Dilma Rousseff
João Domingos: Jogo bruto
A reforma política que o Congresso tenta fazer às pressas, e que é apenas um remendo, carrega em si mais do que a falta de acordo entre os partidos para os temas centrais nela trabalhados. O impasse sobre a adoção do financiamento público de campanha, distritão, fim das coligações para as eleições proporcionais e criação da cláusula de barreira embute o medo que deputados e senadores têm da rejeição cada vez maior da sociedade em relação ao comportamento deles.
Essa rejeição, que pode significar a derrota nas próximas eleições, faz com que cada um puxe a corda da reforma para o seu lado. Nessa disputa não há espírito de solidariedade de um com o outro. Pelo contrário. Quem puder empurrar o outro precipício abaixo o fará sem nenhum constrangimento.
Quanto mais o tempo passa, mais o desespero aumenta. Para que as novas regras possam valer para as eleições do ano que vem, as reformas têm de ser aprovadas até o dia 7 de outubro, pois a legislação exige que as mudanças sejam feitas a pelo menos um ano do primeiro turno da eleição.
As dificuldades de todos têm motivado gestos extremados. No momento, os partidos que defendem o distritão fazem pressão para que o PT reveja sua posição contrária ao modelo, aceite a mudança e os ajude a aprovar o sistema pelo qual seriam eleitos os mais votados em cada Estado e no Distrito Federal. O PT tem 58 votos, número suficiente para cobrir os cerca de 40 que faltam para a garantia da aprovação da emenda constitucional que acaba com o sistema proporcional adotado hoje para a eleição de deputados.
E por que o PT? Porque o PT hoje é de todos os partidos o mais dependente da aprovação do financiamento público de campanha.
Se o PT aceitar o distritão, poderá receber em troca a criação do fundo eleitoral que bancará as eleições. Se não aceitar, a alternativa será a volta do financiamento empresarial, o que para os petistas seria a pior de todas, com riscos de inviabilizar o partido nas próximas eleições.
Vejamos. A agenda do País, hoje, é uma agenda do mercado, principalmente do mercado financeiro. O governo Michel Temer, o Congresso, todo mundo trabalha de olho nela. Menos o PT, que depois do impeachment de Dilma Rousseff adotou uma agressiva postura antimercado, o qual acusa de estar por trás da cassação da petista.
Assim, quem é que vai financiar os candidatos do PT? Difícil imaginar que uma empresa o faria nas atuais circunstâncias.
Sem dinheiro para bancar a campanha de seus candidatos a deputado, senador, governador e presidente da República, o PT estaria em grande desvantagem na eleição do ano que vem.
O PT sabe dos perigos que corre. Caso não consiga eleger uma bancada grande, perderá dinheiro do Fundo Partidário a partir de 2019, porque a distribuição é baseada na proporcionalidade dos deputados de cada partido. Em 2017, o repasse do Fundo Partidário para o PT deverá ficar em torno de R$ 80 milhões a R$ 85 milhões.
Os adversários do PT poderão dizer que o aniquilamento do partido é bom, até porque em diversas ocasiões alguns petistas falaram em exterminá-los. Não é. Se o PT cometeu erros, e os cometeu aos montes, seja na relação promíscua com o capital privado e com o dinheiro público, seja na compra do apoio de partidos, os responsáveis pelas ações devem ser processados, julgados e, se for o caso, condenados.
O futuro da legenda deve ser definido pelo eleitor, não por chantagens ou manobras congressuais. Até porque a grande base social que o PT tem não morrerá se o partido morrer. Ela renascerá em outro. Pensar o contrário é pensar em enfraquecer a democracia.
Roberto Freire: Memórias do impeachment e um olhar sobre o futuro
Há um ano, em 31 de agosto de 2016, com 61 votos favoráveis e apenas 20 contrários, o Senado Federal sacramentava o impeachment de Dilma Rousseff e colocava um ponto final no período de mais de 13 anos de desmantelo do lulopetismo, que tanto infelicitou o Brasil.
Quatro meses depois de a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo contra a então presidente da República em decorrência dos crimes de responsabilidade por ela cometidos em uma desastrosa gestão, o que levou ao seu afastamento do cargo e à posse de Michel Temer, o país pôde finalmente virar uma das páginas mais tristes de sua história e seguir adiante.
Desde então, apesar de todos os problemas e percalços pelo caminho, não há dúvidas de que avançamos e o país retornou aos trilhos.
O segundo impeachment da história de nossa República começou a ser construído a partir de um encontro que tive com o jurista Hélio Bicudo e a advogada Janaína Paschoal, em São Paulo, ainda quando a cassação de Dilma era considerada improvável por muitos.
A esses importantes nomes do Direito brasileiro, se somou outro notável jurista, Miguel Reale Júnior, e os três foram os grandes responsáveis por viabilizar o pedido de impedimento da presidente e dar sustentação jurídica à peça, que chegou à Câmara com toda a densidade e o embasamento necessários para prosperar.
Em meio a dezenas de outras representações, aquela era certamente uma das mais robustas, detalhadas e bem formuladas – tecnicamente irrepreensível, tanto que foi a escolhida para tramitar na Casa.
Desde o início do processo, o PPS assumiu um papel de protagonista e talvez tenha sido o primeiro dos partidos que faziam oposição ao governo do PT a se manifestar favoravelmente ao impeachment, enquanto algumas forças políticas ainda titubeavam. Aliás, a queda de Dilma começou a se tornar realidade nas ruas, com as maiores mobilizações populares da história da democracia brasileira, que tomaram o Brasil entre 2015 e 2016.
Apenas em um segundo momento, quando o clamor pelo impeachment se tornou irrefreável, o Congresso Nacional assumiu sua posição institucional e cumpriu o papel de levar a questão adiante, atendendo aos anseios da imensa maioria da população.
Ao fim e ao cabo, é forçoso reconhecer que a troca de um presidente nunca é uma medida simples e, invariavelmente, deixa traumas e causa um enorme desgaste a todos. Este é um dos maiores problemas do presidencialismo.
Quando um governo perde a sustentação política ou mesmo descumpre a lei de tal forma que isso enseje a abertura de um processo de impeachment, como foi o caso, o que se tem é um processo demorado, tortuoso, que praticamente paralisa o país até o seu desfecho.
No parlamentarismo, sistema de governo que entendemos ser o ideal também para o Brasil, quanto mais aguda é a crise, mais radical é a solução – que se dá sem traumas institucionais e de forma muito mais célere.
