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Míriam Leitão: PIB e Pisa dão avisos ao país

PIB de um trimestre pode ser recuperado, uma geração perdida na educação, não. Manter o ministro Weintraub é continuar errando na área

A economia cresceu um pouco mais do que se imaginava no terceiro trimestre. O desempenho dos estudantes brasileiros é ligeiramente melhor do que o da última avaliação em 2015. O PIB ainda está 3,6% abaixo do ponto onde estava antes de entrar na recessão. Os dados dos alunos em ciências, leitura e matemática ficaram estagnados na década, por erros dos governos anteriores. Projeta-se para o PIB um crescimento de pouco mais de 1%. Na educação, os temores são de que 2019 tenha sido um ano perdido.

Os indicadores da economia no terceiro trimestre foram divulgados no mesmo dia em que saiu o resultado da avaliação feita no ano passado com os estudantes de 15 anos pela OCDE em 79 países. É impossível não olhar ao mesmo tempo para os dois conjuntos de dados. PIB e Pisa trazem alertas diferentes, em tempos distintos, aos quais devemos estar atentos. Qualquer país que pense em crescimento sustentado olha os números da educação com a mesma atenção que dedica aos de produção, investimento e consumo.

O resultado do PIB foi bom. Esperava-se 0,4% e a alta foi de 0,6% no terceiro trimestre. O investimento subiu pelo segundo trimestre consecutivo. A construção civil também está positiva. A indústria extrativa deu um salto por causa do petróleo. Há também alguns dados decepcionantes, mas o resumo de tudo é que os economistas começam a rever a previsão de 2020 para um pouco mais de 2%. O ritmo é lento, mas o país está melhorando. O PIB ainda não voltou ao nível pré-crise, do primeiro trimestre de 2014. Contudo, está 4,9% acima do ponto a que chegou no quarto trimestre de 2016, depois de dois anos de recessão forte.

O PIB perdido pode ser recuperado. Até uma década perdida na economia pode dar lugar a um período de forte retomada. Uma geração perdida na educação não se recupera. Os erros na economia produzem dores sociais, mas há sempre a chance da recuperação, e a equipe econômica tem tentado acertar. Os erros da educação fizeram o país perder o ano de 2019.

Os dados divulgados ontem pelo Pisa se referem a governos anteriores. Houve melhora mínima em 2018 comparado com 2015 nas três áreas. A avaliação do desempenho dos estudantes se faz a cada três anos e a próxima será 2021. Já perdemos um terço desse tempo, numa administração caótica no Ministério da Educação, sem foco, sem conhecimento da natureza da agenda para acelerar o país.

O governo Bolsonaro errou em várias áreas e continua errando. É como se essa administração não se satisfizesse apenas com o fundo do poço. Ao chegar lá, continua cavando. As últimas nomeações na área cultural mostram a opção pela insanidade. Na educação, não há chance de acertar se for mantido o ministro Abraham Weintraub. O que já vimos é mais do que suficiente. Ele não entende de educação, não ouve quem entende, despreza os alertas e se ocupa sistematicamente com falsas questões. Se o governo Bolsonaro quiser perder os próximos anos deve manter esse ministro. Se almeja melhorar, ele deve ser trocado por outro que entenda a missão desse cargo estratégico.

A desigualdade aumentou nos indicadores educacionais. Os alunos de maior nível socioeconômico têm desempenho muito acima dos estudantes de menor nível. Em leitura, a diferença é de 97 pontos. Como 35 pontos equivalem a um ano letivo, é como se fossem dois anos e meio de diferença. Apenas a metade dos alunos brasileiros atingiu o nível mínimo de proficiência em leitura.

Quem pensa a economia de forma atualizada sabe que a desigualdade brasileira é disfuncional e incompatível com um projeto consistente de crescimento. A educação à deriva vai aprofundar a desigualdade. Hoje, há várias entidades do terceiro setor que desenvolveram soluções para os problemas da educação. Há consenso de que é preciso valorizar o professor, ter uma boa política de alfabetização, aprender com os vários casos de sucesso no próprio Brasil, estimular no jovem a visão de um projeto de vida para que ele permaneça na escola.

Na economia, há consenso de que é preciso aumentar a produtividade e a qualificação de trabalhadores para um mundo de mudança acelerada na forma de produção. O Brasil pode limitar sua preocupação ao PIB do próximo trimestre ou do próximo ano. Mas o que ele deveria fazer é olhar seriamente para a educação se quiser ter um futuro econômico.


El País: 'Se não resolvermos a pobreza, não haverá preocupação com o meio ambiente', diz Ricardo Salles

Em viagem para a Cúpula do Clima, na Espanha, ministro do Meio Ambiente espera conseguir mais financiamento para a conservação da Amazônia

O aumento da superfície queimada na Amazônia neste ano, um total de 9.700 quilômetros quadrados —30% a mais que em 2018, um recorde em 11 anos— motivou críticas em todo o mundo sobre a política ambiental do Governo Jair Bolsonaro. Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que está em Madri para participar da COP25, a Cúpula do Clima, diz considerar que o desmatamento não terminará se não houver um desenvolvimento sustentável na região, em que vivem 20 milhões de brasileiros, que precisam de alternativas de sobrevivência. Para tanto pede investimentos e que a Europa libere a compra dos direitos de emissão de carbono.

Salles afirma também que vai respeitar as decisões dos povos indígenas —o centro da luta pela floresta—, mas não de grupos que decidam em nome deles, como ele diz que tem ocorrido.

Pergunta. O senhor acredita na mudança climática?
Resposta. Sim. Não há dúvida de que existe.

P. O desmatamento da Amazônia cresceu 30% no último ano. Como aconteceu algo assim?
R. O Brasil é um país que possui mais de 80% da floresta amazônica protegida e a consideramos um tesouro. O aumento do desmatamento começou em 2012. Temos que encontrar a origem, que está entre outras razões, na falta de desenvolvimento econômico sustentável para os mais de 20 milhões de brasileiros que vivem lá. Que tenham uma alternativa e que avaliem então a conservação da Amazônia. Quando o desmatamento diminuir, os pontos de incêndio se reduzirão.

P. Quem está por trás do desmatamento?
R. Por um lado, existe uma pressão de pequenos proprietários agropecuários, que cultivam pequenas parcelas e abrem novas áreas para produzir para eles mesmos. Em segundo lugar, existe a mineração, que continua sem ter regulamentação, e em terceiro, o mercado de madeira.

P. Qual o papel dos indígenas na proteção da Amazônia?
R. Os indígenas representam 1% da população e contam com 14% do território, quantidade de terra suficiente para eles e o Governo respeitará suas decisões. O que aconteceu até agora é que outros que não eram indígenas decidiram por eles.

P. Quem são esses outros?
R. Tem de tudo, representantes políticos, organizações civis, religiosas..., gente que se coloca à frente dos indígenas dizendo o que eles querem.

P. Todos os seus antecessores o acusam de desmantelar a política ambiental.
R. Isso não é verdade. As pessoas construíram uma narrativa que acusa o Governo de não respeitar o meio ambiente. Mas a realidade é que gastamos muitíssimo dinheiro em coisas que não deram resultado. Queremos que o resultado de cada recurso público ou privado investido seja medido e isso muda o comportamento.

