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Rogério Furquim Werneck: Se o Planalto não atrapalhar

Precariedade da articulação do governo com o Congresso limita sua capacidade de assegurar a aprovação das medidas fiscais

As perspectivas da economia brasileira parecem, hoje, bem mais auspiciosas do que em janeiro do ano passado. Inflação sob estrito controle permitiu que o Banco Central, afinal, conduzisse a economia brasileira à fabulosa terra incognita das taxas reais de juros efetivamente baixas. A recuperação mais rápida do nível de atividade parece estar a caminho. Nada espetacular, mas o suficiente para que a taxa de crescimento do PIB em 2020 seja o dobro da observada em 2019.

A consolidação fiscal tornou-se mais crível, na esteira da aprovação da reforma da Previdência e das propostas de medidas complementares requeridas para manter o teto de gastos em vigor. A combinação de taxas de juros baixas, crescimento mais rápido e redução do déficit primário vem tornando a dinâmica do endividamento público bem menos adversa do que parecia.

Mas a melhora do quadro fiscal tem de ser entendida com percepção clara das qualificações pertinentes. Não deve dar lugar a ilusões infundadas. O jogo ainda está longe de estar ganho. Boa parte do esforço de ajuste fiscal que se faz necessário ainda está por ser feito.

Não foi uma decisão sábia dispersar, em três Propostas de Emendas à Constituição (PECs), as medidas complementares de ajuste fiscal contempladas pela equipe econômica. A tramitação de três PECs simultâneas, em ano de eleições municipais, já parece bem mais do que o precário esquema de articulação do governo com o Congresso dará conta de entregar. Mas há ainda muito mais em jogo no Congresso, na batalha pela preservação do teto de gastos.

O agravamento da crise fiscal dos governos subnacionais tem dado lugar a pressões políticas cada vez maiores por formas variadas de resgate federal. Chegou a conta do equívoco de ter deixado estados e municípios de fora da reforma da Previdência. A chamada PEC Paralela, que supostamente sanaria parte desse equívoco, sofreu deformações sérias no Senado que teriam de ser devidamente recompostas na Câmara. Descrentes do que ainda poderá vir do Congresso, vários estados, cada um a seu modo, vêm tentando aprovar reformas de seus sistemas previdenciários, sob cerrada oposição.

O governo terá ainda de zelar pela tramitação de outros projetos de sua iniciativa, como o controvertido programa de fomento ao emprego e a proposta de reforma tributária que prometeu submeter ao Legislativo em fevereiro. E terá também novos desatinos fiscais a enfrentar. A precariedade da articulação do governo com o Congresso não só limita sua capacidade de assegurar a aprovação das medidas fiscais propostas, mas também lhe deixa sem capacidade de bloqueio de iniciativas parlamentares irresponsáveis, na contramão do ajuste fiscal necessário.

Mas, mesmo tendo em conta todas essas dificuldades, é inegável que o delicado círculo virtuoso que vem ganhando força na economia, desde 2016, afigura-se agora bem mais promissor. Com a aceleração do crescimento que, enfim, parece estar a caminho, o governo está prestes a se livrar de um ponto crucial de tensão na condução da política econômica, que era a impaciência com a demora da retomada.

A questão, agora, é em que medida será possível atenuar o principal ponto de tensão remanescente, que é o desgaste político decorrente do aperto fiscal progressivo, envolvido na compressão sem fim das despesas discricionárias. No melhor cenário, o sucesso do esforço de ajuste fiscal em 2020 abriria espaço para que o teto de gastos pudesse ser mantido em vigor por um período prolongado. No pior, a manutenção da contenção requerida de despesas ficaria politicamente inviável, e o governo seria forçado a promover um temerário “aperfeiçoamento” do teto de gastos. Num cenário intermediário, o governo, com algum desgaste, pelo menos conseguiria manter crível o respeito ao teto ao longo do atual mandato presidencial.

Tudo isso, claro, na presunção, um tanto heroica, de que possam ser mantidas sob relativo controle as forças desestabilizadoras que continuam a emanar do Planalto e do hipertrofiado lado aloprado do governo.


El País: Sergio Moro retorna à ‘frigideira’ de Bolsonaro e pode perder comando da Segurança

Presidente estimula debate sobre divisão da pasta de Justiça e Segurança, comandadas por ex-juiz da Lava Jato. Medida que contraria ministro é pleito de policiais e bombeiros, boa parte da base eleitoral do presidente

Em um movimento que enfraquece politicamente o mais popular dos ministros brasileiros e possível presidenciável, Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aceitou reativar o debate sobre a recriação do Ministério da Segurança Pública. Hoje, a área é um dos braços da pasta da Justiça, comandada desde o início de 2019 por Moro, o ex-juiz da Operação Lava Jato que arrebatou parte da opinião pública num país divido e polarizado.

Na manhã desta quinta-feira, antes de embarcar para uma viagem oficial para a Índia, Bolsonaro disse a jornalistas que estava estudando o assunto a pedido do Conselho Nacional de Secretários da Segurança Pública (Consep). O colegiado, formado pelos secretários das 27 unidades da federação, se reuniu nesta semana em Brasília. Os secretários foram recebidos pelo presidente na tarde de quarta-feira, em uma audiência que não estava inicialmente prevista na sua agenda.

Alguns sinais políticos foram dados durante esse encontro. Participaram dele dois ministros, o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Nem Moro nem nenhum de seus subordinados estiveram na reunião. E a audiência foi transmitida ao vivo pela conta do presidente no Facebook. Foi uma maneira de prestar contas a boa parte de sua base eleitoral —policiais, bombeiros e outros agentes de segurança.

Se a pasta for dividida, como fora na gestão Michel Temer (MDB), Moro ficaria com a Justiça e outro político assumiria a Segurança, conforme dito pelo próprio presidente. “Se for criado, aí ele [Moro] fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança”, disse o presidente em contraposição ao que afirmara em novembro de 2018, quando, recém-eleito, afirmou que o então juiz seria o responsável por comandar as duas áreas. Em caso de separação, Moro perderia poder, já que a Polícia Federal migraria para a nova pasta, e também orçamento. Em 2019, a área de segurança representou 88% dos 17 bilhões de reais do ministério.

Questionado se iria se manifestar sobre o tema, Moro, que começou a semana mostrando lealdade à toda prova ao presidente quando questionado no programa Roda Viva, se calou. Fez circular a versão, porém, de que o fatiamento poderia levar, sim, a que ele deixasse o Governo. Por ora, o ministro parece não querer confrontar o presidente diretamente, como o fez recentemente quando Bolsonaro sancionou o juiz das garantias aprovado pelo Legislativo. O ministro já teve outros momentos de fritura no Governo Bolsonaro —o jargão para quando um político começa a ser desprestigiado entre seus aliados. Seja como for, Moro fez nessa quinta-feira um movimento político valioso, para tempos em que as redes sociais são essenciais para eleições. Abriu uma conta no Instagram, terreno onde Bolsonaro, seu chefe e possível adversário em 2022, tem quase 15 milhões de seguidores. Em três horas Moro atingiu a marca de 125.000 adeptos.

Na pressão contra Moro

Um dos cotados para o potencial ministério que esvaziaria a pasta de Moro é o ex-deputado-federal Alberto Fraga (DEM-DF), um tenente-coronel da reserva da Polícia Militar que já foi condenado pela Justiça a uma pena cinco anos de prisão pelo pagamento de propina. Ele recorre da sentença em liberdade, enquanto é um dos principais conselheiros de Bolsonaro nessa área. Fraga tem acesso VIP ao gabinete presidencial e, ainda na campanha eleitoral de 2018, era apontado como um dos possíveis assessores ou ministros.

