Dilma

Mary Zaidan: O Brasil refém do STF

Dilma continua a distribuir estragos.

Em 2008, sem conseguir avançar na ideia da trieleição, Lula, hoje preso por corrupção e lavagem de dinheiro, inventou Dilma Rousseff e, com ela, um tormento sem fim. A presidente deposta foi um pesadelo para o país – e para seu padrinho – durante os cinco anos e meio de mandato. E continua a distribuir estragos.

Não só além das fronteiras, em viagens pagas pelo governo, portanto pelos impostos dos brasileiros, para denegrir as instituições nacionais, incluindo o STF, que com ela foi para lá de generoso. Mas também internamente.

Desta vez, em Minas Gerais, domicílio que escolheu para disputar uma vaga ao Senado. Novamente, garante ela, ungida por Lula antes de ele iniciar o cumprimento de sua pena de 12 anos e um mês.

A candidatura da ex caiu como bomba por lá, detonando a aliança já acertada entre o PT e o MDB em torno da reeleição do governador petista Fernando Pimentel – seu amigo do peito. Como a composição reserva ao MDB as vagas ao Senado, simplesmente não cabe Dilma.

Tê-la na disputa foi o estopim para que o presidente da Assembleia mineira, o emedebista Adalclever Lopes, abrisse o processo de impeachment de Pimentel, que, em dezembro, já havia se tornado réu no STJ. Mesmo que não avance, o pedido de cassação revigora as baterias da oposição cinco meses antes do pleito.

Eleita com a popularidade do padrinho e os milhões acumulados em propinas – o marqueteiro João Santana e agora o ex-ministro Antonio Palocci que o digam -, Dilma age como se fosse imbatível e imprescindível ao partido que preferia não ter de lidar com ela.

No máximo, o PT imagina que ela poderia puxar votos como candidata a deputada. Ainda assim, com o incomodo de ter de explicar seus anos de desgoverno e o estado calamitoso em que deixou o país.

O pepino Dilma faz parte da decisão kafkiana de cassar o mandato e não penalizar o deposto com a inelegibilidade de oito anos prevista na Constituição. Uma trama urdida pelos então presidentes do STF, Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros.

Um caso sui generis em que, com o aval da Suprema Corte, se alterou a Constituição sem os dois terços exigidos nas duas casas legislativas em dois turnos.

É o que ocorre quando o STF age por decisão monocrática, como a que devolveu elegibilidade ao senador cassado Demóstenes Torres, ou de colegiado reduzido, como o da trinca da Segunda Turma, que decidiu retirar da Lava-Jato os trechos da delação da Odebrecht que têm a ver com Lula.

No caso do político goiano, o STF passou por cima da decisão e da prerrogativa do Senado de cassar e punir seus integrantes. No outro, operou no sentido de obstruir a justiça, em absoluto contrassenso.

Absurdos assim dão ânimo às Dilmas da vida, embalam esperanças de corruptos e povoam os sonhos dos que estão na cadeia – Lula à frente.

* Mary Zaidan é jornalista.


Míriam Leitão: O mandato infeliz

O período de quatro anos de governo, iniciado em 2015, será infeliz até o final. Este será um ano com um presidente definhando ou sob ataque aberto, seja ele candidato ou não. Durante esses quatro anos, uma presidente caiu, houve a pior recessão da história recente, o mais alto desemprego, um presidente foi alvo de denúncias, e o pior dos legados: o Brasil aprofundou sua divisão.

Nada salva o período administrado pela dupla eleita para 2015-2018. Na quinta-feira, renovaram-se as nuvens que sempre pairaram sobre o governo Temer. As prisões decretadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, atingem o círculo próximo do presidente da República. São prisões provisórias, e elas podem não ser renovadas, mas já serviram para enfraquecer o presidente nesta reta final. Ele ensaiava uma candidatura e agora fica a dúvida sobre se a manterá. Se for apresentada uma terceira denúncia, o presidente não terá, felizmente, capacidade de usar os recursos políticos e fiscais dos quais abusou para arquivar as duas primeiras. Um pato manco, investigado, com sigilo bancário quebrado e cercado de suspeitas terá que reunir votos para se proteger em uma Câmara esvaziada.
Nessa era da incerteza, a economia tentará, a duras penas, atravessar mais uma etapa da sua lenta e difícil recuperação da enorme recessão que a atingiu no fim de 2014. Os empresários que tentarem descortinar o futuro econômico do país, para fazer seus planos de investimento, verão apenas o espesso nevoeiro de uma campanha eleitoral de xingamentos e acusações. Tomara que haja espaço e tempo para alguma discussão séria sobre os muitos desafios que o Brasil tem que vencer para entrar na terceira década do século XXI.

Há uma disputa polarizada de versões sobre o que aconteceu nos últimos anos, mas o que arruinou este mandato é complexo e precisa ser entendido sem paixões. A verdade está no intervalo entre as posições extremadas, está nas nuances de um tempo em que cada um se isola na sua certeza. Não houve golpe contra Dilma, mas houve conspiração liderada pelo então vice-presidente. A economia foi jogada na recessão, houve desemprego e inflação de dois dígitos no período Dilma, e isso facilitou as articulações do seu companheiro de chapa para encurtar sua estadia no Planalto. Não se poderá contar a história do impeachment sem o desastre econômico que azedou a relação da então presidente com o país.

Esse quadro sombrio da economia foi atenuado no governo Temer. Há fatos e números mostrando isso, mas não foi possível ainda vencer a crise fiscal. Não se pode dizer que havia um governo virtuoso que foi sucedido por um outro corrupto. Houve dois governos corruptos. Uma das provas disso é o número grande de políticos presos ou investigados que serviram aos dois. Pessoas como Geddel, Henrique Eduardo Alves, o doleiro Lúcio Funaro, Joesley Batista e até Eduardo Cunha, entre muitas outras, exerceram influência ou cargos nos dois períodos. Não há luz e sombras. Há sombras. E não será possível dissipá-las com mais maniqueísmo, visões simplistas e salvadores da pátria.
No próximo mandato, o Brasil vai atravessar um marco importante da história. Vai completar 200 anos de vida independente, em 2022. Qualquer país sensato estaria, neste momento, pensando no significado do que houve até aqui, nos obstáculos que foram superados com sucesso, no que tem bloqueado o caminho e impedido novos avanços. Uma análise sincera encontraria as raízes dos problemas que hoje nos machucam de forma aguda. Por ter se descuidado da educação, o país está completamente atrasado em qualquer comparação internacional. Por nunca ter enfrentado o terrível legado da escravidão, carrega ainda hoje fraturas sociais e desigualdades de tratamento entre brasileiros. O patrimonialismo é o pai de toda relação promíscua entre o público e o privado que degenerou na corrupção.
Contudo, o país derrotou o autoritarismo político, venceu a hiperinflação, reduziu a pobreza e dá combate à corrupção. Poderia aproveitar o recomeço, que toda eleição permite, para preparar o aniversário dos seus 200 anos com mais confiança no futuro. Corruptos serviram aos dois governos, basta ver a lista dos investigados e presos nos últimos anos No próximo mandato, país vai comemorar 200 anos de história independente e poderá repensar o futuro

