Dilma Rousseff

Propaganda eleitoral gratuita de acordo com a lei | Imagem: Leonidas Santana/Shutterstock

Nas entrelinhas: Campanha começa hoje com foco no Sudeste

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A campanha eleitoral começa hoje com o foco voltado para as pesquisas de intenções de voto realizadas pelo Ipec (sucessor de Ibope) nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Nos três estados do Sudeste, a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro começa mais nervosa, porque são os três maiores colégios eleitorais do país. Os dois deverão comparecer à posse do ministro Alexandre de Moraes na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a qual foram convidados todos os ex-presidentes. José Sarney, Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff confirmaram presença; Fernando Henrique Cardoso, não, devido a problemas de saúde. A posse será um termômetro do clima da campanha eleitoral no plano institucional.

O nervosismo que antecede os programas eleitorais de rádio e tevê, que somente começarão no dia 26 de agosto, já tomou conta das equipes de marketing dos candidatos. Por hora, está radicalizado nas redes sociais, principalmente entre petistas e bolsonaristas. O jogo bruto nas redes sociais tende a esquentar o clima político, mas essa pode não ser uma boa receita para os programas eleitorais de rádio e teve, a partir do próximo dia 26, que têm audiência difusa e não segmentada em bolhas de apoiadores como as redes sociais.

Na semana passada, as pesquisas mostravam o encurtamento da distância entre Lula e Bolsonaro no Sudeste. Nas pesquisas de ontem, porém, Lula mantinha uma margem de 13 pontos de vantagem em relação a Bolsonaro em Minas (39% a 26%), dez pontos em São Paulo (38% a 28%) e um empate técnico no Rio (35% a 33%), o que reduziu o estresse na cúpula petista. Como são as primeiras pesquisas regionais desse instituto, não há termos de comparação.

Em relação aos demais candidatos, entretanto, a pesquisa mostra que a tendência de polarização e a narrativa do “voto útil” pode explicar a recuperação da vantagem de Lula. Ciro Gomes (PDT), com média de 3%, parece ter sido desidratado em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. No cômputo geral do Ipec, Lula aparece com 44%, Bolsonaro com 32%, Ciro com 6% , Simone Tebet (MDB) com 2% e Vera (PSTU) com 1%. Lula venceria o segundo turno com 51% dos votos, contra 35% de Bolsonaro.

Depois de uma semana na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou parado, com a sociedade civil se mobilizando em defesa das urnas eletrônicas, do Supremo Tribunal Federal e do Estado democrático de Direito, o presidente Bolsonaro reagiu em duas frentes: a primeira, foi nas redes sociais, nas quais viralizou um meme no qual bolsonaristas espalhavam o boato de que Lula pretende fechar os templos evangélicos, o que obrigou a campanha de Lula a desmentir a fake news; a segunda foi na esfera administrativa do governo: o pagamento de duas parcelas do Auxílio Brasil, equivalente a R$ 1.200,00; o subsídio de R$ 1 mil para os taxistas; e nova redução de preços dos combustíveis pela Petrobras.

Uma batalha especial está sendo travada no mundo evangélico, no qual a forte atuação da primeira-dama Michele Bolsonaro começa a surtir efeito entre as mulheres, segundo pesquisas internas das campanhas de Lula e Bolsonaro. O discurso de Bolsonaro é o de sempre, contra o comunismo e corrupção, em defesa da família e da fé cristã, mas o de Lula ainda não está claro. Tradicionalmente ligado à esquerda católica, Lula teme uma aproximação forçada com os evangélicos. Esse é o nó ainda não desatado de sua campanha, o que abre o flanco para a recuperação de Bolsonaro em segmentos desse eleitorado que haviam se aproximado do petista.

Calmaria

Do ponto de vista institucional, o aspecto mais positivo é que o confronto de Bolsonaro com o ministro Alexandre de Moraes parece ter desanuviado, após o novo presidente do TSE tê-lo convidado pessoalmente para a sua posse, em visita ao Palácio do Planalto. Moraes também tem boas relações com os militares. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, moderou as críticas à Justiça Eleitoral. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também contribuiu para a calmaria, ao dar entrevista a jornalistas estrangeiros garantindo que o presidente eleito nas urnas tomará posse.

Por tudo o que já aconteceu entre o presidente Bolsonaro e o futuro presidente do TSE, não se pode dizer que estamos num processo eleitoral como os que já vivemos desde a redemocratização. Entretanto, o fato relevante são as eleições em si, com milhares de candidatos, a deputados estaduais e federais, nas eleições proporcionais, e a senadores e governadores, em pleitos majoritários, além da disputa presidencial. O eleitor vota simultaneamente em cinco candidatos, já tem experiência de participação eleitoral acumulada, num processo de engajamento político que se intensifica após a campanha eleitoral pelo rádio e a tevê começar. Para Bolsonaro, não resta alternativa a não ser pleitear a reeleição de acordo com as regras do jogo, sobretudo depois do repúdio antecipado à qualquer virada de mesa. A mobilização da sociedade esvaziou a narrativa golpista.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-campanha-comeca-hoje-com-foco-no-sudeste/

Governos do PT contribuíram para ascensão política das Forças Armadas

Os governos do PT, comandados pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rouseff (2011-2016), permitiram o aumento da militarização do Ministério da Defesa, representando uma "oportunidade perdida" de ampliar o controle civil sobre os militares

BBC Brasil

Essa é a conclusão de um levantamento feito pelos professores Juliano Cortinhas (Universidade de Brasília) e Marina Vitelli (Universidade Federal de São Paulo), recém-publicado em artigo na Revista Brasileira de Estudos e Defesa.

Na avaliação da dupla, a falta de uma política dos governos petistas para fortalecer a hierarquia civil sobre as Forças Armadas contribuiu para que os militares se sentissem à vontade para assumir maior protagonismo político nos últimos anos, em especial nos governos de Michel Temer (2016-2018) e do atual presidente, Jair Bolsonaro.

Embora o Ministério da Defesa tenha sido criada em 1999, com o objetivo de ampliar a subordinação das Forças Armadas ao poder civil mais de uma década após o fim da Ditadura Militar (1964-1985), levantamento do professores mostra que durante as gestões petistas houve aumento do número de servidores militares ocupando cargos na pasta, com predomínio nas funções de maior hierarquia.

"Ao longo dos anos do PT, o ministério foi militarizado, com a entrada de mais militares em termos percentuais do que civis. Com isso, os militares controlam todo o processo de construção da política de Defesa do Brasil, o que é inadequado", disse Cortinhas à BBC News Brasil.

A partir de dados do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações do Cidadão (e-SIC), o artigo analisa a evolução do perfil dos servidores entre 2006 e 2016 (o ministério não disponibilizou dados de 2003 a 2005).

Os números revelam que houve um aumento de 60% nas posições do Ministério da Defesa (de 818 para 1309), mas o crescimento foi mais expressivo entre os cargos ocupados por militares.


Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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"Waldir Pires (terceiro ministro da Defesa petista) assumiu (em 2006) um ministério com igualdade de cargos de civis e militares. Ao entregar a gestão, Aldo Rebelo (último ministro petista) deixou um órgão bastante dominado pelos militares, que possuíam 730 cargos exclusivos, enquanto o total de cargos que poderiam ser ocupados por civis era de apenas 530. O aumento no número de cargos civis foi de 42,1%, enquanto a elevação dos cargos militares foi de 77,5%", diz o artigo.

Os dados indicam ainda que fenômeno foi mais intenso durante a gestão de Celso Amorim, diplomata que comandou a pasta na maior parte do primeiro mandato de Dilma. Ele assumiu o ministério "com 51,1% de cargos militares (453) e 48,9% de cargos civis (434) e entregou a gestão para (Jaques) Wagner com 54% de cargos militares (664) e 46% de civis (565)".

Juliano Cortinhas
'Não foi feito o dever de casa em tempos de um governo mais progressista', afirma Juliano Cortinhas. Foto: Divulgação

Além do aumento de cargos exclusivos para oficias das Forças Armadas, o levantamento revela ainda que, ao longo das gestões petistas, militares da ativa e da reserva passaram a ocupar mais funções abertas aos civis. Com isso, o percentual de civis na composição do ministério, que era de 42,4% em 2006, caiu ano após ano, até chegar a apenas 35% uma década depois.

Os professores também dividiram os cargos do ministério em três categorias hierárquicas (posições de nível superior, intermediário e inferior) e constataram um predomínio dos militares no topo da gestão da pasta.

Entre 2006 e 2016, os oficiais sempre ocuparam mais de 65% dos cargos de nível superior ou intermediário - enquanto os cargos de nível inferior sempre tiveram predomínio civil (menos de 40% de militares).