P. A essas críticas se juntaram muitos Governos do mundo.
R. É importante dar as informações corretas. O aumento do desmatamento aconteceu nos últimos sete anos e isso não mudou no último ano. Além disso, é um terço dos 27.000 quilômetros quadrados que foram queimados entre 2004 e 2005. O que deve ser levado em conta é que as pessoas que vivem na Amazônia têm a maior quantidade de recursos naturais e, ao mesmo tempo, são as mais pobres de todo o país. Se não resolvermos a questão da pobreza, não haverá preocupação com a questão do meio ambiente. Esse é o maior inimigo do meio ambiente.

P. Quais medidas o seu Governo tomou para reduzir o desmatamento?
R. Em primeiro lugar, se propõe resolver a falta de segurança legal pela regularização dos certificados de propriedade. Sem isso é impossível responsabilizar as pessoas. Em segundo lugar, é importante desenvolver o plano de ocupação territorial da Amazônia para organizar a ocupação e o uso da terra. Também propomos o pagamento pelos serviços ambientais prestados pela floresta, não apenas para a população brasileira, mas para o mundo inteiro. Se se reconhece que a Amazônia tem um papel importante, é necessário um apoio financeiro considerável para apoiar a conservação. Por último, apostamos na bioeconomia, com investimentos dos mercados de cosméticos, de medicamentos ou da indústria de transformação de alimentos. Negócios que gerem oportunidades de emprego para que as pessoas que vivem aqui possam fazê-lo de maneira sustentável. Enquanto esses pontos são implementados, temos toda uma estratégia de controle, com fiscalização da polícia e das Forças Armadas. Mas só isso não é suficiente.

P. O que o senhor espera da COP?
R. É o momento de facilitar o comércio de carbono. A Europa fechou seu mercado e não permite a compra de créditos de carbono de outros países, inclusive da floresta amazônica; dessa maneira estão cortando as linhas de financiamento e os próprios europeus pagam um preço mais alto. Não é uma boa alternativa.

P. Existem dúvidas sobre a confiabilidade dos projetos que geram direitos de emissão no Brasil.
R. Eles são auditados por entidades públicas estrangeiras e têm total credibilidade.

P. O Brasil pede financiamento, mas o fundo da Amazônia (instrumento financiado pela Noruega e pela Alemanha para recompensar a redução do desmatamento) está paralisado e o Governo rejeitou o dinheiro oferecido pelo G7 no verão.
R. São assuntos diferentes. Uma coisa é o que foi prometido no Acordo de Paris, 100 bilhões de dólares para a luta contra a mudança climática, uma quantidade de dinheiro quase 100 vezes maior do que o que o fundo da Amazônia aporta em 10 anos. Também é um dinheiro é muito bem-vindo, mas é preciso respeitar a estratégia do Governo brasileiro, que é converter esses fundos em resultados concretos, que possam ser vistos.

P. Isso significa que o Governo quer aumentar o controle sobre esses investimentos?
R. Não necessariamente, mas saber como são implementados. Esses recursos serão investidos em ações, em estratégias. Até agora o Governo estava muito pouco envolvido com o destino desse dinheiro e, portanto, a estratégia pública tinha pouco a ver com esses recursos.

P. Na semana passada seu presidente acusou o ator Leonardo DiCaprio de “incendiar a Amazônia” com suas doações. Ele negou. O Governo tem alguma prova disso?
R. A investigação policial no Estado do Pará apontou que havia uma relação entre pessoas que lidam com organizações internacionais e a origem desses recursos. O que o presidente fez foi repetir o que já havia sido dito. Agora estamos aguardando o fim da investigação e que se tenha uma conclusão.

P. Quatro voluntários da Brigada de Incêndio de Alter do Chão foram presos na semana passada acusados de provocar incêndios. São os únicos presos?
R. Neste caso específico, ninguém mais está preso, mas outras investigações estão em andamento.

P. Existe um confronto com ONGs?
R. O que existe é a necessidade de usar os recursos com transparência, objetividade e resultados e todos devem se submeter a isso.


Juan Arias: A grande batalha, agora, é entre autoritarismo e democracia

Esquerda e direita já não nos servem. O mundo e seus medos estão revolucionando a linguagem da política

A linguística se tornou estreita para analisar as convulsões políticas que sacodem o mundo. Os velhos termos “esquerda” e “direita” não nos servem mais. Agora, o debate é entre autoritarismo e democracia. Essa é a grande batalha. Aqui no Brasil e em todo o planeta. Tanto não servem mais os velhos clichês da esquerda e da direita que criamos os termos “extrema esquerda” e “extrema direita”. Dizer que Bolsonaro, Putin ou Trump, por exemplo, são de direita significaria, na prática, fazer-lhes um elogio.

O mundo se dilacera hoje mais entre autoritarismo e democracia. Entre aqueles que lutam para cercear as liberdades individuais e coletivas e a democracia cada vez mais desprezada e ameaçada por nostalgias ditatoriais.

É de esquerda ou de direita o presidente Jair Bolsonaro, que em seus 28 anos como deputado federal quase sempre votou com o Partido dos Trabalhadores, o PT? É nacionalista ou ecumênico? E Lula é de esquerda? Era quando, em seu segundo mandato, quis impor o que chamou de "controle social" dos meios de comunicação com uma cartilha em que uma comissão de fora da mídia deveria atribuir pontos de boa ou má conduta aos jornalistas? É agora que, livre da prisão, busca de novo na sombra conexões com a direita e o centro enquanto o PT sangra?

Bolsonaro é de direita quando ataca o jornal Folha de S.Paulo, ao qual ameaça com sanções? Por que a direita tem que ser contra a liberdade de expressão? Não, Bolsonaro não é de direita ― se fosse, isso não seria um pecado. Ele é um autoritário com nostalgias de velhas ditaduras, paixão pela violência e a tortura e contrário a tudo o que cheire a direitos humanos e liberdades individuais.

Os termos direita e esquerda sempre foram ambíguos, até mesmo na religião. Na Bíblia se diz que Deus colocará "à sua direita" os justos e "à esquerda", os condenados. Deus é de direita ou de esquerda? Na linguagem popular, quando tudo dá errado dizemos que "levantamos com o pé esquerdo".

Não, os velhos rótulos do passado não nos servem mais. Hoje, a grande batalha mundial se dá entre o autoritarismo e o respeito à liberdade de expressão e à cultura. Entre o canibalismo político que se nutre de corrupções e privilégios vergonhosos, seja na direita ou na esquerda, e os valores da democracia cada vez mais ameaçada pelas velhas nostalgias nazifascistas.

O mundo hoje está dividido entre a fidelidade aos valores da liberdade, de todas as liberdades que nos permitam viver sem as correntes do autoritarismo que nos sufoca, e os valores que fizeram a humanidade viver em paz. A guerra e suas ditaduras são o autoritarismo em estado puro. É o ápice da tirania incensada no altar das falsas liberdades.