Vinicius Müller: Da liberdade acadêmica ao atraso educacional dos cursos sobre o "Golpe de 2016"

Há tempos que o debate acerca da construção de uma nova proposta educacional no Brasil avança. Vários são os momentos, os discursos, as proposições, os grupos e pessoas que de modos variados se relacionam com tal debate. Muitos, ao longo dos últimos vinte anos, ganharam minha atenção.  Entre eles, um sempre esteve em destaque: aquele que guarda relação com as mudanças nos currículos da educação básica. Recentemente, e finalmente, entramos na discussão acerca das definições dos currículos básicos de cada área do saber, assim como das grades curriculares que viabilizem, na prática, tais definições.

Sobre isso e, em suma, quatro grandes questões envolvem as definições curriculares e  atestam a relevância deste debate. A primeira refere-se à mudança de enfoque de uma educação historicamente amparada no conteúdo das disciplinas para uma educação voltada ao desenvolvimento de competências e habilidades. Entre as competências estariam a capacidade de lidar com linguagens variadas, em reconstruir trajetórias, em apontar problemas, em formular hipóteses e em propor intervenções. Esse conjunto de competências seria a matriz usada em favor da superação de um ensino enciclopédico e proporcionaria maior interação entre áreas diferentes.

Não só porque serviria para variadas disciplinas, das Ciências da Natureza, da Matemática, das Linguagens e das Humanidades, mas, principalmente, porque apontaria que tamanha interdisciplinaridade (para alguns transdisciplinaridade) só seria frutífera se fosse feita por meio da aproximação de métodos, não essencialmente de conteúdos. Como, por exemplo, uma abordagem usada pela Biologia pode ajudar um estudante a organizar hipóteses sobre a História?

Essa era e ainda é uma questão em pauta e serve muitas vezes como estímulo a outras. Por exemplo, a indagação acerca da capacidade de uma ciência, com seus métodos, teorias e linguagens próprias, ser capaz de dar, sozinha, respostas fechadas aos problemas que enfrenta. Essa segunda questão pressupõe que não só é improvável que uma área do saber por si só consiga responder às suas indagações, mas também é indesejável que assim seja. Nesse caso, os problemas seriam complexos demais para serem exclusivos de uma só área do saber. E, portanto, haveria um reconhecimento de que, por mais que aparentemente um problema tenha uma resposta, ele é aberto o suficiente para que outras abordagens, outros métodos e outros saberes tenham que ser engajados para que tenhamos dimensão de quão complexo ele é.

A terceira questão se relaciona, ao mesmo tempo em que justifica, com a segunda, já que há um amplo reconhecimento de que o avanço das tecnologias, a disponibilidade de informações e a velocidade em que elas são divulgadas e acessadas tornam a informação um ativo muito pequeno perto da capacidade de entendimento, interpretação, reconhecimento dos problemas, propostas de diversas soluções e criatividade que os estudantes devem desenvolver. Ou seja, há um reconhecimento de que os problemas são mais abertos e complexos do que uma área isolada do saber é capaz de entender e resolver, e que essa característica foi potencializada pelo avanço das tecnologias de informação nas últimas três décadas.

E a quarta questão, finalmente, seria um efeito positivo das outras três, na medida em que ao valorizar o pensamento, a formulação e levantamento de problemas e as possibilidades variadas de solução, democratizaria o conhecimento, já que não mais hierarquizaria os estudantes pela capacidade que têm em decorar informações. Além disso, traria um novo significado, maior, àquilo que o professor ensina e àquilo que o estudante aprende. A aposta é que esse maior significado resulta em um avanço na aderência dos alunos não ao conteúdo por si só, mas ao desenvolvimento do pensamento crítico.

Por isso, lamento que, nos últimos dias, um dos debates no país tenha sido àquele relativo à liberdade ou não de professores e universidades oferecerem um curso sobre o “Golpe de 2016”. É certo que têm tal liberdade e, por óbvio, essa questão não deveria ser motivo de debate. Contudo, há uma outra questão que, negligenciada, pode ter efeito tão grande ou maior do que as que foram debatidas. A questão que falta nesse debate me remete a uma conversa que tive, meses atrás, com um conhecido, professor como eu. Ele me disse mais ou menos o seguinte: “daqui a quinze anos, quando meu filho chegar da escola me perguntando sobre qual lado fiquei no golpe de 2016, terei orgulho em respondê-lo que estava do lado de Chico Buarque”. Ao que repliquei: “se daqui a quinze anos o seu filho chegar em casa com essa pergunta, troque-o de escola, já que a pergunta que ele deveria fazer é se você acha que foi golpe ou não em 2016”.

Ou seja, ao se manifestarem a partir da definição, logo no título, os professores e universidades que oferecem cursos sobre “o golpe de 2016” estão usando de maneira irreparável a liberdade que têm. Mas, ao mesmo tempo estão contribuindo para uma educação antiquada e conservadora. E isso nos trará muito mais prejuízos do que imaginam.

* Vinicius Müller é historiador, professor no Insper e colaborador do Blog “Estado da Arte” do jornal O Estado de São Paulo

 

 

 


Luiz Carlos Azedo: O enredo esquecido

A Beija-flor, a grande campeã do carnaval, criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado, mas pouco falou da Lava-Jato

O carnaval no Rio de Janeiro teve dois vilões, o prefeito Marcelo Crivela, o que era bola cantada, porque o alcaide da cidade fez tudo o que poderia para agradar aos evangélicos e contrariar os foliões, e o presidente Michel Temer, cuja imagem desgastada pela crise ética e política foi demonizada no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti. Os grandes responsáveis pela situação calamitosa em que o estado se encontra, porém, foram esquecidos pelos carnavalescos. Nem o ex-governador Sérgio Cabral, que está preso em Curitiba, nem a ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do poder pelo impeachment, muito menos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora um “ficha suja” condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, foram objetos de alegorias.

