destaque

Luiz Carlos Azedo: Tempos do coronavírus

“O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações”

O governo já iniciou a operação para repatriar 29 brasileiros que estão na região de Wuhan, na China, e deverão chegar à Base Aérea de Anápolis (GO) no sábado. Os que tiverem sintomas da doença serão conduzidos diretamente para o Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Essa operação é um prenúncio de tempos que poderão ser difíceis para o Brasil, não necessariamente por causa dessas pessoas, ou mesmo dos 14 casos suspeitos em observação no país, mas em razão do impacto que a epidemia em curso na China terá na economia mundial, caso não seja debelada rapidamente.

O acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que estabelece relações especiais fora das regras do jogo da Organização Mundial de Comércio (OMC), deve impactar as exportações brasileiras para a China, numa escala que ainda não é mensurável. A redução da atividade econômica chinesa, em razão da epidemia, pode agravar o impacto do acordo no agronegócio e na mineração, que são atividades nas quais a parceria com a China é estratégica. A queda na produção industrial brasileira, no ano passado, por outro lado, refletiu a crise em países da América Latina que tradicionalmente importavam produtos industrializados do Brasil, sobretudo a Argentina.

Essas externalidades precisam ser compensadas para que a economia brasileira volte a crescer. São duas as variáveis necessárias. Uma é o aporte de investimentos estrangeiros, o que depende da aprovação do marco regulatório das concessões e parcerias público privadas. Sem esse marco, o programa de privatizações e concessões do governo não terá a segurança jurídica necessária para atrair esses recursos. A outra é a ampliação do poder de compra da população, que depende da oferta de crédito, uma vez que não haverá aumento da renda de imediato. Não é uma equação fácil.

O governo aposta todas as fichas na agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, que depende da aprovação do Congresso. Em tese, não existe grande objeção dos parlamentares à agenda, mas o tempo é exíguo. O começo da legislatura na segunda-feira e ontem foi meio melancólico, com o Congresso esvaziado. O clima é de pré-carnaval. O governo também não tem capacidade de articulação política suficiente para impor um ritmo diferente aos trabalhos do Congresso, que funciona no seu próprio diapasão.

O grande problema para o Congresso entrar em velocidade máxima são as eleições municipais, cujas articulações já estão começando e deverão se acelerar a partir de abril, com abertura do prazo de filiações partidárias. O que está antecipando essas articulações é a mudança das regras eleitorais, pois todos os partidos estão sendo obrigados a montar chapas proporcionais e a lançar o maior número possível de candidatos a prefeito, com o fim das coligações.

Quarentena
Existe também um certo nível de imponderabilidade em razão do próprio governo Bolsonaro, que fabrica crises de combustão espontânea, a mais recente na Casa Civil, onde o ministro Onyx Lorenzoni passa por um processo de contínua fritura, sem falar na estratégia de confronto adotada em algumas áreas, na qual pontifica o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é foco permanente de fricção política com o Congresso. Para muitos analistas, as diatribes políticas da ala ideológica do governo e até do presidente Jair Bolsonaro são fatores perturbadores do ambiente econômico.

Esse comportamento contrasta com a atuação de outros ministros que têm amplo trânsito no Congresso, como Tereza Cristina, da Agricultura; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; e Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, que rapidamente mobilizou seus aliados no Congresso para aprovar a medida provisória com normas de emergência para enfrentar a ameaça de epidemia de coronavírus, relatada pela deputada Carmem Zanotto (Cidadania-SC) e aprovada ontem à noite pela Câmara, numa tramitação relâmpago. A MP autoriza a realização de quarentenas e outras medidas compulsórias para evitar que a epidemia se instale no Brasil.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tempos-do-coronavirus/


Carlos Melo: Riscos à democracia e realinhamento político

Riscos de exaustão dos freios democráticos provém também da sociedade. País carece realinhamentos políticos e alianças

O simples debate a respeito dos riscos à democracia é eloquente sinal do sentimento de parte do país. Num regime consolidado não há dúvida: tudo está sob o controle das leis; a liberdade não é apenas formal, imprensa e grupos de comunicação não são perseguidos nem favorecidos; não se apela à intervenções militares, nem se questiona o sistema de freios e contrapesos do país. Como observou Cláudio Couto, a erosão democrática não se dá aos saltos, mas dia após dia; submetidas a testes frequentes, também as instituições vão à fadiga.