Esse quadro, acreditam, reflete a falta de uma carreira civil estruturada dentro do ministério. A criação dessa carreira estava prevista na Estratégia Nacional de Defesa desde 2008, mas nunca saiu do papel.

Para os professores, o PT e a classe política em geral parecem ter subestimado o interesse dos militares em voltar ao poder no país, o que levou as gestões petistas a não priorizar o fortalecimento civil do Ministério da Defesa.

Isso, dizem, trouxe duas consequências negativas. De um lado, representa um risco para a democracia, na medida em que os militares se sentem mais à vontade para atuar politicamente. E, de outro, significa uma política de defesa menos eficiente, na medida em que a gestão das Forças Armadas acaba muitas vezes sequestrada pelos interesses corporativistas de cada uma delas (Exército, Aeronáutica e Marinha), em vez de ser conduzida por uma coordenação civil mais ampla.

Embora não tenha sido foco de análise do artigo, os professores citam ainda como outro aspecto da gestão petista que contribui para esse quadro o aumento do emprego de militares em atividades civis, como segurança pública, com as Operações de Garantia da Lei e da Ordem, ou em ações sociais, como distribuição de água no Nordeste (Operação Pipa).

"Os governos do PT simbolizam uma etapa da vida política brasileira no qual o Brasil já tinha passado vários anos de regime democrático e as Forças Armadas não tinham tanto poder sobre as autoridades civis. Então, era um momento mais propício para o sistema político impor a sua autoridade legal na política de defesa. Mas isso não aconteceu", afirma Marina Vitelli, ao argumentar que houve uma "oportunidade perdida" nos governos Lula e Dilma.

"Se a gente tivesse construído as instituições necessárias para o controle civil naquela época, em que isso era possível politicamente falando, hoje provavelmente não teríamos os absurdos que estamos acompanhando no nosso dia a dia: excesso de militares no governo, muitos benefícios e super salários. Tudo isso tem relação com o fato de que não foi feito o dever de casa em tempos de um governo mais progressista", também acredita Cortinhas.

O professor cita dados de outros países para ilustrar como o controle civil sobre as Forças Armadas é mais amplo em democracias consolidadas.

"França e Reino Unido têm Forças Armadas menores do que as nossas, são cerca de duzentos mil militares apenas, ou seja, quase metade do nosso contingente de 370 mil. Mas os ministérios da Defesa, tanto da França quanto do Reino Unido, têm mais de sessenta mil servidores civis, enquanto o nosso ministério da Defesa tem cerca de 1.500 servidores no total, sendo que dois terços são militares", compara.

"Então, são estruturas de sessenta mil servidores construindo as políticas de defesa, fazendo os processos orçamentários. Quem define quais equipamentos as Forças Armadas vão ter não são as Forças Armadas, é o ministério da Defesa, porque esses equipamentos são projetados e planejados a partir das necessidades do país e não das necessidades de uma das Forças Armadas", explica ainda.

'Ministros tinham pouca autoridade sobre os militares'

Além de investigar a distribuição dos servidores no órgão, o artigo também analisa os perfis dos sete ministros que comandaram a Defesa nos governos petistas - José Viegas Filho (diplomata), José Alencar (político), Francisco Waldir Pires (político), Nelson Jobim (político e jurista), Celso Amorim (diplomata), Jaques Wagner (político) e Aldo Rebelo (político).

Os professores reconhecem que o cargo tem natureza política e é legítimo que não seja ocupado por um técnico da área. Mas apontam que nenhum dos que comandou a pasta nos governos do PT tinha conhecimento aprofundado em Defesa, o que, avaliam, comprometia sua legitimidade perante os militares, assim como sua capacidade de gestão.

Hoje coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional da UnB, Cortinhas acompanhou de dentro a política de Defesa no governo Dilma. Primeiro, atuou na Assessoria de Defesa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2012 e 2013. E, depois, foi chefe de gabinete do Instituto Pandiá Calógeras, órgão de assessoramento estratégico do Ministério da Defesa, entre 2013 e 2016.

Marina Vitelli
Para Marina Vitelli, ter militares no comando da Defesa "é completamente fora da lógica" em uma democracia. Foto: Divulgação

Diante da fraqueza da pasta, nota Cortinhas, o que se vê no país é uma grande autonomia de cada uma das três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) e uma falta de coordenação da política de Defesa.

"São três burocracias e, por vezes, elas entram em conflitos orçamentários. E a tendência de alguém que não conheça profundamente a pasta, que não tem uma visão sobre o que são os militares e como eles devem agir no sistema político brasileiro, é ter dificuldade pra ser o árbitro dessas disputas. Então, temos um cenário muito ruim: um ministério fraco, com instituições fracas, e ministros com pouco conhecimento sobre o tema", nota ele.

"Então, o Exército por exemplo coloca na Política Nacional de Defesa que a prioridade é a (proteção da) Amazônia. E aí o seu principal, mais caro projeto estratégico, é um veículo blindado, o Guarani. Não faz sentido. O que o blindado tem de relação com a Amazônia? E a gente não tem um ministro da Defesa que pergunte isso de forma séria, a gente não tem no Congresso pessoas preparadas também pra fazer essa (questionamento)", acrescenta.

Apesar da crítica ao perfil dos ministros petistas, os professores reconhecem a importância de todos eles terem sido civis. Foi a partir do governo Michel Temer que a pasta passou a ser comandada por um militar, se afastando completamente do propósito inicial de executar o controle civil sobre as Forças Armadas.

Bolsonaro não só manteve a pasta sob controle de generais do Exército, como deu o comando de outros ministérios civis a militares. Até mesmo a Casa Civil, pasta que tem função de coordenar a gestão federal, foi por mais de um ano comandada pelo general Braga Netto, recentemente deslocado para chefiar a Defesa.

A estreita relação com as Forças Armadas tem gerado receio de que o presidente possa tentar algum movimento autoritário caso perca as eleições de 2022 — as pesquisas de intenção de voto apontam que hoje Lula lidera a corrida pelo Palácio do Planalto.

Bolsonaro tem indicado que pode não aceitar o resultado do pleito, por desconfiar da segurança da urna eletrônica, embora não exista qualquer prova de fraude envolvendo o sistema de votação atual.

"Na democracia, o ministro da Defesa representa o presidente na política de Defesa. Claro, vai ter um diálogo com as Forças Armadas, mas sempre com uma relação hierárquica, de cima pra baixo. E está acontecendo o contrário: quando você coloca o ministro da Defesa militar ele passa a ser o representante das Forças Armadas no governo. Isso é completamente fora da lógica", critica Marina Vitelli.

tanques
Presença de militares no governo Bolsonaro é inédita desde a redemocratização

Para a professora, qualquer presidente que suceder Bolsonaro terá como enorme desafio lidar com Forças Armadas tão fortalecidas. Se Lula realmente vencer, sua expectativa é que o petista buscará uma negociação.

"No curto prazo, você precisa negociar, só que no médio e longo prazo é fundamental pra democracia impor essa subordinação militar às autoridades civis. Mas tenho minhas dúvidas em relação até que ponto os partidos políticos entendem a relevância de impor esse controle civil. Então, a gente não vê indícios de que a situação vai mudar radicalmente mesmo com uma vitória do PT", acredita.

Embora os governos do PT tenham sido marcados por aumento do orçamento das Forças Armadas e da presença militar no ministério da Defesa, a relação entre os dois lados terminou bastante estremecida, dado o inconformismo dos militares com a Comissão da Verdade, criada na administração Dilma para investigar os crimes da ditadura.

Celso Amorim questiona conclusão dos professores

Procurado pela BBC News Brasil, o ex-ministro Celso Amorim defendeu as gestões petistas da Defesa. Ele ressaltou que, em sua administração, buscou criar novas estruturas que fortalecessem o comando civil da pasta.

Foi o caso da Secretaria-Geral (SG), órgão ao qual ficaram submetidas as demais secretarias e que foi pensado para ser ocupado por um civil, servindo de contraponto ao Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. A partir da gestão de Aldo Rebelo, porém, a SG passou a ser comandada por militares.

Amorim citou também o Instituto Pandiá Calógeras, criado para assessoramento estratégico, com fortes laços com a academia, e integralmente ocupado por civis.

No artigo, os professores reconhecem esses avanços institucionais, mas consideram que seu impacto foi menos relevante diante do aumento da presença militar na pasta.

"Foram avanços pequenos, mas na direção certa", defendeu o ex-ministro. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Sobre o fato de a carreira civil do ministério não ter saído do papel, Amorim disse que houve resistência no Ministério da Planejamento por questões orçamentárias.

