destaque
Marco Aurélio Nogueira: Um depoimento para a história que um dia se contará
Antes que os engulhos da indignação te sufoquem, você fica tentando descobrir o que está a passar pela cabeça de Antonio Palocci durante as tratativas para conseguir uma delação premiada e no depoimento a Moro, em que fulminou Lula, Dilma e o PT com vários megatons de flechas envenenadas.
Por que fez o que fez, falou o que falou e do jeito que falou? A pergunta ressoa em vários ambientes e análises, Por certo comporta muitas explicações.
Foi um depoimento sereno e calculado. O ex-ministro falou com calma, tentando ser preciso, relatou detalhes e conversas sórdidas, contou de sítios, apartamentos, propinas e vantagens ilícitas como se estivesse conversando com amigos numa mesa de bar. Só faltou sacar do bolso uma agenda com tudo anotado. Insinuou que poderá fazer isso, caso o juiz assim o deseje.
Mas Palocci não jogou conversa fora, como se faz em um papo de bar. Concatenou e amarrou tudo direitinho, para justificar o prêmio que almeja com a delação. Mostrou saber perfeitamente o que fazia e quem pretendia atingir. Não apresentou provas, mas pôs na mesa uma narrativa difícil de ser contestada. No centro dela, não pareceu haver o desejo de prejudicar quem quer que seja. Falou mais alto a voz do interesse próprio.
Em suma, coisa de profissional, de quem sabe o passo a ser dado e tem uma estratégia, com as devidas rotas de fuga. Foram postos na mesa os dotes que o fizeram ser escolhido articulador de Lula, homem forte no início governo Dilma e elo de ligação com o empresariado. Ao revelar o “pacto de sangue” entre Odebrecht e Lula – que incluiu sítio, terreno, apartamento, as famosas palestras a 200 mil reais e uma “reserva de 300 milhões” –, Palocci cruzou o Rubicão: tornou-se um acusador. É assim que está tentando assinar seu próprio pacto com Moro. Sendo Palocci quem é, com certeza ele sabe que precisará derramar muito sangue para obter algum tipo de benefício expressivo. Ou seja, terá de entregar mais coisas, valorizar o próprio passe.
Aí você se dá conta de que Palocci está sendo humano, demasiadamente humano. Revela-se igual àquelas pessoas que são como camaleões, que assumem várias personas conflitantes e se sentem à vontade em cada uma delas. Indivíduos que prezam a própria pele mais que qualquer outra coisa: que fazem da pele, a causa. Que querem sair sempre bem na foto, ter sucesso em tudo que fazem. E que têm medo, muito medo, de perder o que conseguiram. Além disso, Palocci parece ter enorme predisposição para sobrepujar os que com ele tramaram e nele confiaram: por que somente eu é que pagarei o pato?
Não se deveria crucificar Palocci. Os que o conhecem juram que ideologia ou firmeza ideológica nunca foram seu traço forte. Ele sempre esteve alinhado com a ala mais “pragmática” do PT, desde os tempos já remotos da universidade e de Ribeirão Preto.
Os petistas mais ardorosos talvez o convertam em Judas, agitando a pecha infamante de “traidor”. Outros talvez o vejam como vítima, um coitado que não aguentou a pressão e entregou dedos e anéis para se livrar de 12 anos de cadeia. Falarão que não há “provas materiais”, mesmo que a concatenação dos fatos e relatos faça sentido. O Diretório Nacional do partido emitiu nota, por exemplo, dizendo que Palocci foi “pressionado a fazer acusações sem provas”. Dilma bateu duro, como de costume: o ex-ministro mentiu, seu depoimento “é uma ficção”. Comparações com Dirceu, o último “guerreiro do povo brasileiro”, são cabíveis, mas não explicam nada.
É recomendável, nesse caso, que se dê o devido relevo às nuances da psique humana, ao lado diabólico que integra a natureza dos homens e mulheres, os assusta e transfigura. Todos, afinal, podem se deixar levar por seus demônios internos ou fazer escolhas em nome da luta para manter a liberdade pessoal — luta essa que pode perfeitamente passar por cima de lealdades e ideologias.
Seja como for, o depoimento de Palocci caiu como uma bomba no colo de Lula, que terá uma explicação a mais para dar, ainda que se finja de morto. Pode ter sido parte da estratégia, pode ter sido um jeito de dar o troco e socializar o prejuízo, pode ter sido um artifício para proteger a psique fragilizada. A resposta só é importante para quem deseja entender a biografia do ex-ministro. O fato é que o depoimento entrará para a história e ajudará a que se compreenda melhor quão fundo se chegou na corrupção da nossa frágil República.
Se isso, porém, mudará alguma coisa no destino imediato dos personagens envolvidos e na dinâmica política nacional, aí são outros quinhentos.
Pedro Doria: As redes manipuladas
Robôs e publicidade política na web farão parte do cenário de 2018. Sem dinheiro, acirrar divisões é a maneira mais barata de fazer campanha eleitoral
Na quarta-feira, Alex Stamos, responsável pela segurança do Facebook, publicou um longo post tratando do que a companhia descobriu a respeito da interferência russa nas eleições americanas usando sua plataforma. Os insights contidos ali são uma aula e um alerta sobre manipulação política em qualquer parte. No ano que vem, o Brasil realizará uma campanha eleitoral tensa, na qual os políticos terão pouco dinheiro. É inevitável que corram para uma estratégia nas redes sociais. E isto pode ser um perigo.
Entre junho de 2015 e maio deste ano, 470 contas falsas distintas do Facebook, todas operadas da Rússia, gastaram aproximadamente US$ 100 mil para comprar publicidade na rede. O Facebook acredita que as contas eram todas controladas pela Internet Research Agency, uma empresa russa que, apesar do nome assim sisudo, funciona, em essência, como um grupo de terrorismo on-line. Não mata, mas suas táticas são voltadas para disseminar mentiras, incitar desconfiança e gerar pânico.
A maior parte dos cem mil gastos nos EUA não eram pró-Trump ou anti-Hillary. Seu maior foco foi em questões do debate político. Temas como direitos LGBT, imigração, direito ao porte de armas e questões raciais. Pelo menos um quarto das propagandas eram dirigidas a regiões geográficas específicas. Seu propósito, muito claro: provocar discórdia. Aumentar o fosso entre bolhas de opinião. Dividir.
O tempo, no mundo, já é de uma política polarizada. As pessoas não mais discordam. On-line, odeiam-se, desconfiam umas das outras com base na opinião que têm a respeito dos destinos dos países. Tornam certos políticos heróis e, outros, vilões.
Agora, em 2017, outros US$ 50 mil foram gastos em publicidade política, também focada nas questões que mais dividem o eleitorado americano. Este dinheiro torrado no Facebook não veio de contas russas, mas de contas operadas por endereços baseados nos EUA. Uma característica chama a atenção, porém: embora aparentemente americanas, todas rodam o Facebook com a língua padrão configurada para russo.