Um ano depois do impeachment, o governo de transição pode apresentar à sociedade uma série de medidas que levaram o Brasil a um outro patamar, no rumo certo para superar a maior crise econômica de nossa história e o perverso legado deixado pelo lulopetismo, com mais de 14 milhões de desempregados.
Foram aprovadas a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras a participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, a liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a MP que reformula o Ensino Médio, apenas para citar algumas delas.
Para alcançar tamanho êxito, o governo de transição conta com a sustentação das forças políticas responsáveis pelo impeachment e que se mantêm praticamente na totalidade apoiando a agenda das reformas. Inclusive o PPS, mesmo que o partido tenha decidido se afastar do governo desde o momento em que entreguei o cargo de ministro da Cultura – quando do confuso e obscuro episódio envolvendo a delação dos irmãos Wesley e Joesley Batista à Procuradoria-Geral da República –, mas deixando clara a nossa posição favorável à transição e às reformas.
Durante este ano, em uma quadra tumultuada da vida nacional, outro dado que merece ser ressaltado é a inequívoca força das nossas instituições e o avanço do combate à corrupção e às malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.
O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle estão em pleno funcionamento e com total independência para realizar seu trabalho, com acompanhamento cada vez mais assíduo por parte da própria sociedade. Não tenho dúvidas de que sairemos melhores da crise.
Já faz um ano que Dilma, Lula e o PT se tornaram página virada da história e ficaram para trás, embora continuem ensaiando narrativas e discursos vazios como se tivessem condições de retornar ao poder quando bem entendessem.
Apesar das dificuldades, a inflação despencou e hoje é a menor em décadas, a economia dá sinais de recuperação e reformas importantes foram aprovadas ou estão em andamento no Congresso. A responsabilidade pela transição existe e continuará, e ela é a maior segurança de que completaremos a travessia até 2018 e construiremos um país melhor.
Sérgio Besserman Vianna: Esquerda no século XXI
Luta de classes é um dos motores da história. Neste momento ocorre um “curso de pós-graduação” autointitulado Esquerda no Século XXI, com aulas da ex-presidente Dilma Roussef, Guilherme Boulos e outros dessa seara. É o mesmo instante em que nem uma única voz da “suposta” esquerda se posiciona com firmeza na condenação da ditadura descarada ora instalando-se na Venezuela.
Parece-me um bom momento para esclarecer um pouquinho do meu ponto de vista (de esquerda ) sobre o tema. Como o espaço é curto, as frases serão diretas e explícitas. Estaremos sempre abertos e interessados em uma discussão mais profunda.
As duas narrativas da esquerda e da direita do século XX morreram. A primeira, com o fracasso econômico e político do “socialismo real”; a segunda, com a debacle da “autorregulação dos mercados” na Grande Recessão de 2008, que está e continuará conosco por muitos anos.
Sempre houve e sempre haverá uma direita e uma esquerda. Só que ambas devem se reinventar no século XXI. A direita, porque nem a crise ecológica, nem a juventude, nem as tremendas decisões éticas que a humanidade terá de tomar nas próximas décadas (nos dividiremos em mais de uma espécie? Haverá alguma governança global? etc.) suportam mais um sistema que subordina tudo à maximização da acumulação e que confunde liberdade do indivíduo com supremacia absoluta do mercado.
Viva o capital, o empreendedorismo e a economia de mercado. Morte ao capitalismo como sistema que a tudo subordina ou teremos um pesadelo pela frente.
Já a “esquerda” latino-americana, o que lhe falta é coragem intelectual. Não tirou conclusão alguma da queda do Muro de Berlim e da União Soviética. Recusa-se a aceitar que a estatização dos meios de produção, além de ineficiente, é categoricamente antidemocrática. Democracia pressupõe alternância. Como seria? Um estatiza, depois outro privatiza, depois estatiza, depois privatiza?
A luta de classes é um dos motores da história. Mas luta de classes como O motor da história? Vão ler “Sapiens”, do Harari. A classe operária como aquela que, não tendo nada a perder, pode “construir o novo homem?”. Onde ela está?
A esquerda anacrônica é nacionalista e contra a globalização, junto com Trump, Le Pen e a turma do Brexit. Enquanto isso, grande parte do problema é como regular globalmente o expansionismo incontrolável do capital, em um contexto de gigantescas falhas de mercado como as mudanças climáticas.
Combater mundialmente a desigualdade e a dominação do espírito humano pelo fetichismo do crescimento econômico a todo custo é uma agenda necessária e de esquerda no século XXI. A essência da questão é garantir a todos acesso ao conhecimento, direitos humanos fundamentais e liberdade individual.
Repetir mantras de forma rasa e superficial é contrariar o lema do velho barbudo: “Duvidar sempre”. O curso de esquerda do século XXI? Comédia.
*Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro
'Pós em esquerdismo' anuncia Dilma, Stédile e Boulos como professores
Quando foi às redes sociais para anunciar o curso "A Esquerda no Século 21", o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC) fazia ideia que a pós-graduação, em Chapecó (SC), atrairia interessados, mas não tantos a ponto de ter que adiar sua data de início.
Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo
As 510 inscrições —para 50 vagas— recebidas em duas semanas levaram o parlamentar, idealizador da especialização lato sensu, e o instituto que irá oferecê-la a transferirem a primeira aula de 14 de julho para 4 de agosto.
Com professores como a ex-presidente Dilma Rousseff (que foi convidada e tem o nome divulgado nos anúncios, mas ainda não confirmou participação) e o líder nacional do MST, João Pedro Stédile, o curso ganhou logo a alcunha de "pós em esquerdismo", apelido que Uczai rechaça.
Dilma é anunciada, ao lado do ex-governador gaúcho e colega de partido, Olívio Dutra, como titular da matéria "Partidos Políticos e a Esquerda Brasileira". Outras disciplinas tratam, por exemplo, de luta de classes, teoria revolucionária e agenda ambiental.
"O objetivo é parar, sistematizar e compreender as experiências históricas no país e na América Latina", diz o idealizador, que também leciona na pós. "Principalmente agora, com a quebra do processo democrático no Brasil [impeachment]. Vamos refletir criticamente. Não é para puxar saco do PT ou de alguém do nosso governo."
"Tem que fazer autocrítica", diz a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), outra professora. "Política e história não podem ser dogmas. É preciso sempre discutir erros e acertos."
