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Fernando Gabeira: A pós-verdade no poder

Dizer que a escravidão foi boa para os negros é um título de loucura que você não apenas pode como deve contrariar

Minha formação cultural se deu principalmente no século XX recheado de rocambolescas teorias revolucionárias. De um modo geral, eram apostas no futuro, uma inconsciente reconstrução do paraíso. Se há algo no século XXI para o qual custo a encontrar o tom adequado de lidar é esse período de pós-verdade, em que as evidências científicas ou não são atropeladas por narrativas grotescas.

O intelectual francês Bruno Latour considera que esse período foi de uma certa forma inaugurado por Colin Powell quando apresentou falsas evidências de armas de destruição em massa, antes da invasão do Iraque. Mas a tendência era muito mais forte, e aqui nos trópicos deságua no terraplanismo, na mamadeira de piroca, na crença de que o filósofo alemão Theodor Adorno escrevia as músicas dos Beatles, que John Lennon tinha um pacto com o diabo, que o rock leva ao aborto, que por sua vez leva ao satanismo. Como lidar? Às vezes, lembro-me da infância e dos conselhos paternos muito presentes nos adultos mineiros: não contrariar.

Lembro-me de uma ambulância que parou na porta do vizinho, um grupo se formou e, sem contato com os médicos e enfermeiros, alguém afirmou: “Foi leite com manga, certamente foi leite com manga que derrubou o vizinho”.

Essa ideia de não contrariar as afirmações malucas me acompanhou nos anos de juventude. No livro “O que é isso, companheiro?”, relato o caso de um louco que acordou gritando quando estávamos presos em Ricardo de Albuquerque. Ele tentava em voz alta, desesperadamente, ajudar a encostar um caminhão imaginário e às vezes se alarmava: “Vai bater, vai bater”.

Não conseguíamos dormir com aquele barulho. O único caminho foi ajudá-lo também em voz alta a encontrar o caminhão. Avançamos num ritmo conjunto até que conseguimos estacionar aquele maldito caminhão nas nossas exíguas celas de um distrito policial.

Mas essa tática é ineficaz quando se dizem coisas absurdas em nome do governo, sobretudo as que influenciam o destino de milhares de pessoas, a própria realidade histórica do Brasil. Dizer, por exemplo, que a escravidão foi boa para os negros é um título de loucura que você não apenas pode como deve contrariar. Inclusive destituir legalmente essa nomeação. Muitos adeptos do governo consideram apenas a economia, o combate ao crime e a gestão da infraestrutura como pontos essenciais. O resto seriam apenas borbulhas inconsequentes. Mas um país não se reduz à economia, à infraestrutura e ao combate ao crime. Ele é tecido de múltiplas teias que se interpenetram.

Considerar como apenas perfumaria nossa história de escravidão, tentar que revolvam nos túmulos nossos formadores — como Joaquim Nabuco, mas sobretudo milhares de negros açoitados e assassinados — é introduzir um elemento de corrosão que apodrece todo o tecido nacional.

Se tivesse tempo, iria me divertir demonstrando que Theodor Adorno jamais escreveria um verso como esse: “Help, I need somebody”.

Essa loucura é do gênero que não se precisa tanto contrariar. É preciso reservar um espaço para as de Bolsonaro. Elas repercutem na imagem do Brasil. Quando um presidente acusa um astro de Hollywood de financiar queimadas, ele nos expõe à autocombustão no conceito internacional.

Economia e infraestrutura não se fazem sozinhas. Política de segurança é algo muito complexo para se focar apenas na repressão. Andei por Paraisópolis para realizar um programa de televisão. O governo estadual afirmou que cumpriu o protocolo, e isso não foi entendido pelas pessoas. Se cumprir o protocolo leva à morte de nove jovens, alguma coisa estava errada nesse protocolo.

Certamente algo terá de mudar, assim como a própria ideia desses bailes funks chamados pancadões precisa ser, de uma certa forma, adaptada à vida das pessoas. Senti em Paraisópolis que há pessoas doentes, falei com muitos idosos, vi muitas gestantes. Elas não frequentam baile funk, mas são atingidas por ele. Não tenho uma saída no bolso. Aliás, fui ouvir as pessoas em que sentido apontam para se equacionar o problema.

Andamos por um território sensível cada vez mais acossados pela realidade, e os terraplanistas investem contra o rock e o satanismo. No século passado, os grandes, os chamados loucos de Deus, deixavam todos os confortos materiais para seguir sua orientação religiosa. O século virou, e hoje os loucos entram no governo e já nem se lembram mais de Deus, siderados que estão no combate ao satanismo. Da busca da verdade à pós-verdade o novo século me desconcerta.


Luiz Carlos Azedo: Sobre raposas e ouriços

“Os indivíduos de sociedades pluralistas pertencem a diversas coletividades, cada qual com sua identidade. Por isso mesmo, a imposição de uma única identidade está na gênese dos conflitos raciais, religiosos e étnicos”

Em tempos de radicalização ideológica direita versus esquerda, um pouco de John Stuart Mill não faz mal a ninguém, parafraseando o velho ditado que compara a prudência ao caldo de galinha. Há quase 200 anos, o teórico liberal inglês do século XIX, no rastro de John Locke, o pai do liberalismo e da Declaração de Independência americana, marco das democracias modernas, foi um crítico da “tirania da maioria”. Ao examinar as mudanças políticas que ocorriam em meados do século XIX, com a formação de governos eleitos, Mill procurou delimitar a fronteira entre o controle social e a liberdade individual. O tema é atualíssimo, principalmente na conjuntura em que vivemos.

Mill advertia que governos eleitos selecionam as visões da maioria e, muitas vezes, acabam por oprimir a minoria. Essa tendência é reforçada pela opinião pública, que se move pelo interesse próprio e imediato, em bases arraigadas, pela comoção, pela influência religiosa ou pela tradição. Não poucas vezes, no âmago das questões, maiorias conjunturais refletem velhos interesses de grupos dominantes da sociedade. O longo e glorioso reinado da Rainha Vitória (1838-1901), em meados do século XIX, foi o pano de fundo das ideias de Mill.

A Era Vitoriana foi marcada pelo binômio paz e prosperidade, com os lucros adquiridos a partir da expansão do Império Britânico, no auge e consolidação da Revolução Industrial e do surgimento de novas invenções. Três gigantes do pensamento ocidental surgiram nessa época: Charles Darwin, Sigmund Freud e Karl Marx. Apesar da emergência de uma grande classe média e dos avanços da ciência, da compreensão do indivíduo e da dinâmica econômica, essa época também foi marcada na Inglaterra por rígidos costumes, moralismo social e sexual, fundamentalismo religioso e muita exploração capitalista.

Nesse contexto, Mill tenta estabelecer um ponto de equilíbrio entre a autonomia individual e a interferência governamental. A chave é o “princípio do dano”, hoje consagrado no direito: a sociedade só pode interferir na vida do indivíduo, de maneira justificada, para impedir que cause dano a outra pessoa. “Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”, defende Mill. Parece trivial, na prática, porém, é mais complicado, porque o princípio se aplica ao pensamento, à expressão de opinião e também às ações. Entretanto, foram essas as premissas dos novos conhecimentos e da inovação. À época, a Europa vivia a plenitude do Iluminismo, enquanto o peso da tradição e a rigidez do mandarinato estagnavam a China, a grande potência do planeta por milênios.

Pluralismo progressista
Liberdade de pensamento, de gostos e objetivos e de associação entre os indivíduos fizeram a grande diferença. Um fragmento de poema do filósofo grego Anquiloco de Paros (século 7 a.C), citado pelo pensador inglês Isaiah Berlin, num ensaio literário sobre Tolstoi, ajuda a entender a razão: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe apenas uma coisa importante”. Existe um grande abismo entre aqueles que, por um lado, relacionam tudo a uma única visão central, um princípio organizador universal em termos do qual tudo que eles são e dizem encontra significado — e, do outro lado, aqueles que perseguem vários objetivos, frequentemente não relacionados e mesmo contraditórios. Estes últimos levam vidas, agem e contemplam ideias que são centrífugas ao invés de centrípetas; seu pensamento é diverso ou difuso, movendo-se em muitos níveis, aproveitando-se da essência de uma vasta variedade de experiências e objetos. “O primeiro tipo de intelectual e personalidade artística pertence aos ouriços, o segundo às raposas…”, dizia Berlin.

A vida atual, cada vez mais organizada em redes, corrobora a analogia, inclusive na política. Prêmio Nobel de 1998, o economista indiano Amartya Sen foi um dos que observou o fato de que os indivíduos de sociedades pluralistas pertencem a diversas coletividades, cada qual com sua identidade. Por isso mesmo, a imposição de uma única identidade, que açambarca e define tudo, está na gênese dos conflitos raciais, religiosos e étnicos. Essa diversidade é uma das causas do declínio dos velhos partidos políticos, com a ultrapassagem da sociedade industrial estruturada em classes bem definidas, e, contraditoriamente, do surgimento de movimentos regressivas, pautados pela xenofobia, pela homofobia e pelo reacionarismo político.