É fato que, no Brasil, o esdrúxulo saltou do noticiário; sucedido por desculpas, repete um deliberado e entediante ciclo de ataques. O acintoso e o patético chocam cada vez menos; o país está anestesiado ou a desesperança venceu. O Legislativo, sim, tem exercido suas prerrogativas; é positivo, mas parece depender de arrimos e fiadores políticos, o que é precário. Já o Executivo, inábil em quase tudo, confunde o público com o privado e familiar. Pleno de conflitos, o Supremo já não consegue dissimular alinhamentos e disputas.

Seria menos preocupante se importantes instituições não fossem lentamente aparelhadas. Política Externa, Meio Ambiente, Educação, Ministério Público, Polícias Federal e Militares, Poder Judiciário e até as Religiões foram envolvidas em projetos de poder. É clara a instrumentalização daquilo que deveria ser impessoal e laico, o Estado.

Mas, de toda sorte, o debate acadêmico está posto por gente qualificada que esgrime bons argumentos a favor ou contra, incorretamente taxados de “otimistas” ou “pessimistas”. Todavia, o deixemos de lado: aqui, cumpre buscar as raízes dos tais riscos. Elas não estão apenas no bolsonarismo, residem também no silêncio e apatia da sociedade, na canibalização de setores democráticos, nos vetos cruzados de movimentos identitários, na ineficácia das lideranças políticas e na dificuldade de o país se reinventar.

A outrora chamada sociedade civil carrega culpas e responsabilidades. A dois anos da eleição, atores se precipitam aos palanques e a plateia se organiza como nos clássicos de futebol: torcidas indóceis, redes sociais que indicam que o país perdeu a elegância e a civilidade. A começar, pelos gritos, a dificuldade de ouvir, estabelecer diálogos e consensos - elementos da arte democrática.

Parte disto se deu em virtude da longa polarização PT/PSDB que, ao final, somou zero atingindo-os mutuamente. Quando se viu, o PSDB já era a direita atropelada pelo bolsonarismo; mutilado de guerra, o PT recolhe-se ao gueto da soberba e do ressentimento. Em paralelo, o centro emedebista sucumbiu ao fisiologismo e aos escândalos em pencas da era Temer. Desorganizado o sistema, a fúria eleitoral de 2018 plantou populismo autoritário e colheu política vazia.

Novos atores tentam emergir do naufrágio. Mas o cenário ainda é pouco promissor: pontes foram queimadas e canais obstruídos. Setores antes afeitos à democracia fecham-se em bolhas. Sem coordenação, interesses específicos se descolam do interesse geral: o velho patrimonialismo campeia e dá vida a novos tipos de corporativismo. Míope, o mercado se basta ao “traderismo” viciado em ganhos e vantagens de curto prazo. Desconhece-se que a democracia é a única forma politicamente sustentável de aprovação e implantação de agendas econômicas.

Noutra ponta, movimentos identitários de justas bandeiras fecham-se em si, ignorando princípios e valores mais amplos, como a necessária unidade política e a democracia como ação coletiva. Luta-se bravamente em vários campos, mas quase sempre de forma isolada, com vetos cruzados de autoritários “lugares de fala”. Também aqui soma-se zero, o que parece ser característico desta quadra histórica.

Enfim, uma marcha para a insensatez tem resultado numa estrada de riscos que sobrecarregam os freios democráticos. Desenvolvimento econômico, bem-estar social, liberdade política, nada disso se fará sem coordenação e cooperação, num sistema destinado à fragmentação e à dispersão. Ambientes de soma zero são assim: deixam todos descontentes e semeiam o canibalismo político. Até que se perceba que todos perdem, todos já perderam de fato.