Talvez haja um misto de gratidão e malandragem dos chefões do jogo do bicho, que mandam na Liga das Escolas de Samba (Liesa), a dona dos desfiles da Sapucaí, em relação a isso. Mas a verdade precisa ser dita: a situação em que se encontra o Rio de Janeiro é fruto da lambança feita nos tempos de bonança dos grandes patrocínios de estatais e das “campeãs nacionais” anabolizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou seja, dos anos de gastança generalizada e de muitos desvios de recursos públicos, particularmente da Petrobras e dos grandes eventos e projetos dos governos federal e fluminense. Falou-se de quase tudo nos enredos das escolas de samba, muito pouco dos grandes personagens da Operação Lava-Jato, sejam os políticos, executivos, doleiros e empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras, sejam juízes, procuradores e delegados que há quatro anos vêm protagonizando a maior devassa na roubalheira dos políticos e empresários que mamam nas tetas dos cofres públicos.

Entretanto, os cariocas que glamorizam as malandragens também pagam o preço da violência nas ruas. O outro lado das áreas conflagradas é o medo do morador do asfalto. Nos bairros mais nobres, como Ipanema e Leblon, é um risco sair às ruas com qualquer objeto que possa chamar a atenção dos assaltantes; os turistas, menos precavidos, são vítimas ainda mais fáceis de roubos e furtos. A polícia não dá conta do recado, uma parte está comprometida com o crime organizado; outra não dá conta da escala das ocorrências policiais. Enquanto o “Fora, Temer!” e o “Fora, Crivela!” são entoados nos blocos de rua mais politizados, como se isso fosse solução para tudo, a maioria da população paga o preço do descalabro administrativo e do colapso econômico do estado.

Ouro negro

Com exceção da Beija-flor, a grande campeã do carnaval, que criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado (seu grande patrono é o “banqueiro” de bicho Anísio Abraão), pouco se falou de bandidos e mocinhos da Lava-Jato. Muito menos da Petrobras e do colapso da economia do pré-sal. Há certa hipocrisia em tudo isso. Mas funciona quando se trata de pôr a culpa nos outros. Os cariocas, com perdão da generalização, gostam de falar mal de Brasília e cantar as belezas naturais do Rio de Janeiro, mas precisam também assumir a sua parcela de culpa na situação em que se encontram o estado e o país.

A maioria despejou milhões de votos na reeleição de Lula, após o mensalão, e na eleição e reeleição de Dilma Rousseff, nas quais endossou por duas vezes a presença de Michel Temer como vice da chapa. Sérgio Cabral foi eleito, reeleito e ainda fez o seu sucessor, o atual governador, Luiz Fernando Pezão, que passou o carnaval na cidade onde foi prefeito, Piraí, no interior fluminense. Agora, muitos entram na onda do PT e põem a culpa de tudo no Temer e no Crivela.

O colapso da economia fluminense foi provocado por duas exigências que interromperam o fluxo de investimentos no estado: os 51% de componentes nacionais, para adensar a cadeia produtiva nacional; e a obrigatoriedade de participação da Petrobras na exploração de todos os poços de petróleo, o que provocou a interrupção dos leilões, porque a estatal não tinha mais recursos para bancar sua participação nos investimentos. A mudança do regime de concessão para o regime de partilha, com essas exigências, foi um desastre anunciado. Houve ainda a corrupção monstruosa, que provocou enormes prejuízos à empresa, para financiar e perpetuar o projeto de poder e enriquecer seus operadores. E o inchaço da máquina pública, que presta péssimos serviços.

Qual será o futuro do Rio de Janeiro? Em parte dependerá de seu ajuste fiscal, que está sendo feito a fórceps; em parte, da retomada da economia do pré-sal, que se inicia graças a medidas recentemente aprovadas pelo Congresso e que são criticadas como se fossem ações de lesa-pátria. O estado, porém, caminha para eleições nas quais ninguém sabe o que vai acontecer, exceto que, depois da Lava-Jato, nada será como antes.


Luiz Carlos Azedo: A deriva para o centro

O PT fracassou porque o poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à adesão ao programa que havia dado errado no governo Geisel

A crise ética, o impeachment de Dilma Rousseff e a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, levaram a liderança petista a realizar um movimento de “esquerda, volver!”, na esperança de reagrupar forças para tentar sobreviver. Já não se trata de voltar ao poder, com Lula na Presidência, porque esse projeto se inviabilizou.

É sobrevivência mesmo, inclusive para alguns dos que mais se destacam na narrativa do “golpe” e da “fraude”, como a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), e o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que deverão deixar o Senado e disputar uma cadeira na Câmara. A estratégia é transformar Lula numa vítima da “ditadura do Judiciário”, organizar uma suposta “resistência democrática” e, com isso, reagrupar forças políticas e sociais, como o PSol e o MST, que haviam se descolado do projeto petista por seu “transformismo” numa “frente de esquerda” pela democracia entre aspas.

O conceito de “transformismo” foi cunhado por Karl Marx no livro O 18 de Brumário, de Luís Bonaparte, que analisa a crise política que levou à restauração da monarquia na França, no período que vai de 1848 a 1851. No calendário da Revolução Francesa, a data corresponde ao 9 de novembro do calendário gregoriano. Foi escrito nos meses de dezembro de 1851 e março de 1852, originalmente para um semanário político de Nova York, que fracassou com a morte prematura de seu editor, Joseph Weydemier. Os artigos foram publicados pela revista Die Revolution.

Nessa época, o jovem Marx, como nos mostra o filme em cartaz assim intitulado, sobrevivia dos recursos que ganhava como jornalista e escritor. O livro começa com uma frase que se tornou lugar-comum: “Hegel observa, em uma de suas obras, que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Tem tudo a ver com o que está acontecendo com o PT.

Destaca Marx logo no parágrafo seguinte, também famoso: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. De nada adianta, agora, os petistas buscarem “os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens”, sem fazer uma autocrítica dos erros tremendos que cometeram quando estavam no poder.

Aggiornamento
É que a passagem de Lula pelo poder e a de Dilma não representaram um “aggiornamento” político. O termo italiano significa atualização e foi consagrado pelo papa João XXII no Concílio Vaticano II. O “transformismo” é outra coisa: significa uma mudança ditada pelo pragmatismo e pelo oportunismo, no qual um determinado partido e sua representação parlamentar se descolam da base social que lhes deu origem e passam a cuidar dos seus próprios interesses. Foi isso o que aconteceu com os partidos na crise francesa que levou à ditadura do sobrinho de Napoleão, dando origem a um outro conceito muito conhecido: “bonapartismo”. De certa forma, até corremos o risco de um governo bonapartista após as eleições de 2018.