O ex-ministro questionou as conclusões dos professores de que as gestões petistas contribuíram para o atual cenário de protagonismo dos militares no governo Bolsonaro.

"Dizer que os governos (do PT) não ampliaram o espaço dos civis e portanto os militares continuaram ocupando posições importantes na área da Defesa é uma conclusão. Agora, dizer que isso facilitou que eles passassem pra área civil, não tem absolutamente nada a ver. O Bolsonaro se cercou de militares porque são as únicas pessoas que ele conhece e nas quais ele acha que pode mandar", argumentou.

Quanto ao uso frequente das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem, Amorim reconheceu que o tema "merecia uma certa revisão", mas ponderou que os pedidos para uso dos militares na segurança pública costumavam partir dos próprios governadores, inclusive em momentos de greves de policiais.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58265150


Joel Pinheiro da Fonseca: Esquerda precisa superar jogo infantil sobre Bolsonaro e impeachment de Dilma

Prosseguindo o debate com o professor Luis Felipe Miguel a respeito do impeachment de Dilma Rousseff, que completa 5 anos, autor argumenta que a esquerda constrói uma narrativa simples e maniqueísta para atribuir à “direita moderada” uma suposta ruptura do pacto democrático e a vitória de Bolsonaro, fechando os olhos para a crise no governo do PT e para a multidão que foi às ruas contra o partido

Rotular é o jeito mais fácil de não argumentar. No Brasil, então, é uma verdadeira arte: encontre os rótulos adequados, adjetivos e qualificações carregados de avaliação moral implícita, e já está comunicado para seu público quem é o bem e quem é o mal. Resta só contar a história.

Assim faz o artigo do professor Luis Felipe Miguel publicado na Ilustríssima em 16/5. Constrói uma narrativa simples e maniqueísta para jogar no colo da direita moderada brasileira (que não seria sequer moderada, mas radical) a eleição de Bolsonaro, seu suposto filho bastardo.

Foi essa direita —e sua aliada, a mídia— que cooptou os protestos de junho de 2013, que não aceitou a derrota nas urnas em 2014, que rompeu o consenso democrático, fez os protestos pelo impeachment e inventou a Lava Jato. A direita quer negar direitos, recusa a justiça social e mesmo a solidariedade. Em um verdadeiro primor de objetividade analítica, Miguel chega a caracterizá-la de “antipovo”.

É fácil jogar o jogo da responsabilidade. Eu também sei jogar. Se fosse entrar nele, diria que o próprio PT pariu Bolsonaro. Primeiro com a corrupção numa escala que chocou o Brasil. Segundo com a pose incessante de superioridade moral, e mesmo de monopólio da virtude, que jogava todo mundo que discordava de sua agenda no campo dos “antipovo”, polarizando o Brasil desde pelo menos 2010.

Foi a dissonância do discurso intolerante vindo de uma “goela muito aberta” pela corrupção (para usar a expressão de Emílio Odebrecht) que engendrou o ódio cego de tantos milhões de brasileiros pelo PT. Por fim, o partido promoveu uma farsa em 2018 com a falsa candidatura de Lula e com o real candidato, Fernando Haddad, inexpressivo, indo se consultar com seu mentor na prisão. O bebê é seu!

Jogar esse jogo, contudo, é perda de tempo. Primeiro porque, como argumentei anteriormente, os rumos da história são incertos. E segundo porque esse jogo nos fixa na percepção enganosa de que a história se faz entre as narrativas de elites opostas (seja a “direita moderadas” ou o PT), ignorando um ator que facilmente é esquecido justo pela esquerda, que gosta de se ver como seu intérprete oficial: o povo.

Na narrativa de Luis Felipe Miguel, o impeachment foi obra de uma decisão da direita de romper o pacto democrático que vigorava desde a redemocratização. Primeiro é preciso apontar que isso está factualmente errado. O impeachment de Dilma foi o segundo desde a redemocratização. Ou seja, não foi rompimento coisa nenhuma, e sim continuidade com nossa tradição democrática e constitucional, que inclui a possibilidade de retirar um presidente impopular que cometa crime de responsabilidade, como foi o caso de Collor e de Dilma.

O objetivo do “golpe” teria sido, ainda segundo Miguel, “impedir que o campo popular continuasse a ser admitido como interlocutor legítimo do jogo político”. Será? Segundo pesquisa Datafolha de março de 2016, 68% da população era favorável ao impeachment. A popularidade do governo estava ainda pior. Na mesma época, Dilma amargava 10% de aprovação. As multidões nas ruas assustavam e pressionavam o Congresso.

É no mínimo curioso que o suposto “campo popular”, acuado, tivesse tão pouco… povo! Custa a Miguel reconhecer que a queda de Dilma não apenas não contrariou como teve a adesão entusiasmada do “campo popular”.

No artigo de Miguel, sobram atores responsáveis pelos eventos de 2013 a 2018: a mídia, o PSDB, a Fiesp, a direita moderada, a burguesia. Só faltou o povo.

A questão é que o povo real, empírico, de carne e osso, sempre múltiplo, nem sempre deseja as mesmas coisas que seus porta-vozes da esquerda iluminada postulam. Ele tem uma autonomia própria para além das elites de direita ou esquerda que buscam domá-lo. Com as redes sociais, essa autonomia só aumentou.

E assim voltamos a 2013. Não houve um aliciamento da direita por obra da malvada mídia. A mídia já não tinha esse poder. Basta lembrar que jornalistas, especialmente da rede Globo, foram vaiados e atacados pela multidão, assim como representantes de todo e qualquer partido.

Com os fatos incontestes da crise econômica (14 milhões de desempregados e a recessão mais profunda jamais registrada em nossa história) e da corrupção do PT e aliados, era bem compreensível que grande parte do povo quisesse varrer os petistas do mapa em 2016.

Somem-se a isso os crimes de responsabilidade concretos —as pedaladas e a criatividade contábil que só aprofundaram a crise fiscal, e que Miguel nem sequer tenta defender— e temos todos os elementos para o impeachment.

Não foi uma pequena elite de direita que tramou e efetuou o impeachment. Ele foi demandado por uma maioria barulhenta da população, que não raro rejeitava também os cabeças dos partidos de centro-direita, que o apoiaram com alguma relutância (com a consciência de que poderiam facilitar a volta do PT).

Esses líderes não contavam com amor popular. Basta lembrar que Geraldo Alckmin e Aécio Neves chegaram a ser vaiados numa manifestação anti-Dilma, e que a popularidade de Temer, em seus melhores momentos, jamais superou os 10%.

O mesmo povo apoiou majoritariamente as greves dos caminhoneiros que colocaram o governo Temer de joelhos. Bolsonaro nadou de braçada. Por fim, nas urnas em 2018, embora contasse com diversos candidatos (Alckmin, Amoêdo, Meirelles), a direita moderada também perdeu feio.

Volto ao ponto central do meu artigo original: temos um forte sentimento antissistema, uma insatisfação profunda com a vida institucional brasileira e com a política como ela é feita. Bolsonaro foi capaz de encarnar esse sentimento.

De minha parte, tenho a consciência tranquila —sim, esta consciência supostamente extremista, antipovo, que nega a solidariedade e ainda quer criminalizar a esquerda— por ter apontado e combatido o movimento pró-Bolsonaro desde 2016, quando ele já exaltava Ustra e antagonizava com Jean Wyllys na Câmara.

Já fui mais radical pró-mercado, mas a vida intelectual é constante transformação. Ao longo desse processo, aprendi muito com autores e interlocutores de todos os vieses, inclusive de esquerda. E sei que o ponto de partida para qualquer troca é não bloquear a discussão desde o início, acusando as motivações alheias, verdadeiro cacoete marxista.

Grande parte da esquerda brasileira ainda está presa ao jogo infantil de tentar colar todo mundo que não compactuou com o PT no campo filobolsonarista. É confortável atribuir as piores intenções para não ter que discutir a realidade.

Houve o petrolão? É um avanço prender políticos e empresários corruptos? É preciso resolver o desequilíbrio fiscal brasileiro? E enfrentar as causas de nossa pouca produtividade no plano global? Não adianta vir com os rótulos de “antipovo” e “contra direitos”. Ou talvez pensem que quebrar o país, estourar o desemprego, derrubar nossa produtividade, fazer controle político de preços e maquiar números, isso sim, seja ser pró-povo!