O teólogo Leonardo Boff, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos, e o sociólogo Emir Sader também estão no corpo docente.
'VITIMISMO'
Entre os comentários nas redes sociais, houve a provocação de que algumas das disciplinas seriam "introdução ao vitimismo" e "estocamento de vento" (em alusão a discurso de Dilma sobre o tema).
"A direita tá preocupada com a esquerda? Ou quer ridicularizar?", reage o deputado. "Só a direita pode pensar o futuro do Brasil e do mundo? Aí é ditadura. Na democracia as duas têm que conviver."
O curso terá duração de um ano e será autofinanciado, segundo a organização —custa por pessoa R$ 7.200 (valor que pode ser parcelado em até 24 vezes). Agora, uma seleção vai decidir quem entra.
Serão levados em conta critérios raciais e de gênero, além de indicação de "entidade ligada à classe trabalhadora" e da "atuação em organização social e política".
A remuneração dos professores será de R$ 300 por hora/aula, em média. Alguns, como o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), já falaram em abrir mão do pagamento, segundo Uczai. O dinheiro, diz, será usado na concessão de bolsas.
As aulas serão no Instituto Dom José Gomes, com certificados emitidos pelo Instituto de Filosofia Berthier, credenciado pelo MEC. A Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, e a Universidade Federal da Fronteira Sul são apoiadoras.
Pelo menos uma das aulas de professores que atraem mais público, como Dilma e Wyllys, será feita em auditório com espaço para 1.100 pessoas. "Vai ter preço simbólico, tipo cinco 'pila'. Para ajudar na logística, pôr telão", explica o deputado, que se diverte com o posto de garoto-propaganda: "Sou o Tony Ramos da pós, não da Friboi".
Alon Feuerwerker: Dois pontos na análise política: 1) o bom senso e 2) a possibilidade de ele não resolver o problema
Método bom na observação da política: cogitar também o oposto do que indicam o bom senso e a lógica linear. No mínimo, relativizam-se os impulsos vindos do desejo do analista. A política é teatro, e ser brechtiano ajuda. O saudável distanciamento crítico. É sempre prudente pensar que pode acontecer exatamente o contrário do previsto, ou desejado.
O que diz o senso comum? Que a cada denúncia apresentada será mais penoso aos deputados federais bloquearem o processo no Supremo Tribunal Federal contra o presidente, pois o desgaste deles vai ser cumulativo. Isso faz sentido. Apoiar caninamente o governante de popularidade residual tem tudo para virar um problema na hora de pedir o voto do eleitor.
Mas, e o outro lado? A maioria dos deputados elege-se por um sistema quase distrital. Vale o apoio de prefeitos, vereadores, cabos eleitorais. O eleitor vota num número, sem muitas vezes saber de quem é. Os CNPJs estão proibidos nas campanhas. Candidatos dependem cada vez mais de algum orçamento público. E portanto dependem cada vez mais de algum governo.
Um movimento inteligente do poder é tratar de maneira bem distinta amigos e inimigos. Se dois deputados de certo estado ambicionam o Senado, e se recebem do governo tratamento igual, ou parecido, o risco é perder o apoio de ambos. Mas se a traição tem custo alto acaba funcionando o dilema do prisioneiro. O primeiro a fechar tem vantagem.
Se estar de bem com o Planalto é um ativo, ele fica mais valioso à medida que cresce o desgaste do político. Quanto maior o passivo do deputado por ter votado com o governo numa tese impopular, mais dependente ficará desse mesmo governo para manter uma base eleitoral que reproduza seu mandato e lhe garanta mais quatro anos de vida política ativa.
Não se deduz daí que a base reunida por Temer para barrar a primeira denúncia lhe garanta tranquilidade nas seguintes. Será preciso trabalhar, inclusive porque as forças opostas não ficarão paradas, e o fluxo de fatos novos parece garantido. Mas o sistema de estímulos e incentivos é mais complexo do que indicam o bom senso e a lógica linear.
#FicaaDica
O Planalto está mais próximo de bloquear a primeira denúncia do que a oposição de autorizar o STF a receber. O governo tem uma base firme entre 220 e 250 deputados, bem acima do mínimo para sobreviver, 172. Mas os adversários reúnem hoje força suficiente para manter o assunto pendurado, pois o presidente da Câmara decidiu que só tem sessão com 342 presentes.
O ponto fraco do governo é a capacidade de a oposição prolongar o impasse, e manter portanto um sofrimento político que faça crescer no chamado mercado a dúvida sobre o futuro da ambicionada agenda liberal. E o ponto fraco da oposição é que o governo pode jogar com duas táticas para conseguir derrubar a primeira denúncia em plenário.
Há a maneira light de um deputado ajudar Temer agora. Dando quórum. Poderá depois votar a favor do processo, pois é baixa hoje a probabilidade de a autorização conseguir bater 342. Em todo caso, será fácil medir a correlação de forças: descubra quem está obstruindo e você saberá que o outro lado está com a confiança em alta. Ainda que não votar seja hoje a melhor maneira de todo mundo se proteger.
A ampla frente
A Lava-Jato é uma potência e continua com momentum. Mas está cercada. Mais ou menos como o PT e Lula. São de longe o partido e o candidato com maior apoio e prestígio. Para, entretanto, voltar ao poder, precisam de aliados e estão sem. A frente mais ampla do momento é dos que querem se livrar, ao mesmo tempo, da Lava-Jato agora e de Lula e o PT em 2018.
Esse bloco está no Parlamento, na imprensa, nas redes sociais. Temer é sua expressão cristalizada, e aí reside sua força. Como pode sustentar-se um governo alvejado por seguidas acusações e com simpatia popular de um dígito? Por ele ocupar o centro do tabuleiro. E poder, inclusive, aliar-se taticamente à Lava-Jato contra o PT e ao PT contra a Lava-Jato. É o que acontece.
Falta um detalhe
O governo Dilma Rousseff caiu quando Michel Temer chamou os políticos para finalmente repartir o poder. Rodrigo Maia ainda não começou a fazer isso. Quem aliás faz só isso é Temer. Que assim se protege do próprio Maia. Que depende cada vez mais de sua excelência, o fato novo.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
O Estado de São Paulo: Falastrão e enganador
O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros
A estratégia lulopetista de sobrevivência está focada no quanto pior, melhor, que visa a manter o Brasil paralisado e a crise econômica e social se agravando. É uma lógica irresponsável e socialmente cruel, mas que oferece aos salvadores da Pátria nostálgicos do poder – ou ameaçados pela Justiça – o falacioso argumento de que é necessário lutar para que “os trabalhadores continuem com os seus direitos”, como declarou Lula, na quarta-feira passada, em entrevista a uma rádio da Paraíba. Na entrevista, o ex-presidente até falou em conspiração, mas para levantar a suspeita de que o governo norte-americano esteve por trás do afastamento do PT do governo.