Que os termos direita e esquerda não nos servem mais para definir políticas concretas está cada vez mais evidente no mundo. Hoje, uma onda de autoritarismo, de negação dos direitos fundamentais, de obsessão contra as liberdades humanas que distinguem o ser racional, atravessa o planeta. Os analistas internacionais quebram a cabeça para tentar entender esse novo fenômeno que percorre o planeta e convulsiona até a velha e moderna Europa, sede dos esplendores do Renascimento.

Talvez seja preciso voltar a Freud, que analisou como poucos a necessidade que o ser humano, frágil e com medo de suas pulsões de morte, tem de segurança e de ordem. O pai da psicanálise nos explicou que a insegurança do ser humano e seus medos ancestrais fazem com que em tempos de turbulência e perda de identidade, como os que estamos vivendo, recorramos à figura paterna e autoritária, que nos oferece segurança.

Todas as grandes neuroses pessoais ou coletivas, as depressões em massa que sacodem todos os continentes, os medos da liberdade e dos diferentes derivam dessa insegurança inata do Homo sapiens, que se debate entre a nostalgia da liberdade perdida no paraíso e o medo da solidão radical, algo que projetamos diante de todos os diferentes, vistos como inimigos.

Mais que entre direita e esquerda, que já pouco significam, o mundo hoje se divide entre os anseios de liberdade, que são a essência da vida pessoal e coletiva, e os medos do autoritarismo castrador que nos corta as asas e nos impede de respirar o ar da liberdade.

Hoje o mundo está cada vez mais dividido de norte a sul e de leste a oeste entre os que, garroteados pelo medo, tentam erguer muros que nos separem, e os que, em nome da liberdade, que é o cerne da existência, preferem eliminar fronteiras.

Parece que estamos diante das velhas guerras ideológicas entre liberdade e escravidão, entre os que preferem viver em liberdade, embora ameaçados, do que em uma escravidão que nos oferece a miragem da segurança. Quem vencerá a batalha entre o autoritarismo que se impõe como um novo dogma e a democracia, que é o espelho dos anseios mais profundos do ser humano criado para cuidar do mundo e não para prostituí-lo?


Luiz Carlos Azedo: Tragédia na vida banal

“A repressão policial às manifestações culturais da periferia não é eficaz, apenas amplia a base social do crime organizado. Se fosse, não existiria mais pancadão em São Paulo”

Notável geógrafo, o falecido professor Milton Santos era um observador arguto da vida banal nas periferias do mundo, ou seja, o dia a dia dos cidadãos afetados pela globalização, com suas desigualdades e grande exclusão. Dedicou a vida a analisar sua época, com um olhar crítico sobre o atual modelo de relações internacionais, constituído entre 1980 e 1990, e que está sendo posto em xeque tanto no centro como nas periferias do mundo.

Sua geografia desenvolveu novos conceitos sobre espaço, lugar, paisagem e região, nos quais o fator humano tem um papel central. Sempre pôs uma lupa no uso político dos territórios para compreender o desenvolvimento. Teria hoje 93 anos se fosse vivo e, com certeza, do alto da pilha dos seus 40 livros publicados e com o prestígio de doutor honoris causa em mais de 20 universidades do mundo, seria mais uma voz a subir o tom diante da tragédia deste fim de semana em Paraisópolis, a maior favela de São Paulo.

Dizia que a captura das políticas públicas pelos grandes interesses privados acaba por deixar ao relento o cotidiano da população de baixa renda, que se vê obrigada a buscar alternativas de sobrevivência numa espécie de beco sem saída social, porque esses interesses estavam mais voltados para o lucro do que para os objetivos das políticas urbanas e sociais. Segundo ele, a vida banal é desprezada pelo poder público e, no espaço urbano onde essa ausência é maior, surgem as soluções improvisadas, as transgressões e a economia informal (o gás, a gambiarra, o gatonet, a proteção a agiotagem etc.), que muitas vezes acaba capturada pelo crime organizado, que achaca, chantageia e mata, seja ele o tráfico de drogas, sejam as milícias.

O que deseja um cidadão das periferias? Projetar seu próprio futuro, vislumbrar perspectivas dignas da existência, expressar sua maneira de entender o mundo, seja por meio de crenças, manifestações culturais ou práticas sociopolíticas. Ter qualidade de vida, viver num ambiente agradável e sustentável, provido de água, esgoto, energia e meios de comunicação na medida adequada, com assistência médica, acesso à educação e à cultura, meios de transporte e um sistema de abastecimento adequado.

Agrega-se a isso o acesso ao entretenimento e ao lazer, que também são as aspirações da maioria dos jovens brasileiros, porém, para parcela considerável deles, principalmente nas periferias, são inatingíveis. De certa forma, isso se reflete na cultura de periferia, no hip-hop, no funk, nos bailes de charme, no slam e no passinho. Como as políticas públicas não chegam às periferias na escala necessária, é natural que essas manifestações culturais fomentem a economia informal que dela se retroalimenta, do ambulante que vende água mineral, cerveja e destilados aos traficantes que distribuem a maconha, a cocaína e o crack para animar a festa, como também ocorre na maioria das “raves” de classe média, sem que a polícia toque o terror.

Economia criativa
Sem ironia, cada território tem a sua própria “economia criativa”. Festas de funk como o Baile da 17, em Paraisópolis, no qual nove jovens morreram pisoteados na madrugada deste domingo, após uma ação da Polícia Militar, ocorrem em todas as comunidades de periferia das grandes cidades, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro. Somente neste ano, foram realizadas 7,5 mil “Operações Pancadão” em São Paulo, nas quais foram efetuadas 874 prisões, 76 apreensões de adolescentes, apreensão de 1,8 tonelada de drogas e de 77 armas, de acordo com a corporação.

Era só uma questão de tempo uma tragédia como essa acontecer. Ninguém tem dúvida de que a violência é um dos principais problemas da nossa vida urbana, mas o endurecimento da política de segurança pública e o estímulo à venda de armas como alternativa de autodefesa para a população não são uma resposta à altura do problema. Além disso, a desconstrução das políticas públicas voltadas para as periferias, principalmente na cultura e na educação, contribui para agravar o problema. A repressão policial às manifestações culturais da periferia não é eficaz, apenas amplia a base social do crime organizado. Se fosse, depois de tantas operações, não existiria mais pancadão em São Paulo. É preciso oferecer aos jovens das periferias alternativas melhores para manifestações culturais, entretenimento e lazer. Bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta, balas de borracha e muita porrada, como vimos em Paraisópolis, só podem resultar em tragédias.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/tragedia-na-vida-banal/


Míriam Leitão: Por ironia, inimigo dos EUA somos nós

O ataque de Trump ao Brasil é um choque de realidade para o governo Bolsonaro. Países têm interesses, e não amigos ideológicos

O setor do agronegócio dos Estados Unidos é o que mais está sentindo o efeito da guerra comercial criada pelo presidente Trump contra a China. Por isso, ontem, ele inventou um inimigo externo, tática que sempre usa para camuflar seus erros. Desta vez, o inimigo somos nós. E conosco, por ironia, está a Argentina. Os dois países estariam, na delirante explicação de Trump, desvalorizando a moeda deliberadamente para aumentar suas exportações. E de novo mira no aço e no alumínio que já enfrentaram barreiras no governo dele.