No Brasil, estamos vivendo um momento na vida política em que essas tendências emergem com muita força, seja pela via do sectarismo ideológico e obscurantista oficial, seja pela recidiva “classista” por parte da oposição, daí a oportunidade desse resgate do velho Stuart Mill. Não à toa, desde as manifestações de 2013, surgem movimentos cívicos de caráter liberal que se contrapõem, no plano político, ao “hegemonismo” de direita ou de esquerda. Esses movimentos — por exemplo, Acredito, Livres, Raps, Renova-BR etc. — refletem a diversidade de opiniões da sociedade e buscam, pela via da política liberal, uma sociedade mais moderna e pluralista. Esse liberalismo progressista não subordina os direitos humanos e a democracia ao desempenho da economia e pode ser um fator de renovação dos costumes políticos e dos partidos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-sobre-raposas-e-ouricos/


Eliane Brum: Belo Monte, a obra que une os polos políticos

Duas vezes inaugurada, a primeira por Dilma Rousseff (PT), a segunda por Jair Bolsonaro (PSL), a polêmica usina denuncia o drama da democracia brasileira

A polarização entre o bolsonarismo e o petismo é uma realidade. Há outras realidades, porém. E é urgente que elas sejam vistas. Perceber o que quebra a polarização é tão importante —ou até mais— quanto perceber o que a mantém, se quisermos respeitar a memória para, com ela, criar uma história que respeite a Amazônia e os seus povos. Hoje não mais uma opção, mas uma emergência, já que sem a floresta em pé não há possibilidade de futuro. Belo Monte é a obra que demanda o enfrentamento das contradições. É isso o que mostra, mais uma vez, a inauguração —pela segunda vez— da usina erguida no rio Xingu, no Pará. Quem inaugurou a primeira turbina, em 5 de maio de 2016, foi Dilma Rousseff (PT), antes da conclusão do processo de impeachment. Quem inaugurou a décima-oitava e última turbina foi Jair Bolsonaro (PSL), em 27 de novembro. Ambos estavam orgulhosos. Sem enfrentarmos os porquês deste orgulho pela realização de Belo Monte, capaz de superar a atual polarização política do Brasil, seguiremos barrados como país.

A cerimônia de inauguração, transmitida ao vivo pela TV Brasil, é bastante esclarecedora. Jair Bolsonaro, que se fez acompanhar da mulher, Michelle, manteve-se calado. Coube a ele o ato simbólico de acionar a última turbina. O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), discursou. É bastante justo que o tenha feito. Não por ser governador do Pará, mas porque pertence ao partido que, junto com o PT, fez de Belo Monte uma obra possível. A arquitetura financeira da usina é alvo de investigação da Operação Lava Jato, já que há suspeitas de negociação de propinas pelo PT e PMDB com empreiteiras que formaram o Consórcio Construtor de Belo Monte. Márcio Lobão, filho de Edison Lobão (MDB), ministro de Minas e Energia durante parte do segundo mandato de Lula e durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, chegou a ser preso em setembro deste ano por conta das investigações do propinoduto na construção de Belo Monte.

Vale sempre lembrar que, em 2010, ano do leilão da usina, a obra era orçada em 19 bilhões de reais. Hoje, é calculada em mais de 40 bilhões de reais, a maior parte dele financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Belo Monte é apresentada como a quarta maior hidrelétrica do mundo. É importante esclarecer, porém, que capacidade instalada —mais de 11 mil megawatts— é diferente do que efetivamente a usina vai produzir, aquilo que no jargão técnico se chama de “energia firme”. Como o rio Xingu vive metade do ano na seca, a média de produção de energia é menos da metade disso, uma das razões pelas quais cientistas e técnicos apontavam —e apontam— a inviabilidade da hidrelétrica.

É justo que Helder Barbalho, o herdeiro do clã Barbalho, que tanta história construiu e constrói no Pará e no Brasil, algumas ainda por serem devidamente contadas, faça as honras da casa. Não se deve esquecer a participação do PMDB, hoje MDB, no que veio antes e em tudo o que ainda acontecerá devido à construção de Belo Monte. O DNA de José Sarney esteve na retomada do projeto de Belo Monte no início do primeiro mandato de Lula, quando Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia, como esteve por décadas em tudo o que aconteceu no setor elétrico brasileiro. Agora, outra oligarquia da política nacional e do MDB fez questão de deixar suas digitais na obra mais controversa deste século.

O PT não estava sozinho na construção do “Belo Golpe”

O PT não estava sozinho na construção do que a população atingida chama de “Belo Monstro” ou “Belo Golpe”. Ao discursar, Barbalho preferiu definir a usina como “a maior obra de produção energética 100% brasileira”. Esta tecla, a do “100% brasileira”, tem sido muito batida, com o objetivo de exacerbar o nem tão novo tipo de nacionalismo que acomete parte dos brasileiros, o subserviente. Também serve para adicionar superlativos à Belo Monte, já que, sem isso, a maior hidrelétrica é Itaipu, dividida entre o Brasil e o Paraguai.

É interessante perceber como, apesar de seus detratores cíclicos, Freud segue atual. Sempre há algum ato falho, uma verdade que escapa, mesmo nos discursos mais estudados. Foi assim com Barbalho. A certa altura, ele agradeceu “a cada cidadã e cidadão que, ao longo dos últimos oito anos, dispensou a sua vida para esse empreendimento extraordinário que hora temos a oportunidade de entregar”. Extraordinário. É fato que milhares de pessoas tiveram seu modo de vida inteiramente destruído ao serem expulsas de suas casas, ilhas e terras e jogadas nas periferias urbanas de Altamira e de outras cidades da região. Algumas adoeceram e morreram. Outras foram assassinados no curso da violência que tornou Altamira a cidade mais violenta da Amazônia após a construção da usina. E há os que hoje vivem uma crise humanitária na Volta Grande do Xingu porque o rio está secando.

“Dispensou”, o verbo usado pelo governador do Pará, é um verbo justo. Apenas que estes homens e mulheres, adultos e crianças não “dispensaram” nem “dispensam” a sua vida porque assim decidiram, como uma espécie de sacrifício no altar do que alguns chamam de progresso. Ao contrário. Tiveram sua vida dispensada pela Norte Energia S.A., a empresa concessionária da hidrelétrica, pelos governos de Dilma Rousseff (presidente) e de Michel Temer (vice-presidente), e pelo judiciário que barrou o julgamento de parte das 25 ações produzidas contra Belo Monte pelo Ministério Público Federal. Tiveram sua vida dispensada também por todos aqueles que costumavam lutar pelos direitos humanos e, por conveniência política, deixaram de fazê-lo. Nesta dispensa de vidas há os que agiram —e há os que se omitiram. Ainda hoje é assim.

Ministro militar lembra que Belo Monte simboliza a continuidade do projeto da ditadura

Depois do discurso de Helder Barbalho, foi a vez de Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia do Governo Bolsonaro. Ele disse pelo menos uma verdade, importante para estabelecer as conexões históricas: “A conclusão desta obra, concebida na década de 70, no século passado, é marco histórico para nosso país. [...] Com sentimento de satisfação e alegria, vejo que somos testemunhas de mais um capítulo de prosperidade que contou, presidente, com uma visão estratégica: a concepção de uma política energética de Estado, criada há mais de 40 anos, com o uso da cultura da nossa academia, engenharia, indústria e da capacidade de empreendimentos nacionais”.

O militar Bento Albuquerque, almirante de Esquadra da Marinha que iniciou sua carreira em 1973, durante a ditadura militar (1964-1985), fez questão de sublinhar a continuidade —sem rupturas efetivas— da política energética e da política para a Amazônia instituída pelo regime de exceção e mantida durante a retomada da democracia. Belo Monte simboliza essa continuidade e desfaz, pelo menos neste campo, a polarização entre lulismo e bolsonarismo. Obra concebida na ditadura e barrada por décadas pelos povos indígenas e movimentos sociais do Xingu, a usina foi realizada pelos governos do PT, de Lula e de Dilma Rousseff. Como as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, Belo Monte é produto de uma visão de desenvolvimento para a Amazônia estruturada durante a ditadura militar que nunca deixou de estar presente nos governos da democracia.

Em nenhum deles, porém, essa visão foi tão vitalizada quanto nos governos do Partido dos Trabalhadores. Na construção da obra, em si, mas também na forma como Belo Monte foi imposta às populações atingidas e ao país. Do leilão à inauguração desta última turbina, a hidrelétrica pode ser contada por uma sequência de violações de direitos humanos, animais e ambientais em conluio com os governos e com a conivência de parte do judiciário.

Belo Monte, como já demonstrei amplamente em artigos publicados desde 2011, foi construída num microcosmo de exceção. Isso está amplamente demonstrado pelos fatos expostos em reportagens, relatórios científicos e ações do MPF. Um dia, se restar algum resquício de democracia no Brasil, essas violações serão julgadas. É importante que as ações sejam desbloqueadas e se recupere o fluxo da justiça. É também neste ritual que se recupera a memória, como as vítimas da ditadura e seus familiares sabem tão bem, já que nunca foram contemplados pela justiça brasileira. A desresponsabilização e o barramento da memória são ativos importantes do atoleiro no qual nos encontramos hoje.

