destaque

Alon Feuerwerker: No Brasil, a situação é de normalidade institucional ou de bloqueio institucional?

O senso comum informa que o Brasil vive situação de normalidade, com as instituições em pleno funcionamento, capacitadas a desfazer os nós da economia e da política. Uma prova seria o papel apenas marginal dos apelos pela ruptura, que aparecem principalmente à direita, nos chamados residuais à intervenção militar.

O senso comum ajuda a resolver quase todos os problemas. Por causa desse “quase”, também aqui convém fazer a saudável pergunta: "e se não?". E se não estivermos navegando para um desfecho protocolar, a alternância eleitoral no poder e a assunção de um governo com força congressual e social suficientes para aplicar seu programa? Qualquer que seja.

Liberdade e democracia estão de algum modo conectadas, mas não se confundem. A primeira é medida pela amplitude das possibilidades do indivíduo e dos grupos de indivíduos diante da coerção estatal necessária para manter funcionando o organismo social. A segunda é medida pela influência real da vontade política da coletividade nas decisões estatais.

A sustentabilidade política é alguma função do alinhamento das duas variáveis. Democracias com bom grau de liberdade são mais estáveis. Assim como autocracias com baixas taxas de liberdade. Observa-se que nas crises das autocracias o aumento do grau de liberdade, muitas vezes produzido pelo próprio regime, acelera a desestabilização.

Tecnicamente, a situação brasileira é de um bom grau de liberdade convivendo com taxas declinantes de democracia. A afirmação pode parecer chocante, mas é verificável. O poder estatal escorre dos organismos diretamente eleitos pela sociedade, Executivo e Legislativo, para um mosaico de entes burocráticos ou privados que passam a concentrá-lo.

Não há como a população eleger os integrantes do Ministério Público, os delegados e agentes da Polícia Federal, os membros do Judiciário, os líderes vocais empresariais, os comandantes e operadores da imprensa. Ao lado de grupos burocráticos menos relevantes, eles hoje concentram o poder de definir a agenda e decidir quem e como é “democrático” reprimir.

Essa “autocracia pulverizada” não é sustentável no tempo se precisa agir por meio de entes estatais sujeitos ao escrutínio popular num ambiente de razoável liberdade. Basta verificar a paralisia progressiva do Executivo e do Legislativo, imprensados entre a necessidade de obedecer ao “governo de fato” e o desejo de reproduzir seu próprio poder, mesmo anêmico, nas eleições.

Uma saída seria algum sistema de voto capaz de produzir maioria legislativa clara e alinhada com o desejo da maioria do eleitorado. Um Congresso com força para reduzir o desalinhamento entre os graus de liberdade e de democracia. Mas isso enfrenta a oposição combinada do poder real dos sem-voto e da corporação política interessada só em sobreviver.

Se nada for feito, 2019 trará um presidente cercado de altas expectativas, mas dotado de baixa capacidade resolutiva. E de quem se exigirá que imponha ao Congresso uma agenda a que este vai resistir, se ela não tiver tido respaldo eleitoral. E isso em meio a uma recuperação econômica apenas medíocre e à continuada degradação dos orçamentos públicos.

E há a contradição entre a agenda e os privilégios dos agentes burocrático-estatais, que ajudam a manter o Executivo e o Legislativo na defensiva, o que é essencial para fazer avançar a agenda. Se a primeira missão de um Bonaparte aqui seria enquadrar o poder derivado do voto, a segunda seria dar um jeito na cobra de múltiplas cabeças da burocracia estatal e aliados.

Do jeito que vai a coisa, os apelos por um Bonaparte só tendem a crescer.

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A tática petista derivada de considerar a Lava-Jato seu inimigo principal, por ameaçar a elegibilidade de Lula, pode ao fim resultar na sobrevivência do principal adversário político, a aliança PSDB-PMDB, e, paradoxalmente, na inelegibilidade só de Lula. É para onde aponta a conjuntura.

Errar na definição do inimigo principal costuma levar ao desastre.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Mauro Magatti : Sociedade digital e mundo do trabalho

1. Desde quando, no início dos anos noventa, começou a Internet, só se lançaram as premissas para a criação da sociedade digital: construiu-se a rede, venderam-se computadores pessoais, tablets, celulares, desenvolveram milhares de aplicativos. Agora estamos prontos para um verdadeiro salto de qualidade.

Nos próximos anos, com a Internet of Things, a inteligência artificial, o deep learning, os robôs, a indústria 4.0, muitas coisas estão fadadas a mudar radicalmente.

2. Tal processo entrelaça-se com a crise do sistema capitalista global iniciada em 2008. O que isto significa? Significa que um equilíbrio baseado politicamente na hegemonia dos Estados Unidos e na troca social entre finança e consumo (que já provocou a perda da centralidade do trabalho) não se sustenta mais.

3. Isto significa que o problema não é simplesmente religar o motor da economia. Porque, ainda que este motor volte a funcionar — como agora —, não ficam resolvidos os problemas sociais e do trabalho.

E por três razões:

– o efeito do crescimento do PIB sobre o emprego é hoje mais moderado do que há alguns anos. O caso americano ensina: embora a economia mostre há anos um ritmo positivo, a taxa de emprego dos Estados Unidos permanece nos mínimos históricos (e mesmo comparável à da grande depressão). As baixas taxas de desemprego não devem enganar: muitos americanos simplesmente deixaram de buscar trabalho. O problema é que o aumento do PIB está relacionado principalmente aos setores mais inovadores e eficientes (frequentemente ligados à demanda externa). Assim crescem lucros, investimentos e produtividade; e só em medida mais modesta o emprego.

– O crescimento do PIB tende a concentrar-se mais do que no passado. Alguns setores e profissões veem aumentar os próprios ganhos; no entanto, são muito mais aqueles em que os salários tendem à estagnação, o trabalho é precário e subpago. A parte de valor adicionado distribuída ao trabalho continua a decair. Eis por que o homem comum permanece convencido de que as coisas continuam mal. Se não fosse assim, não se explicaria por que Trump pôde vencer as eleições americanas, apesar dos bons dados macroeconômicos obtidos pela administração Obama.

– o crescimento concentra-se em algumas áreas de modo ainda mais explosivo do que no passado. A retomada, assim, ameaça desagregar comunidades políticas inteiras.

4. Com a digitalização, afirma-se a indústria 4.0, caracterizada pelo uso intensivo e capilar de robôs autônomos, realidade aumentada, cloud, big data e analítica, internet das coisas industriais, integração dos sistemas horizontais e verticais, simulação e produção aditiva, produções sob medida. Novos níveis de integração ditigal permitirão às máquinas relacionarem-se entre si e aprenderem continuamente, desenvolvendo formas de “automação inteligente”. A otimização da produção será o objetivo fundamental do novo modelo de produção, impulsionando-o para níveis ainda mais elevados de eficiência.