A pacificação política não é arco-íris pós-tempestades, nem resultado óbvio do crescimento econômico. No longo prazo, o crescimento efêmero pode até agravar conflitos e tornar a comprometer economia. Ilude-se quem acredita que o mundo vive mais um trivial ciclo político ou econômico. Há mudança econômica estrutural, exclusão social e contestação planetária à democracia, com abalos políticos evidentes; basta ter olhos de ver.

No Brasil, setores que estiveram juntos na oposição ao regime autoritário e na transição democrática vivem hoje em discórdia, sob um risco comum. Há miopia e mesquinhez eleitoral. E pouca responsabilidade. A esfera democrática - ou pelo menos a sua defesa - não será assegurada sem realinhamentos políticos e a construção um arco de alianças cuja abrangência se dê do centro democrático liberal à esquerda igualmente democrática e progressista, aberto a quem mais aderir ao trinômio “democracia, políticas públicas e equilíbrio fiscal”.

Já não há Ulysses, Tancredo, tampouco há Nelson Mandela brasileiro - redentor ou mito, não importa. O processo construirá novas referências, mas não cabe idealizá-las. Antes, a sociedade política terá que se recompor e caminhar com aquilo que possui: cidadãos que à parte dos partidos se indagam sobre os riscos à democracia; que calculando perdas fundamentais convencem-se a forçar lideranças de que sentarem-se em torno de mesma mesa é o melhor a fazer - até para que ninguém se aventure a virá-la.

*Carlos Melo é cientista político e professor do Insper


El País: Brasil retrocede na luta contra a corrupção apesar do discurso de Bolsonaro

Transparência Internacional critica interferências políticas em nomeações e destituições em postos fundamentais de controle. OCDE criticou país após missão em novembro

discurso de batalha implacável contra a corrupção e renovação radical da classe política foi fundamental para que os brasileiros dessem a vitória ao até então irrelevante deputado Jair Bolsonaro. Por isso convidou o idolatrado juiz Sergio Moro ao Governo como ministro. Mas as vagas promessas eleitorais do ultradireitista nesse âmbito não se concretizaram em avanços em seu primeiro ano como presidente. Pelo contrário. Os retrocessos por parte do Executivo, mas também do Poder Judiciário e do Legislativo, são de tal calibre que a OCDE, o clube dos países ricos no qual o Brasil quer entrar, enviou uma missão ao país em novembro.

Uma das decisões brasileiras que mais alarmaram o clube dos países ricos foi tomada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal em resposta a um recurso do primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, investigado por peculato e lavagem de dinheiro. Antonio Dias Toffoli limitou o uso nas investigações de informações obtidas pelo órgão público que luta contra a lavagem de dinheiro (Coaf), uma sentença que paralisou as investigações sobre o caso de Flávio e outros 900. “Teve um impacto sistêmico, praticamente paralisou o sistema de combate à lavagem de dinheiro durante meio ano”, diz em uma entrevista Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil. A decisão do magistrado foi revogada por seus colegas do Supremo no final do ano, quando foi debatida em plenário.

O grupo de trabalho contra as propinas da OCDE divulgou, após sua visita em novembro, um curto, mas contundente comunicado, reflexo de uma profunda preocupação compartilhada pelos representantes europeus em Brasília: “Estamos muito alarmados pelo fato de que tudo o que o Brasil conquistou nos últimos anos na luta contra a corrupção possa agora estar seriamente comprometido”. A missão acrescentou que o Brasil deveria reforçar os mecanismos anticorrupção, “não os enfraquecer”.

O Brasil tirou novamente a pior nota da série histórica no exame da percepção da corrupção no mundo recentemente publicado pela Transparência Internacional. Seus 35 pontos —os mesmos de 2018— o colocam na 106° posição em uma lista que tem a Dinamarca no topo. “Apesar do discurso e das promessas de grande renovação por parte do presidente, deputados e senadores, 2019 foi péssimo em termos de reformas contra a corrupção”, segundo Brandão, chefe da ONG no Brasil. Uma das maiores contradições de Bolsonaro, segundo o representante da Transparência, é sua aberta hostilidade contra a imprensa e a sociedade civil, cuja força é fundamental para reduzir a corrupção.

