Dilma Rousseff

Alberto Aggio*: O pós-PT e o retorno da política

A conjuntura política do País segue normalmente seu curso, sem contramarchas, desde a admissão do processo de impeachment pelo Congresso, o afastamento de Dilma Rousseff e a assunção de Michel Temer ao comando interino do governo da República. Malgrado temores de uns e desejos de outros, não há recuo no sentido que se impôs ao processo. Apesar das críticas e das indefinições iniciais do governo interino, das ocupações de prédios públicos e das manifestações de rua, nenhum abalo expressivo foi produzido. Aguardam-se para agosto os lances finais do processo de impeachment e poucos são os que creem na volta da presidente afastada. Crescem a aprovação do governo interino e a esperança na recuperação econômica, enquanto é visível o isolamento político de Dilma e do PT.

As avaliações do cenário político feitas pelos intelectuais petistas, salvo raras exceções, reiteram ad nauseam o paradigma do “golpe de novo tipo” (Opinião, 8/6). Algumas delas, sem nenhuma razoabilidade, beiram a alucinação. A favor do novo governo também houve manifestações destoantes de impaciência, desconsiderando as condicionantes da governabilidade nesta fase de interinidade.

Mesmo premido por uma herança dramática, Temer tomou iniciativas administrativas importantes. As medidas econômicas de restrição de gastos, de difícil implementação, ainda dependem de aprovação do Congresso. Elas compõem um ajuste fiscal de perfil estrutural, necessário e realista para recolocar o País nos eixos. Dilma tem argumentado que tais medidas não foram aprovadas pelas urnas e jamais seriam caso fossem apresentadas. Trata-se de uma crítica vazia e sem sustentação, uma vez que Dilma abandonou seu discurso eleitoral para adotar um ajuste fiscal mitigado, que não se concretizou por tibieza sua e por oposição do seu próprio partido. Traindo a si mesma e ao País, Dilma cometeu um “estelionato eleitoral” que lhe custou a confiança da sociedade. Agora, o País precisa enfrentar a crise sem tergiversações.

As mudanças mais significativas verificaram-se, contudo, no âmbito político. A renúncia de Eduardo Cunha e a eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara dos Deputados são sinais de um “retorno da política” e apontam para uma valorização da representação, para a superação das crispações decorrentes da clivagem “nós versus eles” e para mais autonomia, articulação política e eficiência do Parlamento.

A renúncia de Cunha e suas derrotas subsequentes nas Comissões de Ética e de Constituição e Justiça da Câmara jogam por terra mais uma falácia petista. Afirmava-se que o afastamento de Dilma levaria a um governo Temer/Cunha e aprovar o impeachment era colocar Cunha na Presidência da República, razão por que o ex-presidente da Câmara havia posto em pauta o processo de impeachment, “vingando-se” de Dilma. Mas essa fábula se foi e Cunha, neste mesmo agosto, poderá perder o mandato de deputado.

Os primeiros lances do “retorno da política” exigiram que o PT negociasse seus votos na eleição para presidência da Câmara, mesmo com a condenação de alguns de seus intelectuais e parlamentares, evidenciando mais uma vez sua crise de orientação. O PT ainda não é capaz de admitir que sua decaída, cristalina pelo fracasso de Dilma e pela montanha de casos de corrupção, é a base da imagem negativa que o partido criou para si mesmo, uma consequência que não pode ser enfrentada com escapismos do tipo “o PT é atacado por suas virtudes, e não por seus erros”.

É uma situação dramática para um partido que, longe de ser revolucionário, promoveu um reformismo débil e instrumental com o objetivo de se perpetuar no poder. O PT fracassou porque não conseguiu combinar reformismo social e democracia política de maneira progressista, o que lhe bloqueou a possibilidade de se tornar uma esquerda simultaneamente “transformadora” e “de governo”. A consequência foi a perda da vocação majoritária e a regressão a um discurso de “resistência” a tudo: ao suposto “golpe”, ao governo Temer, ao imperialismo e ao capitalismo.