5. Entre as grandes companhias emergentes, a Amazon permite ver a direção de tal mudança. Colosso da logística que movimenta mercadorias provenientes de todo o mundo, organizando-as numa cadeia distributiva capilar que chega até aos lugares mais remotos e caracteriza-se por sua velocidade e confiabilidade, a Amazon — precisamente graças às tecnologias digitais, robôs, drones — alcança níveis de eficiência extraordinários. Recentemente, a Amazon abriu o primeiro supermercado “sem caixas e sem atendentes”. A Amazon é a campeã de uma abordagem dura do trabalho, submetido ao sistema técnico.

6. Neste caminho uma parte ampla dos trabalhos será substituída por máquinas e dispositivos. Os pessimistas sustentam que se chegará a uma jobless society, isto é, a uma sociedade sem trabalho.

7. A esta tese os otimistas respondem afirmando que o problema das novas tecnologias sempre foi resolvido com a criação de novos postos de trabalho. Mas tal argumento não é decisivo. Não só porque talvez o que aconteceu em outras épocas históricas não se verifique de novo, mas sobretudo porque, admitindo-se só para fins de raciocínio que tal seja o resultado final, não sabemos como será a transição. Que é o que mais conta.

8. No entanto, aqui gostaria de argumentar que é equivocado — e, portanto, perigoso — enfrentar a fase que estamos a atravessar permanecendo prisioneiros desta discussão. E isto à medida que a sociedade digital atinge dois pontos que estiveram na base da sociedade nascida com a revolução industrial.

9. O primeiro ponto é o desaparecimento da fronteira entre trabalho e vida tal como a concebemos nos últimos dois séculos, isto é, a partir da revolução industrial e do surgimento da fábrica moderna.

De fato, o surgimento da sociedade digital possibilita difundir de modo capilar o controle historicamente exercido no interior dos muros da fábrica para o que se desenrola em toda a sociedade e cria as condições para tornar “ubíquo” — isto é, sem tempo e sem lugar — o trabalho. Em outras palavras, um trabalho destituído de lugar, porque organizado em “ambientes digitais” e, como tal, ainda mais abstraído da realidade. E, ao mesmo tempo, destituído de tempo; daí que desapareça a noção de horário de trabalho e, com ele, a segmentação entre “tempo de trabalho” e “tempo livre”, “tempo público” e “tempo privado”, períodos dedicados ao estudo, ao trabalho ou à aposentadoria. Deste ponto de vista, talvez estejamos caminhando, antes do que para a jobless society, para a total-job society, isto é, uma sociedade organizada em torno de um novo tipo de trabalho (e de vida) sem lugar e sem tempo, na qual a relação entre trabalho e remuneração deverá ser completamente renegociada.

10. O segundo ponto refere-se ao aprofundamento de um processo já iniciado há tempos, ou seja, a inclusão sistemática do consumo no regime capitalista. Com o advento dos big data, toda e qualquer ação nossa será monitorada. E de algum modo nossa atividade extralaboral será cada vez mais inserida na produção.

Mais uma vez, a Amazon faz-nos compreender do que se trata: acumulando um conhecimento aprofundado dos gostos e das inclinações dos próprios clientes, a Amazon é capaz de estabelecer uma relação com cada cliente, a quem oferece sugestões personalizadas. Como se vê, o que se redefine é a divisão “industrial” entre produção e consumo.

11. Por estes motivos, mais do que a jobless society, parece-me que o desafio diante de nós seja o risco de ver nascer um neotaylorismo societal.

Esta possibilidade primeira prevê que a capilar penetração da rede e a digitalização de todo instrumento e ambiente de nossa vida pessoal e coletiva seja a condição para poder conceber toda a vida social como uma grande fábrica, em que cada ato (de produção, de consumo, de reprodução) poderá ser monitorado e tornado eficiente. Com a digitalização, a lógica taylorista poderá ser aplicada não mais só às fábricas, mas também às cidades, aos hospitais, às estações, às escolas, às universidades. Graças aos eficazes instrumentos de controle remoto à disposição, não haverá lugar (casa, rua, etc.) nem atividade (trabalho, mas também saúde, tempo livre, formação, etc.) que em princípio possa ficar fora da visão telescópica. Isto significa que um novo Panóptico infinitamente mais poderoso do que aquele imaginado por J. Bentham está hoje ao alcance da mão. Não uma jobless society, mas uma total job society.

Além de inúmeros problemas (perda de privacy, ulterior padronização das atividades humanas, aumento de controle, perda de proteção), o neotaylorismo societal, indiscutivelmente, tem a grande vantagem de poder inserir na produção parcelas cada vez mais amplas da vida social e humana, tornando assim possíveis novas margens de crescimento quantitativo.

12. Devendo administrar níveis cada vez mais altos de eficiência em presença de desigualdades crescentes, o neotaylorismo se baseará na troca de eficiência por segurança.

13. Será este o único resultado possível? Acredito que não.

14. Bernard Stiegler sustenta que “uma ‘economia da contribuição’ tem na rede a infraestrutura técnica necessária”.

Graças à digitalização, hoje existe a possibilidade de criar ambientes laborativos dinâmicos e plurais, em que o produto é um objeto em torno dos quais se criam comunidades de interesse mútuo, no quadro de um novo tipo de horizonte relacional baseado no compartilhamento de responsabilidades e no cuidado recíproco. Segundo esta concepção, o que se redefine é a ideia mesma de trabalho: antes do que como consumidor, cada qual é aqui visto como um contribuidor, isto é um sujeito ativo e capaz que participa da produção de valor contextual.

Nesta perspectiva, o valor contextual determina-se a partir de uma matriz de prioridade estabelecida politicamente, a qual, com a definição das opções de desenvolvimento compartilhadas, fornece o sistema das conveniências sobre cuja base as decisões individuais podem ser tomadas. Isto promove o florescimento dos territórios através de investimentos públicos de tipo infraestrutural, educativo, empresarial e associativo.

15. Para compreender o que falo, uso uma categoria de Carl Schmitt, o qual associava a técnica ao mar. Neste sentido, a política hoje pode ter um papel se operar para construir “terra humana” no mar da técnica. Um dos significados etimológicos do termo nomos (lei) — além de “conquista” e “repartição” — é “cultivação”. No mar da técnica, a terra “emerge” no ponto em que se torna de novo possível a vida humana associada, colocando a técnica a serviço de seus habitantes. Em relação com o mundo. Mas, para dar frutos, a terra deve ser trabalhada e cuidada. Este é o “nomos da terra” na era do mar técnico: uma terra humana só existe na medida em que se criam as condições que a definem — fazendo-a emergir — em relação ao que está a seu redor.

16. Isto implica uma nova troca entre política, economia e sociedade — que chamo sustentável-contributiva — capaz de assumir a forma de uma aliança baseada numa nova forma de relação win-win, para a produção de valor contextual.

17. Aos sujeitos econômicos que reconhecem a sustentabilidade (ambiental e social) como condição para uma nova era de crescimento, oferecem-se condições adequadas para a obtenção de lucros mediante a criação de contextos simultaneamente dinâmicos, integrados e bem organizados, em que se criam as condições mais propícias para poder dispor dos melhores recursos (humanos, tecnológicos, financeiros).