O temor de que o Brasil emperre seus enormes avanços nos últimos anos contra a arraigada corrupção que lubrificava as relações entre a política e o empresariado é maior no estrangeiro do que no Brasil, onde a polarização política também contamina esse assunto. Levantamento da CNT/MDA feito em janeiro mostrou leve recuperação da aprovação de Bolsonaro e também revelou que 46,8% entendem que a corrupção diminuiu em 2019 em relação aos últimos Governos —uma percepção positiva, ainda que as manobras de Bolsonaro para proteger seu filho causem receio em parte de seus eleitores.

PF, Coaf e investigação contra secretário de Comunicação

Brandão frisa que os três poderes tomaram decisões que significam retrocessos graves. O pior do Governo, afirma, são as interferências políticas em nomeações e destituições em postos fundamentais na luta contra a corrupção. Bolsonaro, por exemplo, rompeu a tradição de nomear o procurador-geral da República entre a trinca eleita pelos interantes do Ministério Público Federal, trocou o chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro (justamente a cidade em que seu filho é investigado) e o chefe da Coaf, que persegue a lavagem de dinheiro. Critica o Congresso por sua aprovação da ampliação do fundo para financiar campanhas eleitorais e enfraquecer os sistemas para fiscalizá-lo e o Judiciário, principalmente, por haver paralisado as investigações contra a lavagem de dinheiro, também em perseguição ao crime organizado.

Ainda que elogie a contratação de 1.200 novos policiais e outros avanços, a Transparência Internacional critica que o presidente mantenha em seus cargos o ministro do Turismo e o líder do Governo do Senado, ambos investigados por corrupção. O presidente também decidiu manter no cargo, até o momento, o secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten. A Polícia Federal instaurou, a pedido do Ministério Público Federal, um inquérito para apurar se o secretário cometeu os crimes de corrupção passiva e peculato (desvio de recursos públicos feito por para proveito pessoal ou alheio). A investigação veio depois que o jornal Folha de S.Paulo revelou que a empresa da qual Wajngarten detém 95% das ações, a FW Comunicação, recebe dinheiro de pelo menos duas emissoras de TV (Record e Band) e de três agências de publicidade contratadas pela Secom, por ministérios e por estatais federais.

A Transparência também destaca que a Operação Lava Jato foi notícia no ano que passou mais pelas revelações jornalísticas que colocam em dúvida a imparcialidade do à época juiz Sergio Moro e dos promotores do que pelos novos 29 casos com 150 acusados que revelou e os 4 bilhões de reais que recuperou. As informações elaboradas a partir de arquivos obtidos pelo The Intercept Brasil junto com os principais veículos da imprensa do Brasil, incluindo o EL PAÍS, revelam uma chamativa proximidade entre juiz e Procuradoria. Uma consequência foi colocar o foco em um sistema em que o juiz que instruiu o caso é quem o julga. Para separar as duas funções e dar a elas maior independência, foi recém-aprovada uma lei que cria a figura do juiz de garantias. A medida, no entanto, está suspensa pelo STF.


Luiz Carlos Azedo: Imposto do desemprego

“O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego”

Na mensagem enviada ao Congresso Nacional, ontem, o presidente Jair Bolsonaro anunciou suas prioridades para 2020, focadas na agenda econômica: reforma tributária, MP do Contribuinte Legal, independência do Banco Central, privatização da Eletrobras, promoção do equilíbrio fiscal e novo marco regulatório do saneamento. As propostas foram bem recebidas no Congresso, que começou o ano politicamente esvaziado. O ministro da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni, cuja pasta foi esvaziada, fez uma entrega protocolar da mensagem. Bolsonaro estava em São Paulo, com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, outro que anda em baixa no governo, para inaugurar um colégio militar.

A única proposta de caráter social entre as prioridades do governo é o Programa Verde Amarelo, cujo objetivo é combater o desemprego. O grande jabuti é o desconto de 7,5% de contribuição no seguro-desemprego. Lançada em novembro passado, a proposta já está sendo ironizada no Congresso, onde é chamada de imposto do desemprego, e deve ser rechaçada pela Câmara, ainda mais num ano eleitoral, como aconteceu com outras propostas do ministro da Economia, Paulo Guedes, como a recriação da contribuição sobre operações financeiras e o chamado “imposto do pecado”, a supertaxação do cigarro e da bebida, rechaçada pelo próprio presidente Bolsonaro.