Esse primarismo mata o debate no Brasil. Não é à toa que, hoje, a oposição eficaz ao governo Bolsonaro venha justamente da centro-direita, no Congresso e nos governos estaduais. Teto de gastos ou expansão fiscal, mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível, abertura ou fechamento comercial, direito penal mais garantista ou mais duro com a corrupção; todos são plenamente defensáveis dentro de uma estrutura democrática. Não há que se condenar a priori as supostas motivações (e portanto a legitimidade) de cada um.

Felizmente, parece que o surto que elegeu Bolsonaro começa a enfraquecer. Lula, por outro lado, se fortalece. A pergunta é: seu projeto de poder continuará fechado nesse solipsismo esquerdista ou voltará ao pragmatismo do diálogo de seu primeiro governo?

Vale lembrar que o Bolsa Família foi elaborado em colaboração pragmática com economistas supostamente “neoliberais”, “antipovo” —Marcos Lisboa, Ricardo Paes de Barro e outros—, contra os desejos de quadros históricos do partido. Foi o maior sucesso do PT.

Lulistas viscerais e inteligentes como Luis Felipe Miguel podem ajudar a qualificar o debate ou, viciados na ilusão da própria superioridade moral, acusar tudo e a todos que não se curvarem. Lula e Bolsonaro podem ser muito diferentes, mas o fanatismo de seus seguidores é parecido.

Enquanto culpam os adversários —o Judiciário, a CIA (ou a ONU), a elite, a imprensa—, se aliam a Renans, Liras e Sarneys para governar. Só não se esqueçam de que o povo está vendo. E não se espantem se ele não comparecer.

*Joel Pinheiro da Fonseca é economista, mestre em filosofia pela USP e colunista da Folha

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/05/esquerda-precisa-superar-jogo-infantil-sobre-bolsonaro-e-impeachment-de-dilma.shtml

 


Rodolfo Borges: ‘Tchau, querida’ – O impeachment de Dilma na versão do diretor

É como se Iago tivesse escrito sua própria versão de OteloShakespeare, no caso, seria a Rede Globo, roteirista das desgraças de todo político brasileiro —na avaliação de todo político brasileiro que cai em desgraça, como no caso do autor em questão. Não se trata de buscar em Tchau, querida – o diário do impeachment (Matrix, 2021) verdades ou mentiras. Como se filosofou no Twitter outro dia, há hoje um engarrafamento de comentaristas políticos, quando aquilo de que mais precisamos é um bom crítico de teatro. Julguemos a beleza do diário de Eduardo Cunha, portanto, como o faria Bárbara Heliodora.

O deputado cassado justifica as 800 páginas de seu longo relato, que assina com a filha Danielle, pela preocupação em se ater aos detalhes dos fatos. Já nas primeiras páginas, contudo, distribui bordoadas a desafetos como a família Garotinho, o também ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ex-presidente Michel Temer —o maior alvo de seu relato, já que, ao contrário do que diz o famigerado “vice decorativo” de Dilma Rousseff, Cunha o acusa de trabalhar pelo impeachment “desde o início”. Mas é preciso reconhecer que a versão do diretor do impeachment de Dilma é bem menos romanceada que o açucarado Democracia em vertigem, para citar a crônica cinematográfica mais famosa do processo. Ao expor os meandros ordinários da política partidária do Congresso Nacional, Cunha oferece ao leitor os bastidores que sustentam o espetáculo do combate à corrupção, do enfrentamento da miséria, do crescimento econômico ou de qualquer outra bandeira virtuosa com as quais o público se entretém a cada ciclo eleitoral.

Sob a perspectiva do algoz de Dilma, a democracia brasileira sempre esteve em vertigem, mas especialmente durante o impeachment de Fernando Collor, quando o presidente foi processado politicamente por um crime comum —tanto que acabou julgado (e absolvido) pelo Supremo Tribunal Federal após renunciar para tentar escapar, sem sucesso, do julgamento político do Senado. Para deixar bem claro seu ponto, o ex-presidente da Câmara retorna no livro à proclamação da República, que classifica como um golpe de Estado, e pesca na história brasileira elementos que, somados, desembocarão no impeachment de Dilma. Esses elementos vão desde o Pacote de Abril de Geisel, que estendeu o mandato presidencial para cinco anos, o que acabaria descolando a eleição de Collor, em 1989, das eleições parlamentares e estaduais de 1992, até a vocação parlamentarista da Constituinte de 1987, conflitante com o presidencialismo adotado em sua sequência.

O presidencialismo de coalizão brasileiro é a base da instabilidade institucional para Cunha, e a opção por esse sistema só não foi mais nefasta para a República do que a adoção da possibilidade de reeleição, “o maior erro do período pós-ditadura”, que “jogou fora toda a estabilidade obtida por Fernando Henrique em seu primeiro mandato”. O livro está recheado de análises sobre estratégias feitas por um político dos mais competentes a passar pelo Parlamento brasileiro —ainda ressoa pelo plenário da Câmara a resposta de Cunha a Paulo Teixeira, em fevereiro de 2015, quando o deputado petista se valeu do “artigo 95” do regimento para tentar emplacar uma questão de ordem: “Não existe artigo 95”, respondeu de pronto o então presidente da Câmara, sem a necessidade de consultar o rebanho de assessores que ronda a mesa da presidência, deixando o adversário de momento completamente desconcertado.

Cunha aponta o clássico erro de cálculo de FHC ao deixar Lula sangrar durante a CPMI dos Correios em vez de optar pelo impeachment, optando pelo que parecia uma vitória fácil em 2006. A escolha do tucano permitiu ao petista se recuperar a ponto de conseguir se reeleger, mas se baseava em estratégia oposta —e igualmente frustrada— do próprio PT contra Collor em 1992; ao optar pelo impeachment do “caçador de marajás”, os petistas abriram espaço para a alternativa Itamar Franco e a criação do candidato FHC. Curiosamente, agora Lula estaria optando pela estratégia de deixar Jair Bolsonaro sangrar. A julgar pelo passado recente, não há garantia nenhuma de que o plano vingue. É curioso também o trecho em que Cunha explica como se baseou na ordem da votação da abertura do processo de impedimento contra Collor, do qual ele estava ao lado em 1992, para garantir de que as manobras do Governo Dilma para evitar o impeachment de 2016 não surtissem o efeito desejado.

Outra lição é dada durante a recuperação do episódio que, segundo Cunha, iniciou suas desavenças com a petista —e que a teria levado a trabalhar para isolá-lo no Congresso Nacional assim que tomou posse, em 2014. Refere-se a hidrelétrica de Furnas, onde havia diretores indicados por Cunha, trocados depois pela ex-presidenta, por suspeitas de irregularidades na gestão. “Dilma, como se vê, não havia perdoado que em 2007 eu tivesse ousado apoiar um ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro [Luis Paulo Conde], de extrema competência técnica, para ocupar um cargo em um setor [energia] do qual ela, naquele momento, se achava dona. Agora, eleita presidente, ela era realmente a dona de tudo”, escreve o deputado cassado. Conde presidiu Furnas, entre 2007 e 2008. “Essa é a origem de toda a raiva de Dilma contra mim”, sacramenta.

São inúmeras as vezes em que Cunha destaca os sentimentos de Dilma em relação a ele, sem mencionar o seus próprios ―e talvez não fosse necessário, pois o título e a capa de seu livro, claras provocações à petista, já o deixe bem claro. O autor segue: “Ela, pela falta de traquejo político, me transformou em seu maior inimigo, e, no curso dos anos seguintes, isso ficaria bem claro”. Em seguida, Cunha aplica a lição: “Certamente o fato de ela me transformar em inimigo acabou por me valorizar e me fazer crescer —pois em política é mais importante você escolher os adversários do que os aliados, já que os aliados se apoiam enfrentando os mesmos adversários”. E arremata: “Também em política, não se briga para baixo. Dilma, presidente da República, estava fazendo isso e não teria nada a ganhar, só a perder. Ela já era a presidente da República, e eu, um simples deputado”.

A narrativa de Cunha perde verossimilhança, contudo, quando ele tenta convencer o espectador de que a decisão de aceitar o impeachment de Dilma não teve nada a ver com o processo de cassação que ele enfrentava no Conselho de Ética e que, ao dar início à queda daquele Governo, o então presidente da Câmara pensava apenas no bem do país. Se todos os grandes eventos políticos que antecederam a derrocada de Dilma tinham uma série de variáveis político-partidárias por trás — como o próprio Cunha expõe de forma eloquente — por que apenas esse episódio, narrado pelo próprio diretor, seria diferente?