Do ponto de vista econômico, a troca sustentável-contributiva age:

i) sustentando a demanda interna como efeito de uma política de integração e de equidade econômica;

ii) desenvolvendo novos espaços de mercado gerados mediante investimentos públicos, novas parcerias público-privado, processos difusos de inovação;

iii) melhorando a competitividade sistêmica como efeito da produção de valor contextual.

18. Mas a sustentabilidade, por si só, não será bastante se não se aliar a todo o variado conjunto dos contribuidores.

19. Neste sentido, a revolução digital pode constituir a infraestrutura tecnológica para um novo paradigma socioeconômico com base numa troca “sustentável-contributiva” — que se segue à fordista-welfarista e à financeiro-consumista — fundada numa economia do “valor contextual”. A ideia de fundo é que, terminada a bonança financeira, deve-se voltar, de modo novo, a uma velha ideia: quem produzir valores contextuais é que será capaz de sustentar também os consumos, e não mais o inverso. Como pensamos nestas décadas.

20. Embora o tenhamos esquecido, a economia é sempre “política”. E hoje mais do que nunca isto é verdade. Depois de 20 anos de desconexão — efeito da globalização liberal —, o que hoje está em discussão é o liame social, como, de resto, confusamente o populismo dá a entender. Precisamos, portanto, de uma nova inteligência social, uma nova imaginação sociológica sobre nosso modo de estar juntos, para evitar que uma oportunidade — o fato de que o homem seja substituído pelas máquinas no desempenho de funções repetitivas e maçantes — se transforme em drama social.

* Mauro Bagatti é professor da Universidade Católica de Milão. Entre outros, escreveu Cambio di paradigma – uscire dalla crisi pensando il futuro (Feltrinelli, 2017). Texto apresentado no seminário “Desafios de um mundo em intensa transformação” (set. 2017), organizado em São Paulo pela Fundação Astrojildo Pereira e pelo Instituto Teotônio Vilela.

 


O Estado de S. Paulo: Dois livros inéditos no Brasil repassam a história da Revolução Russa

Historiadores Sheila Fitzpatrick e Jean-Jacques Marie têm trabalhos lançados no ano do centenário da Revolução

Marcelo Godoy, de O Estado de S. Paulo / Aliás

As grande rupturas na história permanecem raras e escrever sobre elas jamais é um ato neutro ou inocente. Sheila Fitzpatrick é uma historiadora consciente das armadilhas que seu ofício reserva aos que o escolhem. Uma delas está ligada à necessidade ou não de cortar a história em períodos e como fazê-lo. É este o principal desafio lançado por essa australiana, que frequentou o St Antony’s College, de Oxford, e se tornou uma das maiores especialistas na antiga União Soviética, em seu livro A História da Revolução Russa. Após três décadas de omissão, a obra de Sheila chega atualizada ao Brasil pela editora Todavia.

No último livro de sua obra – A História Deve ser Dividida em Pedaços? –, o francês Jacques Le Goff escreveu que “os períodos têm, por consequência, uma significação particular; na própria sucessão, na continuidade temporal ou, ao contrário, na ruptura que essa sucessão evoca, eles constituem um objeto de reflexão essencial para o historiador”. Diante da raridade das rupturas, Le Goff descreve o “modelo habitual” para a periodização histórica, a longa duração, como “aquele que é mais ou menos longo, com a mais ou menos profunda mutação”. Sheila estuda assim um desses eventos raros na história, cuja primeira vida parecia indicar uma grande ruptura: a Revolução Russa.

E sua obra é marcada por esse desafio: circunscrever o tempo da Revolução. Sheila escolheu o período 1917-1938 como o período revolucionário. Nos anos de Stalin, até o Grande Terror (1937-1938), Sheila vê a conclusão do processo iniciado em 1917. É a revolução pelo alto, iniciada pelo georgiano em 1929, com a coletivização do campo, a rápida industrialização e a eliminação da oposição ao regime. Só depois o regime soviético teria entrado no período pós-revolucionário. A questão é das mais difíceis enfrentadas pelos historiadores. Há quem veja o início do processo revolucionário em 1905 e seu término no Grande Terror. A maioria, porém, circunscreve a revolução ao período de 1917 a 1921, quando é concluída a vitória bolchevique na Guerra Civil.

Para Sheila, o tema das classes sociais é importante para a compreensão do fenômeno histórico até porque “seus participantes-chave o percebiam como tal”. Por fim, a historiadora analisa a violência do período e o terror, cujo principal objetivo era destruir os inimigos da revolução e remover os obstáculos para a mudanças sociais. Sua obra não traz as mutações mais ou menos profundas e mais ou menos longas na vida das pessoas e nas mentalidades. Esse não era seu objetivo.

Sheila começou a pesquisar a história da União Soviética nos anos 1960 e se tornou próxima do grupo que dirigia o jornal Novy Mir. Por enquanto, algumas das principais obras da historiadora – Everyday Stalinism, The Commissariat of Enlightenment (sobre Anatoli Lunacharski) e o Stalin's Peasants – permanecem sem edição no País. Crítica do marxismo, ela diz que a revolução teve duas vidas – a primeira quando era presente e objeto do escrutínio de cientistas políticos. A segunda quando se tornara história. Para Sheila, o significado da Revolução “permanecerá fortemente disputado na Rússia em seu primeiro centenário e depois”.

Guerra Civil. Sheila enfrenta seu objeto de estudo com uma abordagem original e sóbria. De fato, não se encontra em Sheila aquele estilo ou construção intelectual que tornam a história um objeto vulgar a pretexto de fazê-la mais atraente ao leitor comum. Não é esse ainda o caso de outro autor publicado no Brasil nesse ano do centenário de 1917: o historiador francês Jean-Jacques Marie.

Faltam, porém, a Marie a vivacidade e a originalidade de Sheila. Jean-Jacques constrói seu História da Guerra Civil Russa com uma forte presença de relatos de combatentes – falta-lhe a dimensão do povo, o cheiro dos mortos nos povoados abandonados, o rumor das assembleias, o caos econômico e demográfico. Sua pesquisa é extensa, apesar de o livro não trazer notas para esclarecer fontes bibliográficas e documentais.

Jean-Jacques é simpático aos bolcheviques, o que não lhe impede de dar a dimensão da guerra. Primeiro em relação à sua amplitude – cerca de 4,5 milhões de mortos. Depois em relação aos grupos combatentes e suas composições sociais. Por fim, mostra como a fortuna esteve ao lado dos vermelhos, não como resultado do terror ou da violência de brancos, verdes ou vermelhos, mas pela síntese entre a prudência e as armas feita por tantos comandantes bolcheviques que souberam quando era o momento da espada e quando o caminho era o discurso e o convencimento.

