinheiro a ser destinado para o mundo inteiro e não apenas para o Brasil como desejava o Palácio do Planalto. E até mesmo os governos subnacionais estarão elegíveis. Como o pagamento se dará por meio de resultados, e não antecipadamente para armar a Guarda Nacional, como desejava o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, as chances de o governo federal são mais reduzidas do que, por exemplo, as do Consórcio Amazônia, que reúne os nove Estados da região.
Por meio um plano chamado “Recuperação Verde da Amazônia Legal”, os governadores apresentaram projetos como apoio na certificação de produtos sustentáveis para acesso aos mercados nacional e internacional, incentivo à pecuária intensiva, redução de carbono nas atividades de mineração e fomento ao turismo ecológico. Os desembolsos se dão mediante averiguação, por consultores independentes, do desempenho acordado. Depois de carregar sozinho o fardo da herança trumpista na cúpula, Bolsonaro ainda corre o risco de ser ultrapassado, em casa, pelos governadores, no acesso ao dinheiro.