A franqueza exibida ao longo de todo o livro ganha brumas toda vez que o protagonista do enredo é Cunha —com raras exceções, como quando admite ter apresentado a proposta para limitar o número de ministérios a 20 para pressionar o Governo, e não exatamente para responder aos protestos de 2013, como alegado à época. Após descrever em tom heroico como, mudando de posição, garantiu a aprovação da MP dos Portos —que ele apelida de MP da Odebrecht, por supostamente beneficiar a empreiteira—, o autor menciona vagamente que “no meio do caminho” a Odebrecht o procurou pedindo ajuda para a votação, detalhando apenas que a empreiteira argumentou que a MP resolvia um problema de uma empresa sócia indireta do Governo, via FGTS. Argumento bom o bastante, ao que parece, para ele mudar de ideia.

Para além de indiretas, reflexões políticas, bastidores eletrizantes ―como tentativas de grampo ou mirabolantes manobras regimentais― e mesmo ousadias literárias, como a escolha por enumerar voto a voto o processo de impeachment ―“Chamei a Paraíba: Aguinaldo Ribeiro (PP); sim; Benjamin Maranhão (SD); sim; Damião Feliciano (PDT); sim (…) Faltavam apenas cinco votos”―, o livro apresenta a defesa de Cunha contra as acusações que o levaram à cassação e à prisão, fruto da Operação Lava Jato ―que, segundo ele, “atuou nos moldes de uma organização criminosa”. O leitor há de convir que seria demais exigir confissões de um político vivo ―e cada vez mais vivo, depois que um de seus pedidos de prisão foi revogado no final de abril. Afinal, como ensina Iago, quem expõe o coração à luz se arrisca a vê-lo dilacerado por gralhas.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-02/tchau-querida-o-impeachment-de-dilma-na-versao-do-diretor.html


William Waack: De Dilma a Bolsonaro

As questões básicas não resolvidas do País permanecem as mesmas

A década que começou com Dilma e vai terminando com Bolsonaro tem uma extraordinária constância. Nossas mazelas continuam praticamente as mesmas. Apenas mais escancaradas por uma pandemia que expôs (e também agravou) problemas que já existiam. Nesse sentido, não se pode falar de uma década que começa e termina com sinais trocados. A incompetência governamental e nossa complacência em sua essência seguem as mesmas.

Sim, Dilma foi a vítima da tortura praticada por um regime de exceção, que Bolsonaro teima em exaltar. Por mais abjetas e fracassadas as ideias que ela defendia, não há nada que justifique tortura especialmente por órgãos de Estado, como aconteceu na ditadura militar brasileira. É um aspecto que o capitão Bolsonaro ignora e que exércitos profissionais de democracias abertas, como na França (na Argélia), Estados Unidos (por último, no Iraque) e Israel (na Intifada de 1987) reconhecem como destruidor da moral da força armada e se empenham em condenar.

A sociedade brasileira segue exibindo a mesma tolerância em relação a pragas nacionais há tempos estabelecidas: injustiça social, miséria disseminada, violência endêmica, corrupção e incompetência governamental. São características com as quais se podia descrever o Brasil de 10 ou 20 anos atrás, e a onda disruptiva de 2018 não ofereceu resultados até aqui convincentes para alterar fundamentalmente esse quadro. As comparações internacionais nada proporcionam para nos orgulharmos em termos de nível de desenvolvimento humano e, especialmente, educação, que continua sendo entendida no Brasil como ferramenta e não como valor em si.

Nas comparações mais recentes estamos capengando para proteger nossa população da covid-19. Os que primeiro começaram a vacinar estão em todas as regiões do mundo. Nessa lista figuram ricos e emergentes, países gigantes e pequenos, regimes abertos, democracias liberais, monarquias absolutistas, a ditadura comunista da China, variadas etnias, as principais denominações religiosas (entre os latino-americanos, governos de esquerda e de direita).

O atraso brasileiro na questão da vacinação é uma vitrine expondo nossos limites estruturais. O sistema de governo, possivelmente o pior do mundo, mantém Executivo e Legislativo em choque constante, agravado pela insegurança jurídica emanada de um Judiciário que não foi eleito para governar, mas está governando. O podre sistema de representação política é fator preponderante para entender a falta de lideranças abrangentes e enraizadas – um grande deficit em situações de crise econômica e sanitária que se reforçam mutuamente. A força dos regionalismos e o egoísmo de suas respectivas elites – não só as geográficas, mas as de diversos segmentos sociais e econômicos nos fazem assistir à concorrência dos entes da federação.

Há aspectos peculiares na incompetência demonstrada pelo atual governo no trato da pandemia, mas incompetência em várias questões, agudas ou não, causadas pela “sabedoria” de chefes de Executivo (só lembrar o que Dilma fez com o setor elétrico, por exemplo) tem sido recorrentes. No plano mais abrangente, para um País que cultiva a imagem de ser dono de um futuro brilhante, estamos sendo extraordinariamente incompetentes em chegar lá. Nossa distância nesses dez anos em relação às economias mais avançadas aumentou – e estamos há mais tempo do que isso estagnados em matéria de produtividade e competitividade internacionais.

É confortável apontar o dedo acusador para este ou aquele governo do começo ou do fim da década. O fato é que nós os colocamos lá.


Marco Aurélio Nogueira: Nojo, horror, incivilidade

Ao debochar da tortura, Bolsonaro mostra falta de grandeza e compostura. Enquanto isso, megafestas tomam conta do País

Jair Bolsonaro perdeu uma oportunidade de ouro para ficar de boca fechada. Na segunda-feira 28/12, ao debochar da tortura sofrida pela ex-presidente Dilma Rousseff durante os anos da ditadura, ele não só agrediu uma mulher digna e combativa, como também fez papel de paspalho, insensível aos horrores do mundo.

O presidente mostrou ser pessoa perigosa, perversa, cruel, vazia de grandeza. Sem compostura, hostil aos ritos do cargo que ocupa, sem honradez e decência.

Pode ter desejado erguer mais uma cortina de fumaça para ocultar sua incompetência como governante, sua insensibilidade a cada dia mais ostensiva, sua incapacidade de dar atenção a qualquer coisa que diga respeito à humanidade de seus semelhantes e ultrapasse a defesa encarniçada de seus filhos enlameados na corrupção. A ideia deve ter sido desviar o foco daquilo que realmente importa, a vacinação, para a qual o governo não toma nenhuma providência. Nem seringas consegue comprar.

Pode ter desejado fazer isso, como se fosse o malandro-agulha de prontidão. Mas nada justifica suas palavras carregadas de ódio e desprezo, que ferem a decência de qualquer brasileiro em cujo peito pulse um coração.

Cometeu um crime contra o Estado democrático, contra a Constituição, a ética, a moral comum. Impossível fazer vistas grossas para tamanha prova de desfaçatez. Até quando ele seguirá desfilando pelo País esse estilo grosseiro que só faz excitar seus seguidores fanáticos e atiçar o lado mais sombrio da alma brasileira?

Nojo, asco e ojeriza definem bem o sentimento que muitos brasileiros sentiram ao presenciar aquela performance.

Incivilidade e indiferença

Enquanto isso, multiplicam-se pelo País as festas de massa. A desculpa é o réveillon, como antes foi o Natal, os feriados em ponte, a chegada do verão. Tenta-se justificar as aglomerações com a alegação de que as pessoas estão “cansadas da quarentena”. É incompreensível, injustificável, assustador.

Neymar organiza em Mangaratiba uma megafesta de 5 dias para algo em torno de 150-200 convidados. Consta que comprou um antigo haras para abrigar a multidão. Cego para as agruras do mundo, de costas para as pessoas, atrai “influencers”, artistas, youtubers,  os “parças”, a galera amiga de sempre. Um Narciso engolfado em sua egolatria, que ignora os problemas da sociedade.

Ainda no estrato de cima, milionários voam em seus jatinhos para fazer o mesmo em recantos paradisíacos do litoral.

Há bares, boates, galpões que reúnem centenas de pessoas nas grandes e médias cidades. Dançam, bebem, beijam, se abraçam, como se não houvesse amanhã. Há tentativas de interdição, a justiça e a polícia são chamadas, mas nada parece frear as festas macabras. Como escreveu o jornal londrino The Guardian. Nas periferias, a farra também corre solta, no ritmo do fluxo cotidiano.

A negação do vírus entroniza a ignorância, é um reflexo dela.

É duro admitir, mas muitos brasileiros entregaram os pontos. Não conseguem visualizar os efeitos em cadeia daquilo que fazem em público. Pouco se importam com o risco a que se submetem e a que submeterão os que os cercam. Não há neles qualquer senso de responsabilidade coletiva. Sentem-se acima dos mortais. Agem como aquele bárbaro que de repente aparece em plena civilização: apropria-se parcialmente do que há de progresso técnico e desenvolvimento sem compreender o mundo em que vive, com seus perigos e exigências.