A pressão pela recriação do ministério não tem vindo apenas dos secretários, mas também dos governadores, capitaneados por Ibaneis Rocha (MDB-DF), e pelos conselhos Nacionais dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares. “Com a junção da Segurança com o MJ, houve um retrocesso. Não é pela pessoa do ministro, mas se o presidente foi eleito com essa bandeira da segurança, foi uma incongruência extinguir esse ministério”, afirmou o presidente do Maurício Teles Barbosa, secretário na Bahia.

No caso dos governadores, a principal queixa foi sobre o contingenciamento de 1,1 bilhão de reais do Fundo Nacional de Segurança Pública, uma verba que deveria ser automaticamente repassada pela União para os Estados. Essa distribuição só ocorreu depois de uma decisão judicial no fim do ano passado.

A separação, entretanto, encontra resistência até entre bolsonaristas. Um deles é o deputado Capitão Augusto (PRB-SP), presidente da Frente Parlamentar da Segurança na Câmara, a chamada “bancada da bala”. Ele foi um dos mentores do ministério na gestão Temer. Agora, diz que a divisão nesse momento seria desfavorável ao próprio governo Bolsonaro. “Ao invés de se mandar a mensagem de apoio àquele que representa o combate à corrupção, o Moro, estaríamos valorizando os corruptos e a oposição”, avaliou.

Para Augusto, o Governo Bolsonaro e o próprio ministro sofreram duras derrotas no Congresso Nacional em 2019. Entre elas estão a desidratação do pacote anticrime de Moro, a aprovação da lei de abuso de autoridade, a transferência do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF) do Ministério da Justiça para o Banco Central, além da não votação do projeto de lei que determina a prisão de condenados após condenação em segunda instância.

Entre pesquisadores também há a análise de que o momento para a cisão é inapropriado. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo, entende que tecnicamente ter um ministério próprio é o melhor para a área, mas defende que criá-lo agora poderia fortalecer alguns discursos corporativos sem a garantia de que o substituto de Moro terá a força política que ele tem. “De um lado, temos um ministro forte, com capacidade de mobilizar o Judiciário e o Legislativo. De outro temos uma insegurança sobre o que seria feito caso ele deixasse o Governo”, ponderou o diretor-executivo do Fórum, Renato Sérgio de Lima.


Fernando Gabeira: Ascensão e queda de Alvim

Predominância da visão de esquerda na cultura brasileira jamais será superada na truculência

O episódio Roberto Alvim me colheu num lugar distante dos grandes centros, em áreas sem conexão. Alegrou-me a ampla rejeição interna e externa ao seu discurso. Mas, infelizmente, Alvim não me surpreendeu.

Ele já havia apontado em artigos sua política, raiz dessa aberração, sustentando que o governo via a cultura como uma plataforma para a defesa de suas ideias. Basicamente, ele nega a autonomia da arte e a vê ora como sua aliada, ora aliada do PT. Portanto, é reduzida a propaganda partidária. E qualquer força política que tente transformar a arte em departamento de propaganda acaba fazendo dela uma divisão de seu exército. Como tinha escrito isso antes, não me surpreendeu que Alvim, com tantos outros nazistas para escolher, se tenha fixado em Goebbels. Era o ministro da Propaganda.

Ao repetir um discurso nazista, Roberto Alvim subitamente buscou um elo para as peças da engrenagem que estavam soltas. Guerra cultural, bombardeio de arte conservadora. É um todo coerente, A arte tem de ser nacional, diz ele. Num mundo cada vez mais interligado, o que significa isso?

No passado já discutimos bobagens sobre a bossa nova. Diziam que não era genuinamente brasileira, tinha influência do jazz. E o rock brasileiro conheceu a oposição contra a guitarra elétrica. Um dos filmes brasileiros mais analisados no exterior é Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, sobre o País mudando de cara, diferente da idealização das elites. Temo que um filme como esse fosse combatido pelos que defendem a ideia de que a arte seja nacional, por fugir a seus padrões. Na visão autoritária, o que não é nacional é cosmopolita, alvo de duas forças, o nazismo e o stalinismo.

Essa história de que a arte deve ser heroica é um passo para condenar os dramas do indivíduo, suas hesitações e seus fracassos, e catalogá-los como arte decadente, seja na literatura ou na pintura abstrata. Alvim não disse apenas algo escandaloso. Foi coerente e seguiu os passos lógicos da orientação geral: guerrear na cultura, formular um programa que produza heróis e patriotas. É como se sentiam muitos alemães sob o governo de Hitler.

Como há ainda tantas peças soltas que se podem ligar e produzir uma faísca como o discurso de Alvim, é fundamental contar com a resposta nacional e do exterior. Para mim, é a garantia de que em termos estratégicos esses tresloucados não vão prevalecer. Isso não significa que não possam causar grande mal, antes de sua derrota. Daí a necessidade de pensar cada vez mais numa frente democrática, superar pequenas diferenças, ressentimentos, admitir que estamos em perigo e não bastam reações pontuais.

Um dos pontos que precisam de impulso comum é o reconhecimento da autonomia da arte, que não pode ser reduzida a propaganda partidária. Aparentemente é uma tese simples. Mas na prática ainda há expectativa sobre uma arte engajada, participante e transformadora. Belas palavras, mas o que significam realmente?

Dois autores que nos anos 1960 eram considerados alienados são os que sobreviveram com mais força: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. No caso de Clarice, foi patética a resistência ao intimismo, à descrição subjetiva do mundo – tudo isso a jogava fora da história. E o curioso é que Clarice, numa grande manifestação contra a ditadura, estava lá de mãos dadas com outros artistas, no Rio.

Não que as pessoas não devam ter uma ideia de como deva ser a arte, nem que os artistas tenham de se encerrar numa torre de marfim. O diabo é querer transformar sua visão de arte numa política de governo, numa expectativa de definir seus rumos, marcar seus limites ou até transfigurá-la numa linha auxiliar de partido.

Os artistas sofreram muito sob o comunismo. Visitei o museu de Anna Akhmatova, em São Petersburgo, depois de ler uma história da cultura russa. O que ela sofreu sob o stalinismo, filho preso, bloqueio de trabalho, parece além da capacidade humana. O nazismo mandava para campos de concentração, executava, bania obras.

O princípio que os une é o mesmo: ter uma causa superior a tudo, à qual todos, principalmente os artistas, devem ser unir, sob pena de se tornarem inimigos do país que os fanáticos julgam encarnar. Isso explica como eles associam o rock and roll ao satanismo, ao aborto, dizem que Theodor Adorno escrevia as músicas dos Beatles e insultam, como Alvim, uma artista como Fernanda Montenegro. Eles estão em guerra contra o diferente, o que no fundo é contra a liberdade do artista e do indivíduo.

Creio haver uma predominância da visão de esquerda na cultura brasileira. Mas ela jamais será superada na truculência. Esta é a forma de confirmar a supremacia da esquerda: admissão de que só pode ser superada por caminhos autoritários. A única forma com possibilidade de equilibrar o jogo é o embate de ideias na cultura e a aparição de talentos nas artes.