Ou seja: no total, falamos de pelo menos US$ 150 mil gastos para ampliar as divisões entre americanos num cenário em que os grupos mais radicais já põem o pescoço para fora.
Essa discussão já tem a ver com o Brasil. Um estudo do DAPP, da Fundação Getulio Vargas, detectou que, nos grandes debates políticos que ocorrem por aqui via Twitter, a presença de robôs é enorme. Ou seja, software que se faz passar por inúmeros usuários para interferir nas discussões, fazer com que determinados tópicos subam para destaque, e pender um debate para determinado lado.
Nas eleições de 2014, robôs representaram até 10% do debate. Na greve geral de abril último, 20% das interações no Twitter foram forjadas.
É possível, para uma instituição tecnicamente capaz como a FGV, analisar de fora o Twitter. O Facebook, onde ocorre grande parte do debate, não permite acesso aos seus dados neste nível. Não temos como saber, portanto, o quanto das divisões políticas brasileiras são forçadas por máquinas políticas.
Não temos o problema americano, de interferência estrangeira. Mas, na falta de dinheiro, acirrar divisões via redes sociais é a maneira mais barata de fazer campanha política. Brasileiros já têm experiência com isso.
Em 2018, nós sequer saberemos. Sairá pouco nos jornais. E, salvo aumento de transparência das empresas desta nossa internet social, não vamos perceber. Mas aquilo que discutiremos on-line não tem nada de utopia democrática digital. Vai ter muita gente tentando manipular. Alguns conseguirão.
Tibério Canuto: Os hagiográficos
Começo este texto com uma longa citação de Roberto Ampuero, escritor chileno que viveu sob três ditaduras: a de Pinochet, a de Honecker, da Alemanha comunista e a de Fidel Castro:
“ Qual retorcido mecanismo mental conduz seres humanos a denunciar o abuso, a tortura, a marginalização, o exílio, o escárnio, o exílio, o assassinato daqueles que pensam de modo diferente sob uma ditadura de direita, mas os faz justificar as mesmas medidas contra aqueles que se opõem a uma ditadura de esquerda... Será que isso se deve à ignorância, à hipocrisia, ao ao oportunismo ou a uma lealdade mal entendida em relação a bandeiras ideológicas, à postergação da realidade em relação à utopia e do indivíduo em relação à massa?
A citação cai como uma luva para tentar entender parte da intelectualidade brasileira que colocam seu talento a serviço da deturpação histórica e para a construção de um mito ao qual endeusam e ficam esperando sua volta, como os fanáticos de Canudos acreditavam no retorno de Dom Sebastião.
Ontem disse que Palocci passaria a ser tratado como o grande traidor. Não deu outra. Os escribas do lulopetismo saíram a campo. Um deles comparou Palocci aos “desbundados dos anos 70” que iam à televisão para renegar a causa que abraçavam e tecer loas à ditadura. Com empáfia conclui: dos desbundados sentiu nojo. Eis aí um belo exemplo de lealdade mal-entendida em relação a bandeiras ideológicas.
Em nome de que causa Palocci deveria manter o silêncio? De um projeto de poder que pretendia fazer da corrupção o caminho mais rápido para o socialismo? E quem ele deveria preservar, o maior traidor dos brasileiros que institucionalizou o assalto aos cofres públicos?
Traiu a quem, aos petistas que se lambuzaram na lama? Ou a quem se aliou com a fina flor do patrimonialismo para obter vantagens indevidas? O que há de ideológico na Omertá petista?
Ainda está para ser escrito o papel nefasto da intelectualidade que pôs a sua pena, ou melhor, o seu teclado, a serviço da construção de um mito, de uma fraude. Não inovam. Na história da esquerda sempre existiram intelectuais dispostos a fazer genuflexão para seus ídolos, adotando uma postura reverencial e escrevendo hagiografias.
Os hagiográficos de ontem reverenciaram Stalin como o Pai de Todos os Povos, como Farol-Guia da humanidade. Idolatraram Dolores Ibárruri, como se ela fosse Nossa Senhora de Fátima. Veneraram o “comandante” Fidel Castro, assim como a Hugo Chávez e ao “companheiro Maduro.”
Como disse Ampuero, protestam contra ditaduras de direita, mas aplaudem as ditaduras de esquerda, como a de Cuba e a da Venezuela. Denunciam a corrupção de governos de direita, mas defendem com unhas e dentes.
Vociferam contra a corrupção quando cometida por governos de direita, mas dão justificativas ideológicas quando ela é cometida pela esquerda.
Mais grave: usam seu intelecto para vender a fraude de que, no caso de Lula e do PT, tudo não passa de uma orquestração da burguesia contra os trabalhadores. Me poupem!
Algum dia os hagiográficos terão de se ver perante a história e prestar contas de sua empulhação.
Quando os crimes de Stalin vieram à tona, Jorge Amado teve a hombridade de reconhecer que deificou um monstro, assim como deificou Prestes.
Não esperem atitude semelhante dos escribas petistas. No frigir dos ovos, eles são mais danosos do que Palocci, pois continuam firmes na sua missão de iludir o povo.
Roberto Freire: Uma agenda positiva para o Brasil
O crescimento da economia brasileira no segundo trimestre deste ano, cujo aumento foi de 0,2% em relação aos primeiros três meses de 2017, é mais um indicador importante de que o país iniciou o processo de retomada e está deixando para trás a maior recessão de sua história, um perverso legado do período de 13 anos do lulopetismo. É evidente que ainda se trata de uma lenta recuperação, que demorou um pouco mais que o esperado para começar, mas é suficiente para mudar o ambiente do país e dar maior esperança à população.
Já em relação ao segundo trimestre do ano passado, ainda de acordo com dados divulgados pelo IBGE, houve um crescimento de 0,3% do PIB – foi o primeiro resultado positivo após 12 baixas seguidas nesta base de comparação, desde o primeiro trimestre de 2014. É importante lembrar que o Brasil já havia registrado um avanço de 1% nos três primeiros meses de 2017, interrompendo uma sequência de dois anos com índices sucessivamente negativos.
O IBGE também apontou uma recuperação do nível de consumo das famílias brasileiras, que cresceu 1,4% no segundo trimestre em comparação com o primeiro. Em relação ao mesmo período do ano passado, o avanço foi de 0,7%. Segundo o IBGE, o resultado positivo se deve, entre outros fatores, à queda da inflação no período, à redução da taxa básica de juros e ao crescimento dos salários.