É estarrecedor.


Míriam Leitão: Mensageiro da morte

O presidente da República gosta da tortura. Ele a defende, tem prazer em falar dela e fustigar as vítimas. Foi o que Jair Bolsonaro fez ontem, mais uma vez, com a ex-presidente Dilma Rousseff. Ela foi brutalmente torturada aos 22 anos, sobreviveu e construiu sua vida. E agora, aos 73 anos, ouve do chefe de governo do país palavras de deboche e ironia sobre o seu sofrimento. É desumano e, além disso, é crime.

Bolsonaro comete crimes reiterados na cara do país e das instituições. Tortura é crime hediondo e ele tem prazer em falar disso, sempre tentando pôr em dúvida a palavra da vítima. Ele exalta torturadores e os tem por heróis. Bolsonaro defende a ditadura e já foi para a rua, como presidente da República, defender o fechamento do Congresso e do Supremo.

O que faz o país? Nada. Ele permanece presidente e continua usufruindo da sua extensa impunidade. Ele não foi cassado, em 2016, quando no plenário da Câmara elogiou o torturador a quem chamou de o “terror de Dilma Rousseff”. Deveria ter sido. Foi o que eu escrevi na época.

É crime. Mas também é sadismo. O prazer de sentir a dor do outro, de lembrar ao outro o seu sofrimento em meio a gargalhadas. Dilma o chamou de sociopata. E ele é. Somos governados por um sociopata. Dilma o chamou de fascista. E ele é. Dilma o chamou de “cúmplice da tortura e da morte”. E é o que ele tem sido ao longo de sua vida e de sua presidência.

O Brasil quer olhar o futuro. Um país com tantos desafios e dores precisa olhar o futuro. Bolsonaro está preso a um passado cujo pior lado ele se compraz em lembrar. Ele não elogia a ditadura militar por um eventual acerto econômico ou obra de engenharia. Ele gosta é da brutalidade com que eram tratados os que se opunham a ela. É isso que Bolsonaro faz questão de lembrar.

Essa sociopatia é a mesma que ele tem demonstrado ao longo de toda essa pandemia. Ele brinca com a tortura dos anos 1970, da mesma forma como nunca demonstrou solidariedade a quem estava perdendo entes queridos para o coronavírus. Expôs ao país durante o ano inteiro as palavras da sua perversidade. O “e daí?”, o “eu não sou coveiro”, o “todos vão morrer um dia”. Foram inúmeras as demonstrações de desprezo pela vida humana.

São quase 200 mil mortos ao fim de nove meses. Doloroso tempo. Tempo de temer a morte, de se preocupar com parentes adoecidos, de se proteger do vírus, de tentar respirar. Tempo de médicos e enfermeiros lutarem sem trégua num esforço épico pela vida humana. Tempo de cientistas mergulharem em laboratório para conseguir em período recorde vacinas contra o mal.

O presidente do Brasil continuou no seu achincalhe. Sabotou todas as orientações médicas, ofendeu quem se protegia, promoveu a disseminação do vírus, espalhou mentiras, estimulou invasão de hospitais, tentou manipular estatísticas, aparelhou o Ministério da Saúde e a Anvisa. Agora, depois de longo padecimento, os brasileiros veem cidadãos de inúmeros países, inclusive vizinhos nossos, serem vacinados. Enquanto isso o presidente diz que “não dá bola” para vacina.

O Brasil está chegando ao final de um ano em que o mundo inteiro viveu uma assombração. Nós vivemos duas. Como todos os outros países, tivemos que lutar contra um inimigo invisível que tentava tirar de suas presas o ar dos pulmões. Mas tivemos também um presidente que tripudiou sobre a dor do país como um verdadeiro mensageiro da morte.

Dilma, a jovem que foi torturada e presa por mais de dois anos, chegou ao governo em 2011 e virou comandante em chefe das Forças Armadas. Nunca usou o cargo para perseguir os militares. A Comissão da Verdade foi uma exigência do país, e o que ela buscou foi a informação sonegada por tantas décadas. Outros países fizeram antes essa procura e foram mais duros com os torturadores. Dilma entregou aos brasileiros a Lei de Acesso à Informação, uma importante arma da cidadania. Todos os que leem esta coluna sabem o quanto divergi de muitas decisões do governo dela. Concordar ou discordar das administrações é o cotidiano do jornalista. O fundamental na vida, contudo, são os valores. O sentimento de empatia, de solidariedade, de compaixão, Bolsonaro não tem. E isso ele prova quando fala sobre o passado da ditadura ou sobre o presente da pandemia.


Carla Jiménez: Decrépito torturador de almas, Bolsonaro não cabe no cargo que ocupa, nem cabe no Brasil

Presidente tem a sorte de se deparar com gente que silencia sobre seus criminosos desvarios, cujos limites morais podem não ser tão baixos quanto os dele, mas com pontos de intersecção

A esta altura de 2020, qualquer pessoa que acompanhe minimamente o noticiário sabe que não há o que se surpreender com as atrocidades perversas que saem da boca do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Ao zombar da tortura da ex-presidenta Dilma Rousseff ele só mostra sua verve de torturador que sempre soubemos que ele tinha. Não há diferença entre a frase dita nesta segunda, 28, ―Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo”― e o “Quem procura osso é cachorro”, dita em maio de 2009, quando ele humilhava parentes de desaparecidos na ditadura ―assassinados por militares que pensam como Bolsonaro― que faziam pressão por localizar os restos mortais de seus familiares.

Bater covardemente em alguém, ainda mais uma mulher, ex-presidenta, só é típico dos bárbaros, dos mesquinhos, dos pequenos que têm inveja, dos futriqueiros venenosos, dos picaretas. Debater o porquê dele ter sido eleito e o que isso diz dos seus eleitores é algo que já se estendeu até demais nestes últimos dois anos. Já sabemos que Bolsonaro não é o mal puro, mas a síntese da maldade coletiva de um Brasil perverso, deformado. Não se trata somente da deformação dos que identificam e celebram sua crueldade, mas a distorção dos que não tiveram a chance de aprender e alcançar o que uma frase tão delinquente quanto a que ele pronunciou sobre Dilma faz mal à saúde do Brasil e à nossa democracia. A frase não é só sobre o passado. Ela tem uma correia de transmissão com a tortura que acontece nas delegacias e nas periferias do país todos os dias.

Custa chamar Bolsonaro de presidente da República. Ele não cabe nesse posto. Não representa o povo brasileiro, nem uma aspiração coletiva, nem um exemplo a ser seguido. Seus dois anos já demonstram que ele seria incapaz de fazer história com grandes realizações e contribuições para o Brasil. Não tem bondade, não tem empatia, não tem honra, nem respeito. Tem atitudes de um covarde, um sabotador nacional, com auxílio de muitos que o ajudaram a chegar lá e agora se descolam, como o ex-ministro Sergio Moro. O ex-juiz sabia exatamente o tamanho da própria credibilidade naquele momento e recebeu todos os alertas de quem era e agora vira e mexe o critica. Mas a última vez que Moro o criticou, no último dia 28, foi em função do atraso na campanha da vacinação. Não para condená-lo por Bolsonaro ter exortado a tortura a que foi submetida a ex-presidenta Dilma.

Bolsonaro sobrevive e, sim, uma tempestade perfeita pode reconduzi-lo ao poder em 2022. Ele tem a sorte de se deparar com uma época de lideranças fracas no Brasil, de gente que silencia sobre seus criminosos desvarios, cujos limites morais podem não ser tão baixos quanto os dele, mas com pontos de intersecção. É o constrangimento de ver o Supremo Tribunal Federal e procuradores de São Paulo envolvidos em pedido de prioridade na vacinação. É o marketing de gestor do governador João Doria cortando verbas de Ciência em São Paulo ―afora uma viagem desastrada quando os números da covid-19 estavam subindo. É deputado se gabando de ter ganhado fuzil de presente. Justiça seja feita, Bolsonaro tem um papel fundamental para a história brasileira ao mostrar aos que defendem a democracia o tamanho da nossa arrogância e ignorância sobre o Brasil real. Nos contentamos com pouco achando que o pouco era muito porque era somente para nós.

Pois bem. Os anestesiados pelo pavor da miséria no poder com a ultradireita estão ganhando anticorpos e, se o presidente ainda goza de prestígio num grupo de eleitores, esse mesmo grupo vai cobrar a fatura quando os erros de Bolsonaro trouxerem a colheita. Ele, que apontava o confinamento vertical no início da pandemia como um antídoto para proteger a economia ―e não ficar para trás num mundo competitivo―, teve a incompetência de deixar o Brasil a esmo para montar uma campanha de vacinação nacional e isso cobrará seu preço no tempo da nossa recuperação. Mais valeram as picuinhas e as artimanhas grotescas do que focar num plano que finalmente o poderia colocar à altura de um estadista.