Esse é o estilo Trump. Ele cria uma crise contra outros países, dá aos produtores americanos a impressão de que está agindo, e depois faz da retirada do problema, que ele mesmo criou, a sua vitória. Caberá à diplomacia brasileira defender os interesses do Brasil. Ela poderá constatar neste caso o que tem sido dito por todos os analistas que entendem de diplomacia e de comércio exterior, sobre a natureza das relações internacionais.

O que Trump mostrou ontem ao governo Bolsonaro é que países têm interesses e não amigos ideológicos. A resposta de Bolsonaro de que ligaria para ele porque são amigos é patética, tanto que no final do dia já tinha recuado. É preciso ter uma resposta formulada de maneira estratégica. Trump tudo faz de caso pensado e numa entrevista, depois dos ataques matinais no Twitter, voltou a falar contra o Brasil, argumentando que a desvalorização cambial estaria sendo “muito injusta para os nossos industriais e muito injusta para os nossos fazendeiros”.

O que Trump quer? Provavelmente ele está incomodado com a queda da exportação do agronegócio americano para a China, especialmente grãos e proteína animal. Parte da queda se explica pela retaliação chinesa à guerra que Trump iniciou. O governo americano chegou a elevar muito os subsídios à soja, o que desorganiza o mercado. Trump cria um caso na expectativa de falar para o seu público e depois exigir algo. A tática é pôr o bode na sala e depois pedir algo para tirar o bode.

Se ele quiser qualquer coisa que seja autolimitação das exportações do agronegócio para outros países será inaceitável. Mas com Trump é preciso sempre esperar pelo pior.

Nos ataques ao Brasil e à Argentina ontem, o presidente Donald Trump está tentando confundir uma vez mais. Ele fez referência aos produtores agrícolas antes de dizer que elevaria as tarifas do aço e do alumínio. Em um dos tweets, ele disse que deu uma grande redução de tarifas ao Brasil. Mentira. Ele elevou as tarifas, e depois recuou do aumento mas impôs cotas ao Brasil. Os exportadores de aço aceitaram essa limitação quantitativa e as exportações caíram este ano 16%. Ou seja, a desvalorização do real nem poderia ajudar a estimular a exportação porque tem um limite físico.

O dólar tem subido no mundo inteiro por inúmeros fatores, e um deles é a incerteza que Trump cria. O Brasil tem outros problemas internos, e a Argentina, ainda mais. Lá, houve inclusive um acordo entre o governo que sai e o governo que entrará no dia 10 de dezembro para impedir a continuação da desvalorização. Eles impuseram aos argentinos o “cepo”, uma restrição de acesso à moeda americana.

Nada do que Trump disse ontem fica em pé. Ele nada tem a reclamar do Brasil, que nos últimos anos acumulou muito déficit na comércio com os EUA. No ano passado, em dez meses, houve um pequeno superávit para o Brasil, de US$ 50 milhões. Este ano, o superávit dos Estados Unidos está em US$ 1,1 bilhão. Ao mesmo tempo, a exportação brasileira para a China recuou US$ 1,6 bilhão e o saldo comercial encolheu em US$ 1,8 bi. A exportação de soja do Brasil para a China recuou 26% em valor, ou US$ 6,2 bilhões, e o volume teve queda de 16%. A corrente de comércio com a China caiu de US$ 83 bilhões de janeiro a outubro de 2018 para US$ 81 bilhões no mesmo período de 2019. Este ano, por sinal, tem sido de queda do comércio internacional, por culpa de Trump.

O real não está sendo desvalorizado para estimular a exportação, e os números não mostram qualquer sinal de “comércio injusto” por parte do Brasil. A ironia de tudo isso é que a diplomacia de Bolsonaro estava brigando com a Argentina e declarando I love you para Trump. Agora está de cara com a realidade dos fatos: Brasil e Argentina estão no mesmo barco enfrentando o protecionismo americano e a acusação injusta de estarem manipulando o câmbio para ganharem no comércio internacional.


José Casado: Jair Bolsonaro triplica a aposta

Presidente usa os índios num jogo institucional de alto risco

Jair Bolsonaro resolveu flertar com a possibilidade um choque com o Supremo e o Congresso. Simultaneamente. Insiste em testar os limites institucionais usando, como instrumento, a desmontagem do sistema jurídico de proteção aos direitos da população indígena.

É sua terceira tentativa, em 11 meses, de reescrever na prática o trecho da Constituição que reconhece aos índios “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.

No primeiro dia de governo, Bolsonaro transferiu ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos a gestão dos direitos indígenas. Repassou a Funai e a demarcação de terras para a Agricultura. Fez isso numa Medida Provisória (nº 870).

Em maio, o Congresso vetou as mudanças. Devolveu a demarcação à Funai e recolocou-a na Justiça, onde estava. Bolsonaro não aceitou. Refez tudo numa outra MP (nº 886).

O caso foi parar no Supremo que ratificou, unânime, a decisão legislativa. No plenário, o ministro Celso de Mello usou três adjetivos para qualificar a insistência do presidente: “Inaceitável, inadmissível e perigosa.”

Obstinado, Bolsonaro agora baniu os índios do sistema de planejamento (Siop) e dos orçamentos da União até 2023. Mandou ao Congresso proposta de orçamento para 2020 com corte de 40% no fundo da Funai para “proteção e promoção dos indígenas” (LOA 2019/Programa 2065).

Deixou o Plano Plurianual de governo (2020-2023) sem previsão para a área. E transferiu a gestão dos direitos dos índios, assim como parte do orçamento da Funai, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, embora a fundação continue vinculada à Justiça.

Bolsonaro já foi garimpeiro amador. Por “excessiva ambição financeira”, registrou seu comandante, transgrediu normas do Exército em busca de ouro. Hoje, usa os índios num jogo institucional de alto risco. Conta com aplausos da ala mais extremista do lobby ruralista. É um grupo sectário e inepto, incapaz de reunir votos suficientes no Congresso para mudar a Constituição.


El País: Brasil estagna no PISA e expõe efeitos da desigualdade de renda e gênero na educação

Avaliação da OCDE, PISA mostra que desde 2009 país não tem evolução significativa nos indicadores de leitura, matemática e ciência

Foi curto, como um voo de galinha, o impulso que o Brasil teve nos indicadores de educação entre alunos de 15 anos. Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes 2018 (PISA, em inglês), divulgados nesta terça-feira, apontam que no início do século, entre os anos de 2003 e 2018, o país conseguiu melhorar a performance dos estudantes desta faixa etária em leitura, matemática e ciências. Porém, a prometida arrancada não veio. Desde 2009, os resultados médios dos alunos não apresentaram uma melhora significativa: o país praticamente estagnou. A tendência se mantém há quase uma década, apontam os dados da prova mais recente, realizada no ano passado.

Em 2018, o país conseguiu 404 pontos em ciências, praticamente um empate em relação aos 401 pontos registrados na edição anterior da prova, 2015. A média global dos 79 países ou regiões econômicas que participaram da avaliação em ciências foi de 489 pontos. Em leitura o Brasil conseguiu 413 pontos, um leve avanço sobre os 407 pontos de 2015, mas muito abaixo dos 487 da média geral da OCDE. Em matemática, o país que havia pedido 12 pontos na edição passada teve uma recuperação. Conseguiu chegar a 384 pontos (contra 377 do exame anterior), mas ainda abaixo de seu melhor resultado, 389 pontos, registrado na prova de 2012. A média da OCDE em matemática foi de 489 pontos.

Realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o exame realizado a cada três anos destaca que entre 2000 a 2012, o Brasil teve uma rápida expansão do ensino médio, adicionando mais de 500.000 estudantes à população total de jovens de 15 anos elegíveis para participar do exame. Esse crescimento é fruto de uma política de Estado que tornou obrigatória a educação básica para estudantes de 4 a 17 anos a partir de 2016. Anteriormente, só a matrícula de crianças no fundamental (6 a 14 anos) era prevista em lei. O mesmo movimento de expansão do ensino médio aconteceu em países como Indonésia, México, Turquia e Uruguai. A particularidade é que nesses países, o Brasil inclusive, o aumento no número de matrículas não sacrificou a educação oferecida, o que é esperado quando há uma grande entrada de estudantes no sistema.

A educação oferecida nesta etapa no Brasil, entretanto, manteve a mesma tendência de performance. Apenas 2% dos adolescentes tiveram os níveis mais altos de proficiência em pelo menos uma das disciplinas medidas pelo PISA 2018, a prova com resultados mais recentes. Enquanto isto, 43% dos alunos brasileiros obtiveram pontuação abaixo do nível mínimo em leitura, matemática e ciências. A média é maior que a obtida pelos países na lanterna da proficiência, ou seja, o grupo com os piores resultados —entre eles, 13% dos alunos estão abaixo do nível mínimo.

Nos níveis mais altos, os alunos podem compreender a leitura textos longos, lidar com conceitos abstratos e estabelecer distinções entre fato e opinião. Os estudantes também podem modelar situações complexas matematicamente, além de selecionar, comparar e avaliar estratégias para a solução de problemas. Além disso, são capazes de aplicar de forma criativa e autônoma seus conhecimentos sobre as ciências a uma ampla variedade de situações, incluindo as não familiares. Na média da OCDE, 16% dos estudantes atingem os níveis mais altos.

Cerca de 1% dos alunos brasileiros obteve notas altas em matemática. Paralelamente, seis países ou economias asiáticas tiveram a maior parcela de estudantes no topo desta disciplina: as quatro províncias chinesas Pequim, Xangai, Jiangsu e Zhejiang tiveram 44% de estudantes em destaque nesta disciplina, seguidas por Cingapura (37%), Hong Kong (29%), Macau (28%), Taipé Chinês (23%) e Coreia do Sul (21%).

Situação socioeconômica

desigualdade socioeconômica é um grande divisor de águas nestes resultados. Em 2018, alunos brasileiros mais ricos superaram os pobres em leitura em 97 pontos —em 2009, a diferença de desempenho nesta área entre os dois estratos socioeconômicos foi de 84 pontos no Brasil. A boa notícia é que cerca de 10% dos estudantes desfavorecidos conseguiram pontuar entre os índices mais altos do desempenho em leitura, o que indica, segundo o relatório do PISA, que a desvantagem econômica não é necessariamente o que determina o destino dos estudantes.

O otimismo da OCDE, no entanto, não se sustenta nas próprias análises da organização quanto ao potencial real de futuro desses estudantes. Cerca de 1 em cada 10 alunos desfavorecidos de alto desempenho não tem expectativa de concluir o ensino superior. Esse indicador muda quando relacionado aos estudantes mais favorecidos: apenas 1 em cada 25 alunos não deve terminar a faculdade.

Diferença de gênero

As meninas mantêm a liderança nos indicadores de leitura, com uma diferença média de performance de 26 pontos em relação aos meninos. Por outro lado, os meninos superaram as meninas em matemática em 9 pontos. Já nas ciências, meninas e meninos têm desempenho semelhante no Brasil.

De acordo com o relatório, entre o estudantes de alto desempenho em matemática ou ciências, cerca de um em cada três meninos no Brasil espera trabalhar como engenheiro ou profissional de ciências aos 30 anos. Apenas uma em cada cinco meninas espera seguir essas carreiras.

Dentre as meninas de alto desempenho, cerca de duas em cada cinco esperam trabalhar em profissões relacionadas à saúde ―o mesmo percurso deve ser seguido por cerca de um em cada quatro meninos com desempenho semelhante. Apenas 4% dos meninos e quase nenhuma menina esperam trabalhar em profissões relacionadas à tecnologia das informação no Brasil.


Fernando Gabeira: Saudades do Brasil

Uma medida do AI-5 foi pôr censores nos jornais. Não havia internet. Como fariam hoje para censurar a rede?

No dia em que o Flamengo se tornou campeão da Libertadores, cruzei no avião com um homem vestido com a camisa do time. Apenas nos olhamos, mas nos sentíamos unidos pela mesma tensão e esperança. Naquele momento, senti uma estranha saudade do Brasil. A seleção brasileira já não empolga como antes; o lugar foi momentaneamente ocupado pelo Flamengo.

Mas o futebol não era meu objeto de saudade, mas sim a política. Vim me perguntando na viagem de Natal para o Rio como era difícil encontrar essa sensação de unidade nacional, sobretudo em tempo de paz.

Quando digo unidade, não quero dizer unanimidade. Mas algo que congregue as pessoas para além de suas escolhas singulares. A última vez que senti isso foi no movimento pelas Diretas. A partir daí, a sensação foi escapando aos poucos.

É um pouco ingênuo acreditar nessa possibilidade. A política americana em alguns momentos conseguiu unificar os dois grandes partidos pontualmente, em temas bem definidos. Hoje, com Trump, esse sentimento deve estar se esvaindo também lá. Digo também lá porque aí as perspectivas são de confronto, com os atores se pintando para a guerra.

O Chile é uma espécie de arma que os contendores escolheram para o seu duelo. De um lado, a esquerda pedindo manifestações como a chilena; de outro, o governo de extrema direita acenando com o AI-5 e preparando-se para uma repressão sem limites, camuflada sob um nome bastante complicado: excludente de ilicitude, cuja tradução real é liberar a porrada.

Dentro desse quadro radical, uma tênue centelha do passado comum reaparece nas reações que surgem sempre que se fala de novo no AI-5. Elas têm sido rápidas e bastante amplas no mundo relativamente restrito dos que se interessam por política. Mostram não só um vigor democrático, mas apontam para uma unidade nacional contra estados de exceção.

Tenho várias razões pessoais para não acreditar num novo AI-5. A principal delas é ser velho o suficiente para conhecer as condições daquela época e as que existem hoje.

Uma das medidas do AI-5 foi introduzir pequenos grupos de censores dentro dos jornais. Não havia internet. Como fariam hoje para censurar a rede? Não me refiro apenas às dificuldades técnicas, mas aos gigantescos transtornos culturais e econômicos.

Naquele tempo, vivíamos numa Guerra Fria simbolizada pelo Muro de Berlim. Embora o governo ainda respire os ares da Guerra Fria, e o muro não tenha caído para uma parcela da esquerda, a verdade é que os tempos são outros.