O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego, que possibilitaria uma arrecadação de R$ 12 bilhões em cinco anos. Em compensação, o período de recebimento do seguro-desemprego passaria a contar para a aposentadoria. O Programa Verde Amarelo mira o desemprego, com regras que flexibilizam a legislação em relação ao trabalho aos domingos e feriados, às férias e ao 13% salário. É destinado a trabalhadores que recebam até 1,5 salário-mínimo, em contratos de 2 anos. Estima-se que 500 mil pessoas poderão ser contratadas com a mudança.

Outra proposta do programa é a concessão de R$ 40 bilhões para até 10 milhões em microcrédito, destinados a pequenos empreendedores. De acordo com o governo, os recursos serão direcionados à população de baixa renda, aos “desbancarizados” e aos pequenos empreendedores formais e informais. Outra meta é reinserir no mercado de trabalho 1 milhão de pessoas afastadas por incapacidade, pela via da reabilitação física e habilitação profissional. Também está prevista a contratação de 380 mil pessoas com necessidades especiais.

Coronavírus
O governo está levando a sério a ameça de epidemia de coronavírus chegar ao Brasil, que já tem 14 pessoas infectadas. Ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou que o Brasil, mesmo sem casos confirmados de infectados com coronavírus, vai reconhecer estado de emergência em saúde pública. A medida pode viabilizar a retirada dos brasileiros que estão na província de Wuhan, na China, o epicentro da epidemia, que está isolada. De acordo com o Ministério da Saúde, a escolha do local onde será a quarentena dos brasileiros trazidos da China ficará a critério do Ministério da Defesa. Provavelmente, uma base militar, em Florianópolis, em Santa Catarina, ou em Anápolis, em Goiás.

O ministro cita três razões para a quarentena: primeiro, a cidade de Wuhan escolheu fazer um isolamento. Quando se entra em um local de quarentena, se mantém em estado de quarentena. Segundo, lá estão concentrados 67% de todos os casos. Terceiro, quando se traz pessoas de várias regiões do país, elas seriam espalhadas para vários estados do Brasil, daí a necessidade de manter todos eles juntos. O ministro não falou, mas existe uma quarta razão: o sistema hospitalar no Brasil não está em condições de enfrentar uma situação na qual o vírus seja transferido de pessoa a pessoa, seria uma tragédia sem igual, desde a gripe espanhola. A saída é aumentar a vigilância epidemiológica nos aeroportos e portos e isolar os casos suspeitos imediatamente.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-imposto-do-desemprego/


Ana Carla Abrão: Primeiro dia do resto das nossas vidas

Após os longos dias de recesso, o que se espera é a retomada das reformas

O ano legislativo começou ontem (mas de fato hoje). Após os longos dias de recesso, o que se espera é a retomada da agenda de reformas, numa ansiedade que se divide entre o ritmo e a ordem de prioridade que será dada às reformas que já estão no Congresso Nacional e às outras que o governo promete apresentar nos próximos dias.

As três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que chegaram ao Senado Federal no final do ano passado precisam ser apreciadas e urgentemente discutidas e votadas. Uma delas até atende pelo nome de “emergencial”, tamanha a necessidade que se tem de que seus dispositivos sejam discutidos e aprovados rapidamente. Afinal, será essa PEC a responsável por definir um outro padrão fiscal, exigindo mais responsabilidade e zelo com os gastos públicos no âmbito do governo federal, mas principalmente por Estados e municípios em casos de emergência fiscal – situação em que se encontra boa parte dos entes subnacionais brasileiros.

No mesmo pacote estão a PEC dos Fundos e a PEC do Pacto Federativo. A primeira traz alguma flexibilidade (e racionalidade) ao já conhecido excesso de vinculações dos recursos públicos. São tantos fundos com tantos recursos carimbados, que ao final sobra dinheiro em alguns potes enquanto falta em outros. Como resultado, tem-se um descolamento entre as necessidades da população e a disponibilidade de recursos que gera, ao final, um grande desperdício de recursos em detrimento do atendimento de necessidades básicas lá na ponta, onde as demandas da população estão.