É irreal esperar uma arte conservadora a partir do governo, ou uma arte revolucionária a partir de partidos de esquerda. Há um campo de direita mais sofisticado. Seu avanço no universo cultural pode até ser invalidado por essa visão bélica do governo. É como se Bolsonaro repetisse velha frase, de origem alemã: quando ouço falar em cultura, saco minha pistola.

Para desfazer, com o mínimo de traumas, essa teia perigosa será preciso muita habilidade coletiva. Uma frente, em certos momentos históricos, pode cumprir esse papel.


Luiz Carlos Azedo: Supremas contradições

“A ‘sombra de futuro’ do ministro Fux no STF já é maior do que a de Toffoli, que preside a Corte. Além de mudança de comando, haverá uma alteração na composição do tribunal”

O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, suspendeu, ontem, por tempo indeterminado, a implementação do chamado juiz das garantias, previsto no pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado. A decisão revoga ato também monocrático do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que adiou a implementação do novo sistema nos tribunais por 180 dias. Quatro ações questionam o tema no Supremo e são relatadas por Fux, que está encarregado do plantão do STF no recesso do Judiciário. Caberá a ele liberar o processo para a pauta do plenário. Ou seja, com o adiamento sine dia e a relatoria das ações, a implementação da decisão pode ficar para as calendas.

Fux abriu uma discussão sobre a constitucionalidade da decisão do Congresso. Segundo ele, como a figura do juiz das garantias altera o funcionamento da Justiça, a iniciativa de lei caberia ao Supremo. Fux também alegou a falta de previsão orçamentária para implementação da medida. Em 15 de janeiro, Toffoli havia estabelecido uma série de regras para a adoção do juiz das garantias. Tudo foi revogado por Fux, o que revela, mais uma vez, a profunda divisão existente no tribunal e um ambiente de imprevisibilidade em relação ao futuro de suas decisões mais polêmicas. Fux sinalizou a intenção de mudar os rumos da Corte quando assumir sua presidência efetiva, em setembro deste ano.

A “sombra de futuro” de Fux no tribunal já é maior do que a de Toffoli. Além da expectativa de mudança de comando da Corte, haverá uma alteração na composição do tribunal, com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello, em novembro. Fux pode simplesmente esperar a mudança de composição do tribunal para pôr em discussão o juiz das garantias, uma figura polêmica, criada por sugestão do ministro Alexandre de Moraes à comissão mista do Congresso que apreciou o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. O presidente Jair Bolsonaro, contrariando a posição de Moro, não vetou a decisão, que foi criticada pelos integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato.

Segundo a lei aprovada pelo Congresso, o juiz das garantias deve atuar na fase de investigação de crimes, quando forem necessárias decisões judiciais em relação a pedidos de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico; mandados de busca e apreensão; prisões temporária e preventiva ou medida cautelar. Há grande expectativa quanto ao futuro da Corte, na medida em que Bolsonaro pretende indicar para a vaga do Supremo um jurista de sua confiança política. Há muita especulação sobre isso, mas Bolsonaro já disse que pretende escolher um nome “terrivelmente evangélico”. A indicação do ministro Sérgio Moro é cada vez mais improvável.

Pato manco

Visto inicialmente como forte candidato à primeira vaga no Supremo, Moro se tornou um “presidenciável” ao longo de seu primeiro ano no governo, em razão do grande prestígio popular. É citado como candidato a presidente da República toda vez que se revelam suas divergências com Bolsonaro, como no caso do juiz das garantias, ou como vice de Bolsonaro, sempre que os dois se reaproximam. O pivô da discórdia entre ambos, porém, é o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, envolvido no caso Fabrício Queiroz, seu assessor parlamentar na Assembleia do Rio de Janeiro (Alerj), acusado de operar um caixa dois no gabinete do então deputado estadual, com recursos proveniente de parcelas dos salários de seus assessores parlamentares, a chamada “rachadinha”.

O caso Queiroz acabou aproximando o presidente da República ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, que sustou as investigações com base em dados fiscais obtidos sem autorização judicial, acolhendo habeas corpus impetrado por Flávio Bolsonaro. A liminar desgastou Toffoli e acabou revogada em plenário por ampla maioria da Corte, o que marcou um ponto de inflexão na trajetória do presidente do tribunal. A decisão tomada por Fux, ontem, praticamente transforma o presidente da Corte numa espécie de “pato manco” (lame duke), uma expressão cunhada no século XVIII pelos anglos saxões para tachar os políticos em fim de mandato, em que até o garçom, sem a presteza de antes, já serve de má vontade o café frio. Nos Estados Unidos, ela é usada até hoje em relação aos presidentes da República em fim do segundo mandato ou que correm risco de não se reelegerem, por falta de prestígio.

No caso do Supremo, porém, devido às regras de funcionamento da Corte, em qualquer circunstância, todo ministro tem muito poder. O maior deles é engavetar um processo quando é o relator. É o que Fux pode fazer para impedir a implantação do juiz das garantias e transformar Toffoli, de quem diverge em relação ao tema, num pato manco de verdade. Essa mudança na estrutura do Judiciário seria o maior legado de sua gestão.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-supremas-contradicoes/


William Waack: Momento Greta

Não se sabe o quanto a globalizada elite política, empresarial e financeira acredita em visões catastrofistas sobre meio ambiente, mas esse é um de seus temas mais discutidos, goste-se ou não.

Não acreditem em profetas do apocalipse, disse Donald Trump à fina flor do mundo político e empresarial reunido – como todo ano em janeiro – para o World Economic Forum em Davos, Suíça. Não se sabe o quanto a globalizada elite política, empresarial e financeira acredita em visões catastrofistas sobre meio ambiente, mas esse é um de seus temas mais discutidos, goste-se ou não.

E é praticamente o único assunto pelo qual é avaliada hoje a imagem do Brasil no exterior. Bom conhecedor desse público, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi à Suíça oferecer um argumento que, na sua essência, afirma que não é a busca do lucro o maior inimigo da proteção do meio ambiente em lugares como o Brasil (que precisa de seus recursos naturais para se desenvolver), mas, sim, o desespero de quem passa fome e destrói para sobreviver. Ou seja, pobreza.

A julgar pelos relatos de boa parte da imprensa internacional, o argumento de Guedes não convenceu, não importa se tem méritos. Ao contrário: alguns dos principais banqueiros internacionais sentiram-se obrigados a responder nesse mesmo evento aos gestores de grandes fundos de investimento, que anunciaram recentemente incluir um “fator de risco ambiental” (leia-se compliance por parte de grandes companhias) ao direcionar alocações de recursos.

A resposta foi uma cobrança a governos – banqueiros em momento Greta, talvez? – exigindo mais coordenação de políticas de combate a mudanças climáticas, para evitar que a “culpa” caia sobre o setor privado. Em outras palavras, também o setor financeiro está sentindo a pressão, e foi o chefe do Bank of America quem defendeu em Davos a adoção de um padrão internacional de contabilidade para averiguar como companhias privadas estão cumprindo metas fixadas em conferências sobre clima da ONU, por exemplo.

No que parece ter sido uma tática coordenada, o governo brasileiro ofereceu a apocalípticos ou não reunidos em Davos duas boias para se abraçar. Anunciou a criação de um Conselho da Amazônia chefiado por um general, o vice-presidente Hamilton Mourão, que conhece bem o lugar e também sabe como funciona um Estado-Maior. E a criação de uma Força Nacional Ambiental voltada exclusivamente para a repressão ao desmatamento da Floresta Amazônica.