Com os bons resultados apresentados pela economia brasileira, também melhorou a perspectiva para o consolidado do ano. De acordo com a última edição do Boletim Focus, relatório divulgado pelo Banco Central, a mediana das projeções para o crescimento do PIB em 2017 saltou de 0,39% para 0,5% e, para 2018, já chega a 2%. A estimativa para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi reduzida de 3,45% para 3,38% neste ano e de 4,2% para 4,18% no ano que vem.
Diante de tudo isso, não há como negar que começamos a sair de uma agenda negativa e passamos a vislumbrar uma perspectiva de futuro para o país. Com a recuperação da economia em pleno andamento, os brasileiros passam a ter outras preocupações além da justa e necessária indignação diante de uma série de escândalos de corrupção, do desmantelo ético e moral e dos malfeitos revelados pela Operação Lava Jato – cujo primordial trabalho terá continuidade, mas que hoje não é mais a única temática em pauta na sociedade.
Aos poucos, e nas últimas semanas com maior intensidade, a cidadania se mobiliza em torno da política e com vistas às eleições gerais de 2018, que serão o marco do fim do período de transição após o impeachment e o início de um novo ciclo para o país. A mais grave crise econômica de nossa história republicana vai se tornando página virada, e é hora de pensar em soluções efetivas para os problemas da população. Os brasileiros já discutem possíveis candidaturas e a construção de um projeto para o país.
Nesse sentido, tenho reafirmado a importância da união de todas as forças do campo democrático para que a sociedade não fique refém de uma disjuntiva deletéria para o Brasil. É urgente oferecer aos eleitores uma alternativa à polarização entre uma esquerda atrasada e mesmo reacionária, que apoia abertamente ditaduras como a de Nicolás Maduro na Venezuela, e uma extrema-direita igualmente populista e de viés claramente fascista, que defende a ditadura militar instalada por mais de 20 anos no Brasil e é entusiasta das torturas por ela praticadas naquele período de triste memória. Falsamente antagônicas no espectro político, essas forças, na verdade, acabam por se retroalimentar e devem ser combatidas com altivez por todos aqueles comprometidos com os valores democráticos.
É por isso que venho defendendo, ao lado de amplos setores do PPS e de outros partidos políticos, a construção de uma candidatura que unifique o chamado centro democrático e reúna condições de enfrentar e derrotar os dois extremos citados anteriormente, que evidentemente nada têm de bom a oferecer ao Brasil em uma nova quadra política a ser vivenciada a partir de 2018. Até lá, o PPS permanece com sua posição de independência em relação ao atual governo, mas sempre deixando claro o nosso firme compromisso de apoiar a transição e as reformas.
Tendo vencido a recessão, que ficou para trás como uma triste lembrança dos governos de Lula e Dilma, e agora iniciando um processo ainda lento de crescimento econômico que tende a se intensificar nos próximos meses, o país está preparado para dar o próximo passo em direção ao futuro. Este é o momento de somar forças para avançar nas reformas, aglutinar o campo democrático e evitar retrocessos. Temos, enfim, uma agenda positiva a cumprir, o que não é pouco após tamanho desmantelo. Dela depende o futuro de milhões de brasileiros. Vamos em frente.
Luiz Werneck Vianna: As flechas contra o general Leônidas e nós
Talvez já seja a hora de se falar que as aves de mau agouro, que ainda insistem em pousar em nossa sorte, estejam começando a sentir que lhes tenha chegado o momento de baterem asas em busca de lugares mais propícios à sua presença malévola. As ruas, embora atentas ao que se passa ao redor, se mantém serenas, malgrado as vociferações daqueles treinados em açular, como nas rinhas de galos de briga, instintos guerreiros e que, mesmo em surdina, se mantêm renitentes incitando cizânia pelos meios de comunicação sob sua influência.
Nessa empresa, ocultam maliciosamente seus propósitos da opinião pública, assim exposta a um enigma que não consegue decifrar – será que se trata de tentativas de manipulação da próxima sucessão presidencial? De outra parte, os quartéis, em outros momentos sensíveis a turbulências do tipo das que agora nos acometem, igualmente atentos, se fizeram blindar das paixões irracionais da política com o manto do texto constitucional.
De fato, hoje quase um lugar comum, as instituições que desenhamos na Carta de 88 têm demonstrado uma resiliência capaz de manter em equilíbrio uma sociedade tão invertebrada, heterogênea e desigual como a nossa. Como o general grego Leônidas, em célebre batalha dos campos de guerra da antiguidade, ao ser advertido de que as flechas do exército persa, com quem combatia nos desfiladeiros das Termópolis, eram tantas que podiam cobrir o sol, teria retrucado que “tanto melhor, combateremos à sombra”, podemos também não temê-las sob o abrigo de nossas instituições.
Mas de onde procedem as flechas que desejam ameaçar uma democracia debilitada por um segundo impeachment presidencial em pouco mais de duas décadas? Bizarramente elas nos vêm de uma instituição jurisdicional do Estado incumbida da defesa da ordem jurídica e do regime democrático, que se auto atribuiu o papel salvífico de passar o país a limpo livrando-o do que seria a casta cleptocrata dos políticos. Sob o tema fiat justitia et pereat mundus nossos procuradores têm fechado os olhos às teorias consequencialistas de um Ronald Dworkin, de obra justamente reverenciada, que na modelagem do seu herói Hércules jamais desconsiderava todas as circunstâncias presentes num caso difícil a fim de atingir a melhor solução possível.
O Brasil, sabem todos, é um caso difícil, tanto pela sua história de formação, que combinou as instituições políticas do liberalismo com a escravidão, tanto por sua história recente, quando no regime militar em que foi submetido, em condições de imobilidade política, a um vertiginoso processo de modernização “pelo alto”. O sociólogo Carlos Hasenbalg, estudando os processos demográficos dessa modernização em ensaio marcante, chegou a compará-lo à envergadura do caso chinês.
Boa parte dos políticos ainda atuantes nasceu sob as condições inóspitas daquele regime – os militares, a seu modo, eram “consequencialistas” – a fim de realizar seu projeto de modernização “pelo alto” se aliaram notoriamente a vetustas oligarquias. Analistas sérios não podem recusar tanto os êxitos modernizadores do regime do Estado Novo de 1937 quanto os do recente regime militar, sem deixar de lamentar o lastro autoritário que nos legaram após sua passagem.
A Carta de 88 varreu grande parte desse entulho autoritário, mas a cultura política que vicejou ao longo de décadas de modernização “por cima” – incluído o governo JK e os anos do regime militar – não se deixa remover por letras de lei, e sim pela livre atividade da sociedade civil que, por ensaio e erro, venha a encontrar formas de auto-organização. A própria lei da ação civil pública, de 1985, inspirada nas class actions americanas, visava animar a sociedade civil facultando a ela o acesso ao judiciário a fim de apresentar suas demandas. Os movimentos sociais, que grassaram como cogumelos nos anos de 1980, iniciativa da esquerda em reação ao autoritarismo da época, não só se tornaram refratários ao Estado, como desenvolveram crenças e sentimentos em favor da autonomia da sociedade civil e de suas instituições diante dele. Era também por baixo que o país se “fazia passar a limpo”.