Não é preciso chover no molhado e tecer detalhes do fracasso petista, mas é importante assinalar que a tentativa de renascer das cinzas com o velho discurso radical, nacional-libertador, é uma farsa política que dará com os burros n’água. A deriva petista para o centro fracassou porque a chegada ao poder levou seus quadros à cooptação patrimonialista e à adesão a um programa que já havia dado errado no governo Geisel, durante o regime militar. Não foi um aggiornamento verdadeiro, no qual o maior partido de esquerda do país, surgido da transição à democracia, houvesse se atualizado programaticamente. Isso tem um preço, simples assim.

E o que aconteceu com a esquerda moderada, socialdemocrata, que confrontou o PT e apostou no impeachment de Dilma? Está diante do mesmo problema, precisa se atualizar programaticamente, com autocrítica e revisão teórica, e não apenas aderir a teses ultraliberais por pragmatismo político. Esse é outro tipo de “transformismo” que contribui para a fragmentação das forças de centro do espectro político porque não há uma real convergência com os liberais em termos de construção de um novo projeto democrático para o país. A ultrapassagem da crise de financiamento do Estado brasileiro e a construção de um novo consenso nacional pressupõe um programa exequível de governo, em sintonia com a sociedade, e não com as forças que ainda se locupletam do velho patrimonialismo.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-deriva-para-o-centro/


Luiz Carlos Azedo: O mal-estar eleitoral

O ambiente “líquido” da disputa eleitoral fragmenta ainda mais os interesses da maioria e nenhum nome se apresenta como alternativa à radicalização

Um dos grandes fatores de incerteza na conjuntura política é a ausência de um projeto de país no debate eleitoral que se inicia. Outro, o fato de que o Estado brasileiro está em crise, com o fracasso das políticas públicas e uma crise de financiamento cuja conta está sendo toda pendurada no sistema de Previdência.

Ao mesmo tempo em que os políticos e seus partidos não oferecem uma alternativa convincente e motivadora para a situação, a Operação Lava-Jato revelou para a sociedade que o financiamento da política — e o enriquecimento pessoal de seus principais operadores — era feito por meio do desvio ilegal de recursos, que deveriam ter ido para escolas, hospitais, estradas, metrôs, etc.

É impossível evitar o enorme mal-estar instalado na sociedade, com o agravante de que isso está sendo potencializado por outros fenômenos que não são uma exclusividade brasileira. No mundo inteiro, o Estado perdeu sua referência. O que era moderno e sólido, organizado, produtor de justiça e provedor da qualidade de vida das pessoas está se desmanchando no ar. Como assinalou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar), o Estado na pós-modernidade perdeu o poder para o mercado livre, perdeu o propósito de sua existência. Quanto maior, mais atrapalha. O Estado tornou-se uma empresa ineficiente.

Bauman utiliza a metáfora da liquidez para caracterizar a sociedade contemporânea. A crise das ideologias da modernidade — que tinham começo, meio e fim e uma base social estruturada na sociedade industrial — resultou numa cultura fluida, líquida, gasosa, pautada pelas incertezas e pela volatilidade. Tudo parece errado e em movimento. O que seria mais civilizado se revelou uma sociedade mais cruel e embrutecida, mais desigual e injusta. No Brasil, essa sensação de fracasso da sociedade contemporânea por não alcançar a felicidade, fruto da pós-modernidade, é ainda maior por causa da exclusão e da violência, sem falar na corrupção dos políticos. Sem as velhas utopias que fracassaram e com a fragmentação das ideologias, a política se tornou um objetivo em si mesma e um balcão de negócios, perdeu o projeto de Nação.

Cenários

É nesse ambiente que entramos no ano eleitoral. Os discursos são, no mínimo, regressivos. Uma espécie de pare o mundo, vamos dar marcha à-ré. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, se apresenta como vítima de uma grande injustiça, como se nada tivesse a ver com toda a roubalheira que houve durante seus dois mandatos e o colapso econômico do país no governo Dilma Rousseff, cuja eleição foi sua maior proeza. Quer passar uma borracha no que aconteceu entre 2011 e 2016 e retomar o fio da história lá atrás. Vamos supor que isso fosse possível. Se Lula voltar ao poder para fazer o que vem dizendo, o desastre será ainda maior. Basta olhar para a Venezuela e outros países da América Latina.

Outro player do debate eleitoral é o deputado Jair Bolsonaro (PSL). Depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, acredita que pode falar qualquer bobagem e nada abalará o seu prestígio. As bandeiras conservadoras e retrógradas são agarradas com as duas mãos pelo parlamentar, que faz uma defesa incondicional do golpe militar de 1964 e dos 20 anos de regime autoritário que o país atravessou. Agora flerta com ideias liberais na economia por mera conveniência; sua cabeça é nacionalista e estatizante, como a do ex-presidente Ernesto Geisel, com a diferença que não tem a mesma cultura e experiência administrativa do general que restabeleceu a hierarquia nas Forças Armadas e promoveu a abertura política. Com Bolsonaro no poder e um Congresso que lhe seja hostil, o risco de golpe militar entra em qualquer cenário pós-eleitoral.

Pode-se dizer que o país que queremos comporta essas duas alternativas? As pesquisas mostram que não. A maioria da sociedade ainda defende valores essenciais para a democracia, entre os quais a busca de consensos e a construção de soluções positivas, o respeito à diversidade, à igualdade de oportunidades e à inclusão. Entretanto, o ambiente “líquido” da disputa eleitoral fragmenta ainda mais os interesses da maioria e nenhum nome se apresenta como alternativa ao centro, nem mesmo aqueles que deveriam polarizar o debate eleitoral, como Marina Silva (Rede) e o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).

Que país queremos? Quem responder a esse questionamento certamente terá possibilidade de disputar pra valer a Presidência. Sabemos, porém, que as referências dos brasileiros não são os países da América Latina, África ou Ásia; são a Europa e os Estados Unidos. Sabemos também que é preciso fazer um novo pacto entre o Estado e a sociedade e pensar um modelo de desenvolvimento mais sustentável, que aproveite nossos recursos naturais de forma não-predatória e aposte fortemente no conhecimento para que nos tornemos um país melhor para dentro e para fora dos locais de trabalho e de moradia.