 

 

 


Luiz Carlos Azedo: O divisor de águas

É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente

Há uma corrida contra o tempo na política brasileira entre aqueles que fazem parte do atual sistema de poder, cujo vértice é ocupado pelo presidente Michel Temer; e os que pretendem constituir uma outra alternativa em 2018. No primeiro caso, a força principal é o PMDB, núcleo de uma grande aliança que sofre forte desgastes por causa da Operação Lava-Jato. No segundo, podemos identificar Jair Bolsonaro (PRB-RJ), à direita; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), à esquerda; e um enorme espaço vazio entre esses dois, aberto pela crise do PSDB, na qual se digladiam o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria. Os senadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) já estão fora da disputa pela candidatura presidencial tucana por causa da Lava-Jato.

Nessa corrida, a grande aposta do governo Temer é o desempenho da economia, que emite sinais de recuperação da produção industrial, registra inflação abaixo da meta e uma significativa redução da taxa de juros. A cada alta nas ações da bolsa e novos indicadores positivos, governistas batem o bumbo. E alardeiam que a recessão ficou para trás, o que é verdade, e a retomada vigorosa do crescimento econômico já está garantida, o que é um certo exagero, porque ela ainda é muito baixa: projeta-se 0,6% do PIB neste ano, segundo o último boletim Focus, do Banco Central. Nessa perspectiva, fala-se em uma taxa de crescimento de 3% no ano da eleição, o que daria ao presidente Temer cacife para concorrer à reeleição ou fazer o seu sucessor no pleito de 2018.

Essa narrativa funciona para manter mais ou menos coesa a base conservadora do governo no Congresso, o que é fundamental para barrar a nova denúncia contra Temer na Câmara, na eventualidade de que venha a ser aceita pelo ministro relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Édson Fachin. Mas não é suficientemente robusta, pelo menos por enquanto, para aprovar a reforma da Previdência, por exemplo, ou um programa de cortes de despesas na administração direta que fizesse o governo caber novamente na Esplanada, que já não comporta o número de ministérios e suas repartições.

Mas há certa euforia no mercado de ações e predisposição dos investidores a embarcar no programa de privatizações do governo. Primeiro, a redução da inflação e da taxa de juros, acrescida da lei do teto de gastos, em que pese as crises e trapalhadas do governo, para os analistas financeiros, blindaram a equipe econômica. Segundo, as privatizações de importantes estatais em si costumam valorizar as respectivas ações, são música para o mercado. Mas significa que a economia será o divisor de águas das eleições de 2018, como foram, por exemplo, o Plano Cruzado, em 1986, ou o Plano Real, em 1994? Provavelmente, não.

No caso do Plano Cruzado, no governo Sarney, o forte impacto na eleição fez com que o PMDB vencesse em todos os estados, com exceção do Rio de Janeiro, porque havia ilusão de que acabara com a hiperinflação. Mas era um programa econômico sem sustentabilidade, que logo se revelou um fracasso, para usar as palavras do ex-ministro da Fazenda Delfim Neto. O Plano Real, sim, foi um sucesso. Teve mais sustentabilidade, pois foi um programa de estabilização da economia alavancado por um programa de reforma patrimonial do Estado, concebido com base no fracasso dos planos anteriores, o que possibilitou a vitória do PSDB, com a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e sua reeleição. Portanto, é muito natural que o governo Temer aposte todas as fichas na economia. Mas isso dará certo?

Grande diferença
“É a economia, estúpido”, bradam os governistas, inspirados em James Carville, marqueteiro da primeira eleição de Bill Clinton e autor da frase.

Teria todo sentido a afirmação se as taxas de crescimento fossem maiores; por enquanto, essa é apenas uma aposta. Mas há uma grande diferença em relação às situações anteriores aqui descritas: a crise ética.

No primeiro caso, o PMDB emergia do regime militar lastreado pela campanha das diretas já e a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. O presidente José Sarney, egresso do antigo PFL, que assumiu o lugar de Tancredo, embora fosse um político conservador, era um dos artífices da democratização. O fracasso do Cruzado, porém, resultou num fim de governo mambembe e na derrota das forças políticas que lhe davam sustentação. Quem ganhou a eleição de 1989 foi o outsider Collor de Mello, num segundo turno contra Lula. No segundo caso, o PSDB venceu as eleições porque tinha um bom candidato, Fernando Henrique, a hiperinflação havia sido ultrapassada e o governo Itamar não estava envolvido em escândalos.

É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente para não desistirem de disputar o pleito. Vejam o caso do PT e de Lula, que tentam resgatar o “rouba, mas faz” das campanhas do governador Adhemar de Barros, em São Paulo, na década de 1950, em campanha aberta pelo Nordeste. O que impede Lula de se manter como alternativa de poder é a Lava-Jato, seja pelo desgaste de imagem, seja porque dificilmente escapará de novas condenações. O mesmo vale para outros políticos que desperdiçaram essa oportunidade de ouro — o petista fora da disputa — por terem adotado as mesmas práticas condenáveis.


Foto: Beto Barata\PR

Luiz Sérgio Henriques: O terceiro fantasma  

A falta de protagonismo de uma esquerda forte e responsável pode se arrastar por vários anos

Espectros e assombrações, de acordo com sua natureza evanescente, costumam rondar cenários de terra devastada, como é o caso da política brasileira, trazendo presságios e reminiscências mais ou menos distantes e, no entanto, úteis para nossa ponderação. De fato, a devastação é grande demais: líderes e partidos, de governo ou da oposição, parecem dissolver-se no ar, arruinados por denúncias às vezes imprevistas ou transformados em alvo de acusações que os tratam, respectivamente, como delinquentes ou “organizações criminosas” imprestáveis para o funcionamento de uma democracia normal.

Tendo em vista as prosaicas malas abarrotadas de dinheiro ou os sofisticados softwares de propina, não se pode dizer que se trata de calúnias saídas do nada. Mas o fato é que, ao lado do aspecto investigativo-judicial, é preciso voltar os olhos para toda a imensa crise de representação que assim se estabelece, dando ouvidos à assombração italiana dos anos 90 do século passado e à argentina da virada de século. A evolução política daqueles dois países é o que nos interessa de perto; judicialmente, respeitado o processo legal, que os mortos enterrem os mortos. De todo modo, não haverá muito a fazer se e quando condenados, sejam eles quem forem e seja qual for a narrativa persecutória que preferirem.

O impacto da Mãos Limpas na história italiana foi de tal monta que assinalou o ocaso da Primeira República, estruturada em torno de dois grandes partidos de massa, a Democracia Cristã e o Partido Comunista. O primeiro deles ainda tentaria reviver com o nome de seu longínquo antecessor, o Partido Popular, mas sem muito sucesso. E deixaria o campo da centro-direita livre para o surgimento fulminante de um personagem egresso do mundo dos negócios, Silvio Berlusconi, a seduzir cidadãos-consumidores, numa peculiar telecracia, com a retórica da antipolítica. Empresário, estaria comprometido só com a eficiência; rico, não precisaria valer-se da corrupção intrínseca à atividade política.

Em síntese extrema, o que levou à ruína a Democracia Cristã – e o Partido Socialista de Bettino Craxi, morto no exílio – foi a construção de um complexo sistema de poder, que excluía por definição a alternância. Impensável um partido comunista chefiar um governo nacional na Itália daquele tempo. Excluído do poder central e, portanto, só marginalmente atingido pelas investigações, o PCI, já mudado em partido de esquerda democrática, se lançara havia alguns anos em busca de uma identidade distinta da matriz bolchevique, busca evidentemente necessária para a formação de governos alternativos ao de Berlusconi.