Além de ser uma resposta óbvia, ainda que tardia, ao tipo de pressão internacional que o governo brasileiro de forma inepta conseguiu acelerar contra si mesmo, o anúncio oferece dois outros reconhecimentos implícitos. O primeiro é o da falta de uma instância de coordenação dos vários ministérios e órgãos do governo vinculados à Amazônia. O tal Conselho parece equivaler a uma “Casa Civil” da questão ambiental.

O segundo reconhecimento, implícito na Força Nacional, refaz o argumento de Guedes. Para qualquer pessoa com um mínimo de vivência na Amazônia, especialmente nas chamadas “zonas de fronteira” (aquelas nas quais se expande rapidamente algum tipo de atividade econômica), a chegada de contingentes populacionais cria realidades incontroláveis que duram já décadas (a degradação de vastas áreas do sul do Pará é um dos grandes exemplos). A destruição “formiguinha” torna-se formidável, e irreparável também, pela ausência do Estado.

É o que está no fundo da questão: a notória incapacidade do Estado brasileiro de dominar o próprio território e impor suas leis. O desastre de comunicação internacional na questão ambiental é marca do governo Bolsonaro, mas os avanços e recuos do desmatamento, a menor ou maior velocidade na ocupação de territórios, a força maior ou menor de atividades predatórias (especialmente extração de madeira e garimpo) parecem seguir ciclos que têm fugido ao controle de qualquer governo central brasileiro.

Pobreza ou não, o problema ambiental sempre foi o de autoridade.


Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso: Regras contra o populismo

Somente o estado de direito observado nas democracias tranquiliza empreendedores a fazer investimentos de longo prazo

A longa defasagem temporal entre a adoção de uma política econômica e a plena observação de seus efeitos constitui um dos principais impedimentos à solução de problemas econômicos estruturais, em países democráticos. Há vários sinais de que o Brasil começa a aprender como resolvê-los, mas também outros em direção contrária que são motivos de preocupação.

O enfrentamento de problemas que afligem a sociedade por décadas, não raro séculos, impõe custos políticos no curto prazo, mas seus benefícios só se tornam visíveis após decorrido um longo período desde sua implantação. Por isso, muitas reformas estruturais são sistematicamente adiadas ou, quando implantadas, acabam abandonadas. A mesma defasagem permite que políticas populistas que trazem benefícios de curto prazo, mas criam novos problemas para o futuro, levem muitos anos até que suas consequências nefastas sejam percebidas pelo eleitorado. A defasagem entre causa e efeito cria um viés que favorece o imediatismo irresponsável.

Em muitas democracias, o eleitorado leigo em assuntos econômicos, diante do grande interregno entre a implantação de uma política estrutural e a percepção de seus resultados, não enxerga a relação de causa e efeito. A incompreensão de problemas complexos é oportunistamente explorada por partidos políticos de diferentes matizes. Quando estão no poder lutam pelas reformas, mas as combatem quando se tornam oposição. O partido que promove um ajuste estrutural não apenas perde as próximas eleições, como ainda deixa a casa arrumada para que seu adversário político, que lutou contra as mesmas reformas, possa fazer um ótimo governo, alcançando a reeleição. Promover reformas estruturais é percebido como um suicídio político. A argentina constitui um caso proverbial desse fenômeno.

No Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, foi a reforma que consolidou a estabilização monetária iniciada pelo Plano Real. A LRF gerou uma década e meia de superávits primários, mas derrubou o prestígio político de FHC junto ao eleitorado que lhe havia dado duas vitórias em primeiro turno, abrindo caminho para o triunfo do PT em 2002. Este colheu os frutos das reformas que combatera duramente quando estava na oposição. A LRF foi, posteriormente, enfraquecida por Dilma Rousseff, resultando na mais prolongada recessão da história brasileira. No curto prazo aumentou sua popularidade, mas o país pagou os custos desse populismo por muitos anos.

No passado, incentivos perversos de curto prazo, como os ilustrados acima, foram oportunistamente usados até como justificativa para a supressão da democracia. A premissa era que um governo competente e bem-intencionado, desde que pudesse desconsiderar restrições político-eleitorais, conseguiria implantar as necessárias reformas sempre adiadas pelas disputas eleitorais, rompendo o ciclo vicioso do subdesenvolvimento.

A falha dessa visão está na sua premissa, pois nada garante que, na ausência das liberdades individuais asseguradas pela democracia, o poder venha a ser realmente exercido pelos tecnicamente mais competentes, muito menos que suas prioridades coincidam com as verdadeiras necessidades da população. Adicionalmente, somente o estado de direito observado nas democracias tranquiliza empreendedores a fazer investimentos de longo prazo, sem temor de mudanças abruptas e arbitrárias das regras do jogo. A Rússia de Putin é um exemplo típico de país que atrai poucos investimentos externos, devido à incerteza gerada pela ausência de um confiável estado de direito.

É perfeitamente possível conciliar eficiência econômica com democracia. Basta que se modifiquem as regras do jogo que mantêm muitos países democráticos prisioneiros do populismo de curto prazo. No Brasil, a já mencionada LRF gerou uma década em meia de estabilidade macroeconômica. A Emenda do Teto do Gastos restabeleceu a confiança dos mercados na solvência da dívida pública, propiciando a queda inédita da taxa real de juros. O modelo de agências reguladoras, cuja missão é fiscalizar o cumprimento de regras estáveis de longo prazo desconsiderando pressões eleitoreiras de curto prazo, viabilizou importantes investimentos privados. Na direção contrária, indicações políticas para essas mesmas agências e a recente intervenção do presidente Bolsonaro na discussão sobre taxação de energia solar, passando por cima da Aneel, aumentam a insegurança do ambiente de negócios, podendo mesmo inviabilizar investimentos de longo prazo.

No momento, tramitam no Congresso reformas destinadas a criar novas regras do jogo que, ao reduzir a liberdade de ação do governo de turno, viabilizam a perseguição de importantes objetivos de longo prazo. A independência operacional do Banco Central assegurada em lei, ao garantir aos mercados que a instituição não sofrerá interferência do governo, como observado na gestão Dilma Roussef, aumentará a potência da política monetária, com redução do prêmio de risco pago sob forma de juros e atenuação do ciclo econômico-eleitoral.

Outro bom exemplo é a PEC 186, alcunhada de emergencial, que não apenas propõe limites prudenciais para os gastos permanentes de estados e municípios, como fornece os instrumentos jurídico-administrativos para se observá-los. Em caso de descumprimento dos limites, governadores e prefeitos poderão reduzir em 25% a jornada de trabalho de servidores, com queda proporcional de remuneração, bem como a demitir servidores estáveis. Paradoxalmente, essas medidas extremas serão raramente aplicadas, pois os próprios sindicatos de servidores serão os primeiros a moderar pressões salariais, por temer o atingimento dos referidos limites.

Em direção contrária está o processo de privatizações. Apesar do discurso, até agora pouco foi feito, o que indica fraca vontade política. Mais ainda, a eleição de vacas sagradas a serem preservadas - Petrobrás, CEF e BB - deixa uma enorme dúvida sobre o futuro.

Apesar das melhorias de governança nessas empresas e de gestões bem mais eficientes, o que garante que uma mudança de governo no futuro, ou a mera troca de equipe econômica, não as leve de novo à corrupção, ao uso político e ao desperdício de recursos, com toda a insegurança que isso traz ao ambiente econômico?