Roberto Freire: A desfaçatez criminosa do PT

O roubo aos cofres públicos praticado pelos petistas e seus aliados é gravíssimo e indignou a sociedade brasileira, mas a audácia e o descaramento de se colocarem como vítimas é algo tão ou ainda mais revoltante

- Blog do Noblat

Como se não bastassem todo o desmantelo moral e a corrupção desenfreada que marcaram os governos de Lula e Dilma Rousseff, o lulopetismo tem como algumas de suas principais características a desfaçatez e o cinismo utilizados para a construção de narrativas falaciosas que distorcem a realidade e pretendem confundir a opinião pública. Isso se deu mais uma vez a partir do momento em que a Petrobras – vítima da roubalheira perpetrada nos 13 anos em que o PT governou o país – anunciou um acordo judicial com acionistas norte-americanos que investiram na empresa brasileira e tiveram perdas milionárias decorrentes do petrolão, o maior esquema de corrupção já praticado no Brasil e, talvez, no mundo.

O acordo foi feito justamente para que se encerrasse a ação coletiva movida pelos investidores americanos lesados pela patifaria petista. Ao todo, a estatal pagará US$ 2,95 bilhões (o equivalente a quase R$ 10 bilhões) em três parcelas, que terão início após a aprovação preliminar do juízo da Corte Federal de Nova York, onde tramita o processo. É evidente que se trata de um montante significativo, mas o acordo talvez possa ser até benéfico para a Petrobras diante da possibilidade de que um júri popular nos Estados Unidos arbitrasse uma soma ainda maior como indenização. Nesse caso, o prejuízo aos cofres da empresa, que já foi tão vilipendiada pela quadrilha que a assaltou nos últimos anos, certamente seria ainda maior.

O mais estupefaciente é a reação indecorosa e cínica de alguns próceres do lulopetismo, como a presidente nacional do PT e o líder do partido na Câmara dos Deputados, que vieram a público para atacar o acordo firmado pela Petrobras nos EUA e acusaram a Operação Lava Jato, vejam só, de praticar “o maior assalto da história da humanidade”. Seria cômico se não fosse trágico. Foi durante os governos petistas que a nossa maior empresa sofreu nas mãos de criminosos que a saquearam para atender aos objetivos políticos do PT e partidos aliados. Sob o comando de Pedro Parente, atual presidente da empresa, a Petrobras iniciou um caminho virtuoso de recuperação econômica, moral e da credibilidade perdida. Justamente aqueles que foram responsáveis por tamanho desmantelo agora vituperam contra as medidas necessárias levadas a cabo pela administração da estatal no sentido de superar o desastre provocado nos tempos de Lula.

O assalto ao patrimônio público e a série de escândalos de corrupção que permearam, sobretudo, os governos de Lula e prosseguiram sob Dilma indicam o grau de promiscuidade e a complexidade da cadeia criminosa enredada pelo PT em nome de um projeto de perpetuação no poder. As negociatas que envolveram inúmeros financiamentos suspeitos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), por exemplo, chegaram a vários outros países, especialmente da América Latina, expandindo os tentáculos do esquema delituoso para além de nossas fronteiras. Basta acompanharmos o que tem acontecido em alguns países da região, com ex-presidentes presos e tantos outros processados e acusados de atos de corrupção. A delicada e constrangedora situação criminal de Lula, condenado em primeira instância a 9 anos e 6 meses de prisão, não é um fato isolado.

Também não podemos nos esquecer de casos como a famigerada compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), em 2006, o que levou ao recente bloqueio dos bens de Dilma Rousseff determinado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). À época, a então presidente fazia parte do Conselho de Administração da Petrobras, que aprovou a aquisição da unidade – houve um prejuízo aos cofres da estatal de mais de US$ 580 milhões. O TCU também bloqueou os bens do ex-ministro Antonio Palocci (hoje preso) e de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal. Além disso, em dezembro do ano passado, a força-tarefa da Lava Jato denunciou uma dezena de pessoas, entre políticos e ex-funcionários da empresa, por corrupção e lavagem de dinheiro nesse episódio de triste memória.

Diante de tanta corrupção e das mais variadas e abrangentes denúncias e investigações em curso, é inconcebível que os áulicos do lulopetismo e defensores dos governos de Lula e Dilma tenham a coragem de se manifestar contra o necessário acordo da Petrobras com os investidores americanos. O roubo aos cofres públicos praticado pelos petistas e seus aliados é gravíssimo e indignou a sociedade brasileira, mas a audácia e o descaramento de se colocarem como vítimas é algo tão ou ainda mais revoltante. Que fiquem bem longe e não voltem a pôr as mãos na Petrobras. O Brasil não suporta mais tamanha imoralidade.


Míriam Leitão: Urgência da hora

A história fiscal do país foi quebrada em 2014 com a entrada na era dos déficits altos e crescentes. A série do Banco Central, iniciada em 1991, mostra que no período Dilma-Temer o país entrou numa anomalia tão grande que exige o uso de armas mais poderosas do que os pequenos pacotes de ajuste. Houve uma mudança na natureza da crise, é preciso muito mais ousadia para enfrentá-la.

Durante os 23 anos que vão de 1991 a 2013 o país teve superávit primário em 22 deles e um pequeno déficit de 0,25% do PIB em 1997. Nessa longa temporada de mais de duas décadas, o país incorporou na contabilidade parte da dívida que estava fora das estatísticas e assumiu os chamados esqueletos. Por isso a dívida aumentou inicialmente. Os superávits permitiram que ela ficasse estável e, depois, caísse. Nos últimos anos, entrou numa escalada que atingiu níveis perigosos. Este é o quinto ano de déficit. Estão projetados resultados negativos para os próximos dois. Serão, então, sete anos de vermelho nas contas. O gráfico abaixo ilustra a mudança radical que houve. Descontrole desse tamanho só aparece nas contas dos países atingidos pelas crises bancárias de 2008, como Espanha, Grécia, Islândia, Irlanda, Portugal. Aqui não houve crise bancária, apenas uma calamitosa administração econômica nos anos Dilma, cujos erros o atual governo não conseguiu reverter e, às vezes, repete.

O ano de 2019 é o ponto que não se pode ultrapassar. Há uma barreira no caminho chamada “regra de ouro”. Ela foi pensada exatamente para ser parada obrigatória. Suspendê-la no momento da crise é um erro. Mesmo que o governo queira cercar a decisão com outras propostas. O fato de haver essa pedra no caminho serve para mostrar que o país tem que olhar mais profundamente o que fazer para superar a crise fiscal.