O chefão do PT, que enxerga na sua candidatura à Presidência a melhor maneira de se livrar da cadeia, está como sempre no palanque disposto a fazer pouco da inteligência e do discernimento dos brasileiros. Em franca campanha, sabe que eleições diretas serão realizadas, de acordo com a lei, em outubro do ano que vem. Mas, para manter o discurso populista, continua defendendo “Diretas Já”. Não será de estranhar, portanto, que, quando as urnas se abrirem em outubro de 2018, proclamará tratar-se de conquista sua. E insiste também no “Fora Temer”, para manter coerência com sua própria história: com maior ou menor empenho, esteve por trás do “Fora Sarney”, do “Fora Collor”, do “Fora Itamar” e do “Fora FHC”. Ou seja, mesmo que outros sejam eleitos, só o PT tem legitimidade para governar o País.
A quarta-feira passada foi pródiga em oportunidades para o falastrão, que se proclama “o homem mais honesto do País”, se comportar como se o Brasil não tivesse passado pela experiência de tê-lo, e a sua pupila Dilma Rousseff, na chefia do Executivo. Na entrevista à emissora paraibana, Lula começou atacando o alvo preferencial do revanchismo petista, a quem responsabiliza por todos os males que afligem os brasileiros: “Ninguém quer mais o afastamento do Temer do que nós. Queremos a saída do Temer e eleições diretas porque queremos fazer com que os trabalhadores continuem com seus direitos”. Quer dizer: até a chegada de Lula ao Planalto, os trabalhadores não tinham direitos. A partir de então o Brasil tornou-se um campeão dos direitos civis, um verdadeiro “protagonista internacional”: “Nenhum país conseguiu fazer o que o Brasil fez em 12 anos. Acho que tinha interesse americano que o Brasil não desse certo”. Aí vieram os “golpistas”, derrubaram Dilma e seguiu-se o “governo ilegítimo” de Temer, que conspira contra os direitos dos brasileiros e as eleições diretas.
Embora a estratégia lulopetista de conquista e manutenção do poder tenha sido, desde sempre, a de dividir o País em “nós” contra “eles” – uma reprodução tosca da luta sindical da qual Lula copiou os fundamentos de sua ação política –, o estadista de Garanhuns condenou na entrevista o clima de “ódio e intolerância” que domina a política brasileira, atribuindo a responsabilidade por isso, especialmente, a Michel Temer e Aécio Neves. E acrescentou, em tom irônico, que ambos estão agora experimentando o “próprio veneno”.
Na mesma quarta-feira, ao falar em Brasília na solenidade oficial de posse da senadora Gleisi Hoffmann (PR) na presidência nacional do PT, Lula partiu para cima do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que “deve estar se preparando para ser o próximo presidente da República como seguidor do golpe, e não podemos achar que um golpista é melhor do que outro”. Logo, se for o caso, “Fora Maia”. E emendou, como se as eleições diretas para presidente tivessem sido abolidas: “A mudança que queremos é que o povo brasileiro volte a ter o direito de escolher o seu presidente. Errando ou acertando é o povo que tem o direito de tirar e colocar pessoas”.
É verdade. Errando ou acertando, foi o povo quem elegeu Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, que agora é presidente porque os senadores e deputados nos quais o povo votou livremente em 2014 cassaram o mandato da titular.
Editorial
Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,falastrao-e-enganador,70001880053
Roberto Freire: O governo das reformas
Há exatamente um ano, no dia 12 de maio de 2016, se iniciava o governo de transição do presidente Michel Temer, ainda na condição de interinidade após a instauração do processo de impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados. Nesse período, em meio a enormes dificuldades decorrentes de um perverso legado de desmantelo e irresponsabilidade deixado pelas gestões lulopetistas nos últimos 13 anos, o Brasil já logrou êxito em diversas áreas e vem caminhando a passos largos para superar a crise e retomar o caminho do desenvolvimento.
Uma série de mudanças necessárias para fazer o país voltar aos trilhos vêm sendo levadas a cabo de forma corajosa pelo atual governo, que conta com um apoio parlamentar poucas vezes visto. Trata-se de uma gestão que já pode ser apontada como uma das mais reformistas da história republicana brasileira, sendo comparável ao período de Itamar Franco (1992-1994), a quem servi honrosamente como líder na Câmara.
A aprovação do texto-base da reforma trabalhista é um exemplo importante do compromisso do governo com a modernização das relações de trabalho e o avanço do país. O projeto, que ainda será analisado pelo Senado, dá força de lei aos acordos coletivos entre empresas e trabalhadores e busca posicionar o Brasil na vanguarda, superando o engessamento e o anacronismo de uma legislação que não é mais capaz de se conectar com a realidade do mundo de hoje e do futuro.
A proposta da reforma da Previdência, já aprovada em uma comissão especial da Câmara antes de seguir para análise do plenário da Casa, também faz parte desse pacote de medidas fundamentais para tirar o Brasil do atoleiro. O texto é resultado de um amplo debate com as bancadas de todos os partidos e representa a possibilidade de o país economizar nada menos que R$ 600 bilhões nos próximos dez anos – aliviando o déficit previdenciário que hoje ameaça a aposentadoria de milhões de brasileiros e a própria sustentabilidade do sistema.
Além das reformas mais importantes, o governo do presidente Temer acertou ao decidir pela liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Até a última atualização da Caixa, mais de R$ 16,6 bilhões foram sacados. As estimativas dão conta de que mais de 30 milhões de trabalhadores que pediram demissão ou foram demitidos até 31 de dezembro de 2015 sejam beneficiados em todo o país. Os recursos totalizam R$ 43,6 bilhões referentes a cerca de 50 milhões de contas inativas.
Ao contrário do que diziam os lulopetistas, o atual governo também se preocupou com o fortalecimento dos programas sociais. Uma das primeiras medidas foi o reajuste de 12,5% do Bolsa Família, valor acima da inflação registrada nos 12 meses anteriores. Além disso, mais de 10 mil unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida, cujas obras estavam paralisadas, foram retomadas.