A democracia oferece soluções criativas para os problemas que ela mesmo cria. O Brasil parece estar aprendendo as lições de seus próprios sucessos e fracassos, mas ainda há muito a ser feito para garantir um futuro com pouco espaço para populismos de direita ou esquerda.

*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
*Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV


Folha de S. Paulo: Prefiro Huck dialogando comigo do que com Bolsonaro, diz Flávio Dino

Governador do MA vê 'conjuntura de trevas' e quer frente de esquerda e centro para eleições

Thais Arbex, da Folha e Constança Rezende, do UOL

BRASÍLIA- Empenhado em construir uma frente ampla, que reúna a esquerda e partidos de centro, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), diz que, hoje, "ninguém tem força hoje para conter, sozinho, essa avalanche que está aí".

Segundo ele, para que a esquerda vença as eleições, é preciso "sentar com quem pensa diferente de você". "E não tem nada de pecaminoso."

Por isso, o governador, que se define como um "militante antibolha", diz preferir o apresentador Luciano Huck dialogando com ele do que com o presidente Jair Bolsonaro.

"O Brasil vive uma conjuntura de trevas. Nós temos uma ameaça objetiva à vida democrática, à dissolução da nação. O nazismo está entronizado como política de Estado daqui e de acolá. O vídeo desse secretário [Roberto Alvim] não é algo isolado. É preciso ter responsabilidade", afirmou ao programa de entrevistas da Folha e do UOL, em estúdio compartilhado em Brasília.

Dino se refere ao vídeo com referências ao nazismo protagonizado pelo então secretário e que levou à sua demissão.

"Eu tenho responsabilidade com o Brasil e, por isso mesmo, não fico olhando preconceitos e rótulos, porque eu sei o tamanho dessa ameaça. O que estou procurando fazer é não deixar essa tal dessa bolha se cristalizar. Isso seria ruim para o Brasil."

DEMISSÃO DE ROBERTO ALVIM
É importante assinalar que o episódio traz uma conquista civilizacional e democrática importante.

Por outro lado, é também importante destacar que a demissão do secretário é insuficiente, na medida em que não houve a revogação da concepção que embasou os anúncios que foram feitos pelo próprio presidente da República.

É fundamental que, em complemento a essa necessária atitude de demissão do secretário, que fez, na prática, apologia de um dos piores momentos da história da humanidade, haja também a revisão da política cultural no sentido de que ela não seja extremista, não seja excludente, não seja ontologicamente violenta.

FABIO WAJNGARTEN
Nós temos claramente uma situação em que há uma confusão entre o papel próprio do agente público e transações no mercado. E isso não é possível porque distorce um dos valores da nossa Constituição, que é a chamada livre concorrência.

Ora, se você tem um agente público comprometido com algumas empresas, naturalmente isso significa dizer que há objetivamente, independentemente de intenções, uma política de favorecimento de uns e prejuízos a outros.

Ou ele se livra das empresas privadas, hipótese número um, deixa de atuar no mercado diretamente ou por interposta pessoa, ou sai do governo.

O que não pode é ter a chamada porta giratória, em que o mesmo cidadão ora está dentro ora está fora.

Na medida em que até o presente momento, após a revelação dos fatos, não houve nenhuma atitude por parte de quem deveria tomar, no caso o presidente da República, é que claro que pode se configurar uma conivência com uma prática ilegal.

RELIGIÃO E POLÍTICA
A religião é algo positivo para a sociedade, é algo inerente à vida humana, desde os seus primórdios.

Eu, particularmente, tenho a minha crença religiosa e a prático e a defendo, mas claro que não é possível, em nome da chamada laicidade do Estado, que eu transforme a minha concepção religiosa em uma imposição para as outras pessoas.

Por isso, a laicidade é um mecanismo de proteção da liberdade religiosa de todos os cidadãos e de todas as igrejas.

O que estamos vendo é uma fronteira sendo ultrapassada na medida em que, por parte de alguns segmentos extremistas, há uma ideia de colonização da esfera pública por concepções religiosas unilaterais. Isso acaba sendo antidemocrático e uma violação à liberdade religiosa.

UM COMUNISTA NA PRESIDÊNCIA
Os mesmos que diziam que eu não posso concorrer à Presidência pelo PC do B são aqueles que achavam que eu jamais seria governador do Maranhão pelo PC do B.

E nós vencemos duas eleições em primeiro turno em um estado em que tive apoio de católicos, evangélicos e outras religiões. Está muito longe de ser uma verdade objetiva que isso constitui um obstáculo, e eu já testei empiricamente.

Não é verdade, nos dias de hoje, que o PC do B seja um partido antirreligioso.

Se hoje, lamentavelmente, esse preconceito ainda é repetido é por um terrível eco das heranças ditatoriais que o Brasil infelizmente carrega.

São os ecos do Doi-Codi, da Operação Bandeirante e da tortura que fazem com que esse preconceito seja alimentado. Mas ele é destituído de base objetiva.

FRENTE AMPLA
O que eu tenho defendido com a ideia da Frente Ampla é a compreensão de que, quando você está num quadro de defensiva estratégica, que é o que nós vivemos em 2013, e mais acentuadamente desde o impeachment, você tem de reunir forças para retomar as condições de apresentar o seu programa, transformá-lo [em] vitorioso e implementá-lo.

Quando você não consegue fazer isso sozinho, você busca alianças, como nós fizemos no Maranhão.

Eu reuni nove partidos em 2014 para enfrentar o político mais longevo da vida brasileira, o ex-presidente e ex-senador José Sarney [MDB].

E agora, [em 2018], para enfrentar a ex-governadora Roseana Sarney [MDB], reunimos 16 partidos exatamente porque reconhecemos que era necessário reunir forças para continuar mudando a realidade do nosso estado.

Às vezes, a gente fica preso a rótulos e esquece o conteúdo. Nós temos que olhar o conteúdo e, no conteúdo, é claro que eu vejo uma ameaça, minha gente.

O Brasil vive uma conjuntura de trevas. Nós temos uma ameaça objetiva à vida democrática, à dissolução da nação.

O nazismo está entronizado como política de Estado daqui e de acolá.

LULA
É a maior liderança popular da vida brasileira. Você pode fazer cem pesquisas e, em cem pesquisas, dará o ex-presidente Lula [PT] como, se não o melhor na visão de alguns, como um dos três melhores presidentes da vida brasileira.

Não é pouca coisa, é muita coisa. E ele está vivo. Graças a Deus.

É claro que o meu campo político se referencia na liderança do ex-presidente Lula, e por isso ele tem um papel muito grande, e espero que ele faça os movimentos necessários e cabe a ele, mais do que a mim ou qualquer outra pessoa, cabe a ele, sem dúvida, liderar esse rearranjo de forças.

2022
Só haverá uma chapa unificada [da esquerda] se a gente construir uma unidade desde já de outra forma. Não pode ser um processo atropelado em 2022.

Eu coloco como premissa, como pré-condição: nós temos que agora, em 2020, nas eleições municipais, atuar juntos no maior número de cidades quanto possível, seja em primeiro, seja em segundo turno.

Isso me refiro ao campo da esquerda, mas também à vertente liberal social-democrata da vida brasileira. Ou seja, em segundos turnos nós queremos o apoio do centro, e também apoiá-lo nas cidades em que ficarmos fora do segundo turno.

LUCIANO HUCK
Acredito que não há nenhum muro que deva ser visto como um intransponível. Agora, é preciso que as pessoas queiram.
E eu, particularmente, não tenho medo de crítica. Não preciso ficar disputando torneio de valentia.