Medidas como contingenciar, cortar investimentos, limitar as viagens, aumentar IOF, elevar a alíquota de alguns produtos, mudar a época da cobrança de impostos, tudo já se esgotou. Foram úteis quando o que se precisava era menor. Agora é preciso uma proposta ampla para reformular completamente o gasto público. Por isso, o governo, em vez de propor a quebra de uma regra disciplinadora, tem que fazer a coisa certa e propor uma radical mudança no Orçamento e na estrutura dos gastos públicos.

Um país que precisa de um ajuste de 2% do PIB, entre R$ 180 bilhões a R$ 200 bilhões, não pode dar 4% do PIB para empresários. O Banco Mundial recentemente mostrou que as transferências para o capital saíram de 3% para 4,5% de 2003 a 2015. O dinheiro vai para empresas na Zona Franca de Manaus, para a indústria automobilística, para setores que foram desonerados, para empresas que entraram na lista ampliada do Simples. Alguns subsídios mais absurdos, como o PSI, foram cortados, mas os que permanecem são gigantes.

A reforma da Previdência é indispensável. Mas a proposta foi sendo modificada para ser aceita pelos mais diversos lobbies, principalmente de setores do funcionalismo. O governo capitulou logo no início diante da pressão dos militares. A Previdência brasileira como está não se aguenta em pé. As despesas com o pagamento de pensões e aposentadorias cresce a cada ano de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões. Isso é equivalente a tudo o que o governo investiu no ano passado.

Um país cujo governo só tem como mexer em 8% do Orçamento precisa ter a ousadia de mudar leis, alterar a Constituição e mudar radicalmente a forma de distribuir o dinheiro coletivo. Essa não é uma crise fiscal a mais. É a maior.

 


O Estado de S. Paulo: Lula fala em referendo contra ações de Temer

Ao lado de Dilma, em Ipatinga (MG), ex-presidente Lula participa da segunda etapa da caravana que vem fazendo pelo País

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou nesta segunda-feira, 23, em Ipatinga, em Minas, a segunda etapa da caravana que vem fazendo pelo País reafirmando que, se eleito, vai fazer um “referendo revogatório” para extinguir medidas tomadas pelo governo Michel Temer e pedindo para que a população não vote “nesse bando de picaretas” que cassou Dilma Rousseff.

A presidente cassada participou do primeiro dia da caravana pelo Estado. Um palanque foi armado na Praça Três Poderes, no centro da cidade, para a realização de um ato de apoio a Lula, acompanhado por centenas de pessoas. O governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), e o presidente da Assembleia, Adalclever Lopes (PMDB), também participaram do evento.

Lula disse que está se preparando para as eleições e que é melhor “eles” também se prepararem. “O Lulinha paz e amor voltou. Talvez nem tanta paz nem tanto amor”, afirmou. “Eles não sabem o que é um pernambucano com a energia dos mineiros”, disse. O ex-presidente afirmou também que estão fazendo uma “desgraceira” com o País e que por isso resolveu ser candidato novamente.

A caravana passará por 14 cidades – a maioria nos Vales do Mucuri e do Jequitinhonha. A caravana termina no dia 30, com ato em Belo Horizonte. Na primeira etapa da caravana, Lula esteve, em agosto, no Nordeste do País.

O Estado de São Paulo


Marco Aurélio Nogueira: A carta de Palocci

Palocci foi um deles, um dos grandes e poderosos generais que reinaram nos anos de ouro do petismo no poder. Aos poucos, pelo que se pode especular, perdeu as ilusões, foi preso e resolveu parar de se sacrificar por uma causa que esmaeceu e perdeu sentido

Será difícil, daqui há muitos anos, quando a história dos nossos dias for escarafunchada e contada de forma adequada, rigorosa, que o dia 26 de setembro de 2017 não seja validado como ponto de referência.

Foi nessa data que o ex-ministro Antonio Palocci se desfiliou do PT e enviou, à presidente do partido, uma carta-exocet, um míssil que fez tremer mesas, paredes, tribunas, conversas de bar e cálculos racionais. Não tinha havido, até então, algo tão contundente e vigoroso, tão desbragadamente disposto a expor o mar de lama que invadiu o campo petista e particularmente a biografia de Lula. A carta também constrangimento e embaraços para a ex-presidente Dilma Roussseff.

Já foram ditas muitas coisas contra Lula e o PT. Parte delas vieram pelos antipetistas de carteirinha, sempre dispostos a fazer tempestades em copo d’água quando se trata de desancar a esquerda, a inventar alguns fatos e a exagerar outros para prejudicar Lula e o PT. Em vez de travar a boa luta de ideias, essa ala militante segue a trilha da denúncia, pouco importando se se vale, em alguns momentos, de condutas bem próximas do fascismo.

Mas também há coisas que já foram ditas sobre Lula e o PT que aos poucos têm sido comprovadas, principalmente pela lógica das narrativas mais do que por “provas materiais”. Nenhum brasileiro razoavelmente informado ignora do que se trata: em poucas palavras, uso do Estado e do poder político para finalidades escusas, regra geral associadas a dinheiro. Houve um pouco de tudo nesse universo. Favorecimento de empresas e pessoas, financiamento eleitoral, protecionismo familiar, enriquecimento pessoal, articulações políticas perniciosas que beneficiaram um mundão de gente, desperdício de recursos públicos. Pode-se dizer que tais práticas são usuais na vida nacional, que “todos” delas se valeram, que o montante elevado ligados aos fatos recentes (bilhões de reais) deve-se tão somente a uma espécie de evolução natural da força do dinheiro, do custo das operações. Mas não há como simplesmente ignorá-las, dizer que não existem.

É um exagero dizer que nos anos do PT no poder montou-se a “mais formidável organização criminosa” da história brasileira. Não há como demonstrar isso. Mas há como dizer que nunca a corrupção ocupou posição tão central na política e na vida do Brasil. Também não há como dissociar esse fato de Lula e do PT. Não porque tenham sido eles os campeões da ilicitude, mas simplesmente porque ocuparam o poder, usaram o poder e, com isso, ficaram na berlinda: tornaram-se o adversário que todos queriam derrotar.