Esta função cumprida pelos pós-comunistas italianos é algo que hoje nos falta à esquerda, se for verdade – do ponto de vista estritamente político – que o comportamento do petismo terá significado pelo menos o início da constituição de estruturas de poder avessas à alternância e voltadas para a cooptação bruta de aliados, chamados para ocupar predatoriamente, em posição subordinada, os lugares disponíveis em órgãos de Estado e empresas públicas. E esta falta de protagonismo de uma esquerda forte e responsável pode se arrastar por vários anos, penalizados que seremos pelas contradições e ambiguidades do lulismo e do petismo.

O fantasma argentino também traz sua mensagem para nós. Após a década neoliberal de Menem, uma das mais surpreendentes metamorfoses do peronismo, e do fracasso de seu sucessor “radical”, Fernando de la Rúa, as praças do país vizinho foram invadidas por intensos protestos populares. E até houve quem os tomasse, confundindo a nuvem com Juno, por um processo revolucionário à moda de Lenin, no qual uma eventual invasão da Casa Rosada significasse, quem sabe, a tomada do Palácio de Inverno.

Também aqui a antipolítica ressurgiu com virulência. O lema que se vayan todos, que no quede uno solo, condenatório de toda a “classe política”, correu mundo como expressão da vontade popular de fazer tábula rasa de representantes e instituições representativas. Alguns terão sonhado novamente com a “democracia direta”, a ser exercida nas praças, dispensando mediações e dando voz ao verdadeiro soberano. A ilusão de começar do zero, em meio à instabilidade provocada pela sucessão alucinante de governos brevíssimos, haveria de desembocar paradoxalmente na era Kirchner, manifestação desta feita do peronismo de esquerda, cujo apelo “nacional-popular” nem sempre, ou quase nunca, ocultou o desígnio de uma democracia iliberal e tendencialmente carente de contrapesos republicanos.

Pode ser que um terceiro fantasma tenha, agora, aparecido em nosso relato. Ambíguo, multiforme, o populismo será um espectro capaz de variadas encarnações e, por isso mesmo, de difícil apreensão conceitual. Há mesmo um bom argumento que rejeita seu uso por causa destas suas múltiplas figuras, que vão dos governantes “nacional-populares” da América Latina até Berlusconi ou mesmo Trump. O fato é que, em nossos dias, importantes teóricos voltaram a pôr em circulação a “razão populista”, que invariavelmente tenta desagregar, segundo a lógica feroz de amigos versus inimigos, o consenso em torno das instituições democráticas. O que diferenciaria o populismo progressista daquele reacionário seria a escolha atilada dos inimigos: as elites em vez dos imigrantes, por exemplo.

Em tempos difíceis, como os que temos vivido aqui e agora, o que se requer é uma esquerda que majoritariamente não pense só na afirmação de suas próprias razões, mas seja capaz de levar em conta o conjunto da sociedade, aceitando a espinhosa – e interminável – missão da persuasão permanente. E reconheça, por isso, que apostar na cisão simplória entre o povo e seus inimigos pode acarretar tragicamente “a ruína comum das classes em luta”. Como temos visto, construir esse tipo de esquerda não é nada fácil.

Mais em: www.gramsci.org

 

 


Oscar D'Ambrosio: Em busca do círculo virtuoso

O Museu do Santander Cultural, em Porto Alegre (RS), foi fechado e a exposição em cartaz, denominada Queermuseu, foi cancelada domingo último (10/9). A questão merece breve análise, que pode ser feita pelos pontos de vista de seus protagonistas: quem produziu a exposição, quem a mostrou e quem a vê. No fundo, é claro, está uma reflexão ainda maior, a discussão do que é a arte e qual é o seu papel.

Vamos começar por esse último ponto. A arte é geralmente vista de duas grandes maneiras: ou como uma forma do criador trabalhar a diferença entre o mundo que ele vê o que gostaria de ver; ou como uma eterna diferença entre aquilo que se deseja fazer e o que efetivamente se consegue. No primeiro caso, haveria uma inquietação permanente; no
segundo, uma frustração.

Qualquer exposição, portanto, do ponto de vista do curador e dos artistas que a integram, traz um posicionamento crítico perante o mundo. A instituição que a abriga, no presente caso, uma casa com nome e experiência suficientes para ter avaliado previamente o material, deve estar preparada para repercussões variadas. O público, por sua vez, tem
o pleno direito de gostar ou não do que vê e de se manifestar, desde que de maneira civilizada e republicana, se assim julga necessário e importante.

Interromper a exposição parece romper o círculo virtuoso acima proposto: artistas e curadores inquietos, instituições que estimulam o diálogo e livre opinião do público. Pode gerar um círculo vicioso: receio de curadores e artistas, pavor das instituições e restrições para o público ver o polêmico e diferente - e se habituar a conviver com a diferença e
a diversidade. A cultura, que se alimenta justamente dos diálogos entre os dissemelhantes - não da confirmação das igualdades - sai perdendo nesse processo, o que é ruim para a arte de modo geral e para o cenário plástico brasileiro em particular.

* Oscar D'Ambrosio é Doutor em Educação, Arte e História da Cultura e Mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp.


Cristovam Buarque: 'Suissinato’ do futuro  

Se o Brasil quer encontrar um rumo, precisamos salvar a Uerj

O futuro de um país tem a cara de sua escola no presente. Cortar recursos para a universidade é como suspender transfusão de sangue para o país. O que acontece com a Uerj é um exemplo disso; portanto, o futuro do Brasil não parece bonito nem próspero. Ainda mais quando percebemos que a crise é de todo o conjunto de nosso ensino superior.

Embora a falta de verbas seja a causa mais visível, a tragédia tem motivos internos que exigem uma autocrítica. Há décadas a universidade estatal brasileira vem cometendo o suicídio de uma morte anunciada, apressada pelo assassinato por governos irresponsáveis: abandono e acomodamento formam o veneno do “suissinato”.

A qualidade do ensino superior depende diretamente da educação de base. Apesar disso, a universidade assistiu à degradação do ensino infantil, fundamental e médio sem lutar politicamente para forçar prioridade para elas. Também não se dedicou a formar bons professores para nossa educação de base.

A comunidade acadêmica falhou ao não lutar contra a irresponsabilidade fiscal, aplaudindo a construção de estádios e a implantação de programas populistas e fechando os olhos à corrupção, o déficit agora é pago com o corte de verbas. A universidade deve lembrar que a gratuidade é paga com dinheiro do conjunto da sociedade.

Diante do previsível esgotamento fiscal do Estado, a universidade precisa ser mais eficiente na gestão dos recursos que recebe e na captação de verba complementar em fontes não estatais, como fazem as universidades em todo o mundo. Mesmo em tempo de austeridade gastamos mais do que as universidades europeias e asiáticas que estão entre as melhores do mundo.