Eu tenho coragem, tenho perspectiva, tem um lado, eu tenho seriedade, sei o que eu represento, o que eu defendo.

Sou militante da esquerda brasileira, defendo uma perspectiva social, os mais pobres, a soberania do país. Outras pessoas querem se somar a isso? É nosso papel trazer.

Eu prefiro Luciano Huck dialogando comigo do que dialogando com Bolsonaro.

Isso é elementar porque, se ele está dialogando com o outro campo, significa dizer que nós estamos alienando não apenas ele, mas, sobretudo, nós estamos afastando segmentos sociais que se sentem representados por ele.

Quando me reúno com o Fernando Henrique [Cardoso, ex-presidente], com o Luciano Huck, com o Rodrigo Maia [presidenta da Câmara e deputado pelo DEM-RJ], não estou reunido com o indivíduo. Estou mostrando que o segmento social que eu represento pode e deve dialogar com o segmento social que eles representam.

Eles possuem também legitimidade no jogo político e sempre foi assim. Não é hora de sectarismo.


El País: Fux suspende juiz de garantias e instala batalha no Supremo e com Congresso

"Transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, argumenta o ministro do STF. Presidente da Câmara lamenta decisão “desrespeitosa”

Após ser aprovada, sancionada e adiada, a criação do juiz de garantias foi, enfim, suspensa por tempo indeterminado nesta quarta-feira. O ministro Luiz Fux, atualmente vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu paralisar a implantação da inovação, revogando decisão liminar da semana passada do presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, que havia dado seis meses de prazo para a entrada em vigor da medida. “Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas", argumentou o ministro. Sua decisão agradou o ministro da Justiça, Sergio Moro, mas contrariou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e reaviva a tensão entre os poderes Legislativo e Judiciário.

O despacho de Fux, que é relator de quatro ações que tratam do assunto, foi expedido dias após ele ter assumido o comando interino do Supremo —que está em recesso— no lugar de Toffoli. O vice-presidente do Supremo derrubou liminar que havia sido concedida pelo presidente da Corte sobre o tema. "O resultado prático dessas violações constitucionais [como o ministro classifica as medidas aprovadas pelo Congresso Nacional] é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa”, escreve Fux em sua decisão.

A figura do juiz de garantias está prevista no pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional ―recentemente sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro― apesar de sugestão em contrário do ministro da Justiça, Sergio Moro, que já tinha se posicionado contra a medida. Ela estabelece que o juiz responsável por instruir e conduzir um inquérito criminal não será o mesmo que julgará o processo criminal do mesmo caso. “Sempre disse que era, com todo respeito, contra a introdução do juiz de garantias no projeto anticrime”, escreveu Moro nesta quarta em seu perfil no Twitter.

“Cumpre, portanto", segue o ministro, "elogiar a decisão do Min Fux suspendendo, no ponto, a Lei 13.964/2019. Não se trata simplesmente de ser contra ou a favor do juiz de garantias. Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão. Não pode ser feita de inopino. Complicado ainda exigir que o Judiciário corrija omissões ou imperfeições de texto recém-aprovado, como se fosse legislador positivo. Excelente ainda a ideia de realização de audiências públicas na ação perante o STF, o que na prática convida a todos para melhor debate”, finalizou Moro, destacando como Fux pretende reabrir o debate legislativo, desta vez no âmbito jurídico.

“Desnecessária e desrespeitosa”

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, protestou. “Acho que a decisão do ministro Fux é desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento brasileiro e com o Governo brasileiro, com os outros Poderes”, disse ao jornal Folha de S.Paulo. “Não podemos entrar em fevereiro com uma boa expectativa de crescimento, com o STF dando uma sinalização muito ruim para o Brasil e para os investidores estrangeiros no nosso país”, reclamou o presidente da Câmara. Segundo Maia, contudo, “o principal atacado hoje” pela decisão de Fux foi Dias Toffoli. “Eu confio no STF, confio nos seus ministros e confio principalmente na presidência do presidente Dias Toffoli, que na sua volta [do recesso] eu tenho certeza de que vai restabelecer a normalidade na relação de equilíbrio entre os Poderes”, finalizou Maia.

Na decisão em que derrubou a liminar de Toffoli, Fux disse que é preciso esperar uma análise do plenário do Supremo sobre o caso. “Nesse ponto, salvo em hipóteses excepcionais, a medida cautelar deve ser faticamente reversível, não podendo produzir, ainda que despropositadamente, fato consumado que crie dificuldades de ordem prática para a implementação da futura decisão de mérito a ser adotada pelo tribunal, qualquer que seja ela”, escreveu. “A essência desta corte repousa na colegialidade de seus julgamentos, na construção coletiva da decisão judicial e na interação entre as diversas perspectivas morais e empíricas oferecidas pelos juízes que tomam parte das deliberações. Por isso mesmo, entendo que a atuação monocrática do relator deve preservar e valorizar, tanto quanto possível, a atuação do órgão colegiado”, completou.

Não é a primeira vez que o STF suspende e se debruça sobre uma legislação aprovada pelo Congresso Nacional, mas a nova tensão vem em um momento em que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário iam conseguindo pacificar uma relação bastante conturbada nos último meses. Maia lembrou nesta quarta-feira que foi Toffoli o responsável por essa pacificação.


Luiz Carlos Azedo: Os intocáveis

”O jornalista Glenn Greenwald é acusado de associação criminosa e crime de interceptação telefônica, informática ou telemática, com objetivos não autorizados em lei”

A denúncia apresentada, ontem, pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, representa uma blindagem para a força-tarefa da Lava-Jato e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, contra acusações da oposição de abuso de autoridade na condução das investigações. O relatório da Polícia Federal sobre o caso não constatou evidências da participação do jornalista nos crimes investigados, mesmo assim, Glenn foi denunciado na Operação Spoofing, que apura invasões de celulares de autoridades. É acusado de associação criminosa e crime de interceptação telefônica, informática ou telemática, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

O Intercept, em 2019, publicou conversas atribuídas ao ministro Moro, então juiz federal, e a procuradores da Operação Lava-Jato. Glenn revelou que Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores; para o jornalista do Intercept, demonstrou parcialidade em sua atuação como juiz. Agora, o Ministério Público afirma que Glenn “auxiliou, orientou e incentivou” o grupo de hackers suspeito de ter invadido os celulares de autoridades durante o período em que os delitos foram cometidos, apesar de o relatório da Polícia Federal, em dezembro passado, concluir que “não é possível identificar a participação moral e material” do jornalista nos crimes.

O delegado da Polícia Federal Luís Flávio Zampronha, responsável pelo inquérito, fez seu relatório com base nos diálogos interceptados. Glenn é citado e participa de algumas conversas, mas não houve base para indiciá-lo: “Não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes”. O delegado explicou também que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do tipo penal, exige que o objeto material do crime deve possuir valor econômico intrínseco, o que não foi o caso.

Entretanto, o Ministério Público jogou pesado contra Glenn, com base no diálogo entre o jornalista e o hacker Luiz Henrique Molição, após a divulgação da informação de que o celular do ministro da Justiça havia sido invadido. Molição ligou para Glenn para saber o que deveria fazer com os arquivos das conversas interceptadas. Segundo a denúncia, ele “sabia que o grupo não havia encerrado a atividade criminosa e permanecia realizando condutas de invasões de dispositivos informáticos e o monitoramento ilegal de comunicações e buscou criar uma narrativa de ‘proteção à fonte’ que incentivou a continuidade delitiva”. O jornalista teria sugerido ao acusado apagar mensagens que pudesse envolvê-lo no caso: “Pra vocês, nós já salvamos todos, nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?”