Na área educacional, foram renovados mais de 1,1 milhão de contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e houve o repasse de R$ 5 bilhões para instituições federais dos ensinos básico, técnico e superior. O governo ainda aprovou a medida provisória que reformula o Ensino Médio, um passo determinante para reformarmos um modelo que já não funciona e conduzirmos o país a um novo patamar de desenvolvimento.
Em apenas um ano, foram aprovadas outras medidas fundamentais como a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras de participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, entre tantas outras que ajudam a recuperar a confiança perdida junto à sociedade e aos agentes econômicos.
Após o desastre econômico gerado por Lula e Dilma, o Brasil já vislumbra um horizonte menos tempestuoso. O último boletim Focus, do Banco Central, indica uma perspectiva de inflação menor e crescimento maior do PIB brasileiro em 2017. A estimativa é de um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), antes em 4,03%, agora em 4,01% - a 9ª redução consecutiva do indicador, que está dentro da meta estipulada pelo governo (4,5%). Já em relação ao desempenho do PIB, a projeção oscilou positivamente de 0,46% para 0,47%. Para 2018, a expectativa é de alta de 2,5%.
É evidente que não se resolverão todos os graves problemas do país da noite para o dia, mas o importante é que o Brasil está de volta aos trilhos e no rumo certo. Ainda vivemos um momento delicado, com cerca de 14 milhões de desempregados. Historicamente, o emprego é o último indicador a se recuperar em meio às grandes crises econômicas, mas certamente isso também vai acontecer, sobretudo a partir da aprovação das reformas.
Há um ano, quando Temer assumiu a Presidência da República, poucos imaginavam que o Brasil seria capaz de se reerguer e sair do fundo do poço em tão pouco tempo. O caminho que temos pela frente ainda é longo e árduo, mas os primeiros passos foram dados e servem como alento para que a população não perca a esperança no país. Atravessaremos essa transição com um governo corajoso e reformista, que nos levará ao porto seguro de 2018.
* Roberto Freire é ministro da Cultura
Luiz Carlos Azedo: Vitória providencial
A votação de ontem, porém, mostrou que o governo ainda tem capacidade de iniciativa política e maioria folgada na Câmara
A Câmara aprovou ontem por 287 votos a 144 o pedido de urgência para acelerar a tramitação da reforma trabalhista. A tendência agora é tramitar a galope: na comissão especial, deverá ser aprovada na terça-feira, para ir ao plenário já na quarta, antes do 1º de Maio. Eram necessários, pelo menos, 257 votos favoráveis. Na noite de terça, requerimento idêntico foi rejeitado porque recebeu 230 votos a favor — 27 a menos do que precisava. Na ocasião, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou a votação antes que todos os parlamentares da base tivessem votado.
Entre os principais pontos da reforma estão: flexibilização da jornada; fragmentação de férias; remuneração por produtividade; formação de banco de horas; e regulamentação nas modalidades de trabalho por home office (trabalho em casa) e intermitente, no qual os trabalhadores são pagos por período trabalhado. Além disso, o fim da chamada contribuição sindical. Segundo o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista, o “imposto” movimenta R$ 3,6 bilhões por ano e alimenta a atual estrutura sindical do país, que tem mais de 16 mil sindicatos.
Ontem, Rodrigo Maia admitiu que tentou um acordo com o PT para votar o projeto em 3 de maio, mas não teve sucesso. Talvez isso explique a estranha atitude que tomou na votação de terça-feira, quando deixou que a deputada Luíza Erundina (Rede-SP), na presidência da sessão, desse inicio à votação da reforma trabalhista de forma tumultuada. Depois, ao reassumir o comando da Casa, Maia encerrou abruptamente a votação, derrotando o governo. O presidente da Câmara tem um acordo de bastidor com o PT desde a sua primeira eleição.
A derrota gerou estresse no governo, mas serviu para reagrupar a base e formar uma nova maioria, que ontem aprovou com folga a urgência. De tudo o que está em discussão, o que mais importa para as centrais sindicais é a manutenção da contribuição. Talvez o governo esteja interessado num acordo para manter a cobrança compulsória de um dia de salário de todos os trabalhadores em troca de apoio das centrais sindicais à aprovação da reforma da Previdência. O fim da contribuição sindical obrigatória faria os sindicatos viverem de acordo com a realidade de suas categorias.
A votação da reforma trabalhista também serviria como um teste de força para aprovação da reforma da Previdência, logo a seguir. Esse é o cálculo que está sendo feito pelos articuladores do Palácio do Planalto, que já pressionam ministros e líderes para que garantam o apoio de suas respectivas bancadas, que sofrem pressões crescentes das corporações de funcionários públicos, que abominam a reforma da Previdência. A votação de ontem, porém, mostrou que o governo ainda tem capacidade de iniciativa política e maioria folgada na Câmara.
As negociações para aprovação da reforma da Previdência avançaram bastante nesta semana. Ontem, o relator da reforma, Arthur Maia (PPS-BA), apresentou seu parecer. Anunciou que proporá uma idade mínima progressiva para a aposentadoria de homens e mulheres. Começará em 53 anos para mulheres e 55 anos para os homens e será elevada gradativamente para 62 anos, no caso delas, e 65 anos para eles. A proposta original do governo previa uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres. Essa regra seria aplicada para todos os homens com menos de 50 anos e para todas as mulheres com até 45 anos. Os demais entrariam em uma chamada regra de transição, que cobraria um pedágio em tempo de contribuição, para que as pessoas se aposentassem em uma idade intermediária entre a proposta do governo e a regra atual.
Protestos
Cresce no governo a preocupação com os protestos programados pelos petistas para 3 de maio em Curitiba, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestará depoimento ao juiz Sérgio Moro sobre o envolvimento na Lava-Jato. Um dos constrangimentos de Lula é a suspeita de que realmente seja proprietário do sítio de Atibaia (SP), o que ele nega categoricamente. O engenheiro civil Emyr Costa contou à Procuradoria-Geral da República (PGR), na delação premiada, que ajudou a elaborar um contrato falso para esconder que a Odebrecht havia executado a reforma da propriedade rural. O sítio está registrado em nome dos empresários Jonas Suassuna e Fernando Bittar, sócios do filho do ex-presidente Fábio Luís Lula da Silva. Segundo Costa, a Odebrecht gastou R$ 700 mil em dinheiro vivo com a obra.