Bolsonaro não cabe no cargo de presidente e sua monstruosidade se destaca a cada dia no mundo em que vivemos. No momento em que a Argentina avança no debate sobre aborto, jovens vão às ruas no Peru, chilenos reescrevem sua Constituição, mexicanos e costa-riquenhos lideram a vacinação na América Latina, o presidente brasileiro vai se tornando um corpo estranho. É o presidente que mente ao mundo culpando indígenas pelos incêndios no Pantanal, o machista arcaico num mundo cada vez mais feminista, o torturador de Dilma no dia do seu impeachment.

Pode ser que faltem dois ou até seis anos para que o peso de suas palavras o derrubem por si só. Para que seja o pária nacional, o antiexemplo, a dor na alma, a vergonha do Brasil. Tal qual quando na ditadura havia uma vergonha popular de dizer que se apoiou os crimes covardes do governo militar. Bolsonaro é o representante dos militares que iam botar bomba no atentado do Riocentro, dos militares que esconderam o rosto da fotografia enquanto Dilma era interrogada então com 22 anos. Dilma pode não ter sido tão popular enquanto presidente e isso é uma verdade que não se pode apagar. Mas seu tamanho e sua trajetória estarão altivas nos livros de história. Os de Bolsonaro, não.


Andrea Jubé: Destinos cruzados

Bolsonaro repete teimosia de Dilma e preocupa aliados

Candidato a prefeito de Recife, o deputado João Campos (PSB) teme o revés de uma derrota em dose dupla: para as urnas e para o destino.

Mais do que vencer a prima Marília Arraes (PT) no segundo turno na principal capital do Nordeste, João precisa driblar a arapuca eleitoral que o destino armou para ele.

O projeto político de João é repetir o pai, Eduardo, e se tornar governador de Pernambuco num futuro próximo. Mas João não quer repetir o pai, que saiu derrotado de sua primeira eleição majoritária. Justamente, para a Prefeitura de Recife.

Eduardo Campos tinha a mesma idade de João em 1992, quando desobedeceu a recomendação do avô, o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que o desaconselhou a concorrer ao comando da capital naquele ano.

Arraes ponderou que o neto, embora dedicado e competente, era jovem e inexperiente. Até então, seu único currículo na política era a chefia de gabinete do avô, em seu segundo mandato no Palácio do Campo das Princesas, de 1987 a 1990.

Arraes profetizou que Eduardo seria engolido pelos tubarões da política pernambucana. Ele enfrentaria nas urnas: Jarbas Vasconcelos (MDB), Humberto Costa (PT), André de Paula (do então PFL de Marco Maciel) e Newton Carneiro (PSC).

Cumpriu-se o vaticínio de Arraes: aos 27 anos, Eduardo Campos acabou em quinto lugar na eleição para a Prefeitura de Recife, atrás de quatro lideranças pernambucanas.

Agora, as coincidências tramam contra João: ele completará 27 anos no próximo dia 26, a três dias do segundo turno. Terá, então, a mesma idade de Eduardo quando este concorreu ao comando da capital há quase três décadas. Assim como o pai, seu primeiro emprego foi a chefia de gabinete do governador - no caso, Paulo Câmara (PSB), cria política do pai.

Não se sabe o que pensaria Miguel Arraes, morto em 2005, sobre o embate eleitoral entre os seus descendentes: a neta Marília e o bisneto João. A pecha da imaturidade, entretanto, recai sobre João. Não pelo alerta do bisavô, mas pela acusação da prima e adversária, que exibe trajetória mais longeva que ele na política.

No único debate na televisão antes do primeiro turno, Marília apontou o dedo para o primo, usando o argumento que o avô usou contra o neto no passado. “O debate mostrou quem é experiente e tem propostas, e quem é imaturo. Eu tenho trajetória, já o candidato do PSB é inexperiente e fabricado pelo marketing”.

João concorre menos verde que o pai na disputa atual: além da chefia de gabinete do governador, também exibe no currículo quase dois anos de mandato de deputado federal.

Dez anos mais velha que o primo, Marília foi vereadora em Recife por três mandatos. Em 2014, quis concorrer a deputada federal pelo PSB, mas não teve o respaldo de Eduardo, que presidia a sigla. No mesmo ano, ele nomeou João líder da juventude do PSB, cargo cobiçado pela prima.

Foi o estopim para o rompimento. Marília filiou-se, então, ao PT. Em 2018, despontou como nome competitivo para o governo, mas acabou sacrificada em nome de um acordo que evitou o apoio do PSB à candidatura presidencial de Ciro Gomes (PDT).

Agora, o destino pregou uma peça nos petistas. Marília se projeta como a principal aposta do PT para tentar levar uma prefeitura de capital, depois de um desempenho a desejar nas eleições municipais. Se João repetir a sina do pai, o destino pode dar um voto decisivo para Marília no segundo turno. Mas o destino, aos eleitores pertence.

Teimosia

Um dos aliados mais antigos do presidente Jair Bolsonaro acredita que ele paga o preço da teimosia ao sair com a pecha de derrotado nas eleições municipais.

Este aliado explica assim o desempenho presidencial no pleito: Bolsonaro “jogou errado” porque entrou tardiamente na campanha, e insistiu em apostar em candidatos desde o começo comprometidos com o fracasso.

Um exemplo emblemático é o Coronel Menezes (Patriota), que acabou em quinto lugar na disputa pela Prefeitura de Manaus. Em nenhum momento na campanha ele despontou sequer entre os três primeiros colocados nas pesquisas.

Confrontado por este aliado sobre o apoio inconsequente, Bolsonaro retrucou que não acredita em pesquisas. Alega que os institutos teriam falhado em sua eleição. Na tréplica, o aliado ponderou que na reta final, todas as pesquisas o confirmavam no segundo turno em 2018. Mas o presidente não dá o braço a torcer.

O presidente também não gosta de ouvir que as incursões pelo país para inaugurar obras irrelevantes ou inacabadas são inócuas para manter ou alavancar sua popularidade. Os poucos amigos não-bajuladores o advertem que as claques de 150, 200 pessoas que o recebem nos aeroportos, não representam, nem de longe, sua aprovação popular naquele Estado. Mas o presidente se irrita e desconversa.

Este aliado reafirma o que já se sabe até aqui: o presidente é refratário a críticas. Em vários episódios, demitiu auxiliares que ousaram dizer a verdade. O exemplo mais recente é o ex-porta-voz, general Otávio do Rêgo Barros.

Os ouvidos moucos e a aversão às críticas são reclamações que os petistas repetiam como ladainhas em relação à então presidente Dilma Rousseff. Lideranças influentes da sigla lamentavam que ela não sabia ouvir, e pagaria o preço da teimosia, quiçá, da arrogância.

Quando cedeu aos apelos para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez um primeiro gesto: substituiu Aloizio Mercadante por Jaques Wagner na Casa Civil. Mas já era tarde demais.

Este aliado critica os conselhos do núcleo político para que o presidente intensifique o tom moderado. O rompante da semana passada, com o “país de maricas”, e a menção à pólvora, assustou a ala militar, mais ponderada, e os aliados de centro preocupados com a reeleição.

O aliado rechaça que Bolsonaro se converta ao centro de uma vez por todas. “Como ele vai se transformar em político de centro, se ele foi de direita a vida toda?” Ele descarta qualquer mudança radical de Bolsonaro. “É uma bobagem falar em conversão, ele nunca vai mudar o jeito de ser”.


Hélio Schwartsman: estelionatos eleitorais

Mentiras eleitorais de Dilma estavam expostas poucas semanas após o pleito, e as de Bolsonaro foram aparecendo aos poucos

Com o arremedo de reforma administrativa apresentado pelo governo, o estelionato eleitoral perpetrado pelo presidente Jair Bolsonaro é maior até do que o cometido por Dilma Rousseff.

Enquanto as antinomias dilmescas ficaram mais ou menos restritas à economia, as do capitão reformado dizem respeito a praticamente todos os eixos de sua campanha. Ele, afinal, renegou as três bandeiras que o elegeram: o rompimento com a velha política, a luta contra a corrupção e a reforma liberal do Estado.