A universidade se contenta em ser basicamente escada social, pela outorga de diplomas, no lugar de ser alavanca para o progresso, pela inovação do saber em todas as áreas. Está desconectada do setor produtivo. Perdemos a sintonia com os rápidos avanços do conhecimento: considerar carreiras e diplomas como permanentes. Não se internacionaliza nem adota os novos métodos de ensino à distância.

Além do corte de verbas, a crise da universidade tem tudo a ver com sua rendição ao corporativismo, ao partidarismo, desprezando o mérito e sem um pacto de qualidade com a sociedade. Ao longo de anos foram tantas greves que a população chega a imaginar que a atual paralisação da Uerj é apenas mais uma delas, não decorre da falta de recursos por irresponsabilidade do governo estadual.

Se o Brasil quer encontrar um rumo, precisamos salvar a Uerj e as demais universidades do país da crise financeira do momento. Mas para isso, as universidades precisam salvar a si próprias, fazendo autocrítica, reformando-se para estar à altura dos desafios do conhecimento e, ao mesmo tempo, do esgotamento de recursos.

Abandonar as universidades, como acontece especialmente com a Uerj, é uma forma de assassinar o futuro do Brasil, mas manter a universidade sem uma profunda reforma é cometer suicídio institucional.

* Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)


Bolívar Lamounier: O povo semissoberano 

Nas democracias atuais, jazem moribundos em covas rasas os antigos argumentos antiliberais

Durante quase dois séculos diferentes escolas de pensamento tentaram explicar as imperfeições e rupturas dos regimes democrático-representativos. O esforço clássico – e mais antigo – foi o de Jean-Jacques Rousseau, que contestou a própria ideia de representação. Em sua linha de raciocínio, o indivíduo iludia-se com o efêmero status que o processo eleitoral lhe proporcionava: cidadão por um dia, mas no dia seguinte retornava ao estado de imemorial submissão em que se encontrava desde priscas eras. Não chegaria jamais ao status de membro pleno da coletividade enquanto se concebesse como um simples indivíduo, e não como uma parte indissociável daquela entidade mística e homogênea, o todo permanente reunido em assembleia.

A segunda linha de crítica, muito mais potente, remonta a meados do século 19 e parte de um ponto de vista exatamente oposto. O problema não era o individualismo excessivo, mas o fato de a maioria da sociedade não ter acesso a uma condição de verdadeira autonomia individual. Por toda parte, o que vemos são maiorias supostamente aptas a legitimar (por meio do voto individual e igual de cada um) minúsculas oligarquias, mas na prática o que ocorre é o oposto: tais maiorias são clientelas facilmente controláveis e manipuláveis pelas minorias governantes. O clientelismo rural, por exemplo, afetando a maior parte da população, era um poderoso impedimento à igualdade substantiva e, consequentemente, da verdadeira democracia. Incapazes de se “atomizarem”, ou seja, de se tornarem indivíduos realmente autônomos, as maiorias não correspondem nem ao modelo da cidadania mobilizada concebido por Rousseau nem à sociedade individualizada do liberalismo; são como uma grande ameba, uma massa amorfa incapaz de qualquer protagonismo.

Nos limites de um artigo é impossível destrinchar a teia de juízos de valor e de equívocos factuais subjacente a essa longa história, mas é imperativo sublinhar alguns estágios dela se quisermos compreender a contraditória percepção do mundo atual acerca da democracia. Em 1942, em seu clássico Capitalismo, socialismo e democracia, o economista Joseph Schumpeter detonou a antiga suposição de que as grandes massas eleitorais do mundo moderno têm de ser constituídas por indivíduos igualmente autônomos, bem informados e aptos a exercer cargos no governo, se convocados a tal. Schumpeter escreveu que a função do eleitor se reduz a dar seu voto a um dentre os grupos contendores, que são eminentemente grupos técnicos, especializados na gestão do Estado. Em 1961, não se permitindo o cinismo implícito no argumento schumpeteriano, Elmo E. Schattschneider, no livro The Semisovereign People, armou uma equação mais interessante. A função do eleitor é de fato irrelevante, ou quase isso, onde não há partidos políticos dignos do nome; onde eles existem, o eleitor de fato não governa diretamente, mas pode exercer uma influência substancial, não raro determinando os rumos da política pública. Mas um “verdadeiro” partido, o que é? Simplificando ao máximo, a resposta dele foi: uma organização não só especializada na disputa política, mas que a pratica sem jamais se deixar absorver ou subjugar por grupos de interesse, sejam estes econômicos, religiosos ou de qualquer outra natureza. A função do partido é transcender e agregar tais interesses num nível mais geral; e um que se deixe incrustar e controlar por meia dúzia de empreiteiras, por certo, não merece ser chamado de partido.

Penso que a realidade atual, e não só a brasileira, está a exigir uma reflexão mais abrangente. Nas democracias atuais, com seus grandes eleitorados e técnicas apropriadas de votação, os antigos argumentos antiliberais jazem moribundos em covas rasas, aguardando o sepultamento a que fazem jus. Mas a questão permanece: vamos bem ou vamos mal? O modo democrático de viver está se robustecendo ou, ao contrário, correndo riscos onipresentes, cuja dimensão ainda não conseguimos avaliar? A visão pessimista pode invocar argumentos poderosos, muito mais sérios que os tradicionalmente associados ao controle clientelista do eleitorado e até mesmo aqueles derivados das desigualdades sociais. Outro dia o professor Benício Schmidt, da UnB, postou no Facebook uma especulação sinistra. Na Colômbia, agora que as Farc se transformam em partido, teremos o narcotráfico controlado por uma organização ou disperso entre várias organizações beligerantes e bem armadas? Hipóteses desse tipo podem ser multiplicadas ad infinitum.

Mas a hipótese otimista também merece respeito. Os avanços no combate à corrupção talvez representem não apenas um aumento na higidez dos regimes democráticos, mas um passo decisivo no sentido de tornar realidade um de seus pressupostos essenciais. Democracia, como o termo é hoje entendido pelos cientistas políticos, é um regime no qual indivíduos privados ascendem a posições de autoridade mediante eleições periódicas, limpas e livres, das quais a maioria da população adulta participa. Admitamos, porém, por um minuto, o antigo sarcasmo dos antiliberais: como pode ser soberano um corpo eleitoral que desconhece os elementos mais importantes da gestão do Estado? Suponhamos, no caso brasileiro: qual é a real importância dos votos de 145 milhões de eleitores que até pouco tempo atrás desconheciam por completo o modo de agir de um BNDES, de uma Petrobrás, de uma Eletrobrás?

Salta aos olhos que, sem um enorme avanço na transparência, no acesso a informações do tipo mencionado e numa drástica redução da impunidade, o pressuposto democrático da soberania popular permanecerá, realmente, vulnerável ao escárnio.

* Bolívar Lamounier é cientista político, é sócio diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências

 

 

 

 


Folha de S. Paulo: Amplitude da acusação desafia defesa de Temer

Em uma detalhada narrativa de 245 páginas, Janot denuncia Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha e Rocha Loures pela prática de crime de organização criminosa transnacional.