Costa usava o dinheiro para pagar, semanalmente, engenheiros e operários e comprar materiais de construção para reforma do sítio. O engenheiro auxiliou o advogado Roberto Teixeira — amigo do ex-presidente — e o ex-dirigente da Odebrecht Alexandrino Alencar a redigir um contrato falso para maquiar o envolvimento da construtora na reforma do sítio. Outra dor de cabeça é a suposta delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que já estaria em curso. Caso seja confirmada, a situação de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff ficará mais complicada, pois Palocci operou o caixa dois das campanhas dos dois, movimentando mais de R$ 130 milhões, segundo Marcelo Odebrecht.
Luiz Carlos Azedo é jornalista
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-vitoria-providencial/
Luiz Carlos Azedo: Verdades e mentiras
A veracidade expressiva dos indivíduos é mais importante do que a veracidade dos fatos, principalmente nas campanhas eleitorais
Mago do cinema, Orson Welles nos mostrou que uma mentira pode parecer uma verdade forjada e materializada a ponto de o espectador ser incapaz de distingui-la. Não é à toa que paradigmas do cinema — a recriação do real, a reimaginação, o drama, o épico, mistério, o suspense, a investigação, a contemplação, o real e o imaginário — foram cada vez mais usados nas campanhas eleitorais. No filme Verdades e mentiras (Vérités et mensonges, 1973), um clássico do cinema, Welles utiliza a linguagem do documentário para questionar a verdade e mostrar como a mentira pode se parecer com a realidade.
O perseguido falsificador de quadros Elmir de Horry é retratado como um artista tão talentoso quanto aqueles que reproduz. O biógrafo Clifford Irving inventa uma biografia do excêntrico magnata norte-americano Howard Hughes. O próprio Welles é o cicerone das histórias, como uma espécie de arquétipo de ilusionista. O que é a verdade? Quais os limites entre a verdade e a mentira? O que é a realidade?
Na verdade, a fotografia e o cinema revolucionaram a arte e a percepção da humanidade. Vivemos a era do virtual, que contaminou irremediavelmente a política, primeiro com os programas de televisão no horário eleitoral; agora, com as redes sociais. A veracidade expressiva dos indivíduos é mais importante do que a veracidade dos fatos, principalmente nas campanhas eleitorais. Mas mentiras serão sempre mentiras.
Ontem, Mônica Moura, a mulher e sócia do marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014), confirmou o uso de caixa dois pelo PT para pagar os serviços do casal. Em 2010, uma parte foi paga pelo partido e outra pela Odebrecht. Em 2014, todo o caixa dois foi pago pela Odebrecht. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, segundo o depoimento de Mônica Moura, responsável pelas finanças do casal, acertou os pagamentos das campanhas do PT.
Era Palocci que a mandava pegar o dinheiro na Odebrecht. A empresa também teria financiado as campanhas do ex-presidente Lula (2006), Fernando Haddad (2012) e de Dilma (2010 e 2014). No exterior, Mônica Moura disse que a empreiteira também pagou por campanhas no Panamá, na Venezuela, em Angola e em El Salvador, mas isso nada teve a ver com Palocci e o PT. Somente em El Salvador foi a pedido de Lula, com pagamento acertado com Palocci.
João Santana, que também prestou depoimento, foi o grande artífice da espetacular vitória de Lula em 2006, depois de um mandato abalado pelo “mensalão”. Havia assumido o lugar de Duda Mendonça, responsável pela campanha de 2002, quando o petista derrotou José Serra. Depois da vitória, foi o grande gestor da imagem de Lula no segundo mandato e o responsável por dar asas ao “poste” Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, que virou mãe do PAC. No mandato da “presidenta”, mandou e desmandou no marketing do Palácio do Planalto e conseguiu reeleger Dilma Rousseff, cujo primeiro governo fora um desastre.
O marqueteiro também surfou o prestígio de Lula para conquistar contratos no exterior, pois as vitórias do PT eram seu cartão de visita e o ex-presidente, seu padrinho nas relações com líderes políticos aliados do petista. Por ironia, agora é um dos responsáveis pela desconstrução da imagem de Lula e, principalmente, de Dilma Rousseff, que circula pelo mundo afora como “presidenta constitucional” e se apresenta como honesta e competente. Diz que foi apeada do poder pelas forças que temiam a Operação Lava-Jato. Essa narrativa também cai por terra.
Mea culpa
Santana também fez um mea-culpa ao depor: “Eu acho que nossas contradições constroem as nossas armadilhas. (…) Eu, mesmo sendo uma pessoa organicamente a favor das coisas bem-feitas, legais e honestas, criei um escudo em minha cabeça, um duplo escudo. Um, social externo, que era essa doutrina de censo comum do caixa dois, que não se faz campanha. E outro que era pelo trabalho honesto que estou fazendo”, afirmou. E concluiu: “Eu construí esse equívoco para mim mesmo, sem perceber que, ao fazer isso, eu estava sendo cúmplice de um sistema eleitoral corrupto e negativo. Não estou aqui dizendo que eu não tinha culpa, que fui vítima disso. Não, eu fui agente disso. Mas quero alertar”, afirmou.
O que Santana não fala é que a “qualidade” do seu trabalho profissional estava diretamente associada às mentiras que ajudou a construir no imaginário popular, utilizando o poder de expressão de Lula como candidato e levando para a televisão um país imaginário, no qual muitos ainda acreditam, desde o sujeito isolado nos grotões ao professor universitário engajado no “nós contra eles”. Pode-se dizer que isso é uma exclusividade de João Santana e das campanhas do PT? Não, as fronteiras entre as verdades e as mentiras na política brasileira só agora estão sendo novamente demarcadas.
Luiz Carlos Azedo é jornalista
Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-verdades-e-mentiras/
Luiz Werneck Vianna: A retomada das atividades reflexivas
Publicado no O Estado de S. Paulo em 05/03/2017
Nessa loucura que nos assola deve haver um método. Mas qual?
Se observadas as coisas pela sua superfície, há quem procure remédio para nossos males atuais na remoção imediata do governo Temer, que estaria identificado com ações que visariam a criar obstáculos ao andamento da chamada Operação Lava Jato, em sua intervenção saneadora sobre nosso sistema político. Removê-lo dependeria de uma decisão congressual ou de um ato de força, mas como essas alternativas estão bloqueadas tanto pela larga coalizão parlamentar que o sustenta como pela recusa das Forças Armadas a admitir caminhos de aventura, parece aos interessados na empreitada que não lhes resta outra via que não a de um levante das ruas.