A visão de desenvolvimento para a Amazônia atravessou as décadas e hoje é alegremente levada adiante pelo governo de Jair Bolsonaro, povoado por militares estrelados. É interessante observar como no discurso do almirante Bento Albuquerque o século 20 é resgatado em sua grandiosa decadência. O que é enaltecido é justamente aquilo que carregou as humanidades (no plural) para o colapso climático que hoje apenas começamos a experimentar. A visão do século 20 já demonstrou toda a sua capacidade de destruição da vida no planeta, mas ainda é repetida e glorificada. Também por uma parcela significativa da população brasileira, desinformada e pouco educada – e pouco educada também nas elites, que, vivendo em guetos, são muito deficitárias.

A tragédia atual do Brasil não é que os militares voltaram ao poder com Bolsonaro, mas sim que os militares que voltaram ao poder com Bolsonaro foram justamente os militares que não conseguiram se atualizar. De várias maneiras, só enxergam na sua frente o passado, tanto para impô-lo mais uma vez como o único destino possível, caso deste imaginário sobre desenvolvimento que nunca foi suficientemente criticado no Brasil, como para reescrevê-lo apagando os crimes cometidos pela ditadura contra a população civil. Sabemos que há militares preparados e bem informados, mas não são estes que apoiaram Bolsonaro. Estes seguem na Guerra Fria – ou precisam da Guerra Fria.

Movimentos sociais do Xingu exigem “envolvimento” em vez de “des/envolvimento”

Estamos, mais uma vez, às voltas com o passado que nunca passou. Com o agravante que, no caso de Belo Monte e das grandes hidrelétricas construídas na Amazônia nas últimas duas décadas, uma parte da esquerda ligada ao PT quer também apagar essa memória ou reescrever a história, o que torna tudo muito mais difícil para as vítimas e para o debate de um novo modelo de “envolvimento” com a Amazônia. No manifesto do encontro Amazônia Centro do Mundo, realizado em Altamira em novembro, os movimentos sociais do Médio Xingu propõem o “envolvimento” em detrimento do “des-envolvimento”. Des-envolver como “não se envolver” ou “deixar de se envolver”. Eles conhecem este des-envolvimento – literalmente na pele.

Discursa o almirante, que também é ministro de Minas e Energia do bolsonarismo: “O concreto aplicado em Belo Monte é suficiente para construir 37 Maracanãs!”. É século 20 na veia. Enquanto os efeitos nocivos do concreto são denunciados por todo o planeta, nossos ministros militares acham maravilhoso ter colocado 37 Maracanãs no meio da floresta amazônica. Bento Albuquerque quis fazer como Lula e invocar o futebol, aproveitando a vitória do Flamengo na Libertadores. Como juntou Belo Monte com Maracanã, porém, acabou evocando a corrupção presentes na obra da usina e na reforma do estádio para a Copa do Mundo de 2014.

Tanto o almirante quanto o governador enalteceram todas as grandes obras e os minérios e a indústria e a engenharia etc. Esqueceram-se por completo do que é a maior riqueza da floresta. Ou seja, a própria floresta em pé, que salva o planeta todos os dias pela sua capacidade de regular o clima. Esta que ainda empresta relevância ao Brasil, país que não para de se apequenar diante da comunidade global. Poderíamos criar uma bolsa de apostas para tentar descobrir se as autoridades brasileiras vão chegar ao século 21 antes ou depois do fim do mundo.

“Usina grandiosa”, enalteceu Dilma Rousseff ; “obra magnífica”, afirmou ministro de Bolsonaro

Este mesmo espírito do século passado inspirou Dilma Rousseff em 2016, na primeira inauguração de Belo Monte. A ex-presidenta foi ainda mais grandiloquente em seu entusiasmo. Lembremos apenas de uma pequena parte: “Essa usina é do tamanho desse povo. É grandiosa. É uma usina grandiosa. A melhor forma de descrever Belo Monte é essa palavra: grandiosa”. E segue: “Acho importante destacar que, com Belo Monte, nós não levamos só energia para o resto do Brasil. Criamos aqui uma riqueza única, que é colocar à disposição das empresas que quiserem vir aqui, colocar o seu negócio aqui, participar desse estado que tem grandes reservas minerais, grande potencial agrícola. Podem vir aqui, porque não vai faltar energia”.

Em 2016, Dilma assim terminou a primeira inauguração de Belo Monte: “Para concluir, eu quero dizer a vocês que eu tenho imenso orgulho das escolhas que eu fiz. Uma delas, que eu quero destacar mais uma vez, é a construção de Belo Monte como um legado para a população brasileira dessa região, para o povo de Altamira e o povo de Xingu. Mesmo que não seja dos municípios diretamente impactados por Belo Monte, toda essa população vai ser beneficiada direta e indiretamente. Tenho orgulho das escolhas que fiz”.

Em 2019, o almirante de Bolsonaro assim terminou a segunda inauguração de Belo Monte: “Destaco e enalteço o esforço, a competência e a bravura de que todos que trabalharam para a realização desta obra magnífica por todo e qualquer aspecto que seja considerada. É mais que orgulho, é mais que satisfação. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Temos, portanto, uma concordância explícita entre os dois polos que têm dominado o debate cotidiano do país. O Brasil não é apenas um construtor de ruínas. O Brasil não apenas constrói ruínas em dimensões continentais. O Brasil também inaugura duas vezes as ruínas que constrói.

Bolsonaro estava feliz como um menino ao fazer o acionamento simbólico das unidades geradoras da hidrelétrica construída pelo PT. Ao fazê-lo, o barulho terrível que se associava ao progresso no passado – o ruído das máquinas, o símbolo da suposta superioridade do homem sobre a natureza – se fez ouvir. Parecia um daqueles filmes futuristas do início do século 20.

No encerramento do evento Amazônia Centro do Mundo, semanas antes, foi exibida a peça teatral “Altamira 2042”. A diretora e atriz Gabriela Carneiro da Cunha captou os ruídos reais da conversão da floresta em hidrelétrica, da vida em morte. O trabalho é impressionante. A diferença é que, ao final desta barulheira infernal que Bolsonaro, Barbalho e outros celebraram, a barragem rompia. Na ficção, este é o futuro que os criadores apontavam.

Belo Monte é “fato consumado” para quem?

Gente demais, à direita e também à esquerda, gosta de repetir: “Chega de falar de Belo Monte, é fato consumado”. Fato consumado para quem?

Ainda que Belo Monte já tenha destruído vidas e modos de vida, os impactos do barramento de um dos maiores e mais vitais rios da Amazônia estão só começando. Neste momento, a Volta Grande do Xingu seca por conta do controle da água feito pela usina, e uma crise humanitária se instala na região. Uma carta do diretor-presidente da Norte Energia S.A, Paulo Roberto Ribeiro Pinto, afirma, conforme reportagem do El País de minha autoria, também publicada pelo The Guardian em 8 de novembro: “Se não mantiver a cota mínima de 95,20 metros no reservatório do Xingu, a onda negativa que poderá se formar devido aos ventos atingirá áreas da barragem não protegidas por rocha, situação que pode resultar danos estruturais à principal barragem do Rio Xingu, que é Pimental. Assim, é absolutamente necessário manter a cota mínima de 95,20 m para garantir a segurança da barragem de Pimental”.

Na tarde de 10 de outubro, também segundo o diretor-presidente da Norte Energia, o nível do reservatório já havia atingido a cota mínima. Por isso a empresa pedia autorização à Agência Nacional de Águas (ANA) para alterar as vazões de água, evitando assim o risco de danos estruturais: “Nesse sentido, por absoluto imperativo de: (i) garantir a segurança das instalações e (ii) manter a vazão mínima para o TVR (Trecho de Vazão Reduzida) em 700 m3/s (conforme Hidrograma), a decisão operacional da NESA é fazer o imprescindível ajuste emergencial e temporário de redução da vazão afluente ao Reservatório Intermediário para 100 m3/s”. O grifo é da empresa.

Procurada pela reportagem dos dois jornais com uma série de perguntas referentes ao documento enviado à ANA, a concessionária de Belo Monte limitou-se a comentar: “A Norte Energia, empresa responsável pela Usina Hidrelétrica Belo Monte, informa que vem cumprindo rigorosamente os compromissos estabelecidos no licenciamento ambiental do empreendimento". A resposta foi publicada na íntegra no corpo da reportagem. Em 21 de novembro, o El País publicou uma longa carta da empresa, repleta de jargões técnicos inacessíveis à maioria dos leitores. Nela, a Norte Energia nega que exista qualquer risco. Resta saber em qual carta – do mesmo autor – devemos acreditar. Ambas foram publicadas pelo El País e estão à disposição dos leitores, das autoridades e da comunidade científica.

Qual é a polarização que queremos?

Respeitar os fatos e produzir memória sobre Belo Monte é fundamental por todas as razões éticas óbvias. E porque é preciso esclarecer como partidos e sociedade civil vão enfrentar os impactos que ainda não foram indenizados, os impactos que jamais poderão ser reparados e, principalmente, os impactos que ainda podem ser evitados, como a morte da Volta Grande do Xingu. É essencial saber também como a esquerda vai enfrentar a retomada da construção de grandes hidrelétricas na Amazônia anunciada por Bolsonaro, parte delas projetadas pelos governos do PT.