Essa movimentação benfazeja, contudo, foi interrompida pela mudança de rumos adotada por alguns atores estratégicos: a teologia da libertação que, desde os anos 1990, tinha sido uma de suas fontes mais relevantes, foi obstruída pela intervenção da hierarquia católica; as ações civis públicas foram apropriadas pelo Ministério Público, introduzindo um sistema tutelar sobre a vida civil, adulterando, como comentou o jurista Kazuo Watanabe, um dos seus autores, sua intenção original; e o PT, talvez a sua mais forte sustentação na época, em guinada surpreendente, “absolve” a era Vargas e se põe em continuidade com suas tradições de estadofilia.
O resto da história nos é bem conhecido. Passado o hiato dos governos FHC, em que se procurou deixar para trás a herança dos anos 1930, a era Lula que lhe sucedeu, a princípio timidamente, logo investe sem rebuços na sua restauração, como ficou claro em sua política de financiamento das centrais sindicais pela contribuição obrigatória dos seus filiados. E, sobretudo, pela sua orientação em favor de uma forte associação do Estado com setores empresariais, ditos “campeões nacionais”, nos moldes antes praticados nos governos de Vargas.
A chamada operação Lava Jato vem deslindando os resultados maléficos dessa política para a nossa democracia, e não se pode negar a ela, em que pese seus excessos, de que seja um esforço bem sucedido de se passar o país a limpo. Mas esse esforço somente poderá deixar frutos permanentes se envolver a ação das forças vivas da sociedade, que, aliás, já contam com hora marcada para intervir na reforma política em curso e, principalmente, na vizinha sucessão presidencial.
* Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio
José Aníbal: A flechada contra a agenda de recuperação do Brasil
O Brasil é ainda jovem quando se pensa na comunidade internacional: neste 7 de setembro, completamos 195 anos como nação independente, sendo 128 como República, e o atual período democrático soma pouco mais de três décadas.
O regime constitucional em vigor chegará aos 30 anos no ano que vem, quando elegeremos o presidente que levará o país ao bicentenário de 2022.
Nesse curso da história, o quanto aprendemos a viver como nação? Quais as experiências e práticas institucionais que já estão consolidadas, e quais são as que ainda precisamos aprimorar?
São perguntas que naturalmente exigem reflexão e ganham mais densidade no mundo contemporâneo, quando estão em debate questões como as funções, a eficiência e musculatura do estado e o papel de suas instituições, a crise da representatividade política, os avanços e as limitações que a própria democracia propicia às sociedades.
No caso brasileiro, a complexidade torna-se maior, exigindo ainda mais discernimento, compromisso e responsabilidade dos agentes públicos.
Nesse sentido, causa assombro e indignação ver a repetição de distorções dos papéis a serem cumpridos pelos que abraçam a causa pública. Como bem disse nesta semana o governador Geraldo Alckmin, as novidades de que o Brasil precisa são a verdade e a defesa do interesse coletivo, para que este se sobreponha aos objetivos das corporações que tomaram conta tanto de setores estatais como privados.
A política no dia a dia do governo e do Congresso obviamente precisa ser exercida com mais responsabilidade, mais conectada com os anseios e exigências da sociedade. Mas também é preciso avançar – e muito – nos outros pilares fundamentais do estado: o Poder Judiciário e o Ministério Público.
Quando regras são desrespeitadas, interesses pessoais e corporativistas são colocados à frente dos deveres institucionais, joga-se o país em aventuras e incertezas. Coloca-se em xeque a credibilidade não só deste ou daquele agente público, mas da própria ideia de república e de nação civilizada e democrática.
O ímpeto com que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se lançou nos últimos meses a disparar denúncias e acusações aos cântaros com base numa delação premiada bastante questionável, promovendo uma tempestade institucional sem precedentes, revelou-se agora açodado, inconsistente e movido por motivações ainda a serem explicadas.
Sob o pretexto de combater a corrupção e defender os interesses coletivos, deixou livres a dupla de empresários enriquecida pelo mais nocivo “capitalismo de compadrio” do lulopetismo e provocou um abalo que trouxe prejuízos intangíveis e incalculáveis. Foi uma verdadeira flechada na agenda para a retomada do crescimento econômico e da reorganização do estado brasileiro.
Quando Janot apresentou pedido para investigar o presidente da República durante o exercício do mandato, uma situação inédita e grave na história republicana, o Congresso estava prestes a aprovar a mais fundamental das medidas de ajuste das contas públicas.
A reforma da Previdência vai colocar um ponto final definitivo nas benesses previdenciárias da elite da burocracia – da qual fazem parte políticos e assessores legislativos, mas principalmente juízes, desembargadores, promotores e procuradores – e garantiria a sustentabilidade das aposentadorias e pensões da imensa maioria dos brasileiros. Por isso despertam tão forte reação das corporações, auxiliadas pela turma do “quanto pior melhor” de sempre.
Coincidentemente, no mesmo dia em que o procurador-geral admitiu falhas na delação dos irmãos Batista, o Conselho Nacional de Justiça atualizou as estatísticas de um problema bastante conhecido: o Judiciário brasileiro resolve menos de 1 em cada 4 processos em tramitação e custa mais caro do que os equivalentes de países europeus ou dos Estados Unidos. Em média, um magistrado brasileiro custa quase R$ 48 mil mensais. O salário mínimo é R$ 937,00. O salário médio dos trabalhadores brasileiros gira em torno de R$ 2.000,00.
A eficiência da Justiça é tão importante quanto a do Congresso e do governo. Todos os poderes devem prestar um bom serviço ao cidadão, cumprir com suas tarefas e ter o interesse coletivo como prioritário. É assim que se tornarão fortes, e não com arroubos de justiçamento ou voluntarismo. É assim que, perto de seus 200 anos de independência, o Brasil poderá ser um país com instituições sólidas e um povo orgulhoso de sua República.
Luiz Carlos Azedo: Fim da Lava-Jato?
A imagem do dia foi a apreensão de malas de dinheiro num apartamento que seria utilizado por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), em Salvador
Quem imagina que a Operação Lava-Jato vai acabar no dia 18, quando tomar posse a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pode tirar o burrinho da sombra. A operação continuará, como um rio que forma um grande estuário, para usar uma imagem geográfica. Como o Delta do Parnaíba, por exemplo, que se abre em cinco braços, com 73 ilhas fluviais, dunas e mangues, no Maranhão e Piauí. O procurador-geral Rodrigo Janot, fragilizado pelo escândalo envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller, contratado pelo escritório Watanabe e Associados supostamente antes de deixar o Ministério Público Federal, afunda como uma velha canhoneira alvejada abaixo da linha d’água: atirando.