Finalmente, a PEC do Pacto Federativo deverá iniciar sua tramitação ajustando expectativas. Ao longo de mais de uma década, revisar o Pacto Federativo era sinônimo de uma única coisa: distribuir mais recursos para Estados e municípios – obviamente sem nenhuma contrapartida. A PEC apresentada pelo governo parte de outro conceito – até porque, a distribuição de recursos já se deu, com a cessão onerosa garantindo um fôlego aos subnacionais no apagar das luzes de 2019 – e sem contrapartidas. Embora também acene com alguma descentralização de recursos (repartição das rendas do petróleo), a maior parte dos dispositivos dessa corajosa PEC, trata da maior independência – mas também de muito mais responsabilidade, por parte de Estados e municípios. Se aprovada conforme foi proposta, mesmo que não na sua totalidade, esse novo pacto federativo corrige boa parte das distorções e liberalidades que levaram ao colapso a grande maioria dos entes subnacionais brasileiros.

Mas há bem mais do que isso na fila do Congresso Nacional de 2020. Conforme promessa do governo, estão batendo à porta do Parlamento as propostas de Reforma Administrativa e de Reforma Tributária. A primeira finalmente coloca em pauta o debate fundamental da melhora dos serviços públicos e da eficiência da máquina. Antes tarde do que nunca! A segunda, agora mais tímida (e realista), deve focar na unificação dos impostos federais. Mas há também projetos de lei de extrema relevância em outras áreas, quicando ali na área e só esperando sua vez chegar: ainda no fiscal, o Plano Mansueto anda meio empacado e precisa ressuscitar pois as mazelas de Estados quebrados continuam aí.

Já se fala também em revisão do Regime de Recuperação Fiscal, mais um projeto de lei a atravessar, caso venha. No campo da política monetária e sistema financeiro, a independência do Banco Central parece um debate já maduro. Adicionalmente, a revisão da Lei de Recuperação de Empresas, a nova Lei de Resoluções Bancárias e a nova legislação cambial são avanços institucionais muito importantes que precisam andar. No campo da educação, há o novo Fundeb, que travou com uma proposta inicial inviável e que agora deverá ganhar novos contornos. Finalmente, e não menos importante, há o novo marco do saneamento, urgente para um país que não consegue prover o mais básico dos serviços à grande parte da sua população.

Uma agenda cheia, sem dúvida. Para um Congresso reformista, acreditamos. Como no filme que inspira o título desta coluna – do qual apenas alguns leitores mais velhos se lembrarão, findada a adolescência, quiçá estejamos vivendo hoje o primeiro dia da nossa transição para um pais institucionalmente mais adulto. Se é realidade ou excesso de otimismo desta colunista, somente o andar das propostas do governo e o avanço da agenda legislativa de 2020 poderão dizer.

* Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman.


Pedro Fernando Nery: Crentefobia

Evangélicos ainda parecem muito longe de obter os privilégios da Igreja Católica

Amanpour é uma das mais reconhecidas jornalistas do mundo. Seu programa na americana PBS recebeu no sábado Petra Costa, nossa documentarista buscando o Oscar para 'Democracia em Vertigem'. Petra relacionou a eleição de Bolsonaro a “enormes ondas de evangélicos que são contra os direitos dos gays, feminismo e pessoas de cor”. A apenas 3 dias das eleições Bolsonaro passou a crescer “exponencialmente”. É que fake news sobre rituais satânicos e bebê-diabo envolvendo a vice de Haddad teriam feito muitos mudar o voto no último minuto: “Ninguém sabia que havia uma onda”.

Para Petra, os evangélicos parecem ser uma massa de zumbis preconceituosos e manipuláveis. Como esses idiotas podem votar, estão ameaçando a democracia.