ELOÍSA MACHADO e RUBENS GLEZER,
ESPECIAL PARA A FOLHA

Segundo a denúncia, Temer e seus aliados ocupavam postos políticos e negociavam apoio em troca do poder de indicação de nomes para cargos estratégicos em empresas e ministérios.

Se isso não é algo ilícito por si só, o mesmo não se pode dizer do proveito que a organização criminosa tirava da situação. A presença na Petrobras, em Furnas, no Ministério da Integração Nacional, no Ministério da Agricultura, na Caixa Econômica Federal e até na própria Câmara era um meio para o esquema de arrecadação de propinas.

A história é conhecida: empresas que queriam ser contratadas ou ter uma lei em seu benefício repassavam propina a Temer e seus aliados.

O papel dado a Michel Temer na organização criminosa é central; "dava a necessária estabilidade e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização", nas palavras de Janot.

Para corroborar essa narrativa de um longo e vasto esquema criminoso, a denúncia aponta uma série de provas que, ao menos nessa etapa, mostram indícios de materialidade e de autoria dos crimes.
São depoimentos, termos de colaboração premiada, áudios; interceptações telefônicas; mensagens de texto; tudo de famosos personagens do enredo da Lava Jato, como Sérgio Machado, Delcídio do Amaral, Marcelo Odebrecht e Nestor Cerveró. Mas é Lúcio Funaro quem traz os elementos de conexão de vários casos até Temer.

Essa amplitude de indícios impõe um desafio à defesa de Temer, que pediu ao STF a suspensão da denúncia –antes de seu envio à Câmara dos Deputados– até que se resolva sobre a validade das provas na delação de Joesley Batista. Mas essas provas sustentam apenas a denúncia por obstrução à Justiça. Todo o resto segue sem questionamentos.

A denúncia deverá ser remetida em breve para a Câmara dos Deputados e novamente será encaminhada a uma comissão para elaborar um parecer, possivelmente repetindo as negociações do governo para trocas e substituições de membros, na tentativa de obter uma manifestação de rejeição à sua tramitação. O país terá, então, a oportunidade de assistir mais uma vez às votações no plenário da Câmara.

Mas tudo indica que isso se dará em um contexto razoavelmente distinto da votação sobre a primeira denúncia.

Naquela ocasião, se denunciava um episódio de corrupção pontual de aproximadamente R$ 500 mil, enquanto agora se denuncia Temer por ser um dos protagonistas de um esquema criminoso desde 2002, intensificado em 2007 e comandado por ele a partir de 2016, sob a acusação de receber mais de R$ 500 milhões –mil vezes o valor da primeira denúncia–, agravada pelo fato de tentar a obstruir a investigação desses crimes durante o mandato presidencial. A gravidade pública dos fatos é muito maior.

Nesse contexto não será fácil para o governo angariar o apoio de deputados que têm um encontro marcado com o eleitorado em 2018. Mesmo com uma eventual rejeição de mais essa denúncia, é difícil imaginar que o Planalto e o Congresso consigam fazer algo que não apenas trabalhar para sua própria sobrevivência.

A Operação Lava Jato deve prosseguir para os diversos deputados, senadores e ministros já apontados como partícipes no esquema criminoso, dentre os quais os aliados de Temer, isolando-o. Isso sem dizer que o próprio Michel Temer pode vir a ser alvo de mais uma denúncia em inquérito recém-autorizado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a venda do decreto dos portos e propinas da Rodrimar.
Já não estamos mais estupefatos com o ineditismo de uma primeira denúncia contra um presidente em exercício; afinal, já estamos acompanhando o oferecimento de uma segunda denúncia e, muito provavelmente, de uma terceira.

Inédito, até mesmo incrível, será ter um presidente da República absolutamente impopular e exposto em um enorme esquema de vandalismo político, sendo capaz de resistir.

* ELOÍSA MACHADO e RUBENS GLEZER são professores e coordenadores do Supremo em Pauta FGV Direito SP

 


Luiz Carlos Azedo: A contradição principal

O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia

A nó da política brasileira é a contradição principal do governo Temer, que opõe uma equipe econômica capaz de tirar o país da recessão e apontar um horizonte de retomada gradual do crescimento, com inflação controlada e juros mais confortáveis, ao núcleo político no Palácio do Planalto, cada vez mais desmoralizado pelo envolvimento de seus principais integrantes na Operação Lava-Jato. Essa contradição se aprofundou ontem, com a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, desta vez pelos crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa.

Dois ministros (Moreira Franco e Eliseu Padilha), dois ex-ministros (Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves), dois ex-deputados (Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures), um empresário (Joesley Batista) e um executivo (Ricardo Saud) foram denunciados, acusados de arrecadarem mais de R$ 587 milhões em propina. Esses recursos teriam sido desviados da Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.

O empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, e o executivo Ricardo Saud, ambos delatores da Operação Lava-Jato, estão entre os denunciados, mas somente pelo crime de obstrução de Justiça. Ontem, Janot pediu a transformação da prisão temporária de ambos em prisão preventiva e foi atendido pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas essa não é a grande preocupação. O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia num apartamento de um amigo em Salvador. Mais de R$ 51 milhões em malas e caixas repletas de notas de R$ 50 e R$ 100.

Janot lançou a segunda flecha contra Temer em seus últimos dias no cargo de procurador-geral. Sustenta que “diversos elementos de prova” apontam que o presidente tinha o “papel central” na suposta organização criminosa. A denúncia acusa Temer, Henrique Alves e Eduardo Cunha de serem os responsáveis pela obtenção de espaços para o grupo político junto ao governo do PT, graças à influência que detinham sobre a bancada do PMDB da Câmara. “Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas”, afirma.

Segundo a PGR, o esquema utilizou transferências bancárias internacionais, na maioria das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis, em movimentações sucessivas com o objetivo de distanciar a origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira, com sede no exterior, para tentar controlar e ludibriar normas de ética, conduta e boa governança em empresas (práticas da chamada compliance) e dificultar o trabalho dos investigadores.

“Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”, acusa Janot.

No mesmo barco

No começo de seu governo, quando surgiram as primeiras denúncias contra os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, o presidente Temer traçou uma espécie de círculo de giz para proteger a equipe: disse que as investigações não eram motivo para afastamento dos auxiliares, mas que não hesitaria em fazê-lo caso se tornassem réus. Acontece que o presidente da República também foi denunciado. E agora, se Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, acolher a denúncia, o que deve acontecer? Temer tem a blindagem constitucional, e a Câmara pode também não acolher a segunda denúncia e sustar as investigações até o fim do seu mandato, como aconteceu na primeira. Mas não tem como impedir que seus ministros virem réus.

A contradição entre uma política econômica exitosa e esse processo contínuo de desmoralização do governo não deve se resolver antes das eleições de 2018. Por mais que o Palácio do Planalto suba o tom contra Janot, esse argumento cairá por terra a partir da próxima semana, uma vez que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumirá o cargo na segunda-feira. Depois da decisão tomada pelo STF, que não acolheu a suspeição arguida por Temer contra Janot, será muito difícil dar um cavalo de pau nas investigações. Ou seja, a crise ética evoluirá para mais uma discussão na Câmara sobre a aceitação ou não da denúncia.