Ontem, Janot denunciou ao Supremo Tribunal Federal os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antônio Palocci Filho, Guido Mantega, Edinho Silva e Paulo Bernardo, a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto pelo crime de organização criminosa. São acusados de formação de quadrilha no âmbito da Petrobras pela Operação Lava-Jato. Caberá ao ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato, levar o caso à Segunda Turma do STF, que decidirá se eles viram réus ou não.
No Supremo, a chapa também esquentou. Por causa das gravações entregues pela defesa de Joesley Batista ao procurador Rodrigo Janot, aparentemente sem saber da existência de quatro horas de conversas comprometedoras do empresário com Ricardo Saud, o operador do caixa dois eleitoral da JBS, nas quais foram citados ministros da Corte. Em resposta, a presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, pediu à Polícia Federal a “investigação imediata” das menções. “Agride-se, de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes”, disse.
Joesley e Saud falam sobre as negociações para fechar o acordo de colaboração. Seus comentários causaram euforia no Palácio do Planalto e na base governista no Congresso, porque poderiam supostamente servir de base para anular as denúncias contra o presidente Michel Temer e desmoralizar Janot. Ontem, o ministro Luiz Edson Fachin levantou o sigilo das gravações. As quatro horas de áudio, que ainda vão dar muito pano pra manga, acirraram o choque entre o procurador-geral e o ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma da Corte, para quem o STF errou ao não conter “os delírios de Janot”. Nos áudios, Joesley afirma que Janot seria contratado pelo mesmo escritório no qual Miller trabalhava após deixar o cargo.
Dinheiro vivo
Em mais um indício de que a Lava-Jato seguirá em frente, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do operador financeiro Lúcio Funaro, cujo conteúdo supostamente serviria de base para a segunda denúncia contra Temer. Funaro é apontado pelos investigadores da Lava-Jato como operador de propinas do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A homologação valida a abertura de novas investigações com base nos fatos narrados pelo delator.
O acordo dá validade jurídica à delação e permite a abertura de novas investigações. No caso de Temer, porém, a investigação precisa ser aprovada pela Câmara. Funaro confirmou a cobrança de propina de empresas que buscavam empréstimos na Caixa Econômica Federal. Em um dos casos, por exemplo, o ex-deputado Eduardo Cunha é acusado de cobrar e receber R$ 52 milhões de construtoras, entre 2011 e 2014, para viabilizar o financiamento da revitalização do porto do Rio de Janeiro.
Mas a imagem do dia foi a apreensão de grande quantidade de dinheiro em malas guardadas num apartamento que seria utilizado por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), em Salvador, operação batizada de Tesouro Perdido. O ex-ministro da Secretaria de Governo de governo Temer foi vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco entre 2011 e 2013, durante o governo de Dilma Rousseff. As caixas e malas de dinheiro encontradas pela PF estavam em um imóvel em área nobre da capital baiana. Em vídeo divulgado à tarde, durante a contagem do dinheiro, já haviam sido contabilizados mais de R$ 40 milhões.
No Rio, o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, foi obrigado a depor na Polícia Federal do Rio para prestar esclarecimentos sobre a suposta compra de jurados na eleição da cidade-sede da Olimpíada de 2016. A ação é mais uma etapa da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Nuzman se reservou o direito de não falar durante o interrogatório.
Revista PD#48: Educação e inovação no século 21
No século 21, a relação entre educação e inovação é cada vez mais profunda e recíproca. Precisaremos investir muito em educação de qualidade se quisermos alcançar o patamar das sociedades mais inovadoras do mundo, e só conseguiremos dar um verdadeiro salto de qualidade na nossa educação se inovarmos profundamente a maneira como educamos.
Por Mozart Neves Ramos
Revista Política Democrática #48
O preço por negligenciar essa relação pode ser – e já está sendo – altíssimo. Do ponto de vista econômico, a falta de qualidade da nossa educação se reflete no baixo índice de produtividade dos nossos trabalhadores e na nossa dependência econômica de commodities .
Se não fizermos nada para mudar este cenário, estaremos sempre à mercê da inovação produzida por outros países, vendendo produtos e serviços baratos e comprando tecnologias caras que não seremos capazes de desenvolver. Certamente, continuaremos ouvindo falar de brasileiros criativos que desenvolvem soluções inovadoras para problemas pontuais, mas eles continuarão sendo ilhas de excelência em um mar de obsolescência e improdutividade.
Só a educação de qualidade para todos pode garantir um futuro de prosperidade para nossa sociedade. Um estudo do economista chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, Ricardo Paes de Barros, mostrou que, entre 1990 e 2015, cada ano a mais de estudo no país foi seguido de um aumento extra de produção de apenas US$ 98 por trabalhador ao ano, sendo que, no Chile e na Coreia, esse aumento foi de US$ 829 e US$ 842, respectivamente.
Este dado revela que, apesar de a média de anos de escolaridade dos brasileiros ter se expandido consideravelmente, nosso sistema educacional não está dando conta de preparar os jovens para um mercado de trabalho cada vez mais globalizado e complexo.
Precisamos urgentemente inovar a nossa educação. Digo “inovar” porque não se trata de “consertar” ou “remendar”. Trata-se de criar uma nova educação que responda aos desafios do mundo em que vivemos. Diferentemente do mundo do século 19 (em que foi concebido o sistema educacional vigente), o mundo atual exige das pessoas a capacidade de seguir aprendendo ao longo da vida e de colocar o conhecimento “em ação” para possibilitar a resolução de problemas que ainda não são conhecidos.
Para isso, a escola precisa fazer mais do que transmitir conteúdo; pre cisa considerar o aluno “por inteiro”, trabalhando o desenvolvimento de suas competências cognitivas (como raciocínio lógico e pensamento crítico) e socioemocionais (como resiliência e colaboração), pro movendo o seu protagonismo e o seu engajamento com a própria aprendizagem.
A flexibilização dos currículos, a personalização do ensino, o foco em multiletramentos (letramento em programação, letramento científico, letramento corporal etc.), os métodos híbridos de ensino (em que métodos on-line e presencial se mis turam), a gamificação dos con teúdos e outras inovações são alguns caminhos para a promoção dessa educação integral, mas não são os únicos.
Assim como nossas crianças e nossos jovens, teremos que ser abertos e criativos para pensar o futuro da educação. Seja qual for esse futuro, precisaremos investir em políticas e práticas baseadas em experiências e evidências, num espírito de compromisso e colaboração entre gestores, educadores, empresários e a sociedade em geral.