O movimento pelas Diretas, com seu potencial unificador, foi basicamente contra um resquício da ditadura. Qualquer novo ato ditatorial, creio eu, poderá reviver seu espírito, uma vez que, apesar de todas as divergências, estamos de acordo em preservar o sistema democrático.

É possível olhar o que se passou no Chile de forma diferente: estudar o que aconteceu e buscar soluções menos dramáticas. O número de pessoas que ficaram cegas parcial ou totalmente supera duas centenas.

O ultraliberalismo tende a trazer enormes dificuldades para a vida das pessoas. Sem sensibilidade política, não há chances de racionalizar a economia. Da mesma forma, os governos de esquerda tendem a quebrar o país com a ilusão de que dinheiro cai do céu.

Uma ampla frente contra o fantasma da ditadura está no horizonte imediato, pois ela se manifesta toda vez que falam de AI-5. Mas ela ainda não é articulada o bastante para intervir na base da instabilidade. Propor uma agenda social aos liberais e uma racionalização econômica à esquerda.

Não deixa de ser estranho falar sobre AI-5 nesse começo de dezembro. Não é que me sinta aprisionado na máquina do tempo. Mas era como se conversasse com sua tela, com pessoas que ainda estão com a cabeça em 13 de dezembro de 1968.

Para não ficar triste, posso entender isso como uma maravilha da tecnologia, estar voltando atrás para dizer: não pensem nisso, vocês vão durar pouco tempo. E os adversários não serão mais os gatos pingados do passado, mas multidões enérgicas como a torcida do Flamengo.


Demétrio Magnoli: Segredos uruguaios

O vídeo de Guido Manini Ríos circulou no dia do segundo turno, 24 de novembro. Nele, o general aposentado, que obteve 10% dos votos no turno inicial, invectivava contra a esquerda em linguagem exaltada para chamar integrantes das Forças Armadas a votar em Luis Lacalle Pou, barrando um novo mandato à Frente Ampla. A mais notável reação partiu do próprio Lacalle Pou:

“Esse tipo de coisa não pode ocorrer no Uruguai”. Enquanto ele falava, a apuração registrava empate técnico, o órgão eleitoral adiava o anúncio do resultado para permitir uma contagem rigorosa dos votos restantes e os apoiadores dos candidatos rivais confraternizavam nas ruas.

Não —o Uruguai não é uma nação civilizada por natureza. O país viveu uma ditadura de 12 anos, entre 1973 e 1985, com raízes fincadas nas ações de um esquadrão da morte de extrema-direita e nos sequestros e atentados cometidos pelos Tupamaros, de extrema-esquerda. Durante a ditadura, cerca de 20% dos cidadãos foram presos em algum momento e 10% da população emigrou, num movimento que se refletiu na paisagem de casas abandonadas em Montevidéu e em forte desvio da morfologia da pirâmide etária. A civilidade uruguaia emanou da história recente: eles aprenderam as lições da ditadura.

O primeiro segredo situa-se à esquerda, na Frente Ampla. “É uma ditadura, nada mais que isso”, definiu Pepe Mujica, referindo-se à Venezuela. O ex-presidente, antigo líder dos Tupamaros, que ainda mantém relações afetivas com o grupo, fala uma linguagem incompreensível para o PT. Os Tupamaros nasceram em 1963, sob a influência da Revolução Cubana. Hoje, porém, quase toda a esquerda uruguaia saiu da caverna do castrismo, abraçando a ideia de pluralidade política. O “inimigo do povo”, tão caro à esquerda brasileira (e argentina), não tem lugar no discurso político uruguaio.

Mais: a Frente Ampla, ao contrário do PT, não é o veículo de um projeto de poder personalista, semicaudilhesco. Tem, por esse motivo, capacidade para rever seus erros e evoluir. Isso não é tudo. A esquerda uruguaia não está presa às âncoras do populismo e do estatismo: no pequeno país vizinho, nunca houve algo parecido como o varguismo ou o peronismo. Os 15 anos de governos da Frente Ampla consolidaram uma economia aberta, um liberalismo temperado por políticas sociais.

O segundo segredo situa-se à direita, nos partidos Nacional e Colorado. Diferente da Argentina, do Chile e do Brasil, a ditadura uruguaia só colocou um general na Presidência durante a etapa derradeira, a transição iniciada em 1981. Gregorio Álvarez, o general-presidente, comandou de facto oregime desde o início. Mas a fachada civil foi providenciada por líderes dos dois partidos históricos. A ignomínia propiciou o aprendizado: enquanto a esquerda renunciava à ditadura revolucionária do futuro, a direita fazia o mea-culpa pela ditadura contrarrevolucionária do passado.

A expressão “ditadura cívico-militar” aplica-se, em graus variados, aos casos do Brasil, do Chile e da Argentina —mas, no Uruguai, o colaboracionismo civil traçou uma fronteira no interior da elite política histórica. No referendo constitucional de 1980, quando a ditadura pretendia institucionalizar uma “democracia autoritária”, as correntes majoritárias dos dois partidos tradicionais escolheram o lado do “Não”. A redenção começou ali, pela marginalização dos sócios civis de Álvarez. Os uruguaios que acabam de eleger a coalizão de centro-direita não nutrem nenhuma saudade dos tempos da ditadura.

Luis Alberto Lacalle, presidente entre 1990 e 1995, foi preso em 1973 e militou, na clandestinidade, contra a ditadura. Ele disse “Não” em 1980. Seu filho, Lacalle Pou, repetiu o mesmo “Não”, por duas vezes. Uma, semanas atrás, quando recusou o apoio de Jair Bolsonaro à sua candidatura à Presidência; outra, na jornada do segundo turno, quando rejeitou o vídeo de Manini Ríos.

Bolsonaro prometeu comparecer à posse do novo presidente uruguaio. Nessa viagem, ele será o homem mais solitário do mundo. O Uruguai de hoje é uma nação educada, civilizada. Vá cortar o cabelo, presidente.


El País: O que está em jogo na Cúpula do Clima, que busca cortes mais drásticos das emissões dos países

A partir desta segunda, Madri se transforma no centro da luta climática internacional com a COP25. Os países devem concluir as discussões do Acordo de Paris e se comprometer a reduzir a emissão de gases

Quando há um mês as ruas de Santiago (Chile) queimavam pelos protestos e o Governo do conservador Sebastián Piñera precisou desistir de receber a Cúpula do Clima anual, se pensou em cancelá-la —simplesmente, que não fosse feita neste ano. Porque essa cúpula não estava destinada a entrar para a história. O encontro é uma transição entre a adoção e o desenvolvimento do Acordo de Paris —que foi fechado após anos de negociações e fracassos na capital francesa em 2015— e a implantação do pacto a partir da próxima década, que tenta fazer com que o aquecimento global fique dentro de limites suportáveis.