O que proponho aqui não é o fim da polarização. Mas uma outra polarização que me parece urgente em tempos de escalada do autoritarismo bolsonarista: a dos direitos humanos contra a violação dos direitos humanos, a dos direitos da natureza contra a violação dos direitos da natureza, a do conhecimento contra a ignorância, a da democracia contra a quebra do Estado de Direito, a da centralidade da Amazônia viva para todos contra a predação da Amazônia para poucos. A da verdade contra todas as mentiras.

O que faremos com Belo Monte nos definirá– e definirá o futuro.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Brasil, Construtor de Ruínas, Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum/ Instagram: brumelianebrum


Luiz Carlos Azedo: O fator externo, China e EUA

“A equivocada política em relação ao meio ambiente e a radicalização ideológica em áreas sensíveis para a opinião pública mundial atrapalham a economia brasileira”

Para o Brasil, a notícia mais alvissareira da política internacional nesta semana foi a declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que as negociações com a China estão avançando, o que sinaliza o fim da guerra comercial entre os dois países. O otimismo de Trump tem a ver também com a preferência do líder chinês Xi Jinping de que ele permaneça à frente dos Estados Unidos, pois é melhor lidar com a reeleição de um concorrente previsível do que com um democrata ainda desconhecido, mas que certamente cobrará dos chineses mais respeito aos direitos humanos e à democracia em Hong Kong. Um cenário sem guerra comercial entre as duas potências favorece a expansão da economia mundial. Isso é muito bom para a economia brasileira.

A atual boa vontade de Trump nas negociações com a China, depois de tanto arreganhar os dentes para Xi Jinping, é um reflexo direto dos apuros em que se meteu na Ucrânia, o que pode custar a aprovação do seu impeachment pela Câmara dos Deputados. Tudo bem que o Senado norte-americano é controlado pelos republicanos, porém, dependendo das provas que existam contra Trump, não é uma boa ideia pôr em risco a economia norte-americana numa queda de braços cambial com os chineses. Tal cenário poderia complicar a vida dele também no Senado e levá-lo à derrota eleitoral.

Trump é acusado de violar a lei ao pressionar o líder da Ucrânia a buscar possíveis informações prejudiciais sobre um rival político. Em agosto, um oficial de inteligência anônimo escreveu uma carta denunciando uma conversa telefônica de Trump com o presidente ucraniano, em 25 de julho. Dizia ter uma “preocupação urgente” de que Trump tenha usado seu gabinete para “solicitar interferência de um país estrangeiro” nas eleições presidenciais de 2020.

Mais tarde, um memorando (e não uma transcrição) revelou que Trump pediu ao presidente Volodymyr Zelensky que investigasse o ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden, o principal candidato a competir contra Trump nas eleições do próximo ano, bem como o filho de Biden, Hunter. Alguns depoimentos ao comitê da Câmara apontaram que havia um “canal paralelo” diplomático com a Ucrânia, para solicitar as investigações, e há indícios de que Trump tenha usado quase US$ 400 milhões em ajuda militar para pressionar os ucranianos.

A sinalização do fim da guerra comercial entre os Estados Unidos e China somou-se aos resultados positivos do PIB brasileiro no último trimestre, o que animou o mercado de ações. Teve muito mais peso do que a notícia de que Trump voltaria a sobretaxar as importações do aço e do alumínio brasileiros, por causa da desvalorização do real ante o dólar. O principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, fechou em alta ontem e renovou máximas pelo segundo dia seguido. Ao longo da sessão, o Ibovespa subiu 0,29%, a 110.622 pontos. É o maior patamar de fechamento já registrado. Na máxima, chegou a 111.072 pontos.

Crescimento

O otimismo do mercado foi inflado também por causa das expectativas de crescimento da equipe econômica do governo: “Já estou escutando, pelo tipo de investimento e planejamento de algumas empresas, que a gente pode ter, pelo menos, um crescimento de 2,3%. Pode ser maior. O crescimento pode tranquilamente ser por volta de 2,3%, 2,5%”, afirmou o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, durante evento da XP Investimentos sobre perspectivas para 2020. “A gente está terminando o ano de 2019 e começando 2020 em um cenário muito melhor do que o governo e o mercado esperavam”, arrematou.

O que ainda atrapalha a economia brasileira, do ponto de vista externo, é a equivocada política do governo em relação ao meio ambiente e a radicalização ideológica, principalmente em áreas sensíveis para a opinião pública mundial, como as dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Para se ter uma ideia de como as coisas funcionam, por exemplo, o Brasil está tendo dificuldade para conseguir a extradição de criminosos, inclusive de colarinho-branco, por causa das nossas condições carcerárias. Fundos de investimentos estão revendo suas operações no Brasil por causa da questão ambiental. Artistas de todo o mundo começam a se engajar em protestos contra o governo brasileiro em razão das agressões oficiais ao mundo artístico e cultural.

Além disso, a nova política externa também não ajuda, é um jogo de soma zero. Capotou na primeira curva, por causa da reação da China e dos países árabes ao alinhamento automático com os Estados Unidos e Israel. Antes, apesar dos problemas, havia boa vontade com o Brasil, quando nada porque nossos diplomatas estavam empenhados em encontrar parceiros e conquistar a solidariedade para nos ajudar a resolvê-los. Não era pouca coisa.

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Eros Roberto Grau: Ainda a prisão em segunda instância

É só o Legislativo inovar, com prudência, nossos Códigos de Processo Penal e Civil

O texto do artigo 5.º, inciso LVII, da nossa Constituição - uma de suas cláusulas pétreas - é cristalino: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A partir daí afirmei aqui mesmo, em texto publicado no dia 22 de novembro, que só uma nova Assembleia Constituinte poderia impor a prisão após condenação em segunda instância. Desejo agora dar a mão à palmatória, pois essa minha afirmação decorreu da consideração isolada do artigo 5.º, inciso LVII, e não do todo que a nossa Constituição compõe.

Há alguns dias li num jornal uma notícia muito interessante. Plenamente consciente de que o artigo 60, parágrafo 4.º, IV, da nossa Constituição estabelece que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, cogita de algo novo. Uma emenda constitucional que estabeleça que as sentenças penais condenatórias transitarão em julgado imediatamente após sua confirmação em segunda instância, a partir daí tornando-se possível a propositura de ações rescisórias perante o Superior Tribunal de Justiça.

Retornei, então, à Constituição no seu todo e à prática da pesquisa, como a exercitava no meu tempo de jovem. De lá para cá, de cá para lá encontrei a ata da 23.ª Reunião Extraordinária da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, realizada em 7 de junho de 2011. Uma audiência pública destinada a debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2011, que alterava os artigos 102 e 105 da Constituição para transformar os recursos extraordinário e especial em ações rescisórias. Audiência em torno da exposição do ministro Cezar Peluso, então presidente do Supremo Tribunal Federal, sobre a matéria.

A leitura dessa exposição muito esclarece, especialmente quanto à origem dessa PEC, uma ideia do próprio ministro Peluso. Não de transformação desses recursos em rescisórias, porém de exclusão, retirada dos seus efeitos obstativos. Em síntese, o que ele então sugeria era que esses recursos passassem a ser dotados de eficácia rescindente ou rescisória. Vale dizer, desconstituição ou substituição de determinado juízo por outro.

Essa proposta de emenda constitucional, por alguma razão, não sei qual, foi arquivada. Mas a releitura da exposição de Peluso - além do quanto me esclareceu meu irmão de coração Aloysio Nunes Ferreira, que foi seu relator - é hoje, aqui e agora, fundamental. Permitam-me dela extrair alguns ensinamentos.

Nosso sistema recursal sendo composto de quatro instâncias, a mera admissibilidade de recursos impede o trânsito em julgado do quanto afirmado pelos nossos tribunais. Acontece que a nossa Constituição nada define sobre a coisa julgada e sobre o marco do trânsito em julgado. Faz referência a ambos os institutos, cuja definição é objeto de normas infraconstitucionais. Sucede que hoje, em virtude de um preceito infraconstitucional do Código de Processo Civil, a concepção de coisa julgada está ligada à condição de exaustão de todos os recursos possíveis. Bastará, portanto a alteração do seu texto para impor a prisão após condenação do réu em segunda instância.

A admissibilidade dos recursos não impedirá o trânsito em julgado das decisões recorridas. Seu eventual provimento pode conduzir à desconstituição, anulação ou cassação da decisão impugnada, caso em que o processo retornará ao tribunal de origem para que nova decisão seja proferida. Daí que esses recursos não consubstanciam ações rescisórias. Não se instaura um novo processo a partir deles. Eles somente ganham uma eficácia diversa, eficácia rescisória da coisa julgada, em caso de provimento. Coisa julgada que já se terá formado por julgamento nos tribunais de Justiça de segundo grau e nos tribunais regionais. O recurso extraordinário, o recurso especial e o recurso da área trabalhista continuarão sendo instrumentos de revisão do acerto jurídico das decisões dos tribunais locais e regionais. Recursos que não permitem exame de questões de fato e cuja possibilidade de conhecimento está adstrita unicamente a questões jurídicas, questões de Direito.