Um belo exemplo deste espírito vem ocorrendo em Santa Catarina, por meio do movimento Santa Catarina pela Educação, liderado pela Federação das Indústrias (Fiesc) daquele estado, pelo poder público da Educação, tanto na esfera estadual como municipal, pelas federações do Comércio, dos Transportes e da Agricultura, além dos institutos e fundações do terceiro setor, como os institutos Ayrton Senna e Natura. Um belo exemplo de como colocar em prática o que está posto no artigo 205 da Constituição Brasi leira: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentiva da com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Não é à toa que lá se costuma dizer: “A educação é o novo nome do desenvolvimento”.
Portanto, não vamos pensar que, quando falamos de inovação, estamos falando apenas de incorporar as novas tecnologias e metodologias na sala de aula. É muito mais do que isso. “Inovação é sermos capazes de empurrar a fronteira do conhe cimento, de prover ao professor o acesso a esse conhecimento, para assegurar aos nossos alunos o direito à aprendizagem, fazendo isso de forma colaborativa com a sociedade, trabalhando todos juntos em prol de uma educação de qualidade. Sem esse compromisso, não haverá educação, não ha verá inovação. E, temo dizer, não haverá futuro.
* Mozart Neves Ramos é diretor do Instituto Ayrton Senna, foi reitor da Universidade Federal de Pernambuco e secretário de Educação de Pernambuco
Na TV Brasil, Jungmann fala sobre defesa nas fronteiras e atuação das tropas no Haiti
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi entrevistado nesta segunda-feira (4) no programa “Conversa com Roseann Kennedy”, da TV Brasil. Durante a conversa, ele fala sobre os desafios de sua pasta, entre eles a necessidade de reajuste dos salários dos militares, a defesa das fronteiras do País e a atuação das tropas brasileiras nos 13 anos em que integraram a missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas ) no Haiti. Cita também o Plano Nacional de Segurança e as ações integradas entre a polícia e as Forças Armadas. Para o ministro, não há mágica no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro.
Sobre o trabalho das Forças Armadas no Haiti, Jungmann fez questão de lembrar que dos mais de 37 mil brasileiros que passaram pelo país, 25 não voltaram para casa e que 18 morreram no terremoto de 2010. Disse que não se pode esquecer a memória dessas pessoas e que avalia o trabalho das tropas brasileiras como positivo.
Em relação aos novos pedidos de envio de tropas para missões de paz, o ministro informou que há hoje dez solicitações, feitas por meio da ONU, que estão sendo analisados. Acrescentou que, entre eles, o que tem maior possibilidade de ser atendido é o de uma missão de paz do Brasil na República Centro-Africana.
Ao comparar a situação no Haiti com a violência no Rio de Janeiro, o ministro lembra o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: “Do mesmo engano, outro retrato” . Diz que as duas situações envolvem a busca de paz e defesa da vida. “Hoje, no Rio de Janeiro, aproximadamente 800 comunidades não têm direitos constitucionais porque estão submetidas ao crime organizado. Então, é uma situação de exceção que essas pessoas vivem. Não têm segurança, não têm liberdade, não têm, muitas vezes, o direito de ir e vir”.
Segurança pública
Sobre os resultados das varreduras que o Exército vem fazendo nos presídios do País, o ministro informou que já foram presos mais de 60 criminosos e desarticulada grande parte do roubo de cargas, que chegou a cair 37% no Rio de Janeiro. Ao analisar a integração das forças policiais com a Defesa, o ministro disse que não espera resultados espetaculares em curto prazo. “Vamos fazer um trabalho duro, não há mágica. O Rio de Janeiro levou décadas para chegar a essa situação, mas eu acredito que cada vez mais vão surgir resultados melhores. E nós vamos chegar sim aos arsenais do crime organizado no Rio”.
Jungmann considera graves as situações de conflitos nos presídios que, muitas vezes, resultam em violência e chacinas. E diz ser inaceitável que ainda existam presos armados dentro das próprias prisões. “Para se ter uma ideia, quando nós estávamos aí pela décima quarta, décima quinta varredura, e a população somada dessas unidades chegava a 12 mil presidiários, nós encontramos mais de 4 mil armas brancas. Isso quer dizer que em cada três presidiários, um está armado”.
“Em alguns estados, há um acordo entre o sistema penitenciário e o crime organizado, do tipo: “Não mexe comigo, que eu não crio problemas pra você”, completou Jungmann.
O ministro é enfático ao defender que as penitenciárias não sejam utilizadas pelo crime como home office (escritório em casa) dos prisioneiros. “É preciso cortar a comunicação entre o comando do crime que está preso e os criminosos que estão nas ruas”.
https://youtu.be/_fTpgsPe5Sk
El País: Os rebeldes sem armas emboscados por um agente duplo da ditadura
Em tempos de delação premiada, obra de jornalista retrata o massacre da granja São Bento, de 1973, e traz a história de um dos famosos dedos-duros da ditadura, cabo Anselmo
Quantas pessoas você trairia para se livrar da prisão e de sessões de torturas? Quantas delas entregaria as vidas para assassinos vestidos de fardas e uniformes policiais? José Anselmo dos Santos, ex-marinheiro brasileiro conhecido como cabo Anselmo, foi um dos principais agentes duplos da ditadura militar e delatou ao menos 200. Sendo que cerca de cem perderam suas vidas. Seis delas durante uma chacina no então município de Paulista, em Pernambuco. É a história deste assassinato múltiplo que é retratada no livro O Massacre da Granja São Bento, lançado no último dia 29, em Recife.
Os minuciosos detalhes deste caso, ocorrido em janeiro de 1973, finalmente vieram à tona na obra assinada pelo jornalista e mestrando em antropologia Luiz Felipe Campos. Justamente em um momento em que os delatores são apontados no Brasil como uma espécie de heróis. A diferença, é que nos dias de hoje, eles desvelam casos de crimes de colarinho branco envolvendo a cúpula política e empresarial. Nos anos da ditadura militar, contribuíram para o cometimento de centenas de homicídios e torturas de presos políticos.
No livro, o autor relata como cabo Anselmo articulou uma falsa reestruturação de um grupo revolucionário armado em Pernambuco e os entregou para serem aniquilados por policiais e militares na área rural da então cidade de Paulista. Entre os assassinados estava a mulher com quem Anselmo viveu maritalmente em Recife, a militante paraguaia Soledad Barret Viedma.
Motivado por contar um caso regionalmente conhecido, mas pouco explorado por jornalistas e historiadores nacionalmente, Campos juntou cerca de 2.000 páginas de documentos em cinco anos de investigações que resultaram na obra. Ao menos 50 pessoas foram entrevistadas no período. Os principais relatos foram dados por um dos sobreviventes da chacina, o paraguaio Jorge Barrett, cunhado de Anselmo. “Percebi que essa era uma história que não estava bem contada. Tinha muito da versão oficial, algumas tentativas de desconstruir a versão de que chamava as vítimas de terroristas, mas nada que tentasse juntar todos os elos”, afirmou o jornalista ao EL PAÍS.