Blindagem
Como se sabe, a divulgação dos diálogos dos integrantes da Operação Lava-Jato criou grande polêmica sobre a parcialidade de Moro e os métodos heterodoxos de atuação da força-tarefa, cujos integrantes reagiram ao que caracterizaram como uma tentativa de proteger os envolvidos em crimes de colarinho-branco. A polêmica chegou aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que se digladiam em torno de questões como o princípio da presunção da inocência e o trânsito em julgado. Por isso mesmo, a denúncia contra Glenn blinda a força-tarefa contra os questionamentos da oposição e da imprensa sobre os métodos utilizados por seus integrantes.

A Lava-Jato inspirou a série da Netflix O Mecanismo, de José Padilha, cujo roteiro foi baseado no livro do jornalista Vladimir Neto sobre os bastidores da operação e escandalizou os meios políticos e a própria magistratura. De certa forma, lembra também a atuação do grupo de investigadores criado nos Estados Unidos para combater a máfia italiana. O investigador durão Eliot Ness (Kevin Costner) usa de todos os meios para prender Al Capone (Robert De Niro), poderoso chefão do complexo sistema de contrabando de álcool na época da Lei Seca. Dirigido por Brian De Palma, Os Intocáveis mostra a corrupção no próprio departamento de polícia e no sistema judiciário dos Estados Unidos.

A denúncia contra Glenn também suscita um debate sobre a liberdade de imprensa, pois estabelece um novo paradigma para as reportagens investigativas, que quase sempre se baseiam em vazamentos de informações, muitas vezes, por parte de delegados e de procuradores. Entretanto, não é uma questão de fácil abordagem judicial, em razão das mudanças em curso no mundo da comunicação, com o surgimento de novas mídias, como o The Intercept, no mundo da internet, povoado de fake news. Entretanto, a liberdade de imprensa continua sendo um dos pilares do Estado democrático de direito.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-intocaveis/


Vera Magalhães: 'Cadeia de comando'

Desafios postos diante de Moro vão além da disciplina e da hierarquia: são políticos, éticos e institucionais

“Eu não contrario publicamente o presidente. Existe aí, evidentemente, uma cadeia de comando.” A frase, dita por Sérgio Moro já no primeiro bloco do programa Roda Viva, foi a tônica da entrevista do ministro da Justiça. É claro que num regime presidencialista os ministros seguem o presidente da República. Mas os desafios postos diante de Moro vão além da disciplina e da hierarquia. São políticos, éticos e institucionais.

Os políticos são óbvios, estão na mesa e tanto ele quanto o presidente os compreendem muito bem. Moro é o único a ombrear com Bolsonaro nas pesquisas hoje. O chefe não pode demiti-lo, sob pena de criar um adversário. E ele não pode sair do governo agora, sem antes traçar um caminho. O jogo de ver quem pisca primeiro continuará, e Moro parece ainda ter apetite para engolir alguns sapos.
Os conflitos éticos dizem respeito aos quase diários ataques às liberdades e às minorias por parte de Bolsonaro e de seus auxiliares.

Até quando será possível ao ex-juiz calar sobre assuntos como o atentado à produtora Porta dos Fundos e falar apenas em privado sobre absurdos como a performance nazista de Roberto Alvim? Ou silenciar quanto aos ataques à liberdade de imprensa? Não se trata, como diz ele, de ser um “comentarista-geral” da República. Mas de cumprir o papel de ministro da Justiça: o de guardião da democracia e da Constituição.

Por fim, os dilemas institucionais são os decorrentes do fato de que Moro convive no governo com acusados de irregularidades que, como juiz, não hesitaria em investigar. Isso afeta a imagem de “herói do Brasil”, hashtag que liderou o Twitter mundial durante o programa.

O ministro tem o maior cacife político do Brasil hoje. Ganha de Bolsonaro e eclipsou Lula. Resta saber o quanto desse patrimônio está disposto a queimar enquanto aguarda saber se vai para o STF ou se parte para uma candidatura. Pode parecer que há muito tempo até 2022, mas a corrosão que a exposição ao bolsonarismo é capaz de operar é incerta.

Denúncia contra Glenn é arbitrária e será rechaçada pelo STF
O enquadramento do jornalista Glenn Greenwald por interceptação ilegal de conversas telefônicas e invasão de dispositivos eletrônicos na denúncia oferecida pelo procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira contra os hackers investigados na Operação Spoofing será rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Os ministros consideram que a denúncia não prova a participação de Glenn nos crimes, pois seu contato com os hackers é posterior à sua execução. Além disso, a maioria do STF entende que a denúncia viola a garantia dada aos jornalistas pela Constituição de manter o sigilo da fonte. Por fim, ministros avaliam que o procurador contrariou decisão de Gilmar Mendes que exclui Glenn do rol de investigados da Spoofing.

Ao agir de forma corporativista, como para “vingar” os procuradores da Lava Jato, o MPF expõe ainda mais a instituição e abala a já depauperada imagem do Brasil no exterior no que diz respeito à liberdade de imprensa.


Míriam Leitão: A economia do desmatamento

Para grilar e desmatar é preciso um grande volume de capital. O governo tem que entender melhor quais são os vetores do desmatamento

Quanto custa uma motosserra? E várias delas? Quanto custam tratores, correntões, caminhões? Tudo isso é necessário para desmatar. Um método primitivo, mas muito usado, é o correntão. Ele vai arrastando as árvores, mas não funciona sem tratores. São necessários dois, um de cada lado. Quanto custam dois tratores? Depois, é preciso ter caminhões para transportar as toras até o consumo. Mas, antes, é necessário ter uma escavadeira hidráulica com garra de metal para empilhar as toras nos caminhões. Capangas armados ocupam a terra que está sendo grilada. Fazem isso a soldo. De quem? Documentos são esquentados, como as guias de transportes. São comprados títulos falsos de propriedade. O ministro Paulo Guedes disse em Davos que “o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza” e que “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”. Não é a pobreza que desmata. Para grilar e desmatar é preciso capital. Muito capital.

O ministro estava num debate sobre outro assunto. Era um painel sobre indústria avançada e o uso de recursos naturais. Paulo Guedes, segundo explicou depois, defendia a tese de que os países de economia avançada derrubaram florestas para escapar da pobreza. Mas essa ideia de que, como disse, “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer” já foi dita algumas vezes pelo ministro do Meio Ambiente. É uma avaliação errada dos vetores reais do desmatamento.

No ano passado foram desmatados quase 10 mil km2 só na Amazônia, numa alta de 30%, segundo o Prodes, do Inpe. E aumentaram as queimadas. Há muitos estudos provando a correlação direta entre o aumento do desmatamento e o das queimadas. Não houve um surto de alta da pobreza que explicasse o que aconteceu em 2019. O que houve foram sinais do governo de que o crime não seria combatido. E qualquer economia, até a do crime, é estimulada por sinais e expectativas.

Movimentar essa cadeia do crime, montar as conexões, ocupar a terra com pastagem, esquentar o documento para vender, tudo isso exige um enorme investimento. Quando o governo combate o crime e impõe o império da lei, o risco fica mais alto e o retorno do capital, mais incerto. Neste cenário, há uma redução do incentivo e a taxa do crime cai. As leis econômicas, sempre elas, determinam alta e queda da destruição ambiental. Uma forma de combater o crime é pegar todo aquele material — motosserras, caminhões, tratores, escavadeiras — e apreender ou destruir. Isso aumenta o prejuízo do criminoso, mas agora está proibido pelo presidente da República.