É um quadro simples de ser visualizado. Um partido popular chega ao poder depois de trafegar pelas margens do sistema durante anos. Passa a acumular mais poder, impulsionado pela força e pelo talento de sua maior liderança. Faz alianças com o fisiologismo reinante, pois precisa de votos no Congresso e de apoio nas eleições. Precisa de dinheiro para se financiar e alimentar a gigantesca máquina que vai sendo levado a organizar. A cada eleição, o preço sobe. O partido vai assim deslocando para fora de si a elaboração teórica e programática, acabando por ter de se sustentar cada vez mais por acordos e contatos espúrios, que corroem sua identidade de esquerda e minam sua legitimidade reformadora. Quanto mais cresce, mais passa a depender desses arranjos. Lula vai ao limite. Não tem com quem dividir as múltiplas tarefas. Cerca-se de assessores e auxiliares. Com o tempo, a cúpula do partido já não mais tem autonomia, não responde às bases, e vai vendo, um a um, seus capitães serem denunciados e presos.

Palocci foi um deles, um dos grandes e poderosos generais que reinaram nos anos de ouro do petismo no poder. Aos poucos, pelo que se pode especular, perdeu as ilusões, foi preso e resolveu parar de se sacrificar por uma causa que esmaeceu e perdeu sentido. O silêncio não mais lhe interessava. Negociou uma delação para tentar reduzir a pena. Nisso, foi lançado contra o muro de explicações e justificativas do PT, trombando também com a cultura petista e de parte importante da esquerda, passando a ser tratado como traidor, mentiroso, um reles inventor de histórias preocupado exclusivamente em salvar a própria pele.

Podemos achar o que quisermos do gesto e da trajetória recente de Antonio Palocci. Podemos chamá-lo de fraco, oportunista e traidor. Mas não temos o direito de achar que ele simplesmente mente e inventa coisas. Ao fazer o que está fazendo, também sofre, se quisermos olhar as coisas por esse ângulo. Ninguém passa em revista a própria biografia e se expõe sem experimentar alguma dor. Talvez seja esse o preço que se paga para expiar os próprios demônios.

O que Palocci relata tem sido repetido em vários outros depoimentos, vem sendo rastreado por investigações, faz sentido. A lógica narrativa precisa ser considerada com atenção, pois é com base nela que poderemos entender a lógica da corrupção que nos assola.

Particularmente a esquerda deveria aprender algo com a carta de Palocci. Ela funciona como uma espécie de Relatório Kruschev sobre o culto à personalidade no interior do PCUS, documento que criou um antes e um depois no universo dos partidos comunistas do mundo inteiro, na metade dos anos 1950. Muitos comunistas daqueles anos não acreditaram, passaram mal ao lê-la, acharam que nada mais era que a mão do imperialismo em ação. Quando as fichas caíram e a verdade veio à tona, o alvoroço foi completo. Serviu para que alguns partidos buscassem passar as coisas a limpo e caminhassem para a autorrenovação, mas também foi tratada com indiferença por outros, que continuaram na mesma toada até baterem de frente com o Muro de Berlim em 1989.

Hic rhodus hic salta! É a hora da verdade para o PT, hora de mostrar que pretende escapar do abismo e ter futuro. Recuperar o tempo perdido é o único modo de recuperar a imagem que se deixou abalar com o passar dos anos.


Arnaldo Jordy: A Pátria em crise

A passagem do dia 7 de setembro este ano foi marcada pelo grave momento de crise econômica e política vivida pelo Brasil. O país precisa urgentemente resgatar o sentimento de soberania duramente conquistada com o sangue derramado de milhões de brasileiros que lutaram pela Independência. No Pará, os cabanos se levantaram contra o opressor na defesa de um Brasil para os brasileiros. Hoje, a luta pela dignidade continua no urgente combate à corrupção, essa chaga que envergonha a maioria dos brasileiros, e pela construção de um projeto de país mais justo, desenvolvido, soberano e sustentável.

Felizmente, os fatos conspiraram para que um bandido que já deveria estar preso, Joesley Batista, entregasse inadvertidamente à Justiça as provas de sua própria corrupção para tentar manipular o Judiciário a seu favor, cooptando também um procurador federal, Marcelo Miller, e oferecendo provas importantes e válidas, sim, mas em troca de implodir o Supremo Tribunal Federal e a própria Lava Jato, tudo para escapar incólume de graves acusações e ainda, como ele mesmo disse, “fechar o caixão” da política brasileira, jogando a todos na vala comum da corrupção, enquanto ele se radicaria em outro país com suas empresas abastecidas com dinheiro público, certamente rindo da cara de todos nós.

Seu intento de botar os três poderes da República no chão, entretanto, não vingou, ainda que estejam sob graves suspeitas, como disse a presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia. Felizmente, ficou claro que o que houve foram insinuações e tentativas de chegar ao procurador-geral via Marcelo Miller, e aos ministros do Supremo via o advogado e ex-ministro José Eduardo Cardozo. Mas nenhuma acusação grave pesa contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem contra qualquer ministro do Supremo. Joesley Batista, ao contrário do que pretendia, deverá perder os benefícios da delação premiada que fez e provavelmente pagará na cadeia pelos seus crimes, que começaram pelo uso do dinheiro público, via BNDES, nos governos petistas. Rodrigo Janot, aliás, com equilíbrio e firmeza mandou investigar a participação do ex-procurador federal Marcelo Miller no acordo fechado com Joesley Batista, medida indispensável para preservar o bom andamento da Lava Jato.

Na semana passada, a Procuradoria Geral da República fez a denúncia de todos os envolvidos do PP no Petrolão. Esta semana, foi a vez do chamado “quadrilhão” do PT, também envolvidos em desvios bilionários das Petrobras. Os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff estão entre os denunciados pela PGR. Ambos são suspeitos de participar de organização criminosa que recebeu R$ 1,485 bilhão em propina para políticos do PT. Lula é apontado por Janot como líder e “grande idealizador” da organização criminosa. Somente Lula teria recebido R$ 230,8 milhões de propina entre 2004 e 2012 da Odebrecht, OAS e Schahin, com recursos desviados de contratos firmados com a Petrobras.

A situação de Lula e Dilma se agrava ainda mais com as denúncias feitas pelo ex-ministro Antônio Palocci, que deu depoimento contundente, detalhado e preciso à Lava Jato. Palocci foi um dos cinco quadros de maior peso nas estruturas de poder dos governos petistas, juntamente com Lula, Dilma, o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro João Vaccari. Não se trata, portanto, de um depoimento qualquer.