No livro, ele vai além: “No caso da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) em Pernambuco, a guerrilha nunca chegou a existir: desde sempre teve suas pernas amputadas e uma sentença de morte sobre as costas. Com os seis mortos foram enterrados também os sonhos de toda uma geração de guerrilheiros que, a seu modo, buscavam uma Sierra Maestra para chamar de sua no Brasil”.
Em um ritmo de thriller policial, a obra orbita em torno do cabo Anselmo. Mostra como ele reuniu no Pernambuco seis militantes contrários à ditadura sob a justificativa de reiniciar a luta armada urbana contra o regime. Segundo essa aprofundada pesquisa que gerou o livro, o ex-militar queria dar um tiro de misericórdia na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e em todo outro grupo que tentasse se articular contra os ditadores. “Em 1971, a luta armada de esquerda estava desmobilizada. Anselmo concordou em ser usado pelo regime para dar esse tiro de misericórdia. Era para passar um sinal para os outros grupos de que a luta armada não valeria a pena”, explica o autor. Um dos “comandantes” de Anselmo nessa trama foi o famoso delegado torturador Sergio Paranhos Fleury, um obstinado perseguidor de rebeldes que atuou no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo.
As vítimas do massacre da granja São Bento foram Soledad Barret, Jarbas Marques, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, Pauline Reichtsul e José Manoel da Silva. Todos foram traídos por Anselmo. Por quase um ano articularam maneiras de como unir forças para combater o regime militar. Não conseguiram adquirir uma só arma. Mas morreram identificados como terroristas, conforme estamparam em suas manchetes os jornais Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio, em uma clara adesão à versão oficial.
Entre os dias 7 e 8 de janeiro de 1973, os seis foram presos. Seus corpos foram encontrados crivados de balas nas proximidades da chácara São Bento, no dia 9. Dos 32 projéteis encontrados nos corpos, 14 estavam alojados nas cabeças das vítimas. Diversas armas foram espalhadas ao redor dos cadáveres. A polícia, na ocasião, disse que desbaratou um congresso de militantes da VPR. Trocou tiros com eles. Matou todos. E nenhum policial saiu ferido, nem de raspão.
Uma das razões para a chacina ter ocorrido foi que o jogo duplo de Anselmo começou a ser desvendado. Na antevéspera do massacre, Soledad, a mulher dele, recebeu uma carta em que o comando da VPR que estava exilado no Chile alertava sobre a possibilidade da traição de Anselmo. Ingenuamente, ela mostrou a carta para o ex-militar. Foi sua sentença de morte e dos outros cinco companheiros dela. Assim que o sexteto foi preso, Anselmo deixou Recife da mesma forma que chegou, clandestinamente.
Na obra, o jornalista Campos também relata a luta das famílias em conseguir a reparação do Estado brasileiro e o reconhecimento de que todos foram vítimas da ditadura. Vários conseguiram, mas as marcas deixadas em alguns, jamais foram apagadas.
O LIVRO
O Massacre da Granja São Bento
Autor: Luiz Felipe Campos
Editora: CEPE – Companhia Editora de Pernambuco
Preço: 30 reais
Páginas: 214
Alon Feuerwerker: 2018 é uma oportunidade para o desconhecido
Mantém-se a dúvida sobre o vetor que dominará a eleição presidencial. Uma possibilidade, depois de cinco anos de desgaste acelerado da política, é a emergência do novo. Isso é mais visível por enquanto na direita, com Bolsonaro e Doria em momentânea superposição ideológica. Na esquerda, se Lula não concorrer, o PT estará credenciado a usar a carta.
Vale a pena um exercício prospectivo. A direita poderá fundir dois elementos: o novo e o antipetismo. Sustentam a narrativa a ruína econômica do governo Dilma e a rejeição ao PT produzida por mais de quatro anos de Lava-Jato. É um capital propagandístico não desprezível, e seria a escolha protocolar de largada de um candidato conservador.
E na esquerda? As circunstâncias deram vida a uma improbabilidade. Nenhum partido ou grupo nem ensaiou ocupar o espaço de renovação progressista. Veio então uma nova chamada ao próprio PT, que colhe alento depois da borrasca. O tempo passa, mas os demais atores do seu campo continuam a depender do que Lula vai fazer ou deixar de fazer.
Na narrativa óbvia da esquerda, a bonança dos anos Lula servirá de vacina contra a má lembrança de Dilma2. E sempre estará à mão a possibilidade de pintar o adversário com as cores do fascismo. Um #antifa brasileiro tem base, também porque nos anos recentes estruturou-se uma direita sem medo de parecer de direita. E há também a ubiquidade da Lava-Jato.
E a carta da economia? Vai em retomada modesta. O situacionismo dirá que o governo Temer salvou o Brasil do desastre petista. A oposição dirá que se trata de voo de galinha, e que é preciso uma política econômica desenvolvimentista-distributivista para produzir prosperidade real às massas e alavancar o mercado interno.
Tudo razoavelmente previsível, mas, e se não? O palco está montado mais uma vez para o habitual teatro de mistificações. Mas, e se de repente abrir-se uma janela para o debate competentemente abortado pela vitoriosa campanha petista de 2014? E se os candidatos precisarem finalmente dizer como vão enfrentar os impasses nacionais?
Um método na análise é olhar para a hipótese contrária ao que parece totalmente provável. É provável que 2018 traga de novo teatralidades vazias, a demonização, a fuga da realidade. Mas nunca o país esteve tão maduro para uma dose de racionalidade fria. Inclusive porque o longo circo de horrores destes anos servirá de antídoto ao uso gratuito da emoção.
O que emocionaria o distinto público em 2018? Difícil vislumbrar. Num ambiente de ceticismo, desilusão e algum conforto econômico, talvez seja possível exigir que os candidatos digam o que farão com a previdência social, com as estatais, com o salário mínimo, com o meio ambiente, com a indústria nacional, com os problemas políticos dos vizinhos sul-americanos…
2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido. Se este apresentar consistência programática. Por isso convém prestar atenção no velho, em meio ao consenso de que ele não será competitivo. Não é possível enganar todos todo o tempo, já se disse um dia.
Carne no angu
Vem aí mais um round do #FicaTemer x #ForaTemer. O cenário de momento indica vitória do primeiro, a um custo político mais substancial. Sempre será prudente entretanto observar o andamento. A alternativa Rodrigo Maia ainda não é sólida, mas está à mão. É a variável a monitorar. Se os movimentos ficarem mais pronunciados, tem carne debaixo do angu.