Somado ao pragmatismo de sempre, o PT vive hoje envolto pela sedução de um regresso a posições remotas da esquerda do século 20, em companhia desajeitada daqueles que creem num “movimentismo” permanente.
No mundo político fora do PT, os resultados da débâcle petista são diferenciados. Um deles foi o ressurgimento de um anticomunismo anacrônico e obtuso, idêntico ao seu objeto de rechaço. O outro foi abrir espaço para o liberalismo voltar a ocupar o centro da cena e, renovado, apostar suas fichas num programa para sair da crise e retomar o crescimento. Na bússola do liberalismo constam a contração do Estado e o estímulo à economia privada, que parecem convencer o conjunto da sociedade.

Embora divididos, os liberais passaram a ser tratados como o núcleo de articulação de uma nova proposta hegemônica. Em nossa História contemporânea, a aliança entre esquerda e liberais operou em defesa das liberdades: foi assim no Estado Novo e na luta contra o regime militar. Não há razão para que ela não seja perenizada e ganhe novos patamares, novos direitos.

Luiz Sérgio Henriques publicou neste espaço artigo sobre a crise do PT e a possibilidade de uma “outra esquerda”, democrática e reformista, fundada nos valores da Constituição de 1988 e no Estado Democrático de Direito. Certamente, ela deverá também buscar uma maneira justa e progressista de combinar reformismo social e democracia política. Assim, além de perenizar a aliança com o liberalismo em defesa das liberdades, na quadra que atravessamos será preciso avaliar os termos de uma nova concertação que possa empreender uma reforma histórica do Estado brasileiro, rompendo privilégios e corporativismos, sem eliminar sua presença reguladora, solidária e em defesa da cidadania. Seria um grande desafio e um belo destino.


*Alberto Aggio é historiador, é professor titular da Unesp

Publicado no Estadão em 31/07/2016


Alberto Aggio: Dilma y el discurso de la victimización golpista de la izquierda

En abril de 1964, después del Golpe de Estado, el presidente João Goulart se exilió en Uruguay y su cuerpo solo retornó a Brasil para ser enterrado, en São Borja, en 1976. Después de su exhumación, fue sepultado, pasados 37 años desde la primera inhumación, con honras de Jefe de Estado. En septiembre de 1973, Salvador Allende fue retirado muerto del Palacio de La Moneda, después de un intenso bombardeo. Una circunstancia dramática llevó a Allende al martirio en nombre de una causa que defendía.

Era una época de golpes de Estado en América Latina, con su cortejo de violencia y terror. El de 1964, en Brasil, y el de 1973, en Chile, son considerados paradigmáticos. No se agotaron en un cuartelazo y, aunque diferentes entre sí, solaparon la democracia entonces existente para, en seguida, instalar regímenes autoritarios de larga duración.

Lo que ocurre en Brasil con el proceso de revocación todavía en curso de la Presidenta Dilma Rousseff no encuentra parámetro comparativo ni con lo que ocurrió con Goulart y menos todavía con lo que pasó con Allende.

Con la aprobación del Senado del procedimiento constitucional de investigación y juzgamiento de crímenes de responsabilidad de que es acusada, la Presidenta fue notificada y dejó el Palacio de Planalto, con toda seguridad. Acto seguido, discurseó para una platea de adherentes que no fue molestada de ninguna manera. Después se dirigió al Palacio de Alvorada, su residencia oficial, y tiene garantizadas sus prorrogativas de Presidenta de la República.

Tales circunstancias, además de evidenciar una distancia de años luz en relación con el destino impuesto a los dos ex presidentes mencionados, muestran que la Presidenta separada de su cargo continúa actuando políticamente sin constreñimientos y con mucha desenvoltura. El parámetro comparativo entre las situaciones es evidente por sí mismo y contribuye para que el proceso de destitución no deba ser calificado como Golpe de Estado.