Outro ponto a considerarmos está em que a prisão após condenação do réu em segunda instância não reduz os direitos e garantias individuais. Nosso direito positivo assegura plenamente aos réus o direito de defesa mediante alegações e provas produzidas em primeiro e segundo grau de jurisdição. Em terceira e quarta instância as alegações giram apenas em torno de questões jurídicas.

No mais, procurando sintetizar suas afirmações quanto à presunção de inocência, nada, nenhuma referência a ela encontramos na nossa Constituição. Nada. Ao afirmar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ela apenas confere a cada réu uma garantia de tratamento digno no curso do processo. É isso que a Constituição assegura.

A leitura da notícia que li num jornal a respeito do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e a lição do Peluso, meu amigo, me fazem mesmo dar a mão à palmatória. Além de tudo, porque não me farto de afirmar, no quanto escrevo, que não se interpreta a Constituição em tiras.

A volta à juventude, quando eu não gozava da presunção de que sabia tudo e me dedicava mais à pesquisa, me dá plena consciência de que a nossa Constituição nada dispõe a respeito dos efeitos dos recursos especiais e extraordinários, matéria processual a respeito da qual a lei - não ela, a Constituição, em razão dessa ou daquela emenda - poderá/deverá dispor. O que me leva a sugerir que o nosso Poder Legislativo tudo resolva limitando-se a inovar, prudentemente, nossos Códigos de Processo Penal e Civil.

*Advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, foi ministro do STF


César Felício: O preço da liberdade

São poucos os que não chegaram à constatação de que o atual presidente só não golpeia as instituições por falta de oportunidade

A frase, muito repetida, é de 1790 e trata-se da adaptação do trecho de um discurso de um advogado irlandês pouco conhecido no Brasil, John Curran. “A condição sobre a qual Deus deu liberdade ao homem é a vigilância eterna; a qual, se quebrada, torna a servidão ao mesmo tempo consequência de seu crime e castigo de sua culpa”. O preço da liberdade, pois, é a eterna vigilância, como têm alertado recentemente governadores, dirigentes partidários e observadores da cena política brasileira.

Do PSDB ao PCdoB, do MDB ao Republicanos, do PL ao Psol, da sala de um banqueiro na Faria Lima a simpósios de cientistas políticos, ao longo do ano, a frase foi frequentemente citada quando os interlocutores foram convidados a refletir sobre o que tem significado este primeiro ano do governo Bolsonaro. São poucos os que não chegaram à constatação de que o atual presidente só não golpeia as instituições por falta de oportunidade. A estratégia é a de contenção permanente, em um ambiente onde o risco de um golpe não está sendo negligenciado.

Brasil vive guerra fria particular que favorece Bolsonaro
O próprio presidente e seu entorno ajudam seus vigilantes nos momentos de grande vacilação, em que a tese do golpismo parece excessivamente frágil por não responder a perguntas essenciais. Por exemplo, qual seria um possível pretexto para uma ruptura institucional? A resposta não tardou. Ora, que dúvida! Um novo AI-5 se justifica em um cenário de conturbação social, em que a turba enlouquecida promova saques, incêndios, depredações e o caos absoluto. É o que os arautos do bolsonarismo supõem que esteja acontecendo no Chile.

Na realidade, até o momento, a classe política chilena procura saídas para a insatisfação popular dentro da institucionalidade. Uma demonstração disso é a convocação de uma assembleia constituinte. Outra demonstração foi a mudança de gabinete que o presidente Sebástian Piñera promoveu. Fala-se no país da construção de um sistema de seguridade social mais consistente. Se tudo isso irá ou não acalmar as ruas, cedo para dizer, mas o fato é que ninguém, por ora, tem apregoado um AI-5 naquele país.

Bolsonaro mantém o revólver sobre a mesa, até com certo deboche. Ontem foi flagrado pelo microfone aberto durante a cúpula do Mercosul, em uma brincadeira, perguntando se “não dava pra dar um golpe não?” e continuar na Presidência pro-tempore do bloco. O presidente exercita o bom humor em um momento em que a democracia e a tolerância são sentimentos em baixa no mundo.

Vive-se tempos de intolerância, de origem ainda a esclarecer. Há autores que ligam o desprestígio da democracia com a crise econômica global e outros com as desordens no Oriente Médio deste século, tudo tendo como catalisador o avanço da inteligência artificial e a multiplicação exponencial do arsenal de manipulação de informação de que se dispõe atualmente.

O medo é um sentimento poderoso que se espalha pelas redes. Uma pesquisa global coordenada no ano passado pela Fundação de Inovação Política do Instituto Republicano Internacional, um ‘think tank’ francês, realizou 36 mil entrevistas em 42 países e deixou evidente que as ondas de pânico não conhecem fronteiras. Segundo o levantamento, intitulado “Democracias sob tensão”, há mais brasileiros inquietos com uma potencial ameaça islâmica do que americanos e britânicos (62% a 54% e 53%, respectivamente), um dado que surpreende, já que no Brasil nunca houve atos terroristas de motivação religiosa.

Surpreende ainda mais, dado que o levantamento mostrou, mais uma vez, que o brasileiro é muito tolerante. O percentual de pesquisados que diz que não se incomoda com opiniões políticas diferentes das suas no Brasil simplesmente é o maior do mundo. Mas de cada quatro brasileiros, três preferem mais ordem, ainda que com quem menos liberdade. Só um em cada seis brasileiros confia na mídia. Já a percepção da Internet e das redes sociais é amplamente positiva.

Quem se dispõe a exercer a eterna vigilância sobre Bolsonaro - partidos políticos, o parlamento, a mídia, a Justiça - são instituições todas em crise. A eterna vigilância, neste caso, em tese, pode não ter o aval popular. O povo, de certa forma, estaria aberto a uma ditadura regeneradora. Se Bolsonaro é a pessoa capaz de exercer este papel messiânico é outra coisa. Falta ao presidente popularidade para tal - trata-se de um dirigente com taxas apenas medianas de aprovação, abaixo das obtidas por outros presidentes eleitos nos últimos anos, considerando o mesmo tempo decorrido de governo.

Não há, contudo, outro candidato a Bonaparte no horizonte. Em um movimento que pode ter sido definitivo para consolidar seu poder e o mais importante que fez desde a vitória nas urnas, o presidente neutralizou Sergio Moro, rival capacitado para atrair este tipo de idolatria, ao colocá-lo no Ministério da Justiça e obter a sua lealdade. Manter Moro próximo de si continua sendo crucial para o presidente.

O ano de 2019 se aproxima do fim com o Brasil vivendo sua guerra fria particular, onde um equilíbrio do terror se exerce. Nem Bolsonaro tem a força para golpear as instituições, nem as instituições contam com combustível suficiente para promover a contenção definitiva de seus ímpetos.

A posição do presidente, contudo, é a mais confortável. Ter colocado um revólver sobre a mesa de nenhuma maneira o obriga a utilizá-lo. E é questionável cravar que estamos em um ponto de ruptura. O Brasil ainda é um pais onde um juiz federal de uma pequena cidade do interior bloqueia uma nomeação presidencial, como acaba de ocorrer no caso da escolha de Sergio Nascimento para o comando da Fundação Palmares.

De embate em embate, de desautorização em desautorização que recebe dos eternos vigilantes, o presidente vai construindo o cenário para a reeleição. Tem pronto o discurso e terá um partido à sua imagem e semelhança. O Aliança pelo Brasil não será a primeira a sigla a nascer no Brasil pela e para a vontade de um mandatário e nada faz pensar que será o último.

É possível brincar com a democracia, e, ao mesmo tempo desfrutar dela. No Brasil, as instituições funcionam.


El País: China e Bolsonaro transformam a carne em produto quase de luxo no Brasil

Exportação de carne bovina para o país asíático cresce ao mesmo tempo que a demanda dos brasileiros pelo produto neste fim de ano

A desenvoltura com que Silvio de Oliveira, de 48 anos, fala sobre as centenas de milhões de chineses que prosperaram nos últimos anos e a epidemia de peste suína que obrigou a sacrificar um terço do rebanho no país asiático surpreendem: estamos no Mercado Municipal de São Paulo e ele não é analista de relações internacionais. Oliveira é dono de dois imensos quiosques —Boi Feliz e Porco Feliz— com mais de 100 empregados e 30 anos de experiência no setor. Ele diz que o preço da carne nunca subiu tanto em tão pouco tempo (entende-se que desde a hiperinflação dos anos 80). “Nos últimos 40 dias, a carne aumentou 30%”, afirma. De repente, o brasileiro comum sofre as consequências de um coquetel que combina os efeitos da globalização e da própria política interna.

É um dos assuntos mais comentados no último mês; entrou no debate político, no noticiário especialista em preços André Braz, do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas, que alerta que “ainda há espaço para novos aumentos”. Uma súbita e inesperada ameaça a essa instituição brasileira que é o churrasco dominical em família. Apesar dos avanços do veganismo no país, o Brasil é um dos países que consomem mais carne (77 quilos ao ano por habitante) e o segundo maior produtor de carne bovina, com mais de 10 milhões de toneladas em 2018, 16% do total mundial.

O açougueiro detalha que o quilo de contrafilé, o corte mais caro, está custando 45 reais. O acentuado aumento se deve a uma conjunção de fatores internos e externos que formaram uma tempestade perfeita que atinge com força o bolso do brasileiro às vésperas do Natal, mas entusiasmou os exportadores de carne.

“Por um lado, temos um aumento da demanda de carne bovina e suína nas festas [de Natal] e, por outro, há uma demanda muito grande da China, causada por restrições em outros mercados, que coincidiram com a desvalorização de 16% do real em novembro, tornando as exportações mais rentáveis”, explica Braz. A demanda é tal que os produtores brasileiros de carne não conseguem satisfazer simultaneamente o apetite de seus compatriotas e dos chineses. De janeiro a outubro, o gigante asiático importou 320.000 toneladas de carne bovina brasileira, o que impulsionou o aumento das exportações em 11% durante esse período.

O Uruguai passou por uma situação semelhante em agosto, quando o forte aumento das vendas de carne bovina para a China obrigou a importar carne de menor qualidade do Brasil, Paraguai e Argentina.

Os chineses lançaram mão do talão de cheques e ofereceram preços mais altos aos pecuaristas brasileiros para cobrir a demanda maior provocada por uma feroz peste suína que afetou todas as suas províncias e pelos fornecedores que perderam por conta da guerra comercial empreendida pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Isso do lado externo.

As razões para o aumento da demanda interna são outras. Os brasileiros acabam de receber a primeira parcela do 13º salário, o que se junta ao fato de que o Governo Jair Bolsonaro autorizou os trabalhadores a sacar até 500 reais do FGTS a partir de setembro, em uma tentativa de revitalizar a economia. Está surtindo efeito, porque o PIB subiu 0,6% no terceiro trimestre, o que coloca o crescimento de janeiro a setembro em 1%.

O economista Braz prevê que, depois das festas de fim de ano, “a demanda se estabilizará”. O dono do Boi Feliz espera uma evolução semelhante, mas explica de outra maneira: “Ainda se vende porque é o fim do ano, embora o consumo tenha diminuído. Mas quando janeiro e fevereiro chegarem, a situação será ruim”. Entende-se que para ele e a clientela.

Darinka Zepeda, de 46 anos, está entre os prejudicados. Todos os dias ela vai ao Mercado Central para comprar 10 quilos de carne moída —às sextas-feiras são 20 quilos— para abastecer a hamburgueria que montou em 2017 com o marido. Cansados de ter chefes, quiseram empreender. “Eu compro uma mistura de angus, de muito boa qualidade, que me fazem aqui. No começo, o quilo custava 15,80 reais; depois subiu para 17,80 reais e nas últimas três semanas foi para 25,80 reais”, explica.

Os cortes de porco e de frango também aumentaram diante do crescimento da demanda por parte daqueles que não podem pagar pela carne bovina. O açougueiro Oliveira diz que a carne suína está 40% mais cara do que no mês passado, algo inédito. Ele diz que não repassou os aumentos aos clientes. “Se fizer isso, perco toda a clientela”, diz o dono do Boi Feliz. Zepeda argumenta da mesma forma.

Ela é uma dos que acreditam que o preço cairá. Mas se isso não acontecer, o casal já tem um plano B: “Se no começo do ano não cair, compraremos diretamente do frigorífico, compraremos uma máquina e moeremos a carne nós mesmos”, revela essa chilena que os pais trouxeram exilada ao Brasil depois do golpe de Pinochet. “No Chile eu era muito pobre, não comia carne”, recorda de sua infância.

Luiz Carlos Azedo: Retomada do caso Queiroz

“O inquérito tira do sério o presidente Jair Bolsonaro, que considera a investigação uma armação para derrubá-lo do cargo, na qual estaria envolvido o governador fluminense Wilson Witzel”

Com o encerramento do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF (antigo Coaf) e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal com o Ministério Público e as polícias, para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) volta a viver um inferno astral. As investigações sobre o envolvimento de seu ex-assessor Fabrício Queiroz no esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro serão retomadas.

As investigações foram iniciadas há um ano, a partir do relatório do Coaf que apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O relatório revelou a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do ex-motorista e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, o policial militar reformado Fabrício Queiroz, que nunca prestou depoimento sobre o caso. Às vésperas de Queiroz ser denunciado pelo Ministério Público fluminense, o filho do presidente da República conseguiu uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, sustando todas as investigações com base em dados do antigo Coaf obtidas sem autorização judicial. Essa liminar foi julgada ontem.

No plenário do Supremo, prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, que confrontou a posição de Toffoli e obteve ampla maioria a favor do compartilhamento de dados, cujas novas regras foram estabelecidas ontem, com o voto contrário apenas do ministro Marco Aurélio Mello. O presidente do Supremo acatou a opinião da maioria e reformulou seu voto.

O procurador-geral do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, agora poderá dar continuidade aos 22 procedimentos investigatórios que envolvem servidores lotados em gabinetes de 27 deputados estaduais do Rio de Janeiro, todos em segredo de Justiça. A documentação do Coaf subsidiou a Operação Furna da Onça, um dos desdobramentos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, que levou à prisão de deputados estaduais no início de novembro do ano passado.

À época, Gussem anunciou que o Coaf, “espontaneamente, de ofício”, havia encaminhado ao MPRJ um RIF de 422 páginas, com centenas de nomes citados. Em dezembro do ano passado, todos os parlamentares mencionados foram informados das investigações. No caso de Flávio Bolsonaro, a suspeita é de prática de “rachadinha” na época em que ele era deputado estadual. Por essa prática, funcionários do gabinete de um parlamentar devolvem parte dos salários.

O que complicou seu caso foi a suspeita de envolvimento com milicianos do Rio de Janeiro investigados pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol). Essa história tira do sério o presidente Jair Bolsonaro, que considera a investigação uma armação para derrubá-lo do cargo, na qual estaria envolvido o governador fluminense Wilson Witzel (PSC). Todos os vazamentos relativos são por ele atribuídos ao governador, que pretende disputar a Presidência da República em 2022. Com a retomada das investigações, a tensão entre ambos deve aumentar ainda mais.

Regras do jogo
O julgamento de ontem estabeleceu as regras do jogo para a Receita Federal compartilhar, sem necessidade de autorização judicial, informações bancárias e fiscais sigilosas com o Ministério Público e as polícias. Essas informações incluem extratos bancários e declarações de Imposto de Renda de contribuintes investigados. Segundo a proposição apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, é constitucional o compartilhamento dos relatórios, desde que “resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional”.

Esse compartilhamento deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. Moraes afirmou que o compartilhamento de dados pode ser feito “de ofício ou a pedido” pelo Ministério Público e polícias, inclusive complementado, desde que “dentro da competência do relatório”. “Pode pedir da sua família toda”, afirmou. “O que não pode é quebrar sigilo”, concluiu.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-retomada-do-caso-queiroz/


Eugênio Bucci: Mentiras, mais mentiras e rock’n roll

O poder que se instalou na Esplanada sabe que seu sucesso depende do fracasso da verdade

Ao longo desta semana, como em todas as semanas anteriores, o governo pôs no ar o seu show de mentiras escalafobéticas para, de novo, sucatear o estatuto da verdade, blasfemar contra a História, destruir o bom senso, promover a ignorância, banalizar o desrespeito aos fatos e desacreditar a imprensa. O roteiro é sempre igual. Na superfície, no jogo das aparências, entram em cena as mentiras canastronas, meio carnavalescas, que servem de factoides para bagunçar o debate público. Aí, as inverdades parecem meros acessos de loucura inconsequente e ridícula, mas são mais do que isso: são uma cortina de fumaça para uma operação subterrânea de minar as bases da cultura democrática, que já está muito debilitada no Brasil.

Nas profundas, no esgoto do bolsonarismo, o que existe é uma densa e betuminosa mentira essencial que instila o ódio contra todos os que podem verificar a verdade dos fatos, sejam os cientistas que detectam incêndio na floresta, sejam os professores que, dentro das universidades, ousam pensar criticamente, sejam os jornalistas, principalmente os jornalistas, cuja profissão consiste em investigar os acontecimentos e desmontar as mentiras oficiais.

O autoritarismo que se vai estruturando entre nós pode ser definido como o império da mentira e toda semana, uma depois da outra, temos as provas desse fato atroz e trucidante. Desta vez o protagonista da velha e repetida encenação, o mestre de cerimônias do show horripilante de mentiras, foi o novo presidente da Funarte, o maestro Dante Mantovani. Na superfície barulhenta, ele enunciou as mentiras canastronas. Nos subterrâneos da propaganda, pôs em marcha a mentira essencial, declarando uma vez mais a guerra de extermínio contra os verificadores da verdade factual.

Há dois ou três dias os brasileiros ficaram sabendo que Mantovani costuma declarar estultices em suas redes sociais. Exemplo: “O rock ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto”. O que pode haver de mais destrambelhado? Ao mesmo tempo, o que pode haver de mais afinado com o estilo bolsonarista de bater boca? A sanha moralista é tão desmesurada que a gente tem a sensação de que, na cabeça do presidente da Funarte, os efeitos satânicos do rock atravessam o passado e o futuro, exatamente como o demo que o faz arregalar os olhos. O sujeito parece crer que, já na era de Hamurabi, todas as técnicas de interrupção da gravidez foram projetadas por essa gente cabeluda que começou a tanger a guitarra elétrica somente em meados do século 20.

Ainda no capítulo das alucinações lisérgico-reacionárias, dessas que o governo põe em circulação para desorientar o público e os pauteiros dos jornais, o maestro profissional repaginado em ordenador de despesas deu de confundir Lennon & McCartney com Lenin & Marx e assegurou que “na esfera da música popular, vieram os Beatles, para combater o capitalismo e implantar a maravilhosa sociedade comunista.” Lucy, in the sky, manda lembranças.

Mas, atenção, esse tipo de psicodélica macabra que explode na superfície é apenas metade da invencionice sistemática operada pelo bolsonarismo. A outra metade, menos espalhafatosa, é mais insidiosa. A outra metade se dissemina pelos porões imaginários dos ativistas que morrem de saudade da ditadura e toma por alvo não as bandas de heavy metal ou as canções melosas dos garotos de Liverpool, mas os institutos democráticos incumbidos de apurar os fatos, como os cientistas do Inpe e os repórteres dos jornais independentes. Por baixo das mentiras canastronas da superfície alastra-se a mentira essencial e betuminosa do poder, escalada para revogar a História e tirar do horizonte qualquer forma de registro da realidade. Aí está a vertente mais ameaçadora pela qual o governo golpeia a sociedade.

Mantovani espelha-se diligentemente em seus superiores, que já proclamaram que o nazismo era de esquerda, e afirma que o fascismo também é de esquerda. Para quê? Para reescrever a História, invertendo seus sinais. Quanto apregoa que as fake news não passam de uma invenção dos globalistas, interessados em ampliar o poder da imprensa no mundo inteiro, quer achincalhar os jornalistas profissionais. E isso funciona. De tanto insistir no ponto, os bolsonaristas estão conseguindo enfraquecer os jornais.

O poder que se instalou na Esplanada sabe que seu sucesso depende do fracasso da verdade factual. É um poder viciado nessa droga pesada chamada mentira. Seu veneno mais letal não é a intolerância, não é o seu jeito miliciano de ser, não é a incompetência crônica no trato com a política. O seu pior veneno é sua mentira essencial, que prescreve censura e violência para resolver os problemas da democracia. O presidente da República, em pessoa, já vem ensaiando investidas cada vez mais concretas contra a liberdade de expressão. E não vai parar por aí. Vai aumentar a dose. Para ele, é questão de vida ou morte. Se a mentira vencer, ele fica. Se sua máscara cair, ele cai junto, pois sua identidade se transfundiu em sua máscara.

Enganam-se os liberais de boa vontade que dizem não haver lógica nos discursos alucinatórios das autoridades federais, obcecadas pelas drogas, pelo sexo, pelo rock abortivo e pelos comunistas infiltrados no show business. Há mais do que delírio e despreparo nos despautérios do governo: há a coerência da mentira e da fraude. Isso quer dizer que existe, sim, um nexo de consequência entre a teoria do rock abortogênico e a causa maior de acabar com a imprensa.

O governo pode bater cabeça feito um lobisomem rolando a ribanceira, mas sabe muito bem o que quer destroçar. Sabe que um país onde vigora a liberdade de imprensa está mais protegido contra a mentira. Sabe que não basta levar um ou outro jornal à falência. Sabe que precisa ter a seus pés um povo incapaz de buscar a diferença entre o que é verdade e o que é mentira. É nessa trilha que o governo avança.

*Jornalista, é professor da ECA-USP


Ribamar Oliveira: Opção preferencial pelos militares

Investimentos da Defesa se tornam obrigatórios

Contrariando o discurso oficial, que prega a redução do engessamento orçamentário, o governo aceitou que os investimentos do Ministério da Defesa programados para 2020 não sejam objeto de limitação de empenho, ou seja, não poderão sofrer contingenciamento. Os investimentos da Defesa serão, portanto, obrigatórios no próximo ano. Os únicos do Orçamento.

O governo poderia ter vetado o dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) - lei 13.898/2019 - que dá tratamento privilegiado aos investimentos da Defesa, como fez com outros gastos que os deputados e senadores tentaram proteger da tesoura no próximo ano, mas não o fez.

Os parlamentares incluíram na lista das despesas que estão livres do contingenciamento 13 novas ações e programas. Eles excluíram dos cortes, por exemplo, todas as ações vinculadas à educação, os gastos com o programa Mais Médicos e as ações do Plano Nacional de Segurança Pública. Tudo isso foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, depois de ouvido o Ministério da Economia.

A explicação para os vetos foi a seguinte: “Os itens propostos não são passíveis de limitação de empenho, o que, por consequência, eleva o nível de despesas obrigatórias e reduz o espaço fiscal das despesas discricionárias, além de restringir a eficiência alocativa do Poder Executivo na implementação das políticas públicas”. O governo também argumentou que “a inclusão contribui para a elevação da rigidez do Orçamento, dificultando não apenas o cumprimento da meta fiscal como a observância do Novo Regime Fiscal, estabelecido pela EC nº 95/2016 [teto de gastos], e da ‘regra de ouro’, constante do inciso III, do art. 167 da Constituição Federal”.

Os mesmos argumentos, no entanto, não foram válidos para os investimentos do Ministério da Defesa e para as despesas com ações vinculadas à função ciência, tecnologia e inovação, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Quando encaminhou ao Congresso a mensagem modificativa da proposta orçamentária de 2020, o governo informou que incluiu na relação das despesas obrigatórias do próximo ano dotações de R$ 4,1 bilhões do Ministério da Defesa e R$ 3,1 bilhões do MCTIC.

Na mesma mensagem modificativa, o governo ampliou em R$ 5,4 bilhões as chamadas despesas discricionárias, que são os investimentos e o custeio estrito da máquina pública. Elas estavam com valores muito baixos na proposta orçamentária original. Do total, 44% foram destinados ao Ministério da Defesa, ou R$ 2,376 bilhões. A área de infraestrutura ganhou só 17,6% do total e o Ministério da Educação, ficou com apenas 11%.

Não houve explicações oficiais para a maior destinação de recursos ao Ministério da Defesa nem para a inclusão dos investimentos do órgão no rol das despesas obrigatórias da União, principalmente diante da carência de recursos em áreas vitais da infraestrutura, no momento em que o país passa por um verdadeiro apagão logístico.

Os investimentos do Ministério da Defesa que passarão a ter execução obrigatória no próximo ano são: programa de desenvolvimento de submarinos (Prosub) e programa nuclear da Marinha (PNM), com dotação de R$ 1,5 bilhão; desenvolvimento de cargueiro tático militar de 10 a 20 toneladas, com R$ 166,430 milhões; aquisição de aeronaves de caça e sistemas afins, projeto FX-2, com R$ 951,370 milhões; aquisição de cargueiro tático militar de 10 a 20 toneladas, projeto KC-390, com R$ 613,830 milhões; implantação do sistema de defesa estratégico Astros, com R$ 155,7 milhões; implantação do projeto Guarani, com R$ 338,1 milhões; e implantação do sistema integrado de monitoramento de fronteiras (Sisfron), com R$ 239,7 milhões. Os dados constam da mensagem modificativa da proposta orçamentária de 2020.

Mais gastos
Por meio do decreto 10.120, de 21 de novembro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro elevou os limites para despesas com pessoal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFJ). Especialistas em finanças públicas ouvidos pelo Valor estimam que os novos limites permitem que os dois órgãos elevem seus gastos com pessoal em até 45% ou algo em torno de R$ 1,4 bilhão.

A Constituição determina que o gasto da União com pessoal não pode exceder a 50% da receita corrente líquida, sendo o limite de 40,9% para o Executivo. Deste total, 3% serão distribuídos entre o Distrito Federal, o TJDFT, o MPDFT e o quadro em extinção dos ex-territórios do Amapá e de Roraima. Com o decreto, o limite do TJDFT passou de 0,275% para 0,399%, enquanto que o limite do MPDFT passou de 0,092% para 0,133%. Os limites dos ex-territórios foram diminuídos, o do Distrito Federal foi mantido, respeitando o limite global de 3%.

Consultado pelo Valor sobre a mudança, o Ministério da Economia informou que o decreto 10.120 “não altera os gastos no total, tendo em vista os limites estabelecidos pela emenda constitucional 95, de 2016, ou seja, para aumentar a despesa com pessoal, os órgãos envolvidos deverão reduzir os mesmo valores nas despesas discricionárias”.

Segundo o Ministério da Economia, “a alteração partiu de demanda do órgão em comum acordo com os outros órgãos submetidos ao mesmo limite para ajustar à realidade da divisão de gastos de pessoal entre os envolvidos”.

É preciso considerar, no entanto, outros aspectos desta questão. Em 2012, o TJDFT usava 65,1% do seu limite para gasto com pessoal e em 2019 foi para 87,3%. O MPDFT, por sua vez, saiu de 57,8% de seu limite para 86,1%, no mesmo período. Os dados indicam que há uma tendência nesses dois órgãos para uma política de pessoal expansionista. A modificação realizada não é neutra do ponto de vista fiscal, pois abre espaço para a continuidade dessa política.

Um eventual aumento do gasto com pessoal dos dois órgãos terá que ser compensado pelo corte de outras despesas para que a regra do teto seja cumprida. A questão é que haverá, mais uma vez, aumento de despesa obrigatória, com redução das despesas discricionárias, o que é, justamente, o que o atual governo deseja evitar.


William Waack: O preço do churrasco

De volta ao básico: a economia permanece sendo o principal risco para Bolsonaro

Há um cálculo político transparente na decisão de Jair Bolsonaro de deixar para o ano que vem reformas mais ambiciosas que a da Previdência, consideradas essenciais não só pelo time de economia dele. Nada tem de original esse raciocínio político e se parece exatamente com o que foi tentado por Michel Temer. É simplesmente uma aposta no famoso “feel good factor”, assumindo que uma melhora na renda à disposição das famílias e uma retomada ainda que modesta da economia tirem nuvens de tempestade da política.

Para quem projeta os cenários de risco para além de 2020, a economia é o principal deles – é assim que pensam, por exemplo, as consultorias internacionais. Elas consideram que os principais fatores favoráveis a Bolsonaro para manutenção de apoio político-eleitoral continuam sendo Sérgio Moro e o combate ao crime, mas a economia será o grande teste para além das eleições municipais do ano que vem.

Existe aqui uma divergência de percepções entre o público em geral e as elites de vários segmentos econômicos, e essa diferença está se ampliando. Moro e o que ele significa continuam encantando plateias pelo Brasil inteiro, que abominam qualquer freio à Lava Jato, sobretudo por parte do STF, entendido como um ninho de tramoias a favor de criminosos e corruptos. Pelo seu lado, as elites pensantes estão horrorizadas com as posturas de integrantes do governo Bolsonaro na chamada “guerra cultural” e o peso ideológico dos olavistas em nomeações feitas pelo presidente. Boa parte delas considera não só que a Lava Jato cometeu crimes para combater crimes, mas também que está na hora de colocar um pé no freio nisso tudo – até para que a economia funcione com menos sobressaltos armados por procuradores e juízes de primeira instância.

O que une ambas as percepções é a expectativa de que a melhora nos indicadores acelere e se torne sustentável, e nisto (no entendimento de elites) essencial são as reformas. É nesse ponto que entra a aposta política do governo, explicitada pelo próprio Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes. Implicitamente (não mencionam isso de forma clara) reconhecem que a falta de uma coligação governista organizada no Congresso torna qualquer reforma ambiciosa ainda mais difícil, estão assustados com o espectro de manifestações de rua (até aqui inexistente) e que esse fator seria compensado pela melhora da economia.

De fato, desde que assumiu o governo há praticamente um ano, a caneta do presidente foi encolhida pelo Legislativo, e não o contrário – o que ficou evidente, mais uma vez, na série de vetos presidenciais que os parlamentares eliminaram recentemente em diversas matérias. A agenda econômica em apreciação pelo Legislativo é monumental, e vai do saneamento básico à lei de falências, passando por autonomia do Banco Central, PEC paralela da Previdência e uma série de medidas para lidar com a sufocante questão fiscal, entre elas a regra de ouro que estabelece gatilhos para conter o avanço de despesas correntes e um novo pacto para redistribuição de recursos entre os entes da Federação.

Como é notório, o grosso das reformas ficou para o ano que vem, que será um ano legislativo curto pela dedicação dos parlamentares à eleição municipal. O cálculo deles é primitivo e óbvio: para empurrar qualquer agenda significativa, um presidente com índices razoáveis de popularidade (como os que Bolsonaro mantém), mas com pouca capacidade de articulação no Congresso, vai continuar enfrentando dificuldades além das “normais”, que são a resistência das corporações e de interesses de segmentos econômicos, além da oposição das esquerdas.

Se índices pioram por culpa da economia, dificuldades “normais” viram obstáculos insuperáveis. É por esse motivo que vamos todos para longas férias até fevereiro do ano que vem pensando no preço do churrasco.


Luiz Carlos Azedo: Uma notícia boa

“Bons resultados econômicos são um fator de estabilidade política, ao lado do comportamento responsável do Congresso, apesar do ambiente de radicalização ideológica”

Ultrapassando as expectativas, o PIB brasileiro cresceu 0,6% no 3º trimestre. Na comparação com o mesmo período de 2018, o salto foi de 1,2%. Com isso, chegou a R$ 1,842 trilhão. Segundo o IBGE, agropecuária (+1,3%), indústria ( 0,8%), principalmente, a construção civil, e serviços (0,4%) lideraram a expansão da economia. O consumo das famílias cresceu 0,8% e o investimento, 2%. A queda de 0,4% das despesas de consumo do governo completam o cenário, o que levou a uma reavaliação da projeção do PIB para 2019. No acumulado do ano até setembro, o PIB cresceu 1%. Com isso, já se projeta um PIB de 1,2% neste ano.

O presidente Jair Bolsonaro comemorou o resultado, e os analistas do mercado financeiro reiteraram a avaliação corrente de que a economia vai no rumo correto, apesar dos problemas. O PIB ainda está 3,6% abaixo do pico da série, atingido no primeiro trimestre de 2014. O resultado mantém a economia brasileira em patamar semelhante ao que se encontrava no 3º trimestre de 2012. Mesmo assim, fortaleceu a equipe econômica e possibilita a Bolsonaro construir uma narrativa de retomada do crescimento no primeiro ano de seu governo, cujo desempenho ainda deixa a desejar em termos de resultados econômicos.

O aumento do consumo das famílias talvez seja o indicador mais importante, porque estancou a queda de popularidade de Bolsonaro, apesar do desgaste político causado pela radicalização ideológica que vem impondo ao cenário político nacional. Esse consumo está numa linha ascendente: acelerou para uma alta de 0,8%, após um avanço de 0,6% no 1º trimestre e de 0,2% no 2º trimestre, representando o principal destaque positivo do PIB no período.

A polícia monetária e ações específicas do governo com objetivo de ampliar a circulação da moeda foram determinantes: queda da taxa básica de juros (Selic), inflação baixa, expansão do crédito e saques do FGTS (vão injetar até o final do ano cerca de R$ 30 bilhões na economia). Outra variável decisiva foi a recuperação do mercado de trabalho, liderada pela informalidade. As mudanças na legislação trabalhista, apesar da “precarizaçao” do trabalho, aumentaram a massa salarial e o número de ocupados com alguma renda.

No final do ano, esses bons resultados econômicos são um fator de estabilidade política, ao lado do comportamento responsável do Congresso, apesar do ambiente de radicalização ideológica patrocinada pelo próprio presidente Bolsonaro, que aposta no confronto com o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para coesionar sua base eleitoral. Entretanto, a discussão das reformas no Congresso ficaram em segundo plano, o que representa um desperdício de oportunidade neste final de ano. Esse atraso na aprovação das reformas gera insegurança jurídica e atrapalha os investimentos.

Resultado medíocre
Uma outra informação importante divulgada, ontem, foi o relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com os resultados da versão de 2018 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês). O exame abrange provas de leitura, matemática e ciências — ocorre a cada três anos — e testou cerca de 600 mil estudantes de 15 anos em 79 países. Portugal e China foram os destaques mais positivos; o Brasil apresentou, estatisticamente, uma melhora ridícula.

Na prova de leitura, os brasileiros tiveram, em média, 413 pontos. O resultado coloca o Brasil em 57º lugar dentre 78 economias avaliadas, à frente da Colômbia (412), da Argentina (402) e do Peru (401), mas muito atrás dos 487 pontos de média da OCDE. Em ciências, a média brasileira foi de 404 pontos, o 66º lugar no ranking da disciplina. Já em matemática, a média dos alunos brasileiros foi de 384 pontos, enquanto a média dos países desenvolvidos é de 489 pontos. Essa foi a pior nota brasileira, que coloca o Brasil em 70º lugar no ranking de matemática, dentre 78 países, atrás dos vizinhos Chile (417), Peru (400) e Colômbia (391).

Numa escala de seis níveis para classificar o desempenho dos estudantes de 15 e 16 anos nas provas de leitura, matemática e ciências, o nível 1 é considerado insuficiente, e o nível 2 é o mínimo de proficiência. No Pisa 2018, 50% dos brasileiros não atingiram o nível 2 em leitura, ou seja, são incapazes de identificar a ideia geral de um texto, encontrar informações explícitas ou analisar a finalidade daquele material. De acordo com o estudo, 43% dos jovens do Brasil não atingiram o nível mínimo em leitura, nem em matemática nem em ciências.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-uma-noticia-boa/