Importância relativa
O #ForaxFica é assunto para os políticos, para quem se interessa um tanto a mais pela política ou está profissionalmente ligado ao universo dela. No resto, nota-se a indiferença. Seja quem for o presidente até 2018, a orientação governamental será esta, idem a base parlamentar. E a agenda vai conforme a correlação de forças. Que não mudou desde o impeachment.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
** Título original: 2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido
Maria Alice Carvalho: Descrédito nas instituições cria ‘salvadores da pátria’
Para professora da PUC-RIO, relação entre Legislativo e Executivo representa só os interesses de políticos e setores da burocracia
O Globo
Professora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, a historiadora e socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho afirma que a investigação, o julgamento e a punição dos casos de corrupção são "a ideia-mãe da democracia", mas não devem levar a um descrédito nas instituições que abra espaço para "salvadores da pátria". Para Maria Alice, a propalada parceria entre União, estado e município que vigorou no Rio nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Sérgio Cabral deveria ter gerado desconfiança desde o início. Não havia "nenhuma voz dissonante", lembra.
De todos os episódios revelados pelas investigações de corrupção no Rio de Janeiro, qual a senhora considera mais simbólico?
Não sei se há um fato mais específico. Estamos vivendo no país todo uma crise política, e a corrupção tem a ver com essa crise. Não sei se dá para mapear limites federativos dessa corrupção. Há evidência de que ela é sistêmica, extrapola os limites nacionais e se manifesta de forma distinta na cidade e na Região Metropolitana do Rio, em São Paulo, Alagoas. Cada lugar tem sua história.
O que marca a política no Rio de Janeiro?
A transferência da capital para Brasília é um marco da alteração da vida política, cultural e institucional do país sem qualquer compensação que pudesse reerguer a economia e o prestígio regionais. O que o Rio apresentou de interessante, e o golpe de 1964 eliminou, foi o início de uma organização popular autônoma nos anos de 1950, com movimentos associativos bastante consistentes. Às vésperas da Constituinte de 1988, essa malha associativa estava arrasada, mas a cidade não estava inerte. Os constituintes receberam demandas e sugestões de associações e movimentos sociais. Havia um nexo entre política e organização social e popular, e isso foi a grande novidade da redemocratização brasileira.
O que interrompeu esse processo?
Fomos atropelados pela dimensão do tráfico de drogas e pelos nexos que ele estabeleceu na cidade, corrompendo a segurança e a política locais. Hoje, tudo isso está muito agravado pelo armamento pesado, um componente mais do que pernicioso na vida da cidade, que produz o terror nas ruas e multiplica a violência. Há uma dificuldade da vida social do Rio, e das favelas principalmente, em estabelecer limites para os desmandos de “mandões” e do próprio governo.
O cenário tem se agravado?
Nas últimas décadas, o cotidiano, a vida como ela é, ficou de fora do arranjo político entre o Executivo e o Legislativo. É uma política de representação que não representa a sociedade, só os próprios interesses de políticos e de segmentos da burocracia do Estado, construída à base de benefícios mútuos e barganhas, e não em torno do compromisso com o bem público. Esse modelo entrou em colapso. E a sociedade só não explodiu porque, para grande parte dela, a política não importa. É lamentável de dizer, porque não há democracia que sobreviva à apatia dos cidadãos, mas as pessoas têm tentado levar suas vidas, alimentar seus filhos, garantir a escola, a saúde, sem pensar que a política pode facilitar ou dificultar nossa vida. A política enche barriga, sim: dependendo de em quem se vota, as liberdades e a justiça social são mais ou menos contempladas. Isso se perdeu, a política se tornou “coisa de políticos”. A corrupção deslegitima a democracia porque corrói os mecanismos pelo quais as pessoas entendem os limites às suas práticas. É como se vivêssemos em permanente e profundo descontrole, e essa sensação é ruim para a democracia, pois ativa as fantasias exclusivas de ordem e punição.
Como o Rio passou, em tão pouco tempo, de símbolo da parceria entre União, estado e município, com os ex-presidentes Lula e Dilma, a síntese do colapso e do abandono?
Essa noção de unidade deveria ter gerado desconfiança. Imagine esses três agentes — presidente, governador e prefeito — sem voz dissonante. Era como se a única saída para nosso desenvolvimento fossem as obras, a Olimpíada, a articulação com empresas, com empreiteiras para construir um novo Rio. E a política, inerte. Não havia oposição e, portanto, discutiu-se muito pouco acerca do que parecia ser um grande consenso. A política exige limites. A democracia é essa tensão entre o direito e o poder.
O Ministério Público e a Justiça apontam que, no Rio, talvez tenha havido o esquema mais duradouro e organizado de corrupção.
A ideia de tornar mais transparente esses processos, de revelar a corrupção, é uma medida salutar. Mas a transparência é um procedimento, não um valor em si. Tem que ser perseguida, e há regras para tal. Essa sede de revelação do sistema de enriquecimento ilícito e de descompromisso com a coisa pública propicia o surgimento de uma histeria ética que pode favorecer a desmoralização das instituições e, no limite, a desinstitucionalização da política. Passa uma noção de que tudo está tão deteriorado que não há o que fazer. A ideia de revelar, de arrolar os casos a serem investigados, julgados e eventualmente punidos, é uma ideia-mãe da democracia. Mas viver alimentando a imaginação social com listas de culpados, de testemunhas, fazer da agenda brasileira apenas essa caça aos corruptos empobrece a natureza da política, os valores em torno dos quais estamos alinhados. Essa apreciação da política como lugar onde todos os vícios se apresentam e onde se encontram todos os malfeitores é grave, acaba criando uma descrença, uma relação de recusa da sociedade ao mundo da democracia e suas instituições.
Os movimentos que pregam o voto em pessoas de fora da política servem à renovação?
Não sei se são “de fora” da política, porque, se vão concorrer, passam a ser de dentro. É um truque, não convence. A sociedade espera uma renovação, mas demora. Não vamos achar uma boa política, um bom político, imediatamente. Temos que fortalecer e reinventar as formas de associação que produzem coesão na base da sociedade. No mundo das favelas ou nos bairros populares da Zona Norte, há uma força associativa, a despeito do tráfico, que é cada vez mais importante. Produção cultural intensa, a chegada dessa juventude negra e pobre, moradora da favela, à universidade; uma voz autoral sobre aquele mundo — o nosso mundo — que não é mais apenas a dos acadêmicos do asfalto. Assim, vamos reconstruindo uma sociabilidade mais amena e uma política participativa e democrática. Não vai ter solução mágica, a democracia é um processo de construção permanente.
As eleições de 2018 já vão mostrar sinais de mudança?
O caminho aponta para a novidade. Por enquanto, falamos de procedimentos: transparência, punição. Em breve, será preciso recuperar valores como compromisso público, uma ética social menos individualista, uma experiência associativa mais densa. Não dá para dizer “está tudo perdido”, pois isso pode fazer com que líderes oportunistas e carismáticos apareçam como salvadores da pátria, desprezando instituições e reeditando um padrão de governo que não interessa.