Seminário reflete a vitalidade democrática e a necessidade de construir respostas aos desafios contemporâneos

O Seminário Internacional Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceria com o Instituto Teotônio Vilela (ITV), foi encerrado nesta sexta-feira (15) após dois dias de debates sobre conjunturas políticas nacionais e internacionais. O evento contou com a participação de palestrantes de renome internacional, que reafirmaram a necessidade dos partidos políticos debaterem, com a participação popular, temas complexos da atualidade com o objetivo de construir narrativas e políticas públicas que possam estar à altura dos desafios atuais.

Dentre os desafios contemporâneos que foram debatidos estão temas como a crise de representação política e o futuro da democracia; globalização e a mudança das sociedades; revolução tecnológica e o mercado de trabalho; Mãos Limpas e Lava Jato, relações de forças e limites. André Amado, secretário executivo do seminário, exaltou a importância dos debates. “Os debates não ofendem ninguém, aprofundam ideias, provocam soluções e exploram alternativas para a sociedade”, disse.

Luiz Carlos Azedo, diretor-geral da FAP, ressaltou a importância de se debater temas que inquietam intelectuais, políticos e a sociedade como um todo. “Foi um evento muito significativo com a retomada de discussões, em parceria com o Instituto Teotônio Vilela, de temas como corrupção, avanço tecnológico, mundo do trabalho e outros que estão na agenda do mundo todo”, afirmou.

O presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal, avaliou que os debates do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação deixaram clara a vitalidade da democracia, a importância das reflexões e a necessidade constante de busca por respostas. Em sua participação na mesa de encerramento do evento, promovido pelo Instituto Teotônio Vilela e pela Fundação Astrojildo Pereira, ele destacou que a solução para os problemas conjunturais do Brasil, como corrupção e má gestão, não virá por uma via salvacionista, mas por uma saída técnica e pela política.

"A ideia é olhar para frente. Aqui não faltaram diagnósticos e conseguimos alguns avanços no que diz respeito às respostas. Ficou claro que temos uma democracia no Brasil que está funcionando. Há divergências de posições, mas está certo que precisamos de um grande acordo para tirarmos o país desse momento de crise", afirmou.

Aníbal citou o exemplo de Emannuel Macron na França, atual presidente do país europeu. "Ele não venceu as eleições porque saiu do governo Hollande, mas porque tinha um programa para o país". "Macron foi ministro da Fazenda do governo Hollande e ajudou a implementar algumas mudanças importantes para e economia francesa, como a reforma trabalhista. Já como presidente, questiona o sistema financeiro, defende a tributação da renda como forma de combater as desigualdades. Está fazendo o que precisa ser feito", disse.

O presidente do Instituto Teotônio Vilela destacou que é preciso haver maior participação tanto da juventude como dos políticos com mandato eletivo. Aníbal lembrou ainda que todo o conteúdo do seminário está disponível no site do evento e que tanto o ITV quanto a FAP produzirão sínteses e outras publicações relacionadas aos debates.

José Anibal também falou da parceria do ITV com a FAP. “Talvez foi a maior parceria o que ITV fez até aqui com outra fundação de partidos políticos e que tivemos muito êxito, queremos realizar mais parcerias com a FAP e também com outras instituições para mais seminários”, concluiu.

Políticos precisam dar bons exemplos, afirma Cristovam
O presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), senador Cristovam Buarque, encerrou sua participação no seminário afirmando é necessário ter coesão para dar um rumo ao país. "Os políticos precisam dar bons exemplos, com o fim dos privilégios. Precisamos consolidar os partidos, acabar com a impunidade e combater o corporativismo", disse.

Segundo Cristovam, esgotamos o modelo de parlamento imediatista, cooptação, irresponsabilidade fiscal, improvisação, aparelhamento do Estado, desprezo ao mérito, depredação dos recursos naturais. "Agora precisamos reconhecer esse esgotamento. E o próximo presidente deverá, pelo menos, trazer uma ideia de como conseguir renovar o sistema", afirmou.

O senador apontou alguns caminhos que podem dar novo rumo a Brasil: reforma trabalhista que reconheça o poder empreendedor, novo sistema de saúde com inclusão do saneamento, sistema bancário que invista na indústria de ponta, educação nacionalizada e publicização do Estado. "Não podemos mais manter essa estatização viciada", completou.

 

A professora livre docente da FFLCH-USP Lourdes Sola encerrou o seminário. Para a socióloga e cientista política, o desafio que está proposto após todas as mesas de discussão é o seguinte: Que Estado nós queremos e para que tipo de democracia?

Segundo ela, alguns momentos são fundamentais para entender esse processo de mudança da sociedade civil e a crise de representação política. O primeiro se deu em 2013, no que Lourdes chamou de "emergência contribuinte", onde uma classe média brasileira que emergia e pagava por serviços, não encontrava o resultado esperado e resolveu sair às ruas em massa para protestar.

Outro fator mencionado pela professora como problemático é em relação ao sistema de votação do nosso país. "Ele não é inteligível para o povo. As pessoas não entendem o sistema de votação. Sem isso, não teremos uma democracia com bases sólidas", explicou. Em relação à economia, a lógica funciona da mesma forma, segundo Lourdes. "Os políticos precisam entender como a economia entra na equação política do eleitor, claro que melhorar a economia é fundamental, mas desde que o soberano, o povo, entenda isso no seu dia a dia".

Para Lourdes Sola, essas questões existem por causa do déficit de comunicação dos políticos e dos partidos. "Falta explicar melhor ao povo, não basta ser racional e achar que as pessoas vão entender tudo sempre". A professora disse que a eficiência de uma política pública depende do entendimento da população, além do "timing e da oportunidade" para implantá-la.


 

 


Cristovam Buarque destaca a busca da coesão política na construção de um projeto de país

O presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), senador Cristovam Buarque, encerrou sua participação no seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação afirmando é necessário ter coesão para dar um rumo ao país. “Os políticos precisam dar bons exemplos, com o fim dos privilégios. Precisamos consolidar os partidos, acabar com a impunidade e combater o corporativismo”, disse.

Segundo Cristovam, esgotamos o modelo de parlamento imediatista, cooptação, irresponsabilidade fiscal, improvisação, aparelhamento do Estado, desprezo ao mérito, depredação dos recursos naturais. “Agora precisamos reconhecer esse esgotamento. E o próximo presidente deverá, pelo menos, trazer uma ideia de como conseguir renovar o sistema”, afirmou.

O senador apontou alguns caminhos que podem dar novo rumo a Brasil: reforma trabalhista que reconheça o poder empreendedor, novo sistema de saúde com inclusão do saneamento, sistema bancário que invista na indústria de ponta, educação nacionalizada e publicização do Estado. “Não podemos mais manter essa estatização viciada”, completou.