A diferença é que as mentiras eleitorais da petista ficaram escancaradas poucas semanas depois do pleito, já as do militar foram aparecendo aos poucos, diluídas em um ano e meio de administração. E, quando as coisas acontecem paulatinamente, as pessoas se acostumam com tudo, até com a sideral cifra de mil mortos por dia registrada no auge da epidemia de Covid-19, outro fracasso da atual gestão.

Também relevante para a popularidade é que, enquanto Dilma presidiu a uma transição da bonança para a recessão, Bolsonaro assumiu o comando já numa situação de penúria e não foi capaz de promover um crescimento perceptível. O primeiro quadro, mas não o segundo, leva a um sentimento de perda que não raro resulta em revolta contra o governante.

É aqui que nos deparamos com o que pode ser uma armadilha para Bolsonaro. O Brasil foi eficaz —alguns diriam pródigo— em promover um programa emergencial de renda para as famílias, que evitou a explosão social nas quarentenas. Mas não foi tão bem na ajuda às empresas, muitas das quais, especialmente as pequenas, não sobreviverão. E, se não houver postos de trabalho para assegurar renda à população depois que o auxílio emergencial acabar, poderemos ter problemas sérios, com grande potencial de impacto sobre a popularidade presidencial.

A inflação de alimentos, outro fator conhecido de revolta, que já dá as caras, tampouco ajuda Bolsonaro.


Janio de Freitas: A Folha no Erramos; editorial 'Jair Rousseff' trouxe de volta o tratamento de 'ditabranda'

Relações entre jornais e leitores são repletas de equívocos, de parte a parte

O jornalismo das últimas décadas, entre nós, vem fechando olhos e ouvidos para o leitor, cada vez mais. Com a consequência automática de tiragens em permanente queda livre e apelo ilusório à soma das versões impressas e digital, para socorrer os slogans. Na própria soma, está uma prova do descaso, que lhe deu o preguiçoso nome de audiência, referente a nada mais do que audição, captação de sons.

Da parte dos leitores, os equívocos vêm, em grande parte, de insatisfações e indignações que se retroalimentam porque, aqui, o jornalismo não se ocupa da imprensa como notícia normal. Um caso exemplar se tornou, na Folha, tabu que assumo a responsabilidade de romper, como outros que este jornal no passado me permitiu desrespeitar.

Trata-se do empréstimo, não sei se apenas episódico, de veículos da Folha à repressão na ditadura. Desde a redemocratização, essa colaboração substantiva e indigna é uma tinta pegajosa e indelével lançada contra a Folha, com justos motivos. Como sentença moral restaurada a cada atitude reprovável por determinados segmentos leitores.

À Folha não falta soberba, mas não vem daí a falta de explicação satisfatória para o erro. A impessoalidade do jornal e o seu silêncio levaram o ônus aos dois controladores da empresa, Octavio Frias e Carlos Caldeira Filho.

O primeiro, incumbindo-se sobretudo da atividade editorial; o outro, voltado mais para setores administrativos. A Caldeira credita-se a criação e comando de um modelar serviço de transporte e entrega de jornais, incomparável na imprensa brasileira da época, pela modernidade e dimensão da frota. Da qual saíram os veículos para o serviço sórdido.

Nunca ouvi que alguma vez Caldeira tenha clareado o ocorrido. Frias, muito menos. Mais onerado do que o sócio, dada a maior notoriedade da condução editorial, em 1993 a morte de Caldeira tornou Frias o alvo único. Um equívoco, além de intocado, ampliado. Não tem por que permanecer.

Da ditadura ainda tão presente ao presente ameaçado de sua volta: o editorial “Jair Rousseff”, no sábado (22), trouxe de volta a muitos leitores o tratamento de “ditabranda” certa vez aplicado, também em editorial, aos anos de tortura e assassinato nos quartéis.

Deste erro afrontoso adveio outro equívoco traumatizante nas relações entre o jornal e imensa parte da então centenas de milhares de leitores. Difundiu-se que Otavio Frias Filho, já diretor de Redação, foi o autor do editorial. Ou, em versão mais arriscada, quem determinou o uso do termo.

O que houve não era novidade, um editorialista revestindo com a autoridade do jornal o que, pode-se presumir por outros motivos, era ou é um conceito seu. Do jornal que publicara, e continuou publicando, tantas revelações de crimes de militares e da ditadura em geral, é que tal conceito não era.

A exemplo de Octavio pai, Otavio Filho guardou silêncio a respeito do editorial. Não há dúvida de que a imputação incabível o feriu. E acirrou indisposições suas com algumas figuras públicas e com posições à esquerda. Equívoco contra equívoco. Injustiça contra injustiça.

Para o bem e para o mal, com segurança do ato ou não, é incomum jornalistas ultrapassarem as reais ou presumidas opiniões e posições desejadas para o jornal, a TV e o rádio pelas respectivas cúpulas. Mas há transgressões e transgressões.

Sou, por exemplo, uma prova (ainda) viva, entre muitas, de que censura é inconciliável com os cânones da Folha. Já foi observado por inúmeros leitores, no entanto, que determinados comentaristas não são chamados à Primeira Página, ou o são rarissimamente. Embora possam ter frequente presença entre os mais lidos, no jornal e na internet.

Entre estes autores, em comum, a crítica ao conservadorismo, ao neoliberalismo, às fraquezas morais e à política no Judiciário e no Ministério Público, matéria-prima dos admirados comentários de Conrado Hübner Mendes e Celso Rocha de Barros. A discriminação é censura. É, no caso, autoritarismo clandestino, porque imposto onde é repudiado por princípio. Perde o jornal.

A procedência do editorial “Jair Rousseff” pode ter sido, também, o abuso de função. Como pode ter sido um aprofundamento, no pior rumo, da queda de asa para a direita introduzida ainda por Otavio Frias Filho. Se a Folha não esclarecer, o tempo, e não muito, o fará. Seja como for, não é, não pode ser próprio de um jornal, e deste nem como hipótese, o presente de maquiar a miséria humana de Bolsonaro juntando-lhe o nome ao de uma vida de dignidade que ninguém pôde atingir —Dilma Rousseff.

Por isso, peço licença a Cristina Serra para subscrever o bravo e brilhante artigo em que situa Dilma, Bolsonaro e o editorial nos termos justos e merecidos. Estendo o pedido a Conrado Hübner Mendes e a Nelson Barbosa, que apontou as imprecisões do editorial para servir ao seu título. Assim como o editorial será, são artigos para a história. Aos quais se junta a excelente carta da própria Dilma Rousseff à Folha.

Mas não se pode ignorar —nem entender, creio— o que se passa para que seja o mesmo jornal no erro ignominioso daquele título e na ética impecável da publicação, em suas íntegras, dos artigos de reprovação enérgica e sem concessão.


Ricardo Noblat: O truque de Aras para livrar Bolsonaro de ser processado por Dilma

Se depender de Augusto Aras, Procurador-Geral da República, a maneira mais segura de o presidente Jair Bolsonaro atacar seus desafetos políticos sem receio de ser processado é limitar-se a reproduzir o que disse no passado sobre eles, por mais ofensivo que seja o que tenha dito.

Há quase um ano, a ex-presidente Dilma Rousseff entrou no Supremo Tribunal Federal com uma queixa-crime contra Bolsonaro. Em vídeo postado na sua rede social em agosto último, Bolsonaro reproduziu um discurso que fizera na Câmara dos Deputados em 2014 no qual comparou Dilma a uma “cafetina”.

Cafetina é mulher dona de prostíbulo. Ou que agencia prostitutas mediante pagamento. Mulher de baixos sentimentos. Também chamada de madame, proxeneta. À época, Bolsonaro estava indignado com Dilma por conta da Comissão Nacional da Verdade, que investigara crimes cometidos pela ditadura militar de 64.

“Comparo a Comissão da Verdade, essa que está aí, com aquela cafetina, que ao querer escrever a sua biografia, escolheu sete prostitutas. E o relatório final das prostitutas era de que a cafetina deveria ser canonizada. Essa é a Comissão da Verdade de Dilma Rousseff”, afirmou Bolsonaro.

Por que se depender de Aras o Supremo arquivará a queixa-crime? Porque para ele, o comentário de Bolsonaro não foi feito durante seu mandato como presidente. E presidente da República não pode ser processado por atos anteriores à sua posse. Aras até admite que a conduta de Bolsonaro foi criminosa, mas…

Mas, nada! Para não se indispor com quem lhe presenteou com o cargo de Procurador-Geral da República, Aras preferiu basear-se na data da fala citada e não na data em que Bolsonaro reprisou a fala ofensiva a Dilma, compartilhando-a nas redes sociais quando já era presidente há oito meses. Truque jurídico vagabundo.

Caberá ao Supremo aceitar ou recusar o truque de Aras.