Mas a Espanha se propôs a realizá-la em Madri nas datas previstas: entre 2 e 13 de dezembro. E os que estão envolvidos nessas negociações internacionais afirmam que uma das razões fundamentais para não cancelá-la era o contexto. A cúpula, que começa nesta segunda, ocorrerá em meio a uma imensa falta de liderança internacional na luta climática e em um péssimo momento para o multilateralismo. Donald Trump já iniciou o processo para retirar os EUA do Acordo de Paris, a China não dá sinais de que irá aumentar seus planos de corte de gases de efeito estufa, a Rússia não apresentou à ONU seu programa para reduzi-los, os ainda Vinte e Oito (os membros da UE sem o Brexit) ainda não conseguiram entrar em consenso sobre a meta de zero emissões para 2050... Por isso a chamada COP25 deveria ser realizada, para fugir da sensação de que a luta climática internacional é um “processo que implode”, como disse na semana passada a ministra para a Transição Ecológica da Espanha, Teresa Ribera.

Mas esse encontro também tem pela frente dois desafios concretos: um político e outro técnico. Por um lado, deve servir para que se dê uma “clara demonstração” por parte dos países em “ampliar a ambição” contra o aquecimento, disse no domingo António Guterres, secretário-geral da ONU. Por outro lado, lembrou, é preciso terminar de desenvolver o Acordo de Paris e fixar os critérios para colocar em andamento mercados de emissões, algo que até agora não foi possível fazer pela falta de acordo entre os países.

Esses são os pontos principais da COP25 que colocará Madri no centro da ação contra a emergência climática.

O que é uma COP? A sigla COP em inglês se refere à Conferência das Partes. Ou seja, a reunião —normalmente anual— dos quase 200 países que fazem parte da Convenção Base das Nações Unidas sobre a Mudança Climática. A convenção foi adotada em 1992 e estabelecia que os gases de efeito estufa emitidos pelo ser humano em sua atividade cotidiana estão contribuindo com a mudança climática. A convenção, além disso, fixou que os países participantes devem reduzir esses gases. Para avançar esse tratado são realizadas as COP, em que participam os delegados e ministros dos quase 200 países do mundo. As cúpulas ocorrem a cada ano em uma região do planeta e essa edição cabia à América Latina. O Brasil se ofereceu primeiro, mas a chegada de Jair Bolsonaro fez com que o país renunciasse. O Chile foi a alternativa, mas desistiu há um mês e a COP será realizada em Madri. Ainda que o Chile continue conservando a presidência da cúpula, o que significa comandar as negociações.

O que é o Acordo de Paris? A convenção base serviu primeiro para que fosse aprovado em 1997 o Protocolo de Kyoto. Depois, em 2015, foi adotado o Acordo de Paris, que substituirá Kyoto a partir da próxima década e que obriga todos os países a fazer cortes nas emissões de gases de efeito estufa. A soma de todas essas reduções deve ser suficiente para que se cumpra o principal objetivo do Acordo de Paris: que o aumento da temperatura média do planeta não supere os dois graus centígrados em relação aos níveis pré-industriais, e na medida do possível que não ultrapasse 1,5. Esse é o limite estabelecido pela ciência para evitar os efeitos mais catastróficos de um aquecimento que já não pode ser revertido.

O que diz a ciência? Os estudos científicos —liderados pelo IPCC, o grupo de especialistas que assessora as Nações Unidas— e os diferentes órgãos internacionais ligados à ONU alertam que os países não estão de maneira nenhuma encaminhados para cumprir as metas de Paris: devem multiplicar por cinco seus planos de corte para conseguir a meta de 1,5 grau e por três para os 2 graus. A concentração na atmosfera dos principais gases de efeito estufa só aumentou desde a assinatura da convenção base em 1992. As emissões só caíram de maneira clara em períodos de crise. “Estamos em um buraco profundo e continuamos cavando”, resumiu Guterres, que afirma que a humanidade está ficando sem tempo e “logo será muito tarde” para que o aquecimento fique dentro dessas margens seguras.

O que é a meta? Por trás dessa expressão se esconde a premissa de que os planos de corte das emissões dos países não são suficientes. “A lacuna é enorme”, disse no fim de semana a ministra chilena do Meio Ambiente, Carolina Schimdt, que ostenta a presidência da COP25. Por isso, o Acordo de Paris estabelecia revisões periódicas ao aumento dos planos de corte. A primeira é em 2020 e o objetivo político é que os Governos se comprometam a fazê-la durante essa cúpula. Esses planos são de aplicação imediata e fixam metas para 2030. Guterres destacou que espera que mais países também se comprometam durante a COP25 a atingir a grande meta a longo prazo: a neutralidade de emissões para 2050.

O que é o artigo 6? O Acordo de Paris precisava de uma regulamentação de desenvolvimento e, desde 2015, os negociadores dos 200 países vem trabalhando nele. Mas a negociação encalha no artigo 6 desde 2015. “Não quero conceber a possibilidade de que não ocorra acordo no artigo 6”, disse Guterres. Mas, na verdade, seu desenvolvimento está se complicando. Esse artigo faz referência às trocas de direitos e unidades de emissões de gases de efeito estufa entre países, e é o único de todo o acordo que faz referência ao setor privado, já que abre as portas para que as empresas possam adquiri-los.

No Protocolo de Kyoto já existia um sistema pelo qual um país que não conseguisse diminuir o que precisasse de seus gases poderia comprar de outro Estado direitos de emissões. Esse sistema deve continuar com Paris e um dos principais debates é como evitar a dupla contabilidade, ou seja, que um mesmo direito não seja levado aos balanços de redução de dois países ao mesmo tempo.

A outra perna que deve se desenvolver dentro desse artigo afeta os mercados de emissões aos que devem comparecer as empresas dos setores obrigados a fazer cortes. Por exemplo, a aviação: as companhias terão que comparecer para comprar esses direitos para compensar suas emissões. A Europa já possui um mercado desse tipo e a filosofia por trás é que quando é obrigado a pagar pelos gases emitidos, o setor privado avança à eliminação do gás carbônico. Mas a União Europeia demorou 15 anos para fazer com que seu mercado se tornasse eficaz e só recentemente conseguiu substituir as usinas a carvão, as mais poluidoras.

Jovens, cientistas e delegados negociadores

As cúpulas do clima não recebem somente delegados para negociar, além de mandatários –em Madri são esperados 50 para a inauguração de segunda-feira. Entre as 25.000 pessoas que participarão da COP25 também há outros atores como os representantes de vários órgãos científicos. As cúpulas servem para que através da apresentação de diferentes relatórios se radiografe a evolução da luta contra o aquecimento e seus efeitos. Além disso, as últimas COP ganharam a forte presença de outro ator: os jovens ativistas que estão liderando os protestos nas ruas. Em 6 de dezembro se espera uma grande manifestação em Madri liderada pela ativista Greta Thunberg. Os cientistas e jovens terão a presença de mais um ator: as empresas. Durante a cúpula de Madri se espera que um importante número de grandes companhias se comprometa a reduzir suas emissões e a lutar contra o aquecimento.


Carlos Andreazza: O presidente da República contra a imprensa

O presidente Jair Bolsonaro falou ontem, referindo-se à administração pública, que tem dificuldades seríssimas em muitas áreas. Nós sabemos.

Aliás, nesta ocasião, referiu-se ao Tribunal de Contas da União como se parte de sua mesma equipe; como se não fosse o TCU um órgão de controle externo, que opera com autonomia. Não se trata de novidade. Já estendera essa visão privatizadora (para si) do Estado, por exemplo, à Polícia Federal – que enxerga (ou deseja) como uma instituição subordinada a seu governo, e não como um organismo de Estado com autonomia funcional. É assim mesmo. Bolsonaro ainda não entendeu – nunca entenderá – a ideia de República.