Los acontecimientos que marcaron el final de los gobiernos de Goulart y Allende son típicamente los de un Golpe de Estado, en tanto los eventos a los que asistimos en el proceso contra Dilma Roussef no son nada más que una serie de episodios y decisiones ajustadas al funcionamiento de la democracia y de sus instituciones, con sus ritos y su ritmo, todos sancionados por el Supremo Tribunal Federal (STF).

En esas circunstancias, si se consumara la revocación de Dilma, aunque parezca obvio decirlo, no se instalará ningún nuevo régimen político, como ocurrió en los dos casos paradigmáticos mencionados. La democracia sigue su curso, sin tener arañada su legitimidad.

Mientras tanto, la presidente separada, el PT y sus aliados insisten en calificar como un golpe el proceso político, inflamando, con insistencia, las redes sociales y los medios de comunicación en general. Además de contrafactual y de la clara intención victimista, lo que esos actores objetivan es la difusión de una nueva epistemología del golpe, diversa de los casos paradigmáticos y de cualquier otro. Como hoy vivimos otro tiempo histórico, distinto de la guerra fría, cuya centralidad reposaba en la lucha entre capitalismo y comunismo, y como las democracias en América Latina, así y todo con sus problemas, cuentan con una historia razonable de implantación, obteniendo con eso una adhesión generalizada, incluso entre los movimientos y partidos de izquierda, los adherentes de Dilma y del PT perciben que el argumento del golpe, vocalizado en los viejos términos, no se sustenta por la simple evidencia de los hechos, o, más precisamente, por la ausencia de estos.

Aislado y fragilizado, el petismo mantiene el discurso del golpe, mientras busca encontrar una justificativa teórica plausible para sustentarlo, visando a dar a él un carácter propio al nuevo tiempo, De acuerdo con el petismo, puesto en movimiento, ese golpe hiere la democracia, pero no la elimina. Según esa nueva teorización, las condiciones jurídico-políticas de las democracias hoy existentes permitirían que las clases dominantes, apoyadas en los medios de comunicación monopolistas y en las clases medias reaccionarias, urdiesen un golpe de Estado ya no más con tanques y soldados, sino que por medio de acciones comunicacionales, jurídicas y parlamentarias. Todos esos elementos hacen parte de un mismo dispositivo: un golpe de nuevo tipo”.

De este modo, de acuerdo con esa teorización, no estaríamos delante de un golpe violento de tipo convencional, y tampoco de un golpe parlamentario. El golpe de nuevo tipo tiene su fundamento en un sofisma que parte del presupuesto de que ninguna Constitución posee mecanismos de autodefensa contra quien actúe contra ella misma. Pero esta es una formulación equivocada: la supremacía formal que tiene la Constitución además de sus cláusulas pétreas, componen su auto defensa,además del papel activo de los ciudadanos, y no necesitan de una normativa específica. El presupuesto no tiene base jurídica, pero es extremadamente peligroso para el ordenamiento democrático.

El PT, en su evaluación de la coyuntura, después de la separación de Dilma, lamentó no haber seguido el camino venezolano, que impone desde el inicio una Constitución con los debidos “mecanismos de defensa”, y que han permitido al actual presidente Maduro mantenerse en el poder y bloquear cualquier salida a la dramática crisis que vive Venezuela. Es sumamente revelador que el PT lamente haber confiado en el orden democrático fundado en la Carta de 1988, una Constitución “indefensaque permitió que el partido fuera “golpeadopor aquellos que condujeron la revocación.

La tesis de un golpe de nuevo tipo advierte a la izquierda que, incluso adhiriendo a la democracia, no estará inmune al golpe, toda vez que la democracia carece de las condiciones para protegerse de los golpistas. La tesis es reiterativa y tiene sus fundamentos en los pergaminos que dictan que el objetivo de la izquierda sigue siendo instalar un régimen (también) de “nuevo tipo, que sobrepase la democracia vigente. Pero respecto a ese régimen, como recordamos, los presagiosfueron siempre atemorizantes.


Fonte: elmostrador.cl