O ministro disse que a pobreza é o pior inimigo do meio ambiente. Deve-se combater a pobreza por inúmeros motivos, mas é preciso inverter o entendimento do fato. O pobre é a grande vítima da destruição do meio ambiente. Ele é recrutado como mão de obra em trabalho degradante, depois é ele que vive os efeitos da degradação da terra, da água e do ar. A falta de saneamento contamina principalmente as regiões onde moram os pobres. Os lixões se acumulam é nas periferias. Nos extremos climáticos são os pobres os mais afetados. Eles não são os agentes da destruição ambiental. São suas primeiras vítimas.

A criação do Conselho da Amazônia pode ajudar, principalmente se levar para o governo informações que o ilustrem sobre a verdadeira origem das redes de ilegalidade na Amazônia e afastem os mitos que têm dominado as declarações oficiais sobre o assunto. O Conselho será mais eficiente se não for feito para atender às teorias conspiratórias que mobilizam o governo Bolsonaro. Foi anunciada também a criação da Força Nacional Ambiental. Ela precisará de orçamento. Mas esta é a administração que cortou orçamento do Ibama e do ICMBio, que limitou as ações preventivas e as operações de comando e controle nas regiões vulneráveis.

É urgente que este governo conclua o período de noviciado e entenda o que se passa na Amazônia, para deter o aumento do desmatamento. Primeiro, para impedir a destruição de riqueza coletiva. Segundo, porque o mundo mudou, como se pode constatar em todos os relatórios que foram feitos por instituições financeiras para o Fórum Econômico Mundial. O assunto deixou o terreno da retórica para ser determinante da alocação de recursos dos grandes investidores.


Cristiano Romero: O grande risco

Espera-se que Bolsonaro não ameace cumprimento da agenda econômica defendida hoje pela maioria dos brasileiros

Em julho de 2015, o economista Nilson Teixeira fez uma profecia terrível: a recessão que atingira o país no segundo trimestre do ano anterior seria a mais longa da história e a recuperação, a mais lenta. Infelizmente, acertou. A “Grande Recessão” durou três anos (2014/16) e registrou contração do PIB de 6,2%. A recuperação tem sido medíocre: entre 2017 e 2019, o crescimento acumulado pode ter sido de apenas 3,8%, muito inferior, portanto, à queda ocorrida no triênio anterior.

Economista-chefe do Credit Suisse quando fez o vaticínio, Nilson, hoje sócio da gestora Macro Capital, e sua equipe projetaram números menos pessimistas que os revelados mais tarde pela realidade. Ainda assim, a previsão contrariava a tradição da economia brasileira, de recuperação rápida de crises. A severa crise fiscal, um governo fraco e sem nenhuma intenção de promover reformas e corrigir os erros que provocaram a “Grande Recessão” compunham um quadro tão desolador que a superação levaria tempo.

Ninguém esperava, porém, que o PIB fosse recuar 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Nos últimos três anos, o crescimento foi desanimador, contrariando as expectativas da maioria dos analistas - de 1,3% em 2017 e 2018 e de 1,16% em 2019, considerando para o ano passado a mediana das expectativas do mercado captadas pelo Banco Central.

O gráfico abaixo mostra que, em termos de crescimento econômico, a segunda década deste século foi perdida. Não foi à toa que os brasileiros respaldaram dois movimentos políticos: o primeiro, em 2016, de apoiar nas ruas o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT); o seguinte, eleger o candidato que se apresentou bem cedo, nas redes sociais, como o anti-PT, o político que revogaria as políticas que afundaram o Brasil na crise mais longa e profunda de sua história.

Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que, para tirar um presidente do cargo na nossa democracia é preciso cumprir três condições (não basta apenas uma delas): ter apoio das ruas (manifestações populares demonstrando insatisfação), maioria de votos no Congresso e pelo menos uma razão de natureza técnico-jurídica que justifique o questionamento do chefe do Executivo. Essas condições estiveram presentes tanto no impeachment de Fernando Collor, em 1992, quanto de Dilma, em 2016.

Ao apoiarem a queda de Dilma, as ruas deixaram claro que, neste momento, apoiam agenda oposta à da ex-presidente. Mesmo tendo sido eleita pela extraordinária popularidade de seu antecessor e então mentor (Lula), Dilma abandonou a política econômica que herdou dele. Desta forma, rompeu com o consenso que vigorava na área econômica desde 1999, desde o início do segundo mandato de FHC. Abraçou o populismo fiscal sem constrangimento e, em 2015, reeleita com dificuldade e prometendo aprofundar o que já tinha dado errado, esboçou correção de rumo ao adotar política fiscal austera, contrariando o que prometera a seus eleitores. Mas, logo, à semelhança do escorpião da fábula, voltou ao seu normal, desistiu do ajuste, rompeu com aliados e foi destituída do cargo.

O capital político do vice Michel Temer, que assumiu a Presidência em maio de 2016, era implantar a agenda anti-Dilma. Em pouco tempo, reformas que se diziam impossíveis, como a fixação de um teto para o aumento dos gastos da União, foram aprovadas no Congresso. No meio do caminho, entretanto, Temer perdeu seu capital político no episódio da gravação de diálogo embaraçoso com o empresário Joesley Batista, mas isso, ao contrário do que imaginou a elite política do país, não abalou o apoio da população à agenda econômica adotada desde a queda de Dilma.

Essa agenda não é de um grupo político específico, à direita do espectro partidário. Ela é necessária, urgente, absolutamente racional, de quem tem um mínimo de consciência, ética e responsabilidade em relação ao contrato social que rege ou deveria reger a vida dos mais de 200 milhões de viventes da Ilha de Vera Cruz. Dos presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, cinco abraçaram essa agenda de uma forma ou outra, deixando Dilma na incômoda posição de exceção, o que só agrava sua avaliação.

Jair Bolsonaro, deputado de uma nota só (a defesa dos interesses corporativistas dos militares), percebeu isso, mas Geraldo Alckmin, do PSDB, e Fernando Haddad, do PT, não. O tucano nunca fez oposição aguerrida ao PT nem defendeu o receituário econômico com que FHC, a maior liderança de seu partido, governou o país de 1995 a 2002. O petista defendeu em sua campanha os anacronismos perpetrados pelas políticas da presidente deposta, o que leva a crer que Lula, sabido que só ele, colocou Haddad na disputa porque, claro, sabia que ele trataria de ser derrotado.

Setores da esquerda brasileira que ainda não superaram a Queda do Muro logo trataram de rotular a agenda em vigor de liberal. É uma forma de constranger formadores de opinião porque, no Brasil, lucro é coisa do cão babão.

Bolsonaro é um presidente que incomoda bastante, mas muito mesmo, quem preza por uma sociedade civilizada, que não tolera discriminação de qualquer espécie, inclusive, porque é isso o que prescreve a Constituição de 1988. Incomoda seu excesso de gesticulação na área ambiental, onde o Brasil, desde a Rio 92, se destacou como um ator crucial. Incomoda com seu discurso em defesa do uso de armas e que tais. Espera-se que tudo isso e muito mais não ameacem o cumprimento da agenda econômica defendida hoje pela maioria dos brasileiros.