Assim como o PT não deve escapar ileso dos graves atos que cometeu durante seus 13 anos de governo, outros grandes partidos, PMDB, PP e figuras do PSDB, também devem responder pelos crimes que escandalizam a nação, como a cobrança direta de propina em dinheiro vivo entregue em malas. Os mais de R$ 51 milhões encontrados em um apartamento utilizado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima e os pagamentos feitos por Joesley Batista ao ex-deputado Rocha Loures e ao primo do senador Aécio Neves são provas de que de que ainda há muito para ser investigado. Geddel, segundo o áudio gravado por Joesley Batista com Temer, era seu homem de confiança, assim como da confiança do ex-deputado Eduardo Cunha. É difícil de acreditar que os R$ 51 milhões encontrados no apartamento eram apenas dele.

O que cabe agora é cobrar para que os criminosos e denunciados não tirem partido das tentativas de desmoralizar a Lava Jato para escapar incólumes. Afinal, é o que está ajudando a passar o Brasil a limpo. Essa deve ser a cobrança da sociedade brasileira em defesa da Pátria, que precisa da continuidade da operação.

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA e líder do partido na Câmara dos Deputados

 


Luiz Carlos Azedo: Dispersão de forças

A natureza da próxima eleição presidencial pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014

Há um ano a ex-presidente Dilma Rousseff subia ao cadafalso do Senado, que aprovou o seu impeachment em 31 de agosto, após a longa agonia iniciada em 2 de dezembro de 2015. Tudo começou pelas mãos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que foi cassado pelos colegas e condenado à prisão pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, titular da Operação Lava-Jato. Dilma era passageira do fracasso do projeto nacional populista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; hoje, é um espectro que ronda as caravanas petistas na pré-campanha de seu padrinho político pelos grotões do país.

Os números do desgoverno Dilma não devem ser esquecidos: queda de 16% do PIB per capita entre 2013 e 2016, isso é, de R$ 30,5 mil para R$ 25,7 mil por ano. Aumento do desemprego de 6,4% para 11,2%, com a demissão de 12 milhões de trabalhadores. A pior recessão da história: chegou a 6%. Para se ter uma ideia do que isso significava, a grande recessão de 1929-1933 foi de 5,3%; a de 1980 a 1983, 6,3%; e a de 1989 a1992, 3,4%. O deficit fiscal subiu de R$ 145 bilhões para R$ 200 bilhões. A dívida pública chegou a 70% do PIB ao fim do ano. Esse cenário foi revertido pelo impeachment.

Dilma foi julgada por causa das “pedaladas fiscais”. Mas já estava bastante enrolada nas investigações sobre o caixa dois de suas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. De acordo com a Constituição, não podia, porém, ser investigada por fatos anteriores ao exercício do mandato. O julgamento de Dilma Rousseff no Senado foi um grande mise-en-scène petista para construir a narrativa do “golpe de estado” e dele sair como vítima, sem assumir a responsabilidade principal pela crise econômica, política e ética da qual o país agora tenta emergir.

A passagem do PT pelo poder foi um assalto ao Estado. Em dois sentidos: primeiro, o aparelhamento do governo por meio da ocupação de milhares de cargos comissionados, tanto na administração direta, como na indireta, inclusive estatais, de forma fisiológica e clientelística; segundo, o sistemático desvio de recursos públicos para financiamento eleitoral e formação de patrimônio pessoal, via superfaturamento de obras e serviços. Mas o PT não assaltou o poder sozinho, parte das forças que hoje estão no governo Temer, a começar pelo PMDB, participou de tudo isso. E não dá para ignorar que setores da antiga oposição também se atolaram na lama da crise ética.

O resultado é um tremendo desgaste das instituições políticas, dos partidos e dos seus líderes. O presidente Michel Temer, ao assumir, herdou o estrago do governo de Dilma, do qual fizera parte, e seu índice de aprovação é baixíssimo. O desprestígio do Congresso dispensa comentários. Pesquisa recente do instituto Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas mostra a decepção com os principais líderes políticos do país. Os níveis de rejeição são um verdadeiro strike na elite política: Michel Temer (93%), Aécio Neves (91%), Eduardo Cunha (91%), Renan Calheiros (84%), José Serra (82%), Fernando Henrique Cardoso (79%), Dilma Rousseff (79%), Geraldo Alckmin (73%), Rodrigo Maia (72%), Lula (66%), Marina Silva (65%), Ciro Gomes (63%), Henrique Meirelles (62%), Marcelo Crivella (60%), Jair Bolsonaro (56%), Paulo Skaf (55%), Tasso Jereissati (55%), Nelson Jobim (54%), João Doria (52%) e Luciano Huck (42%).

Onde está o centro?

Quem mira as eleições de 2018 vê o potencial dos possíveis candidatos com sinal trocado na mesma pesquisa. Huck tem 44% de aprovação; Lula, 32%; Marina, 24%; Jair Bolsonaro, 21%; Doria, 19%; Dilma, 18%; Renan, 15%; Alckmin, 14%, Ciro Gomes, 11%; FHC, 10%, para ficar nos dois dígitos. Vejam bem: não se trata de uma pesquisa eleitoral; é uma pesquisa de imagem dessas personalidades, algumas das quais são pré-candidatas assumidas; outras nem cogitam disputar as eleições.

Como as pré-campanhas mais agressivas são de Lula e Bolsonaro, quando são feitas as pesquisas eleitorais, ambos aparecem como protagonistas de uma radicalizada polarização direita versus esquerda. Considerando-se, porém, os índices de rejeição, pode ser que essa probabilidade não seja tão grande assim. Ao olharmos com atenção a pesquisa Ipsos, veremos que a possibilidade do surgimento de alternativas de centro-direita (Huck, 44%; Doria, 19%) e centro-esquerda (Marina, 24%; Alckmin, 14%) realmente existe. Mas qual é a dificuldade para isso? É a rejeição aos partidos e políticos que aí estão.

O grande problema da construção de uma candidatura do “centro democrático” tem a ver com isso. E com a natureza da próxima eleição, que pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014, quando as estruturas de poder tiveram um peso decisivo na construção das alianças e no desfecho do resultado das urnas. As eleições municipais passadas, principalmente nas principais cidades do país, revelaram enorme descolamento da sociedade em relação à política tradicional. A eleição de domingo no Amazonas revelou índices astronômicos de abstenção. Pode ser que essas tendências persistam até o próximo ano. Uma candidatura ao centro também pode surgir a partir da sociedade e não das estruturas de poder, como sempre acontece. Huck e Marina, muito mais do que Doria e Alckmin, estão sinalizando isso.