De modo explícito ou em surdina, o argumento ecoa nos meios de comunicação, e não só nas redes sociais, em artigos que não hesitam em cogitar de um colapso iminente de nossas instituições. Importa pouco se em meio a essas fabulações os blocos carnavalescos, até na outrora mais recolhida São Paulo, tenham comemorado as festas de Momo como se não houvesse amanhã. Se a saída não se encontra na política nem nas armas, é deixar o carnaval passar que ela viria pela convulsão social, em embrião nas revoltas do sistema penitenciário e nos motins da Polícia Militar do Espírito Santo.
A convulsão social teria o condão de fazer o que seria inacessível à Lava Jato: zerar a vida institucional – a Carta de 88 incluída – e, bem mais que isso, zerar nossa História e dar a ela um novo começo, com qual programa se veria mais à frente. Para alguns, nestes tempos de Trump, bem poderia ser o da direita, que está aí à espreita e criando musculatura.
O inconformismo com o impeachment era esperado, afinal a presidente Dilma Rousseff fora eleita pelo PT, partido com fortes vínculos com o sindicalismo e movimentos sociais, além de encontrar apoio em círculos significativos da vida cultural. Mas como ele se tem alimentado apenas do espírito de vendeta e do ressentimento, sua marca tem sido a da esterilidade política.
A lenda urbana do golpe, em que pese o processo do impeachment ter transitado sob jurisdição do Supremo Tribunal Federal, mais do que enervar a vida política e social do País, vem servindo como um álibi perfeito para que não se reflita sobre as circunstâncias que levaram ao amargo desenlace do governo Dilma e se mantenha a política na expectativa de soluções salvacionistas, mesmo as que ameacem abrir as portas do inferno.
Os idos do regime militar têm lições que merecem ser lembradas, talvez principalmente pela militância petista e seu amplo círculo de simpatizantes entre os intelectuais. Nos primeiros tempos daquele regime, esquerda e setores democráticos se fixaram no diagnóstico equívoco de que sua derrota se explicaria por uma conspiração do imperialismo em conluio com setores internos a fim de barrar o processo de desenvolvimento do País. Na compreensão da época, o desenvolvimento estaria animado por uma lógica interna tendente a nos levar a um governo nacional-popular sob hegemonia da esquerda.
O trancamento desse processo pela via da violência política foi então interpretado por uma parcela da esquerda como se não lhe restasse outra solução senão a da luta armada, desertando do campo da política. Esse caminho se sustentou numa narrativa escorada numa teoria, a do foco, inspirada no modelo cubano e nos escritos de Régis Debray. A recusa a esse caminho exigia a desconstrução do que suportava essa alternativa, que, longe de abalar o regime ditatorial, o reforçava.
Em 1971 dois economistas brasileiros, Maria da Conceição Tavares e José Serra, produzem no Chile, onde viviam – ela como pesquisadora de um instituto internacional, ele como exilado político –, um pequeno texto seminal, Além da estagnação – uma discussão sobre o desenvolvimento recente do Brasil, de intensa repercussão na época. Nesse texto, seus autores argumentavam que a economia brasileira sob o regime militar, ao contrário de estagnar, crescia a olhos vistos, ampliando a sua sustentação social. O ensaio de Conceição e Serra, recusando o determinismo esquerdista, sinalizava para uma direção oposta da que ele preconizava – a resistência ao regime militar encontraria seu melhor terreno no campo da política. Como se sabe, essa inflexão está na raiz das lutas que nos devolveram à democracia.
Hoje, o imobilismo imperante na reflexão sobre a política entre os quadros dirigentes do PT, boa parte deles prisioneiros do slogan vazio do “fora Temer”, começa a ser contestado, tal como na importante entrevista do senador petista Humberto Costa publicada nas páginas amarelas da revista Veja (edição de 22/2). Diz ele: “O PT foi fragorosamente derrotado. O resultado das eleições obriga a gente a virar essa página. A população não quer isso que está aí, mas também não queria o que estava lá com a Dilma”. E vai fundo ao negar que estaríamos sob a vigência de um estado de exceção, visando, ao que parece, a devolver a seu partido liberdade de movimentos na arena política a fim de tentar recuperar a influência perdida.
A reanimação do campo reflexivo entre os intelectuais e políticos é também animadora na comunidade dos economistas, envolvida na controvérsia suscitada por um dos seus notáveis, André Lara Resende, sobre as complexas relações entre políticas fiscais e inflação, em que um dos temas de fundo versa sobre o papel maior ou menor do Estado na economia, uma questão ainda em aberto não apenas entre os especialistas. Mas, tudo contado, ainda é lento o movimento reflexivo, tal como na economia a retomada de um ciclo expansivo. Enquanto esses movimentos não ganham maior vigor, o que importa é manter os antagonismos em equilíbrio, tema maior de Ricardo Benzaquen de Araújo, notável intérprete da obra de Gilberto Freire, que há pouco, infelizmente, nos deixou.
Sociólogo, PUC-Rio
Governo faz pressão para que bancos públicos reduzam taxas de juros
Avaliação é que, com o corte na Selic Caixa e BB devem capitanear a queda nos juros para forçar os bancos privados a fazerem o mesmo; estratégia já foi usada pela equipe de Dilma, mas governo diz que condições são diferentes
A equipe econômica e o Palácio do Planalto começam a pressionar os bancos públicos a iniciar um processo de redução das taxas de juros e fomentar a concorrência com os concorrentes privados. A avaliação é que esse movimento será respaldado pela queda dos juros básicos da economia, principalmente a partir de 2017, quando o Banco Central aumentar o ritmo dos cortes.
Além disso, o governo acredita que os bancos terão os custos reduzidos com ações que serão divulgadas hoje pelo BC, como a desburocratização na obrigatoriedade de cumprimento do depósito compulsório – dinheiro que os bancos são obrigados a deixar no BC remunerado à taxa Selic.
O uso de bancos públicos para ajudar na política econômica recebeu muitas críticas nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quando Banco do Brasil e Caixa financiaram o aumento do consumo e capitanearam uma queda forçada nas taxas de juros. Uma das consequências dessa estratégia foi o aumento da inadimplência dessas instituições, principalmente na Caixa.