Por isso, claro, tem também dificuldades seríssimas em compreender o papel da imprensa e a impessoalidade republicana. Muitos dos atos de flagrante inconstitucionalidade perpetrados pelo presidente derivam de seu inconformismo em não haver sido eleito para imperar, com mandato para moldar o Estado de acordo com suas vontades, afetos e desafetos.

É comum que governantes não gostem de jornalistas e reclamem da atividade jornalística. Em Jair Bolsonaro, no entanto, esta hostilidade escalou. Integra um discurso. Constitui-se mesmo num dos pilares do projeto de poder autoritário bolsonarista. Como a lógica sectária que fundamenta o fenômeno personalista do bolsonarismo exige adesão incondicional, toda e qualquer instituição que exerça algum grau de independência será uma ameaça a ser emparedada.

O bolsonarismo não aceita – não admite – autonomia que não a sua.

Isto serve para o Parlamento, para o Supremo; e também para a imprensa. Que deve ser desqualificada, ter a credibilidade artificialmente esvaziada, sufocada – para que o governante, líder populista, faça prosperar a farsa de que o filtro intermediário jornalístico é prescindível, descartável, e que ele pode falar ao povo diretamente ou por meio dos canais a seu serviço. Afinal, como sabemos, o presidente – um governante – não mente...

A cruzada personalista de Jair Bolsonaro contra a Folha de S. Paulo – e usando o aparelho de Estado para tanto – não é contra o jornal; mas contra o jornalismo e, portanto, contra a liberdade de imprensa. Não se pode calar diante disto.

Não se pode calar ante um presidente que constrange empresários com alertas sobre anunciar em certos jornais e emissoras. Isto é crime de responsabilidade.

Ao cumprir uma promessa de imperador eleito e excluir a Folha – sem qualquer base técnica, a partir de inaceitável questão pessoal – de um processo de licitação para fornecimento de acesso digital ao noticiário da imprensa, o presidente não atentou somente, e gravemente, contra a impessoalidade republicana, mas turbinou, valendo-se novamente da máquina estatal, sua campanha autocrática contra a atividade jornalística e, por consequência, contra o Estado Democrático de Direito.

Não interessa que Jair Bolsonaro se sinta perseguido pela imprensa; vítima do jornalismo. Ele é o presidente. Fala como presidente. Age como presidente. Não existe Jair Bolsonaro, o homem e seus desafetos, quando se expressa via (musculatura da) máquina federal.

Já passou da hora de uma medida cautelar – pedagógica – sustar esse processo licitatório e colocar o presidente e suas vontades imperiais no cercadinho dos limites da República.

Estamos ainda ao 11º mês do primeiro ano do governo Bolsonaro. Nunca, desde a redemocratização, tal volume de ataques à imprensa – por um governante, o próprio presidente – foi disparado. Difícil supor que não vá piorar.


Alon Feuerwerker: Um benchmark para o centro

O pouco que há de instabilidade política deve-se, como já foi dito, à guerra pela hegemonia na direita. Estabeleceu-se quando as antigas forças dominantes tradicionalmente abrigadas sob o guarda-chuva do PSDB, ou que orbitavam em torno dele, foram ultrapassadas na eleição por Jair Bolsonaro. O bate-boca permanente do bolsonarismo é com a esquerda, mas seu inimigo principal está na direita inconformada que, sob o brand name de "centro", luta para retomar posições.

Não que a esquerda esteja protegida das balas. Para o bolsonarismo, bater no PT é a certificação permanente de autenticidade, de que merece ter a liderança do seu próprio bloco histórico. Daí os arreganhos e a guerra politico-cultural travada com a ordem expressa de não fazer prisioneiros. É uma tática que empareda o centro: se as tentativas de centrismo aproximarem-se da esquerda para construir uma alternativa, darão gás ao argumento de pavimentarem a volta do petismo; se não, ficará dificil distinguirem-se do bolsonarismo.

O centro precisará ter paciência e torcer para que um dia, exaurido, um dos lados conforme-se com a perda da capacidade hegemônica, e aceite ir para o segundo plano em nome do "combate ao mal maior”. Mesmo não havendo qualquer garantia de que este dia vai chegar. Se vier, poderá ser uma situação em que o bolsonarismo se mostre frágil no mano a mano com a esquerda. Ou o inverso, o adversário de esquerda se mostrar o melhor passaporte para Jair Bolsonaro ou uma alternativa (Mourão? Moro? Guedes?) faturar mais quatro anos em 2022.

Talvez o centro ande precisando de um benchmark. Há dois cases de sucesso. O primeiro é o velho MDB. Políticos que haviam apoiado a instalação da ditadura passaram a nuclear a oposição quando perceberam que o novo regime não lhes daria espaço. Os casos mais notáveis foram Franco Montoro e Ulysses Guimarães. Outro case foi Fernando Henrique Cardoso, quando convenceu o PFL de que ele, FHC, era o tíquete certeiro para evitar o então "mal maior", a vitória de Lula depois do impeachment de Fernando Collor.

Mas nos dois casos foi necessário as condições subjetivas, a consciência sobre a situação objetiva, alcançarem massa crítica. Por enquanto, o dito centro continuar acreditando que vai levar a taça denunciando “ambos os extremismos” parece política de pouca potência. É certo já haver em excluídos do poder, nos dois lados, alguma vontade de aderir à “frente ampla”, mas é movimento incipiente. Nem Lula quer aposentar-se, nem o eleitor de Bolsonaro parece tão vulnerável.

O paradoxo para o centro é que uma futura fragilidade do bolsonarismo estará inevitavelmente (advérbio perigoso) ligada à frustração na economia. E hoje o centro pode ser mais bem resumido em algo como “a política de Paulo Guedes, mas sem Bolsonaro, sem Olavo de Carvalho e sem o AI-5”. Ou seja, se a economia não trouxer resultados brilhantes na percepção do povão, vai restar ao centro o argumento de que Bolsonaro atrapalhou Guedes. Será preciso muita marquetagem, ainda que, atenção, a operação já esteja em andamento.

O maior problema, como sempre, é a teimosia dos fatos. A economia reage, mas lentamente e de modo muito desigual na pirâmide de renda. E o desemprego em torno de dois dígitos parece confirmar as análises de ter virado estrutural. O motivo é pinçado conforme a conveniência do analista. Quem não curte Bolsonaro diz que ele está atrapalhando. Outros falam em insegurança jurídica. Outros em instabilidade institucional. São todas explicações parecidas e não verificáveis, e portanto permitem a seus defensores argumentar ad nauseam impunemente.

O mais provável é que a recuperação esteja lenta porque não há qualquer expectativa de acontecer pelo menos uma de duas coisas (o ideal seria ambas simultaneamente): nem o Brasil vai virar uma plataforma de exportação competitiva da noite para o dia, nem há qualquer plano para uma expansão robusta do mercado interno no curto ou médio prazos. O capital vai atrás de oportunidades de retorno. O resto é o resto.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação