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FAP transmite ao vivo o IV Encontro de Jovens Lideranças a partir desta quarta (15)
Estratégia da FAP vai permitir que o debate chegue a um maior número de pessoas, avalia Cristovam Buarque
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Internautas de todo o mundo poderão acompanhar ao vivo a cobertura do IV Encontro de Jovens Lideranças, que será realizado a partir desta quarta-feira (15), em Corumbá de Goiás, a 125 quilômetros de Brasília. Com programação até o próximo sábado (18), o evento terá transmissão em tempo real nas redes sociais e no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), realizadora do evento e vinculada ao Cidadania.
Presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque destaca que a transmissão ao vivo do IV Encontro de Jovens Lideranças segue a tendência da sociedade, que está cada vez mais conectada em toda o mundo. “O veículo que os jovens mesmo gostam é a internet. O encontro em si é o ponto de partida, o estopim, cujas discussões devem ultrapassar os muros”, diz ele. “O verdadeiro debate não se limita dentro de muros. É preciso derrubar os muros para que a gente se comunique com as pessoas. A transmissão ao vivo, além de ser contemporânea com a linguagem dos jovens, é uma maneira de chegar ao maior número de pessoas”, acentua.
No encontro, os jovens terão a oportunidade de participar de uma imersão política em formato de curso de liderança e treinamento para trabalho em equipe, com palestras, aulas, debates, dinâmicas de grupo, além de atividades lúdicas e recreativas. Também participarão do encontro os multiplicadores da Jornada da Cidadania.
Cristovam afirma que o IV Encontro de Jovens Lideranças tem duas grandes finalidades. A primeira delas, segundo ele, é fazer a juventude debater problemas nacionais. “Isso tem sido difícil hoje porque os partidos se segmentaram e perderam o sentimento de nação, de conjunto, de humanidade”, afirma. “Com o encontro, estamos tentando trazer debates sobre assuntos globais, a condição humana e as disputas de classe, que estão ausentes das discussões hoje”, acrescenta.
O segundo objetivo do IV Encontro de Jovens Lideranças, de acordo com Cristovam, é fortalecer a própria juventude. “Se não conseguir mobilizar os jovens para uma agenda transformadora e progressista, o partido deixa de existir. O partido não pode ser coisa de velhos, embora necessite de velhos por causa da memória, mas o partido precisa da juventude”, acentua.
Coordenadora-geral do encontro, a psicóloga Terezinha Lelis acredita que o momento é muito especial para a realização do evento. “Justamente porque podemos colocar a tecnologia a serviço da democracia e dialogar com os jovens”, destaca. “Sempre falamos que os jovens são o futuro, mas, na verdade, eles são a possibilidade, neste presente, de serem diferentes do que a velha política tem feito”, afirma.
Terezinha lembra que o assunto ganha ainda mais relevância neste ano por causa das eleições que serão realizadas em outubro. “É uma possibilidade de discussão ampla, profunda e reverberada em todo o Brasil”, diz a coordenadora do encontro. “A FAP está de parabéns pela realização do evento, mais uma vez, já que segue a sua própria linha de produzir e aumentar conhecimento, além de investir na formação dos jovens”, ressalta.
O consultor do encontro, José Augusto Neves reforça que a transmissão ao vivo do IV Encontro de Jovens Lideranças mostra o compromisso da FAP com a transparência, além do propósito da fundação de procurar soluções para o Brasil independentemente de posições políticas. “Significa querer construir uma nação de verdade, onde haja oportunidade para todo mundo, principalmente para jovens, negros, mulheres e comunidade LGBTI”, ressalta, referindo-se à sigla da diversidade de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexos.
Juventude representada
A coordenadora nacional de Organização da Juventude 23, grupo de mobilização de jovens do Cidadania, Gisele Cristina Estrela ressalta que o IV Encontro de Jovens Lideranças é muito positivo para integrar e aproximar o segmento de todo o país. “O encontro serve como um momento muito proveitoso de discussão política e de conhecimento”, afirma ela, que já participou de duas das três edições do evento realizadas até o ano passado.
Gisele diz que a juventude vem se organizando interna e externamente em alguns estados, mas, segundo ela, em outros, ainda há grande evasão. “O encontro serve mais para formação política e cidadã e o intuito é que cada jovem participante compartilhe o conhecimento em seus estados e municípios”, diz ela.
O coordenador nacional de Movimentos Sociais da Juventude 23, Bruno de Arruda Rodrigues, afirma que o IV Encontro de Jovens Lideranças é muito importante por causa da troca de conhecimento entre jovens de todos os 26 Estados e do Distrito Federal. “Acredito que a juventude precisa ser mais ouvida e integrada na organização. É importante a ocupação dos espaços da juventude por pessoas que entendam as pautas da própria juventude. A construção do conhecimento, nesse sentido, deve ser coletiva”, sugere.
Palestrantes confirmados
Entre os palestrantes confirmados, estão o presidente do Conselho da Fundação Amazonas Sustentável, Benjamin Sicsu; o doutor em história e membro do Conselho Curador da FAP Marcus Vinicius Oliveira; a socióloga e psicanalista Almira Rodrigues; o cientista político Leandro Machado e o historiador e diretor-executivo da FAP Alberto Aggio.
Também estão confirmados como palestrantes o pós-doutor em Comunicação Sergio Denicoli, sócio-diretor da AP Exata; o prefeito de Vitória (ES) e médico Luciano Rezende; o professor de direito e coordenador da Jornada da Cidadania, Marco Aurélio Marrafon; o doutor em história Victor Missiato e a campeã mundial de artes marciais e campeã nacional do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios, Jordâna de Castro Saldanha. A programação detalhada do encontro será divulgada no local do evento.
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FAP define empresa que vai criar plataforma online do curso Jornada da Cidadania
Lisata Tecnologia venceu edital de cotação de preços; inscrições seguem abertas
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) divulgou, nesta sexta-feira (10), que a Lisata Tecnologia venceu a concorrência para fornecimento de plataforma digital de gestão do curso de formação política Jornada da Cidadania, que será oferecido ao público em formato de educação a distância. No total, cinco empresas participaram da concorrência em edital de cotação de preços, apresentando documentação de habilitação e propostas. Inscrições continuam abertas no site do curso.
A plataforma da Jornada da Cidadania deverá estar plenamente adequada à LGPDP (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e deve ser acessível por meio de um navegador web padrão (Microsoft Internet Explorer/Edge, Opera, Mozila Firefox e Google Chrome). O serviço de hospedagem da solução terceirizada deverá garantir a eficiência de conectividade necessária ao ambiente LMS com, no mínimo, 98% de disponibilidade da solução em pleno funcionamento, mantendo um canal de suporte 24/7 para os usuários do sistema, em caso de indisponibilidade da solução.
Ao se reunir na sede da entidade nesta sexta-feira para a abertura dos envelopes, a Comissão de Cotação de Preços da FAP analisou as propostas apresentadas pelas empresas Afferolab, JMV Technology, Didaxis, RG Organic e Lisata. Os representantes dessas duas últimas empresas foram os únicos a comparecerem na reunião.
No entanto, de acordo com a comissão, somente a Lisata atendeu a todos os requisitos técnicos definidos no edital. O valor é de R$ 20 mil. O sócio-diretor da empresa, Daniel Philip de Moura, disse que a plataforma será entregue com “total excelência e em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados”.
Jornada da Cidadania
O curso de formação política, que deverá ter duração de três meses, foi aprovado em reunião do Conselho Curador da FAP no dia 22 de novembro de 2019. O início das aulas está previsto para o dia 23 de janeiro, sob a coordenação do professor Marco Aurélio Marrafon. Ele é mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais (sanduíche) na Università degli Studi di ROMA TRE – Itália. A coordenação do curso também é composta pelos diretores da FAP Ciro Gondim Leichsenring e Caetano Araújo.
A FAP é vinculada ao Cidadania. “A proposta busca que a fundação vá além dos muros partidários”, disse Marrafon. “A fundação desempenha um importante papel. Entendemos que o público-alvo merece receber formação fundamental para que possa fazer escolhas democráticas”, afirmou ele. As inscrições devem ser abertas em breve e seguir até o dia 15 de janeiro, em uma página específica da Jornada da Cidadania na internet. A previsão inicial para o início das aulas é o dia 23 de janeiro. O curso terá 36 horas, ao longo de três meses.
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Luiz Carlos Azedo: Adeus, União Europeia
“É a primeira vez que alguém abandona o bloco econômico, interrompendo o processo de construção de uma ‘casa comum’ na Europa, que parecia irreversível, depois do fim da URSS”
Dominada pelos conservadores, a Câmara dos Comuns aprovou, ontem, a saída definitiva do Reino Unido da União Europeia, depois de três anos de impasses, desde a aprovação do Brexit no plebiscito de 24 de junho de 2016. Sob a liderança do primeiro-ministro Boris Johnson, o Partido Conservador garantiu a aprovação do afastamento, que obteve 330 votos, contra os 231 da oposição, liderada pelo Partido Trabalhista. O texto depende ainda do endosso da Câmara dos Lordes para ter a assinatura da rainha, o que deve ocorrer na próxima semana. O Brexit deverá ser ratificado também pelo Parlamento Europeu, em sessão marcada para 29 de janeiro, dois dias antes do prazo final para a saída do bloco.
Há três anos, o adeus britânico à União Europeia surpreendeu o mundo, pois ninguém esperava que o nacionalismo emergisse no Reino Unido com força tão avassaladora, a começar pelo então primeiro-ministro David Cameron, que havia convocado o plebiscito. Líder do partido conservador, fez intensa campanha contra o Brexit, mas foi derrotado de forma surpreendente e acabou tendo que renunciar ao cargo. Foi sucedido por Teresa May, também do Partido Conservador, que acabou renunciado por outro motivo: a maioria dos deputados rejeitou suas propostas de acordo por três vezes. Foi sucedida por Boris Jonhson, que virou a mesa e, nas últimas eleições, conseguiu formar ampla maioria no Parlamento. Brexit é uma junção das palavras em inglês “British” e “exit”, que significa “saída britânica”.
Desde sua criação, em 1993, é a primeira vez que alguém abandona o bloco econômico, interrompendo o processo de construção de uma “casa comum” na Europa, que parecia irreversível, principalmente depois do fim da União Soviética e da derrocada do comunismo no Leste Europeu. A hegemonia da Alemanha e da França nesse processo nunca foi bem digerida pelos britânicos, que foram os grandes artífices do atual processo de globalização, com a política neoliberal da ex-primeira-ministra conservadora Margareth Tatcher.
Economicamente, a retirada será muito traumática no curto prazo para os cidadãos britânicos e europeus. Muitas leis vigentes no Reino Unido perderão a validade. Para evitar “buracos” na legislação, a ex-primeira-ministra Theresa May havia proposto que o Reino Unido absorvesse todas as normas da UE e, após um período de transição, cada uma delas seria avaliada, atualizada ou revogada — mas sem necessariamente consultar o Parlamento. A proposta foi derrotada três vezes, mas agora acabou aprovada por Boris Jonhson, com modificações.
Problemas
Em contrapartida, cerca de 1,3 bilhão de euros deixarão a UE com a saída do Reino Unido, que é um dos três pilares da economia europeia. Agora, a estabilidade da economia europeia dependerá, sobretudo, da Alemanha, porque a França de Macron anda muito convulsionada. O Reino Unido será forçado a pagar uma multa, estimada entre 60 e 100 bilhões de euros, o que também não será muito fácil para os britânicos. A Escócia majoritariamente preferia permanecer na União Europeia e ainda tem o problema da fronteira entre as duas Irlandas, pois a do Norte preferia também permanecer na União Europeia. A Irlanda permanecerá na União Europeia, com uma fronteira de 500km sem aduanas. Durante 30 anos, houve violentos conflitos entre as duas Irlandas.
O Reino Unido tem uma aliança estratégica com os Estados Unidos, em todos os níveis, e mantém fortes laços com a chamada Comunidade Britânica (Commonwealth of Nations), integrada por 53 países, a grande maioria ex-colônias, dos quais 16 ainda reconhecem a rainha Elizabeth II como chefe de Estado, como o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, que são economicamente os mais importantes.
Nenhum outro país da União Europeia reúne as mesmas condições para sair do bloco. Mesmo assim, o Brexit fortalece e desperta correntes nacionalistas em todo o continente europeu. O pior desse processo é que essas correntes são muito xenófobas, reagindo fortemente à presença de imigrantes africanos e árabes, o que pode agravar as tensões políticas em vários países, inclusive na Alemanha, onde a primeira-ministra Angela Merkel sempre se destacou pela defesa dos imigrantes e forte oposição às manifestações racistas, de triste memória, devido ao Holocausto.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-adeus-uniao-europeia/
César Felício: O vento da mudança no Supremo
Substituição de Celso de Mello irá mudar equação no STF
Para mudar a cara do Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro talvez não precise de um cabo e de um soldado, ou de aumentar de 11 para 21 o número de seus integrantes, como chegou a propor durante a campanha. É possível que seja desnecessário para este propósito antecipar a idade de aposentadoria dos ministros, conforme os bolsonaristas mais fanáticos propuseram na Câmara. E nem promover de baciada processos de impeachment no Poder Judiciário, outra iniciativa dos aliados incondicionais do presidente.
A troca que o presidente empreenderá este ano, com a aposentadoria compulsória do decano, o ministro Celso de Mello, subverte toda a equação. Ele completa 75 anos no dia 1º de novembro.
Muita atenção se dá ao perfil de quem vai entrar. Se será o ministro da Justiça, Sergio Moro, ou, como parece mais provável agora, alguém “terrivelmente evangélico”, conhecedor mais profundo da Bíblia do que dos códigos. Outra vertente que permite antever quão emblemática pode ser a substituição é olhar as características de quem sai de cena.
Decano não é propriamente uma função, é um personagem do qual o ator titular pode representar o papel inteiramente ou não. O decano exerce naturalmente força contrária a mudança de tradições, é um ponto de equilíbrio entre diversas tendências e vaidades.
A politização extremada do Supremo - incapaz de estabelecer jurisprudência firme em diversos pontos, dado ao consenso quase impossível de seus membros, mergulhado no debate partidário que está- revestiu o decano de outra característica: a de ser uma voz da casa, uma espécie de presidente honorário do colegiado. Nos últimos anos, a voz de Celso de Mello soou mais alto que a de Cármen Lúcia e Dias Toffoli, para ficar apenas nos últimos presidentes.
Exemplos recentes neste sentido, compilados por Felipe Recondo e Luiz Weber, autores do livro “Os Onze”, publicado no ano passado: em abril de 2018, na ocasião do julgamento do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tentava impedir sua prisão após a condenação em segunda instância, o então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas fez a sua famosa mensagem pelo Twitter em que disse que a Força compartilhava “do anseio de todos os cidadãos de bem”. Celso de Mello respondeu ao que lhe pareceu uma ameaça encoberta em plenário: “Em situações tão graves assim, costumam insinuar-se pronunciamentos ou registrar-se movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir”.
Meses depois, veio à tona a fala de Eduardo Bolsonaro em que o filho do hoje presidente bravateou que bastava um soldado e um cabo para fechar o Supremo, “sem desmerecer o soldado e o cabo”. Mello voltou a se pronunciar, desta vez pela imprensa. Chamou a declaração de inconsequente, golpista, irresponsável, inaceitável e autoritária.
No ano seguinte, com Bolsonaro já na Presidência, Mello pediu - e foi atendido - para que se pautasse para a votação em plenário a ação de inconstitucionalidade que criminalizava a homofobia, da qual ele era relator. Ao proferir seu voto a favor da criminalização, citou a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, por pedir que meninas vestissem rosa e meninos azul. Afirmou que esta era uma visão de mundo que restringia liberdades fundamentais da população LGBT.
Depois da publicação do livro, é possível lembrar outra atuação de Celso de Mello em que ele se colocou como um ator contra veleidades antidemocráticas. Na ocasião em que o perfil do presidente Jair Bolsonaro divulgou um vídeo em que um leão era acossado por hienas, uma delas identificada como o STF, o ministro respondeu quase de imediato, à imprensa: disse que o vídeo parecia partir de quem “desconhece o dogma da separação de poderes e, o que é mais grave, de quem teme um Poder Judiciário independente e consciente de que ninguém, nem mesmo o presidente da República, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”.
É esse o ministro que sai de cena no fim de ano, em uma troca que, além de colocar a assinatura de Bolsonaro na Suprema Corte, também altera a ordem de votação, as expectativas, as possibilidades de aliança dentro do Judiciário. É difícil que o personagem de decano seja exercido do mesmo modo por Marco Aurélio, que se aposenta alguns meses depois, ou por Gilmar Mendes, a partir de abril do próximo ano. Em que pese o trânsito político e o conhecimento jurídico que nenhum dos muitos inimigos de Gilmar é capaz de negar, o futuro decano é, de longe, o ministro do Supremo com pior imagem, alvo de nada menos que nove pedidos de impeachment. A chance deles prosperarem é próxima de zero, mas tolhem o ministro de exercer o papel de referência da Corte.
O Judiciário cultiva a imagem de ser um esteio do direito da individualidade frente às tendências majoritárias na opinião pública e no centro do poder político. Mas não há que se tomar essa intenção manifesta como um postulado. A decisão a favor da censura ao especial de Natal do grupo “Porta dos Fundos”, proferida pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Benedicto Abicair é sugestiva de que o Brasil vive novos tempos.
Acionado para se manifestar a respeito do caso, o ministro Dias Toffoli, fez o que se esperava, que é derrubar a liminar. Fica o assombro portanto com o fato da censura ter sido estabelecida por um juiz de segunda instância nas circunstâncias em que foi concedida, dias depois de uma investida que se pretendeu terrorista contra a produtora do vídeo. A defesa do exercício da liberdade de expressão, feita por Toffoli, é um sinal alentador para quem acredita que o vento da mudança não arrastará a tudo.
*César Felício é editor de Política.
Dora Kramer: Novidade no front
Bolsonaro, em campanha, vai tentar eleger o maior número possível de prefeitos de partidos simpatizantes para depois filiá¬-los ao Aliança pelo Brasil
Seria um exagero dizer que 2020 será um ano de grandes e essen¬ciais mudanças na política, porém é correto afirmar que os próximos 300 e tantos dias nos reservam novidades na área. Não necessariamente porque haverá eleições (graças aos ventos da democracia isso é notícia velha), mas também por causa delas acho que dá para começar por aí, falando de algo que soa maçante embora seja importante: o fim das coligações proporcionais.
Explico. Será a primeira eleição sob a égide da nova regra que proíbe os partidos de se aliar para eleger vereadores. Isso quer dizer que não existirão mais aquelas chapas mistas, mediante as quais se elegiam pessoas na carona de outras, muitas vezes inadequadas sob os aspectos político, ético, social, moral e cultural, e se faziam todos os tipos de escambo. Sem tais alianças, cada partido que quiser garantir boas vagas nas Câmaras Municipais terá de ir à luta com candidato próprio à prefeitura.
A norma deixa de fora os caroneiros e torna sem efeito o aluguel do tempo de televisão e rádio de legendas menos expressivas que trocavam essa benesse financiada com dinheiro público por apoio a candidaturas majoritárias (a prefeito, senador, governador e presidente) dos partidos maiores. Ah, mas que importância tem isso no destino do país? Toda. Feito o teste municipal, valerá a mesma regra em 2022, com óbvias e substantivas repercussões nas campanhas e depois nas composições das Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados.
Ao prezado leitor e à estimada leitora, um apelo: antes de me abandonar pelo meio do caminho por acharem o assunto árido e desinteressante, tentem prestar atenção nos efeitos. Têm a ver com as suas vidas e até com a maneira como se posicionam nas respectivas redes sociais. Informação é útil para não incorrer no pecadilho do analfabetismo político, da precipitação, do chute, enfim, do vexame cívico.
Para tanto, convém também estar atento à entrada em cena dos candidatos oriundos dos movimentos civis suprapartidários. Tiveram pouca importância relativa nas eleições de 2018, mas já despertam interesse significativo e, ao que tudo indica, aumentarão sua presença nos mais variados partidos, reforçando a atuação para 2022, em que serão atores de peso e presença crescente.
No quesito novidades de 2020, temos também o posicionamento explícito de pretendentes às candidaturas presidenciais de 2022. Como atuará cada um deles? Lula carrega o PT ao mundo da fantasia, pois está impedido legalmente de concorrer. O presidente Jair Bolsonaro, em campanha aberta, vai tentar eleger o maior número possível de prefeitos de partidos simpatizantes para depois filiá¬-los ao Aliança pelo Brasil, aproveitando que prefeitos não perdem o mandato por mudar de agremiação, podendo fazê-lo quando a legenda de Bolsonaro obtiver registro no Tribunal Superior Eleitoral.
O governador de São Paulo, João Doria, já avisou que fará campanha para todos os candidatos do PSDB e aliados do partido a fim de se tornar conhecido país afora com vista à campanha presidencial. Luciano Huck, também pretendente, mas de atua¬ção mais discreta, ainda hesita entre as recomendações dos conselheiros.
Alguns acham que ele deve ficar de fora para se preservar, outros o aconselham a já se mostrar como candidato. Na dúvida, Huck parece atender a ambos: não assume a candidatura, mas vai trilhando os caminhos da política com conversações naquelas áreas ditas de centro e centro-direita que arquitetaram politicamente a candidatura de Fernando Henrique em 1994. Tiveram êxito. A dúvida é: só por causa do Plano Real ou por expertise? Desse dilema talvez esteja prisioneiro Luciano Huck.
Em armadilha parecida, em termos de prós e contras, poderá se ver o Congresso em 2020, que terá também uma grande novidade: o Orçamento da União impositivo. Quer dizer que o Parlamento passa a ser o responsável pelo ordenamento de despesas da União. Acaba aquele negócio de troca de votos de deputados e senadores por liberação do dinheiro das emendas e, com isso, o Executivo perde poder no quesito barganha.
O Legislativo fica mais independente, o debate sobre a distribuição do Orçamento ganha nova importância (de onde merece mais atenção das senhoras e dos senhores), mas suas excelências não terão mais esse velho colo para chorar, vão ter de se virar. É como diz o presidente da Câmara, Rodrigo Maia: “A gente vai precisar fazer bonito pelo próprio esforço. Se não fizermos, não teremos a quem culpar”. É isso, que venha 2020. Se possível, fagueiro.
O Estado de S. Paulo: O que tem que ser criticada é a má política, não a 'velha', diz Roberto Freire
Há quase 30 anos presidente de partido, ex-deputado fala em renovação e diz que já fez contatos com Luciano Huck por candidatura em 2022 pelo Cidadania
Matheus Lara, O Estado de S.Paulo
Aos 77 anos e há quase 30 na presidência de um partido político, o ex-deputado constituinte Roberto Freire, hoje sem mandato e dedicado exclusivamente ao comando do Cidadania (ex-PPS), se vê na vanguarda da renovação política no País. Um paradoxo do qual ele próprio ri e que tenta explicar: para ele, não há que se falar em "velha" ou "nova" política, mas sim de "boa" ou "má".
Ao Estado, Freire fala sobre o que entende ser esta mudança: uma estratégia que passa por aproximar seu partido dos chamados movimentos cívicos, de formação e renovação política, como o RenovaBR, Agora!, Acredito e Livres, que têm atraído e alavancado novas lideranças no País. Mas ele reconhece que se adaptar ao novo momento da política é uma questão de sobrevivência para os partidos. "Existe hoje uma nova formação política que não vem dos partidos tradicionais. O partido que queira continuar existindo tem que se adaptar ao que acontece na sociedade", afirma.
Em 2019, o Cidadania definiu seu novo estatuto ouvindo esses grupos. O partido definiu que não fechará mais questão em pautas no Congresso, por exemplo - uma forma de não constranger parlamentares que venham desses movimentos e que eventualmente tenha posição diferente da do partido. Esse tipo de tensão aconteceu este ano (2019) na reforma da Previdência, quando deputados como Tabata Amaral (PDT) e Felipe Rigoni (PSB) contrariaram suas siglas e agora respondem internamente.
Freire sonha em ter um dos principais nomes ligados a estes movimentos, o apresentador Luciano Huck, como candidato do Cidadania à Presidência em 2022, mas diz não querer apressar as coisas. "Não tem que precipitar nada", afirma. Veja os principais trechos da conversa.
Confira, abaixo, a entrevista:
Por que o Cidadania se abriu para os chamados movimentos cívicos?
São movimentos espontâneos formados por jovens que se interessavam por política e começaram a debater. Como no Brasil, para participar do processo político, há determinação legal de que só se pode fazer isso através de partidos, nós passamos a olhar para essa movimentação e tentar com eles dialogar para integrá-los. Existe hoje uma nova formação política que não vem dos partidos tradicionais. O partido que queira continuar existindo tem que se adaptar ao que acontece na sociedade.
Como evitar desencontro de pautas entre o que lideranças desses movimentos querem e o que o partido quer?
Não tem problema o desencontro de pautas. Eles têm a autonomia deles. O movimento não deixa de existir porque seus membros estão filiados ao partido.
Isso não coloca as bandeiras que o partido defende em 2º plano?
Não. O partido continua tendo suas bandeiras. Respeitará aqueles que vêm dos movimentos e seus filiados antigos. O partido continuará tomando posição (apesar de não fechar questão, que é a formalidade de orientação para voto da bancada no Congresso). O fato de alguém não votar com a posição do partido será respeitado.
Onde o Cidadania quer chegar com isso?
O mundo já não comporta mais paradigmas do passado. Estamos vivendo num processo em que instituições que foram fundamentais na sociedade industrial não são mais instituições que respondem às necessidades do novo mundo. Essa nova sociedade muda a política e não adianta imaginar que a atuação política vai ser a mesma. O Cidadania quer ser contemporâneo desse futuro. Não quer ficar perdido lá atrás. Queremos recuperar o diálogo entre sociais-democratas e liberais.
O senhor está há quase três décadas na presidência do partido. Como falar em renovação? Parece um paradoxo.
Sou responsável por liderar as mudanças no partido. Tem outros (partidos) que mudam todo ano e não renovam nada. Estou mostrando a você que quem está tendo diálogos com esses setores (movimentos) somos nós. Você pode até dizer que é um paradoxo (risos), mas na realidade, apesar de estar há tanto tempo, esse processo de mudança está sendo feito por nós. Eu estou comandando esse processo de mudança desde o PCB (de onde se originou o antigo PPS, que virou Cidadania em 2019). Não estou me acomodando, não.
A chamada 'velha política' tem sido bastante criticada nos últimos anos...
"Velha política"... O que tem que ser criticada é a má política. Não é a velha ou a nova, isso é um conceito equivocado. Tem que saber se é bom e acabou. A má política pode ser nova ou velha. Tem novos políticos que praticam a péssima política.
Mas o senhor ficou sem mandato justamente nesta onda de ataques à velha política...
Eu não tive voto. Respeito e não discuto a escolha do cidadão. Posso ter a visão de que foi feita uma escolha política equivocada, posso discordar, mas respeito. A política continua presente na minha vida. Trabalho em tempo integral à presidência do partido em Brasília.
O senhor pretende ser candidato de novo?
Não estou pensando nisso, não. Depois de um rechaço desse, tem que analisar bem se tem que voltar ou se encerrou o tempo de atividade parlamentar. Não me aposentei da política. Das urnas, também não, mas não está no meu horizonte. Estou num projeto concreto com o Cidadania de tentar que sabe articular uma alternativa democrática para 2022 para disputar a Presidência.
O senhor tem falado do apresentador Luciano Huck. Acha que ele será candidato pelo Cidadania?
Nao sei nem se ele vai ser candidato. Isso está no horizonte dele. Mas ele não decidiu ainda (por qual partido). Estamos muito distantes da eleição. Não tem que precipitar coisa alguma. Quem precipitou isso foi (o presidente) Jair Bolsonaro falando de reeleição em menos de um ano de governo. Tem muito tempo ainda. Não tem que ter pressa.
Mas o convite está feito a ele, certo?
Claro, há muito tempo já tivemos conversas.
Acha que ele teria chance nesse cenário polarizado? Qual o diferencial dele?
Não tem cenário polarizado. Tem extremos.
O senhor se refere a extremos que chegaram ao segundo turno em 2018, imagino. Huck tem chance nesse cenário de 'extremos'?
Não era na eleição. Bolsonaro se transformou em extremo depois que ele ganhou. Bolsonaro não foi eleito majoritariamente com voto da extrema-direita. Não foi isso. Teve voto de setores democráticos em Bolsonaro não porque era o grande candidato, mas por ser uma opção de 2º turno. Era um ou outro. A rejeição ao PT e não um apoio majoritário ao Bolsonaro.
Mas e Huck? Não acha que ele está demorando para se filiar a um partido e aparecer como pré-candidato?
Aparecer mais do que ele aparece? Ele é uma celebridade. Tem três anos ainda. E temos a eleição de 2020. Precisamos ver São Paulo, Rio, Campinas, cidades. Temos que estar preocupados com as cidades. É uma etapa. Vou tentar firmar nosso projeto político olhando para nossas cidades.
Falando em cidades, quem é pré-candidato a prefeito pelo Cidadania em capitais?
Queremos lançar pelo menos 15 candidatos em capitais. São pré-candidatos (os deputados federais) Marcelo Calero no Rio, Daniel Coelho em Recife, (e os estaduais) João Vitor Xavier em Belo Horizonte e Any Ortiz em Porto Alegre.
Muito se falou da fusão do partido com outros. Ainda existe essa possibilidade?
Não antes da eleição de 2020. Não sei depois. O Cidadania não exclui discussões com dois partidos: Rede e PV.
Luiz Carlos Azedo: Fora do “grande jogo”
“Não está claro o objetivo de Bolsonaro ao desafiar os xiitas iranianos e seus aliados no mundo árabe. O mais correto é manter o Brasil longe da rota do terrorismo árabe”
O Irã é uma república islâmica, tem um Estado teológico desde a queda da monarquia em 1979. Recém-chegado de 14 anos de exílio, o Aiatolá Khomeini protagonizou a Revolução Iranian com amplo apoio popular e é seu líder máximo até hoje. Berço de uma das civilizações mais antigas do mundo (data de 2.800 a.C.), a antiga Pérsia viveu grande expansão durante o Império Aquemênida, fundado por Ciro, o Grande, em 550 a.C: se estendeu do Vale do Indo, no Leste, à Trácia e Macedônia, na fronteira nordeste da Grécia. São quase cinco milênios de história.
Derrotados por Alexandre, o Grande, os aqueménidas entraram em colapso em 330 a.C., mas o país alcançou uma nova era de prosperidade após o estabelecimento do Império Sassânida, em 224 d.C.. Durante quatro séculos, o Irã foi uma das principais potências da Europa Oriental e da Ásia Central. Em 633, árabes muçulmanos invadiram o Irã, num processo de expansão do Islã que também chegou à Península Ibérica, em 711, com a invasão comandada por Tarik, o Grande. Com cientistas, acadêmicos, artistas e pensadores persas influentes, em 1501, a formação do Império Safávida promoveu o xiismo duodecimano islâmico como religião oficial e se tornou um divisor de águas do mundo árabe. Esse momento é a gênese do atual projeto de expansão da influência religiosa do Irã.
Em 1794, Aga Muhammad Khan, chefe de uma tribo turca, fundou a dinastia que permaneceu no poder até 1921. Em meio às disputas entre a Rússia czarista, que lhe tomou a Geórgia, o Daguestão, Baku e a Arménia caucasiana, e o Império Britânico, que exerceria grande influência sobre os reis Qadjaridas, o Irã conseguiu manter sua soberania e nunca foi colonizado. Mas jamais saiu de sua posição subalterna no “grande jogo” entre as duas potências europeias na Ásia, mesmo depois da revolução constitucional persa de 1905-1921, que derrubou a dinastia Qadjar, e levou ao poder Reza Pahlavi.
Em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido e a União Soviética chegaram a invadir o Irã, de olho nos seus poços de petróleo. Durante a “guerra fria”, os Estados Unidos forçaram o xá a abdicar em favor de seu filho, Mohammad Reza Pahlavi, em quem enxergavam um governante que lhes seria mais favorável. O reinado do xá tornou-se progressivamente ditatorial, especialmente no final dos anos 1970. Com apoio incondicional norte-americano, Reza Pahlavi modernizou o país, mas insistiu em esmagar o clero xiita e os defensores da democracia.
Terrorismo
A deposição de Reza Pahlavi foi uma derrota para os Estados Unidos, que se enfraqueceu em toda a região. O clero xiita assumiu o poder, adotou leis conservadoras inspiradas no Islamismo e mantém rígido controle político e ideológico do país. Todos os governos iranianos pós-revolucionários criticaram o Ocidente e os Estados Unidos; as relações nunca mais foram as mesmas. A partir de 1980, o Irã e o Iraque enfrentaram-se numa guerra destruidora que durou oito anos. Os Estados Unidos entraram em guerra com o Iraque, por duas vezes, a última para depor e matar Saddam Hussein, um ditador sunita num país de maioria xiita. O caos iraquiano abriu caminho para a influência iraniana junto aos xiitas daquele país.
Desde a vitória de Mahmoud Ahmadinejad em 2005, e sua reeleição fraudulenta, em 2009, conservadores e reformistas se enfrentam no Irã, mas o país se unifica em torno do projeto de expansão da influência xiita no mundo muçulmano, cujo grande artífice era o general Qasem Soleimani, comandante das Forças Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária. Seu assassinato no Iraque, pelos Estados Unidos, comoveu o país. O Irã não tem um grande exército para enfrentar os norte-americanos, mas tem um programa nuclear avançado, que os Estados Unidos e Israel consideram uma ameaça. Além disso, exerce grande influência sobre grupos armados de origem xiita, ou seja, pode promover uma guerra assimétrica numa região onde disputa influência com os Estados Unidos em aliança com a Rússia e a China. Irã tem fronteiras com Armênia, Azerbaijão e Turquemenistão, ao Norte; Cazaquistão e Rússia, no Mar Cáspio; Afeganistão e Paquistão, a Leste; Golfo Pérsico e Golfo de Omã, ao Sul; Iraque, a Oeste; e Turquia, ao Noroeste.
Essa região é um barril de pólvora. Temos boas relações com todos esses países, mas nunca fizemos parte desse jogo de superpotências. As declarações do presidente Jair Bolsonaro contra o Irã, endossando as acusações de “terrorismo” do presidente Donald Trump e o assassinato do general Soleimani, fogem à tradição da diplomacia brasileira. Além disso, inquietam e intimidam a pacata comunidade árabe que vive no Brasil. Não está claro o objetivo de Bolsonaro ao desafiar os xiitas iranianos e seus aliados no mundo árabe. O mais correto é manter o Brasil longe da rota do terrorismo árabe.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-fora-do-grande-jogo/
Igor Gielow: Bolsonaro imita Tony Blair e insiste em ser o 'poodle de Trump'
No caso do Irã, alinhamento imediato ao americano é novamente alvo de resistência
Nos primeiros de seus dez anos como primeiro-ministro britânico, Tony Blair era o xodó da centro-esquerda mundial. Expoente da tal Terceira Via, personificava um novo político, gente boa, nem tão socialista, nem tão conservador.
Apesar do oba-oba e de sua inconsistência, no poder Blair deixou algum legado, como o acordo de paz na Irlanda do Norte. Em 2007, ao renunciar, carregava contudo o epíteto de poodle de George W. Bush.
A imagem de cachorrinho dócil do presidente americano decorria de seu apoio automático à guerra ilegal que derrubou o desprezível Saddam Hussein no Iraque, em 2003.
Tal subserviência foi o erro central de seu mandato, punido por um eleitorado que soube identificá-lo como tal.
Jair Bolsonaro tem se esforçado para macaquear Blair com seu amor, “hétero, claro”, por Donald Trump. Quando se considera que o atual líder republicano dos EUA faz a gestão Bush parecer racional, temos a noção do buraco em que o Brasil está metido na área.
Assim, não foi com surpresa que se viu o Itamaraty emitir uma nota endossando o assassinato do general Qassim Suleimani pelos americanos.
Qualquer um pode julgar o sangue nas mãos do militar iraniano, farto, mas isso precisa ser feito com mais responsabilidade se envolve relações internacionais que não dizem respeito a seus interesses diretos.
Na dúvida, vale a máxima do “Dicionário Oxford de Política”: “Aquele que é terrorista para um é guerreiro da liberdade para outro”. É hipócrita? Sim, mas faz parte do equilíbrio desejável na prática política.
A nota é exemplar do comportamento da hidra da área externa, que tem o chanceler, um filho do presidente e um assessor obscuro como cabeças coroadas por um fanático radicado numa fazenda.
A depender deles, o Brasil teria participado de uma intervenção militar na Venezuela, mudado a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e aberto uma base americana por aqui.
Todas ideias que têm Trump como fiador. Em troca, nada de palpável e uma série de pequenas humilhações. Felizmente, em todos os casos houve instâncias racionais a sussurrar nos ouvidos presidenciais.
Aparentemente, o mesmo se dá agora, com a modulação retórica sugerida por militares que sabem o quão “soft” são os “targets” brasileiros e pelo agronegócio. O Irã é, afinal, o quarto maior comprador do setor que a cada dia se vê menos representado pelo presidente que ajudou a eleger.
Bolsonaro conta com a indiferença popular a temas externos para continuar sendo o poodle tropicalizado de Trump. O padrão terá mais três anos para ser testado, num mundo cada dia mais perigoso.
Fernando Exman: Um Bolsonaro mais político em 2020
Presidente vem se envolvendo mais nas pautas econômicas
O presidente Jair Bolsonaro inicia 2020 com um novo figurino. Um traje que Bolsonaro recusou durante a campanha eleitoral e parte considerável do ano passado, mas que, depois de repaginado, parece ter conquistado de vez o seu gosto. É o modelito de quem se apresenta com ampla experiência política e responsabilidade direta pelos resultados da política econômica.
O novo figurino cai bem para um chefe de Estado e de governo, que precisa interagir com autoridades de outros Poderes e articular os interesses do Executivo. Mas pode ser considerado fora da estação, se usado como uniforme de campanha em vez da roupa usada para executar os afazeres do dia a dia.
Nos últimos meses, o presidente foi deixando de lado o Bolsonaro que rechaçava a política. A despeito das quase três décadas exercendo o cargo de deputado federal, ele fazia questão de tentar se diferenciar dos políticos e se desvincular dos partidos.
Aquele Bolsonaro também se dizia completamente desinteressado pela economia. Terceirizava a auxiliares a responsabilidade de formular as propostas da área econômica, executar essas políticas e monitorar os resultados de cada ação colocada em prática.
Deu-se nesse contexto a ascensão do deputado do chamado baixo clero ao posto mais poderoso da República. Esse comportamento deu credibilidade à promessa de que, mesmo sendo Bolsonaro um parlamentar com históricas posições nacionalistas, uma equipe econômica estava sendo contratada com autonomia para implementar um programa liberal.
Ao longo de 2019, contudo, ocorreu uma paulatina calibragem no discurso do presidente. O ano passado é visto, no Palácio do Planalto, como um período de adaptação do presidente às suas novas atribuições à frente do Executivo e de realinhamento das engrenagens da máquina federal ao novo comandante. O próprio Bolsonaro chegou a dizer publicamente, no início do governo, que ainda não estava habituado à liturgia do cargo.
Agora, demonstra estar cada vez mais à vontade. E quer que sua história na política seja vista como experiência, uma indiscutível vivência capaz de identificar e evitar as armadilhas que o processo legislativo pode criar para sua base eleitoral. Esse argumento foi utilizado para justificar a sanção do dispositivo que cria a figura do juiz de garantias, decisão duramente criticada por bolsonaristas nas redes sociais. Na narrativa de aliados, Bolsonaro evitou a derrubada de um veto e que seu desgaste no Congresso fosse maior.
Outra característica emerge deste novo Bolsonaro. Após conceder “carta branca” à equipe econômica, o presidente passou a dizer que ouve 90% do que fala o ministro Paulo Guedes em nome da política, do social e do ser humano potencialmente prejudicado. Em outras palavras, em função da receptividade do Congresso e dos eleitores em relação às propostas da equipe econômica.
No fim do ano passado, por exemplo, a alta do dólar chamou a atenção do presidente e o assunto entrou em pauta numa reunião ministerial.
A equipe econômica buscou tranquilizar o chefe. Disse que não havia surpresa. O fenômeno já estava previsto quando foi iniciado o movimento de redução da taxa de juros, asseguraram.
O argumento apresentado ao presidente foi que a queda da Selic estava levando os “aventureiros” a deixarem o país. Com a saída desse dinheiro, acrescentou-se durante a explanação, o dólar inevitavelmente subiria. Mas depois a cotação se estabilizaria. E concluiu-se: somada a outras medidas na área econômica e do setor de infraestrutura do governo, a política monetária proporcionaria as condições para a entrada de recursos para investimentos diretos.
A explicação agradou o núcleo político do governo e serviu, inclusive, como subsídio para pronunciamentos públicos do presidente sobre o assunto.
O preço dos combustíveis é a preocupação atual, e novamente o presidente decidiu participar das análises de conjuntura e dos debates sobre eventuais medidas a serem tomadas. Em um gesto simbólico, saiu na segunda-feira do Palácio do Planalto e foi ao Ministério de Minas e Energia para se inteirar das discussões sobre os potenciais desdobramentos, no mercado internacional de petróleo e na economia doméstica, do ataque americano que matou o general iraniano Qassem Soleimani.
Até agora, não há consenso no governo. A ala política vislumbra uma solução que preserve a imagem do governo entre os eleitores, enquanto integrantes da equipe econômica sustentam que a dinâmica de preços é dada pelo mercado. Há um hiato nada desprezível entre as expectativas dos políticos e a realidade apresentada pelos técnicos. Uma saída preliminar foi o presidente tentar dividir o ônus político com os governadores, colocando sobre a mesa a discussão sobre a tributação do setor.
O governo tenta uma solução que evite criar subsídios e intervir na política de preços da Petrobras, embora esteja permanentemente preocupado com a sensibilidade dos bolsos dos eleitores em relação ao tema. Em outra frente, o presidente entrou abertamente para conduzir o debate sobre as regras do setor de geração de energia solar, articulando o apoio da cúpula do Congresso para aumentar a pressão sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Bolsonaro passou a cobrar que lhe deem crédito pela recuperação da economia e pelo aumento da oferta de empregos. Tem razão. Afinal, há indicadores que traduzem em números o otimismo propalado por representantes de seu governo durante todo 2019.
O presidente e seus mais próximos auxiliares estão seguros de que a economia vai continuar a apresentar resultados positivos ao logo do novo ano. Empresários, trabalhadores e o próprio Bolsonaro têm a ganhar, se essas projeções se confirmarem. Não se deve esquecer, no entanto, que parte considerável dos avanços obtidos até agora se deve também à autonomia de que as áreas técnicas puderam usufruir. Eventuais resultados negativos também recairão na conta presidencial.
Míriam Leitão: Os combustíveis e suas verdades
Estados estão em crise fiscal, mas o governo quer que eles subsidiem o combustível fóssil, reduzindo alíquotas de ICMS
Os preços do petróleo voltaram a subir ontem à noite após o ataque de mísseis a uma base americana no Iraque. Isso aumenta a pressão dentro do governo brasileiro para se encontrar uma solução mágica para o preço dos combustíveis. Toda vez que as cotações ficam voláteis o governo ensaia a mesma discussão, a de reduzir impostos, interferir nos preços, ou de criar um colchão de amortecimento. Foi assim na ameaça de uma greve dos caminhoneiros, e depois no atentado às refinarias da Arábia Saudita e agora na crise do Irã. Se quer alguma solução, ela tem que ser pensada quando não há crise.
Durante a campanha, o então candidato Bolsonaro era sempre perguntado sobre o que faria com os preços dos combustíveis. Isso porque a fórmula criada no governo Temer para conter a crise da greve dos caminhoneiros terminaria no dia 31 de dezembro de 2018. Bolsonaro sempre saía pela tangente ou divulgava um factoide. Na Globonews, ele chegou a sair da pergunta afirmando que privatizaria a Petrobras. O desconforto vinha do fato de que ele precisava caber na forma de um programa liberal na economia, no qual ele nunca acreditou.
Agora, com 372 dias no cargo, Bolsonaro ainda está prisioneiro do mesmo dilema entre o seu natural intervencionismo e o proclamado liberalismo de seu governo. Ele oscila entre a sua intenção de conter a alta, e a explicação da equipe econômica de que segurar preços de combustíveis não é liberal, além de prejudicar todo o projeto de privatizar as refinarias. Para piorar, ouve que foi exatamente o que a ex-presidente Dilma fez. Esse é o argumento que incomoda o presidente.
A primeira hora da verdade foi em abril, quando os preços dos combustíveis foram corrigidos em 5,7%. Ele ligou para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, e mandou suspender o reajuste. A Petrobras recuou. Isso deu uma grande confusão. O vice-presidente, Hamilton Mourão, teve que ir à imprensa para dizer que ele não faria a mesma política de Dilma. Bolsonaro garantiu: “não vou ser intervencionista”. Já estava sendo. A notícia bateu na ação da Petrobras. Ela caiu 8% num único pregão.
No dia 14 de setembro os preços do petróleo dispararam 10% no mercado internacional após o atentado, atribuído ao Irã, contra as refinarias da Arábia Saudita. Novo desconforto. Agora, com o atentado americano em que morreu o general Qassem Soleimani, a conversa voltou.
O presidente faz reunião e mais reunião e não chega a um resultado. Disse que pedirá aos estados que reduzam o ICMS. É um absurdo enorme. Imagina os estados que estão com rombos em suas contas, atrasam salário de funcionário, e não conseguem garantir bom atendimento de educação e saúde à população, gastando dinheiro para subsidiar combustível fóssil.
Na última reunião sobre o assunto, o governo falou em criar um colchão de amortecimento para suavizar a volatilidade dos preços dos combustíveis. Isso foi criado pelo governo Fernando Henrique. Era a Cide. Com o significativo nome de Contribuição para Intervenção no Domínio Econômico, ela tinha o objetivo inicial de fazer um colchão, que arrecadaria quando os preços estivessem baixos, e a alíquota cairia quando os preços tivessem que subir.
No governo Dilma, a Cide foi zerada, mas não foi suficiente. A conta acabou paga pela Petrobras, que carregou o custo de um congelamento dos preços de derivados de petróleo. Na greve dos caminhoneiros, de novo a Cide foi zerada, e outros impostos foram reduzidos. Essa foi a fórmula que vigorou até o fim do governo Temer. Era uma solução temporária.
Se não quiser ficar entre seu impulso intervencionista e a pressão da equipe econômica, Bolsonaro precisa encontrar uma fórmula antes da crise, para ser aplicada durante a crise.
De qualquer maneira, a esta altura das emergências climáticas do planeta, o ideal sempre será não subsidiar combustível fóssil. A equipe econômica está tão incomodada com o estímulo à energia solar, mas não se preocupa com o subsídio de R$ 1 bilhão pago todo ano pelo Tesouro para a energia do carvão. Agora ela não está preocupada com o possível subsídio ao diesel e à gasolina, o que ela teme é não ter compradores para as refinarias.
O preço interno é a soma do custo do petróleo mais a cotação do dólar. O câmbio estacionou num outro patamar, ainda que oscile. Por isso, qualquer aumento do petróleo, se não for repassado, vira prejuízo da Petrobras. Essa é a raiz do dilema.
El País: 'O combate à corrupção no Brasil sempre foi um mote para permitir retrocessos', diz Lewandowski
Ao EL PAÍS ministro do Supremo afirma que é preciso defender ativamente o Estado democrático de direito para evitar um novo “eclipse institucional”. Magistrado defende criação do juiz de garantias
Carla Jiménes e Regiane Oliveira, do El País
Foi em 2013, com o julgamento do escândalo de compras de votos no Congresso mais conhecido como Mensalão, que os ministros do Supremo Tribunal Federal se transformaram em celebridades. A cobertura sistemática das audiências em tempo real trouxe uma transparência até então nunca vista na Justiça brasileira. Mas não sem deixar sequelas. Até hoje Ricardo Lewandowski (Rio de Janeiro, 1948) se ressente dos reflexos do que especialistas chamam de “publicidade opressiva” do julgamento. Não poucas vezes as posições do ministro contrárias à maioria fizeram com que ele fosse tachado de antagonista da luta contra a corrupção. É com certa resignação que Lewandowski encara o isolamento provocado pela superexposição. “Os ministros não têm mais essa liberdade de locomoção. Ficam confinados em suas resistências, aos seus gabinetes, exatamente porque as emoções da sociedade afloram de forma muito viva, tendo em conta as questões polêmicas que são trazidas ao STF”, afirmou ao EL PAÍS em dezembro, em uma das raras entrevistas concedidas desde o Mensalão. Mas a resignação termina por aí. Na conversa —filmada pela equipe da documentarista Maria Augusta Ramos—, o ministro mostra que continua combativo e fiel a seus princípios. Vislumbra, inclusive, que certas operações judiciais e policiais, “de grande impacto midiático” —em alguns momentos cita a Lava Jato explicitamente— “vão ser julgadas de forma muito severas pela história”.
Pergunta. A pressão pública já fez o senhor mudar suas convicções?
Resposta. Eu sou pressionado desde os tempos do Mensalão... Não gosto dessa expressão, porque acho que temos que nos ater à nomenclatura técnica, o julgamento da Ação Penal 470. Eu sempre tive uma posição extremamente garantista, no sentido de respeitar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. E, naquele momento histórico, isso não foi muito bem compreendido. O Supremo Tribunal Federal estava extremamente pressionado pela mídia. Havia um desejo de que se finalizasse rapidamente esse processo. Mas, claro, a observância rigorosa de tudo aquilo que está no Código de Processo Penal, de certa maneira, poderia atrasar o julgamento e frustrar a opinião pública. Desde aquela época sempre fiquei muito exposto, mas essa exposição e essa pressão não tiveram o condão de fazer com que eu me afastasse um milímetro sequer das minhas convicções.
P. Existe uma crítica de que o direito garantista não avança no sentido de alcançar as elites. A Lava Jato trouxe essa sensação catártica de que empresários, que outro dia estavam na capa das revistas, também eram presos. Como o senhor lida com essa percepção?
R. Primeiramente, aqueles que acham que os direitos e garantias do cidadão em juízo são perfumaria só acham isso quando o direito penal é aplicado aos outros. Não quando se trata da própria pessoa, de um parente ou amigo. Aí valem todos os recursos possíveis para se defender e não ser preso. Agora, dos 800.000 presos hoje no Brasil, eu diria que 99,9% são pessoas das camadas sociais mais baixas, os hipossuficientes, os pobres, sobretudo da população negra. Essa ideia de que agora os ricos, os poderosos, estão sendo presos não me parece que corresponde à realidade. As últimas operações tão apregoadas, tão incensadas pela mídia, prenderam muito poucos ricos e poderosos. E os poucos que foram presos já estão soltos, e com seus patrimônios intactos. Na prática, remanesceram presos um ou outro político mais conspícuo.
P. Na teoria, as operações da Lava Jato tinham como missão alcançar todos os extratos do poder em suas relações com a Petrobras. O que deu errado?
R. A verdade é que as operações foram extremamente seletivas, elas não foram democráticas no sentido de pegar os oligarcas de maneira ampla e abrangente. Por isso é preciso ter muito cuidado quando se quer fragilizar os direitos e garantias do cidadão em juízo, dentro de um contexto politicamente matizado. Eu acho que há valores de que não se pode abrir mão de forma nenhuma. São valores que resultam de lutas milenares dos povos contra a autocracia, a tirania, a opressão. É por isso que eu digo que essa avaliação episódica que certas operações produziram pode se mostrar no futuro próximo — e não digo um futuro distante — realmente uma falácia.
P. O quanto a Corte é influenciada pela opinião pública em suas decisões?
R. Eu tenho minhas dúvidas em falar que a sociedade quer isto ou aquilo. Na verdade, a sociedade é muito influenciada pela mídia, que tem preferências relativas a determinadas políticas e soluções, até mesmo as judiciais. Isso, a meu ver, contamina a opinião pública. É difícil separar o que é opinião pública e o que é opinião publicada. Uma mídia como a que existe no Brasil, altamente concentrada, tem um poder muito grande de influência. Existem juízes que podem, eventualmente, ser pressionados, e outros que não. Eu, por exemplo, não me sinto absolutamente pressionado, porque, do momento em que eu ostento sobre meus ombros uma toga, entendo que tenho que cumprir meu dever constitucional de julgar com a máxima isenção possível.
P. Como o senhor avalia a performance da Corte no Mensalão?
R. Eu não posso criticar as decisões colegiadas, ainda que eu tenha tido uma opinião contrária. Mas um ministro da Corte [Luís Roberto Barroso, durante sabatina no Senado, em 2013] disse uma frase que circulou amplamente, que o Mensalão foi um ponto fora da curva. E de fato, se olharmos retrospectivamente, causa no mínimo uma estranheza, uma perplexidade, que as atividades do Supremo Tribunal Federal ficassem paradas durante seis meses para julgar um processo. O trabalho das turmas foi paralisado. Os habeas corpus deixaram de ser julgados para que fosse apreciado apenas o Mensalão. Só isso já é algo a ser examinado pelos futuros historiadores. Há muitas questões que podem ser eventualmente discutidas. Por exemplo, a exacerbação das penas foi algo que aconteceu, a meu ver, pela primeira vez no STF e na história do Judiciário. A aplicação da teoria alemã do domínio de fato de forma muito ampla foi, inclusive, criticada por Claus Roxin, um dos principais elaboradores dessa teoria, em visita ao Brasil. Outra questão é o fato de o processo ter sido fatiado e julgado segundo a ótica do Ministério Público. São várias questões que precisam no futuro ser mais bem avaliadas, sopesadas. Mas eu não estou na posição mais adequada para criticar um julgamento colegiado do qual eu participei e no qual muitas vezes fui vencido. E no qual também, diga-se em meu benefício, muitas vezes meu ponto de vista prosperou e foi adotado pela maioria.
P. O senhor fala da influência da mídia em alguns posicionamentos, mas e o papel das redes sociais?
R. Veja, eu em nenhum momento firmei que a mídia ou a pressão popular influenciaram o julgamento dos ministros do STF ou de outros juízes. Não teria a leviandade de afirmar isso. O que eu quis dizer é que a mídia influencia ou constrói a opinião pública. Aliás, é uma das das funções da mídia esclarecer de maneira a permitir que a opinião pública forme um determinado ponto de vista. O que me parece é que a Internet, pelo menos no que diz respeito às fake news e à intensidade que as mídias sociais ganharam, é um fenômeno relativamente recente. Durante a época do Mensalão, Internet e mídias sociais eram secundárias. Decisivos à formação da opinião pública eram as televisões, as rádios e a imprensa escrita. Ultimamente, talvez de dez anos para cá, é que esse fenômeno surgiu, inclusive, influenciando no processo eleitoral. Isso aconteceu em outros países, que não quero nominar. E aconteceu também, segundo dizem especialistas, no Brasil. Sobretudo a produção das fake news, impulsionadas por robôs, que permitem que milhões de mensagens sejam divulgadas em segundos, o que, segundo os especialistas, pode influenciar de forma muito impactante a opinião pública especialmente no plano de suas opções políticas em momentos eleitorais.
P. Essas campanhas virtuais podem ajudar a enfraquecer o Judiciário brasileiro, como aconteceu em outros países?
R. Esse risco sempre existe. O Brasil a cada 25, 30 anos sofre um eclipse institucional. Nós não podemos excluir este eclipse institucional tendo em conta a própria história do país. O risco é sempre presente. Mas eu penso que a Constituição de 88 tem salvaguardas bastante importantes e tem resistido nestes últimos 30 anos a crises muito sérias. Crises econômicas, impeachment. Mesmo assim, elegemos presidentes, senadores, deputados, governadores, vereadores sem maiores incidentes. Há certa maturidade que o Brasil conseguiu a partir da Constituição de 88, que serve como rede de proteção às instituições. Mas não posso excluir esse risco, sobretudo tendo em conta a experiência internacional em países do Leste europeu, em que o risco se mostrou algo muito palpável.
P. O senhor afirma que a Constituição tem instrumentos muito sólidos, mas o STF tem se valido de um instrumento que é anterior à Constituição, o regimento interno, para justificar algumas demandas, como a abertura do inquérito das fake news. Por quê?
R. O regimento interno do STF é um regimento que passou por várias administrações. Foi em grande parte elaborado sob a égide de outras constituições, mas é um conjunto de regras, como se fossem regras de trânsito. Esse inquérito que foi aberto — e também não quero entrar de forma mais vertical nessa questão porque isso eventualmente pode ser apreciado pelo plenário da Corte— não se confunde com um inquérito policial e muito menos com os inquéritos abertos pelo Ministério Público. É um inquérito que qualquer órgão administrativo pode abrir, estando ou não previsto ou não em seu regimento interno. Um hospital público, se desaparecerem alguns medicamentos de seu almoxarifado, pode abrir um inquérito. Uma universidade pública, se tiver um problema com professores, alunos e servidores, pode abrir um inquérito para investigar. O inquérito que foi aberto no STF tem, sim, amparo no regimento interno, mas é uma providência que qualquer órgão público poderia tomar, porque não é preciso ser necessariamente um órgão judicante para investigar determinados atos que eventualmente possam ser considerados ilícitos.
P. O senhor também foi vítima de fake news?
R. Todos nós somos vítimas de fake news, de um achincalhe pelas redes sociais. Mas isso faz parte, digamos assim, do mundo contemporâneo em que vivemos. As pessoas públicas precisam se acostumar com esse fenômeno. É importante que, sobretudo os juízes, não se deixem abalar com isso.
P. De 2014 para cá, vivemos as revelações da Operação Lava Jato. Mas em junho deste 2019 começou uma revisão palpável dessa operação ambiciosa, com as revelações da Vaza Jato. Como o senhor vê esse processo?
R. Em primeiro lugar eu acho que as revelações do The Intercept são gravíssimas. Denúncias que precisam ser apuradas e que, diga-se, até o momento não foram desmentidas. Agora, o Supremo já corrigiu certos desmandos que ocorreram, não só no âmbito da operação Lava Jato, mas também em outros juízos, de 1º e 2º graus. Por exemplo, a condução coercitiva, largamente praticada no âmbito da Lava Jato, foi considerada inconstitucional. Denúncias e condenações que foram feitas com base só em delações premiadas, o STF disse que são nulas — é preciso haver uma outra prova além daquela informação prestada pelo delator que tem interesse em se beneficiar. O STF fez várias correções no que diz respeito ao devido processo legal. Por exemplo, ainda no caso da delação premiada, dizer que os delatados precisam necessariamente falar por último. Algumas correções de rumo foram feitas antes mesmo do vazamento do The Intercept. E pode ser que, a partir da constatação de que, de fato, algumas ou todas essas denúncias têm correspondência com a realidade, o Supremo aprofunde ainda mais essas correções de práticas que ofendem a Constituição, o Código de Processo Penal e o Código Penal.
P. Mas nem sempre essas correções são unânimes. E muitos interpretam as mudanças no posicionamento da Corte como fonte de insegurança jurídica.
R. Pelo contrário. Na medida em que o Supremo Tribunal Federal confirma os direitos e garantias do cidadão, que estão inscritos na Constituição, em vigor há mais de 30 anos, e que refletem toda uma elaboração histórica, até no plano internacional, de garantias dos direitos fundamentais, isso só pode militar no sentido de dar mais segurança, e não menos segurança. A insegurança ocorre quando um cidadão se coloca nas mãos de um juiz, de um magistrado, ou de um membro do Ministério Público que pode agir com a mais ampla discricionariedade sem atentar para aquilo que está na Constituição, ao Código de Processo Penal.
P. Um exemplo que ilustra essas críticas sobre a insegurança jurídica é o julgamento sobre a questão da prisão após a condenação na segunda instância, que teve em 2016 uma vitória de 6 a 5 para prisão, em 2016. E agora, foram outros 6 a 5 para a ênfase no trânsito em julgado. Por que esses votos tão apertados e num período tão curto?
R. Insegurança gerou a mudança no sentido de se superar a presunção de inocência constitucional. Durante muitos anos a Corte afirmou que a presunção de inocência impedia a prisão após o julgamento em segunda instância. Durante muitos anos foi assim. A partir, especialmente, de um julgamento histórico capitaneado pelo ministro Eros Grau [que discutiu o mesmo tema em 2009], em que se reafirmou, sobretudo em um país complicado como o nosso, no sentido do cumprimento dos direitos fundamentais, do que já está na Constituição. Mas, como uma visão mais punitivista, mais repressiva, passou a imperar no Brasil, houve uma inflexão da Suprema Corte. Por 6 votos a 5, entendeu-se [em 2016] que a partir da condenação em segundo grau se poderia mandar uma pessoa para a prisão. E o pior de tudo: automaticamente para a prisão, sem ponderar a situação pessoal do condenado, quando a nossa Constituição diz que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem fundamentada de um juiz. A partir dessa inflexão do Supremo —essa sim, que causou estranheza, que causou perplexidade —, os tribunais passaram a prender as pessoas automaticamente, tendo elas cometido um crime grave ou não, sejam elas perigosas ou não para a sociedade.
P. Mas, ministro, temos que admitir que algumas revisões do STF criam divisões até mesmo dentro do Judiciário.
R. O Brasil sem dúvida nenhuma está muito dividido. As últimas eleições mostraram uma divisão quase equitativa do nosso eleitorado. Essa divisão, digamos assim, político-eleitoral da sociedade, se reflete também no dia a dia. Todos nós verificamos isso. Os ódios aumentaram. As incompreensões também se multiplicaram. Esse ambiente, de certa maneira, também atinge as instituições e, por que não, o próprio poder Judiciário. Agora, acho absolutamente inconcebível que juízes de 1ª ou 2ª instância se manifestem publicamente ou se insurjam contra decisões da Suprema Corte do país. Isso é anomia pura. Mal sabem eles que no momento em que descumprirem uma orientação da Suprema Corte, os juízes de 1º grau também descumprirão as decisões da segunda instância. Eventualmente, as decisões do juiz de de 1º grau podem ser descumpridas pelos cidadãos e pelos próprios administradores públicos. Um caos. O que, evidentemente, não se pode aceitar de forma nenhuma. Dentro do Estado democrático de direito, as regras precisam ser respeitadas. Goste-se ou não. Quem não gostar dessas regras precisa se candidatar a um cargo eletivo e tentar mudar as normas.
P. Como o senhor avalia a figura do juiz de garantias do pacote anticrime aprovado pela Câmara e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro?
R. Esse é um avanço extraordinário. Eu sempre pugnei para que o juiz de garantia fosse adotado. Eu diria até que é um passo além daquilo que nós implantamos quando estivemos à frente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que foram as audiências de custódia. Demos cumprimento ao um dispositivo da Convenção Americana de Direitos Humanos, que estabelece que qualquer pessoa presa tem que ser imediatamente levada à frente de um magistrado, de um juiz. Por meio de uma resolução do CNJ ficou determinado que qualquer pessoa presa em flagrante deve ser encaminhada, no prazo de 48 horas, a um juiz. Essa providência teve resultados muito significativos. Segundo as últimas estatísticas, do ano de 2015, quando elas foram implantadas, até o ano de 2019, cerca de 200 mil pessoas foram liberadas mediante condições: tornozeleiras eletrônicas, comparecimento periódico ao juízo, suspensão de determinados direitos. E não foram jogados num sistema prisional dantesco. Hoje no Brasil nós temos 800.000 presos. Nós temos a terceira população carcerária do mundo e, desse número, 40% são presos provisórios, que jamais se defrontaram com um juiz. Passam meses, anos, sem serem ouvidos por um juiz, numa situação que o próprio STF classificou num julgamento histórico de “estado de coisas inconstitucionais”.
P. O que deve mudar agora com o juiz de garantias?
R. A audiência de custódia representou um avanço, e o juiz de garantia é um passo além, é um aperfeiçoamento. Qualquer pessoa uma vez defrontada com a Justiça criminal passa a ser colocada diante de um juiz de garantia, de um juiz de instrução, que vai verificar se a prisão é necessária, se medidas de caráter invasivo, como busca e apreensão em domicílio, quebra de sigilo fiscal, telefônico, bancários, são ou não pertinentes. Toda instrução criminal será feita por um juiz absolutamente independente que se coloca à margem ou longe do processo em si. Complementada essa primeira fase, que é a fase de instrução, o processo é passado para um juiz que vai julgar o mérito da questão. Ou seja, não há uma contaminação do juiz que vai julgar o mérito da ação penal com essas primeiras medidas de caráter instrutório. É um avanço civilizatório muito importante.
P. Mas este novo agente tem um custo. Será viável financeiramente, considerando que já há um déficit de juízes no Brasil?
R. A Justiça não tem custo, educação não tem custo, saúde não tem custo. São serviços públicos de caráter prioritário. A liberdade da pessoa humana é algo absolutamente fundamental, não tem preço. É preciso investir no juiz de garantias ou no juiz de instrução. É possível, ao meu ver, fazendo o remanejamento de varas, ou fazendo, eventualmente, trabalhos por turnos. É possível sem dúvida nenhuma implantar o juiz de instrução sem maiores despesas. E se tiver alguma despesa é uma despesa bem-vinda, um despesa benfazeja. Tem tantos gastos supérfluos da administração do próprio poder Judiciário que podem ser canalizados para o juiz de instrução...
P. O perfil hoje da Corte na área de costumes é considerado progressista. Mas teremos uma mudança importante nos próximos três anos. Estamos às vésperas da aposentadoria dos ministros Celso de Mello (2020) e Marco Aurélio Mello (2021), e também sua aposentadoria e da ministra Rosa Weber, em 2023. Como vê essa nova Corte, que será parcialmente constituída no Governo Bolsonaro?
R. O que se tem dito é que o Supremo Tribunal Federal é liberal nos costumes e punitivista em matéria de direito penal. Salvo exceções. Eu, por exemplo, sou um garantista. Entendo que se deve seguir rigorosamente aquilo que está na Constituição em relação aos direitos e garantias do cidadão. A verdade é que no nosso sistema de nomeação de juízes da Suprema Corte, que segue o modelo norte-americano, os juízes de certa maneira sempre trazem para os seus julgamentos um viés, amplamente considerado, daquele presidente da República que o nomeou. Se é um presidente em posições mais conservadoras, a tendência que é ele escolha um juiz mais conservador, seja em matéria de costumes, seja de direito penal. Mas isso também ocorre nos Estados Unidos. Talvez, tendo em conta este fato, e considerando também que a mudança social é extremamente dinâmica como jamais foi em outro período histórico, é possível que se possa, e penso que seja até desejável, cogitar mandatos para os juízes não só da Suprema Corte como das Cortes Superiores do país, a fim de evitar um certo engessamento de determinadas posições ideológicas ou determinadas visões de mundo. Ao invés do exercício do cargo vitalício, até o integrante do cargo atingir 75 anos, talvez pudéssemos adotar aqui no Brasil, como em outros países, um mandato de 10, 12 anos, oito anos...renovável ou não.
P. No artigo “Em defesa do Estado democrático de Direito”, publicado no final de novembro na Folha de S. Paulo, o senhor defende que um presidente está sujeito ao impeachment caso atente “contra o exercício dos direitos políticos, individuais ou sociais”, como no caso do emprego das Forças Armadas em operações para garantia da lei e da ordem (GLO) contra manifestantes. Foi um artigo de caráter educativo para os demais poderes?
R. Num país como o nosso, que a cada 25, 30 anos sofre um retrocesso institucional, é muito importante que esses instrumentos excepcionais que estão previstos na Constituição sejam utilizados com muita parcimônia. Intervenção da União nos Estados, dos Estados nos municípios, o estado de sítio, o estado de defesa e as operações GLO são instrumentos que devem ser utilizados apenas em caráter excepcionalíssimo, sob pena de se colocar em risco o próprio Estado democrático de direito. Foi esse o alerta que eu pretendi fazer.
P. O senhor está falando de riscos de colapso institucional. Tivemos dois interlocutores do Governo federal falando em AI-5. Nossa democracia corre riscos?
R. A ameaça de utilização ou de reinstituição do Ato Institucional número 5 é de uma irresponsabilidade absoluta. Não é possível que homens públicos cogitem um retrocesso institucional dessa natureza. Tendo em conta esses episódios que estamos vivendo, prisões que não poderiam nunca ter sido efetivadas, certo atropelo de direitos fundamentais que se vê aqui ou acolá. Isso tudo faz com que cada vez mais os democratas tenham que, de forma muito explícita e muito ativa, defender a Constituição. A Constituição é nossa tábua de salvação. O que impedirá retrocessos é o cumprimento escrupuloso daquilo que se contém na Constituição, sobretudo os direitos e garantias dos cidadãos.
P. O sistemas de pesos e contrapesos está funcionando no Brasil? O senhor é mais otimista ou pessimista em relação à defesa da Constituição?
R. Não podemos ter uma visão fotográfica do momento histórico. O momento histórico é um fluxo, só podemos ter uma visão mais clara depois de certos anos, ou até décadas. Este é um momento em que, de fato, o STF tem uma certa preponderância, um peso maior, sobretudo se comparado com o passado, relativamente aos demais poderes. O Congresso Nacional está muito fragmentado do ponto de vista de sua base político-partidária. Existem hoje cerca de 32 partidos políticos, e isso dificulta a tomada de decisões por parte do Congresso. As decisões são muito ad hoc, não existem posições ou decisões que são tomadas a partir de uma visão mais programática, principiológica, que é própria de um sistema partidário mais enxuto, com partidos que realmente tenham essa característica. O poder Executivo também está de braços dados com crises políticas, crises econômicas recorrentes. E o Supremo Tribunal Federal, neste momento, exatamente por decidir questões importantíssima com a maioria de 6 votos, tem condição de dar solução para os problemas que se colocam para a sociedade brasileira de forma mais célere. Mas eu imagino que, num momento futuro em que o Congresso Nacional se fortaleça e que o próprio poder Executivo possa controlar melhor o destino do país e nadar de forma mais tranquila nesses mares revoltos que vêm da política internacional, da geopolítica, o Supremo também perderá esse protagonismo que tem no momento presente.
P. Como o senhor avalia o combate à corrupção no Brasil?
R. O combate à corrupção é necessário. Todos nós queremos combater a corrupção. Mas, infelizmente, no Brasil, o combate à corrupção sempre foi um mote para permitir que se promovessem retrocessos institucionais. Foi assim na época do suicídio de Getulio Vargas, foi assim em 64. É uma visão moralista política do combate à corrupção, a meu ver, absolutamente deletéria. O combate à corrupção tem que ser feito diuturnamente, permanentemente, mas existem outros males igualmente graves no Brasil: a má distribuição de renda, a exclusão social, o sucateamento da educação, a precarização da saúde pública. São males que equivalem, se não são superiores, ao mal da corrupção.
P. O STF é muito criticado na hora de pautar a agenda de julgamentos, pela falta de transparência. Como o STF prioriza as pautas?
R. Há certa discricionariedade por parte do presidente no que diz respeito à pauta. Eu já fui presidente e posso dizer que existem dois requisitos para pautar um determinado processo: avaliação da urgência e da importância. Isso não é feito apenas de forma isolada. Consultam-se os pares, de certa maneira, há pressão das partes. Agora temos, em média, 700 processos para serem julgados pelo plenário do STF, é sempre uma escolha de Sofia. Mas não uma escolha totalmente aleatória. Claro que existe um certo desejo por parte da mídia, por parte da opinião pública, de que certos assuntos tenham prioridade em relação a outros. Mas isso não é possível.
P. Por exemplo, o fim do julgamento sobre a suposta suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, pedido pela defesa do ex-presidente Lula. Havia uma expectativa de que seria realizado em 2019.
R. Mas, nesse caso, determinado ministro pediu vista [Gilmar Mendes] e ele devolverá a vista quando entender que o processo está maduro para ser julgado. Já não tem nada a ver com a pauta, que é aquela determinada pelo presidente do STF e que sofre uma série de junções, de pressões e, afinal de contas, o presidente tem que decidir. Os presidentes da República, do Senado, da Câmara, do STF, são eleitos para tomar essas decisões.
P. Os pedidos de vista também costumam demorar além do que prevê o regimento.
R. A Justiça é demorada também. Se nós escolhermos o processo "a", desagradaremos "b" ou "c". Sempre tem alguém que vai achar que o processo dele tem preferência, é uma escolha de Sofia.
P. Ministro, quais foram os principais acertos da Corte desde que o senhor começou?
R. Eu sou um pouco suspeito para falar porque fui o relator das cotas raciais nas universidades públicas. Esse foi um dos raros processos em que o voto do relator, ou seja, o meu voto, foi aprovado por unanimidade pelos membros do Supremo Tribunal Federal. Isso, ao meu ver, foi um avanço extraordinário no que diz respeito à integração dos negros, dos índios, e de outros segmentos mais carentes da população na universidade pública. Recentemente, o IBGE fez uma pesquisa que mostra que hoje mais de 50% da população universitária é constituída por negros. Isso me parece um avanço extraordinário.
P. E quais são os casos em que o senhor não é suspeito de falar?
R. Por exemplo, uma decisão na qual fui vencido em parte, porque achei que deveríamos ter estabelecido alguns parâmetros mais restritos, foi no sentido de liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas. Isso é muito importante para as pesquisas científicas do Brasil. Eu fui vencido em parte porque achei que os limites tinham que ser mais estritos. Mas nós liberamos isso com certa generosidade. Isso, ao meu ver, foi um avanço. Outra questão, em que eu também por acaso fui relator, foi o habeas corpus coletivo para as mulheres presas. Nós criamos esse instrumento, que não estava previsto na Constituição, dizendo que as mulheres gestantes, lactantes e mães de crianças até 12 anos não deveriam mais ser presas. Porque no fundo, no fundo, quem está preso é um brasileirinho inocente que fica atrás das grades. Então são alguns marcos importantes que o Supremo estabeleceu.
P. Como o senhor vê o futuro da Justiça do Brasil?
R. Eu penso que o futuro da Justiça, não só no país, mas em todo o mundo, é no sentido de tirar da Justiça uma série de questões que podem ser resolvidas pela própria sociedade. Eu mesmo, quando fui presidente do CNJ, tendo em conta os 100 milhões de processos que estavam tramitando na época, hoje talvez um pouco mais, fiz o esforço, juntamente com os demais magistrados de todo o país, para prestigiar a conciliação, a mediação e a arbitragem. Ou seja, tirar do Judiciário uma série de questões, sobretudo aquelas que dizem respeito a direitos disponíveis, para permitir que o Judiciário se debruçasse sobre as questões mais relevantes.
P. O senhor comentou sobre o momento de mares revoltos que vive o Brasil e a necessidade de os democratas enaltecerem a Constituição para marcar posição contra os arroubos autoritários. Qual o papel do STF no sentido de acalmar esses mares revoltos?
R. O papel do STF e do Judiciário brasileiro só pode ser julgado daqui alguns anos, daqui a algumas décadas. Não podemos julgá-los a partir das emoções que estão à flor da pele neste momento histórico. Mas o Judiciário vem representando um papel de consolidação da democracia, de estabilidade das instituições republicanas. Basta ver, por exemplo, o papel da Justiça Eleitoral. A partir da Constituição de 88, sobretudo, a Justiça Eleitoral tem representado um papel importantíssimo no sentido de fazer com que os resultados das eleições sejam aceitos sem maiores contestações. Eu mesmo fiz uma eleição geral como presidente do TSE disputadíssima, em que foi eleita a primeira mulher, Dilma Rousseff. A eleição foi apurada em poucas horas a partir das urnas eletrônicas. E a partir disso não se contestou, pelo menos contestação séria ou jurídica, o resultado das eleições. O próprio STF, seja na pauta de costumes, seja em questões que afetam o dia a dia do cidadão, ou mesmo nas questões criminais, tem decidido, às vezes por maiorias apertadas, e a questão se pacifica em toda a sociedade. Existem descontentamentos aqui e acolá, sobretudo em matéria criminal, mas de modo geral eu penso que as nossas decisões não são contestadas, são aceitas e militam no sentido de pacificar a sociedade.
Luís Eduardo Assis: Voa, galinha, voa!
Se o governo não engendrar logo uma forma de alavancar investimentos, estaremos condenados a voar baixo
Em entrevista logo após a aprovação da reforma da Previdência, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deitou falação e assegurou que o Brasil poderia, a partir de então, “oferecer aos investidores a tal previsibilidade que permite o cálculo econômico e que dá segurança a quem investe”. O ministro, que é veterinário, tocou num ponto que ocupa a teoria econômica há séculos. É fato que perspectivas favoráveis são cruciais para engendrar um novo ciclo de crescimento, mas desde então não só o ministro despontou para o anonimato, como também o investimento deu demonstrações apenas tépidas de que atendeu ao chamamento oficial.
Medir o comportamento do investimento não é coisa simples no século 21. Na enciclopédia editada pelo economista David Glasner (Business Cycles and Depressions), o verbete “investimento” é definido como “o fluxo da produção corrente alocado para a acumulação de capital”. Isso é coisa do tempo em que a indústria dava as cartas. Hoje é diferente, mas a metodologia do cálculo do investimento no Produto Interno Bruto (PIB) não se alterou de forma significativa. Se uma empresa gasta bilhões em novos sistemas, novos processos, novas marcas ou novos produtos, isso impacta pouco o cálculo do investimento, apesar de acumular enorme capital intangível.
Por essa métrica convencional, o Brasil ainda está devendo. A Formação Bruta de Capital Fixo (o nome completo que consta no passaporte do investimento) crescia, em termos anualizados, 4,1% no terceiro trimestre de 2018, ritmo que caiu para 3% no terceiro trimestre de 2019, quando ficou 23% abaixo do patamar do terceiro trimestre de 2013. Na indústria de bens de capital, núcleo duro do conceito tradicional de investimento, o quadro ainda é desolador. O crescimento porcentual anualizado em outubro de 2019 estava em 0,2%, ante 8,7% 12 meses antes. Ou seja, esse segmento da indústria está desacelerando. A produção de bens de capital de outubro de 2019 era 33% menor que a do final de 2013.
O crescimento mais intenso da economia em 2020 parece assegurado. Virá do consumo, estimulado pelo pequeno aumento do emprego e pela forte queda nos juros.
Juros menores também impulsionarão a construção civil, já que os órfãos da renda fixa terão de procurar alternativas para a valorização de seus capitais. Mas será o comportamento dos investimentos que definirá se este crescimento será ou não um novo voo de galinha.
O governo parece alheio a este empecilho. Dentro do fundamentalismo liberal que dá a tônica das medidas econômicas, o pressuposto é de que o mercado resolve tudo e que basta o governo se recolher para que a iniciativa privada preencha automaticamente o hiato. Algo como uma reedição tardia do credo professado por Thatcher ou Reagan. Aqui ainda estamos passando flanela nessas ideias antigas.
O investimento industrial pode reagir ao aumento do consumo. Não será a salvação da lavoura, mas salvam-se algumas couves. Já o investimento em infraestrutura não pode decolar sem a coordenação direta do governo. Fala-se em concessões como se fosse trivial atrair a iniciativa privada para projetos de longo prazo. Mas a Lei Geral de Concessões tramita na Câmara dos Deputados sem a chancela do governo, do que resultou um projeto megalomaníaco e de duvidosa eficácia. O governo Bolsonaro não entende que foi eleito para fazer política. Sem falar que nem todos os projetos de infraestrutura são passíveis de serem explorados por empresas que visam ao lucro. O mercado projeta hoje um crescimento de 10% no acumulado dos próximos quatro anos. É pouco, quase um voo de galinha. Se o governo não engendrar logo uma forma de alavancar investimentos, estaremos condenados a voar baixo.
*Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e da FGV-SP.