Mas, segundo fontes da área econômica, a redução das taxas de juros que será feita pelos bancos oficiais se diferenciará da que ocorreu em 2012, no governo Dilma, porque desta vez o governo não adotará medidas intervencionistas, como obrigar as instituições a tocar programas que a própria área técnica condenava, a exemplo do “Minha Casa Melhor” – linha destinada a financiar móveis para os mutuários do Minha Casa Minha Vida.
Também está descartada a criação de um programa específico como o “Bom Para Todos”, do Banco do Brasil, que promoveu redução de juros em várias linhas para pessoas físicas no sentido de aumentar o consumo das famílias.
Para um integrante da equipe econômica, os bancos oficiais precisam resolver a equação entre proteger os balanços – ainda mais neste momento em que o Tesouro Nacional não tem como aportar recursos – e evitar que a “seletividade” em ofertar crédito e as altas taxas cobradas prejudiquem ainda mais a retomada da economia e, consequentemente, o próprio setor.
Para o governo, a pressão é importante para obrigar esse movimento e os bancos públicos não podem se furtar a esse papel. “É bom os bancos privados ficarem espertos porque vamos para o jogo”, disse uma fonte do governo.
Balanço. Mas, segundo Roberto Troster, sócio da Troster & Associados, esse tipo de pressão no passado recente aumentou a inadimplência dos bancos oficiais e obrigou as instituições a adotar medidas para limpar o balanço, como a venda de carteiras de crédito podre. “No curto prazo, você dá um gás, mas a conta vem lá na frente”, afirma. “A rentabilidade do sistema está caindo e a margem dos (bancos) estatais está baixa.”
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, diz que a taxa Selic caiu um pouco, mas o spread cobrado pelos bancos aumentou. “Isso mostra que os bancos não estão querendo emprestar. Nem para reestruturar dívida”, diz.
A Caixa já repassou o corte de 0,25 ponto porcentual da Selic para as taxas dos financiamentos à casa própria e deve acelerar o movimento acompanhando o BC. O Banco do Brasil é mais resistente. O presidente do BB, Paulo Caffarelli, disse, na sua primeira entrevista, ao Estado, que procura aumentar a rentabilidade do banco para patamar semelhante ao dos privados.
De acordo com dados do BC, os bancos públicos não têm as taxas mais baratas em algumas linhas. O Santander, por exemplo, tem os juros mais baixos no financiamento de veículos (1,85%) e crédito pessoal sem desconto na folha de pagamento (4,25%), segundo informações do dia 29/11 a 05/12.
Por: Adriana Fernandes, Murilo Rodrigues Alves, Vera Rosa , O Estado de S.Paulo.
Fonte: economia.estadao.com.br
Dora Kramer: Um fantasma na ópera
Eduardo Cunha não foi o primeiro nem será o último político de destaque a ser preso pela operação Lava Jato. Sequer pode ser apontado como aquele que maior poder e/ou volume de informações reuniu na República. As presenças de José Dirceu e Antônio Palocci em Curitiba – chefões da era em que o PT mandava (e principalmente desmandava) no País – dão por si tal testemunho. Pode ser que ele venha a fazer uma delação devastadora que comprometa do baronato ao cardinalato da política? Pode ser que haja vida em Marte. No terreno das possibilidades criam-se, entre outras coisas, fantasmas. Tudo é possível embora nem tudo seja provável.
Para dirimir quaisquer dúvidas, o melhor método é o exame das condições objetivas. A principal delas esteve registrada no placar eletrônico da Câmara no dia 12 de setembro último, quando o então deputado afastado de suas funções legislativas pelo Supremo Tribunal Federal teve o mandato cassado por 450 votos a favor e 10 contra. No início, quando o processo foi aberto no Conselho de Ética, a avaliação preponderante era a de que Eduardo Cunha sairia ileso. Segundo essa versão, teria poderes ilimitados para impedir o andamento dos trabalhos e um embornal de informações a respeito de seus pares tóxico o suficiente para garantir votos a favor da manutenção de seu mandato. No campo da suposição, isso parecia fazer sentido. Mas a realidade tem componentes menos esquemáticos.
No caso, a opinião pública, a revelação de novas e cada vez mais contundentes acusações, o comportamento excessivamente ousado de Cunha, a decisão do STF de afastá-lo do cargo, a impossibilidade de contar com ajuda do governo, o instinto de sobrevivência eleitoral dos deputados, uma série de fatores que desmontou a presunção inicial e produziu um resultado surpreendentemente desfavorável a ele. A prisão menos de quarenta dias depois provocou alvoroço, não obstante fosse algo esperado, líquido e certo. Fez-se o silêncio em Brasília. Pudera, dizer o quê? Lamentar, comemorar? O governo e mundo político em geral não poderiam fazer uma coisa nem outra. Até o PT se manteve discreto, dada sua impossibilidade de falar de corda em casa de enforcado.
Enquanto na capital federal a palavra de ordem era não passar recibo, no restante do País estabeleceu-se a gritaria em torno dos presumidos efeitos de uma delação premiada. Por ora apenas um fantasma nessa ópera composta pela operação Lava Jato. Não que seja um equívoco supor que Cunha faça delação e provoque com ela uma devastação em massa. Mas é preciso medir e pesar as circunstâncias. E estas não lhe são necessariamente favoráveis. Não é ele quem dita as regras muito menos o rumo dos acontecimentos como, de resto, já ficou demonstrado. A faca e o queijo estão nas mãos do Ministério Público e da Justiça.
Ainda que o ex-deputado tenha disposição de delatar não significa que os procuradores se interessem pela contrapartida ou que as condições estabelecidas em lei para a obtenção de benefícios se apliquem a Eduardo Cunha. A força tarefa da Lava Jato trabalha há mais de dois anos, período em que reuniu uma montanha de informações a respeito das quais seguramente o País ainda não sabe da missa a metade. De onde é possível que o ex-deputado não tenha dados que os investigadores considerem novos e/ou necessários ao esclarecimento dos fatos.
Se não pôde controlar seu destino quando presidente da Câmara nem se utilizar do arsenal intimidador de maneira eficiente, não será preso que Eduardo Cunha terá êxito no manejo da figura de assombração. Ademais, terá de ter muito cuidado com o que disser para não piorar sua já sofrível situação.(O Estado de S. Paulo)
Fonte: pps.org.br