*
Uma menina estuprada por anos decidiu se matar. Subiu em uma árvore para ingerir veneno, mas uma experiência religiosa (ou “um amigo imaginário” segundo ela) a faz desistir e sobreviver. O relato novamente é ridicularizado, agora em uma marchinha de carnaval, festejada por feministas como Zélia Duncan. Mexeu com uma, mexeu com todas. Mexeu com Damares, vamos mexer também. Ainda nos últimos dias, o advogado Kakay atacou com grosserias a ministra por suas ideias, aproveitando para ofender seus pais.

O machismo do bem é liberado, porque a ministra tem um defeito insanável: Damares é crente.

*
Fora da bolha das nossas elites intelectuais, Damares é a ministra mais popular do governo depois de Moro. Pesquisas sérias se dedicam a entender o grupo que ela representa, as tais “enormes ondas de evangélicos”.

José Eustáquio, do IBGE, projeta que nesta década eles ultrapassarão os católicos na população. Estão sobrerepresentados entre eles os jovens, as mulheres, os negros. Ou “pessoas de cor”, e Petra criou as mulheres negras racistas e antifeministas.

Já estudo publicado ano passado na Review of Social Economy mostra que os evangélicos pentecostais ganham menos do que os católicos com o mesmo nível de escolaridade e experiência: o gap é maior para as mulheres, de 6%. O economista Luan Bernardelli, um dos autores, não descarta que preconceito possa explicar a diferença, e aponta haver ainda muitas lacunas para pesquisas investigarem.
*
O sociólogo de coque acha bacana o primeiro-ministro do Canadá fazer história nomeando muçulmanos, hindus e siques para seu ministério, mas ai de uma minoria religiosa ocupar espaços no Brasil. Para parte dos progressistas brasileiros, é descolado ser intolerante com uma religião com maiores proporções de pobres, negros, mulheres e jovens – categorias que há pouco tempo ensejavam representatividade. Essa intelectualidade precisa olhar para além do estereótipo do pastor preconceituoso ávido por dízimos (um registro: pentecostais doam maior proporção de sua renda do que outros grupos, segundo a FGV).

Também na última semana, o PSOL fez um convite: “se você é evangélico e defende o respeito ao próximo, a tolerância e as liberdades individuais, seu lugar é no PSOL”. O estigma é evidente: depreende-se que evangélicos normalmente não possuem essas qualidades. Imagine o Partido Republicano convidando muçulmanos, desde que não sejam terroristas.

A própria campanha de Damares pela abstinência na adolescência, que motivou os ataques, foi de pronto taxada de obscurantista. A evidência, porém, é que iniciativas como essa, acompanhadas de informações sobre outros métodos contraceptivos, podem ter efeitos positivos sobre a gravidez na adolescência, a transmissão de DSTs e o bem-estar psicológico (das meninas). A lista de trabalhos para os EUA e África é extensa, e o leitor interessado pode pesquisar pela estratégia ABC (A é abstinência, C é camisinha).

Se a proximidade dos evangélicos com o poder preocupa alguns por ofender a laicidade, eles ainda parecem muito longe de obter os privilégios da Igreja Católica. Destaco as centenas de milhões em renúncias do INSS em favor de faculdades e escolas de mensalidades caras que atendem o 1%. PUCs e redes como Marista e Santa Marcelina não pagam centavo algum para a Previdência sobre o salário de seus funcionários, por serem “entidades beneficentes”.

José Eustáquio estima que 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro: maior diferença em favor de um candidato em qualquer grupo, superando a preferência de ateus e sem religião por Haddad. O “superávit” do presidente nos evangélicos é equivalente à diferença total de votos entre os dois candidatos.

David Plouffe, coordenador da campanha que elegeu Obama, reflete em sua biografia sobre o papel da demografia: o “santo graal da política” seria “um eleitorado fundamentalmente mudado”. Nos próximos anos, a transição religiosa continuará. Mulheres, jovens, negros e pobres evangélicos seguirão votando de acordo com seus valores éticos, que podem não ser os mesmos das elites intelectuais. Alguns dirão que a democracia está em vertigem.

*Doutor em economia


Afonso Benites: À espera de Bolsonaro, Onyx se agarra à Casa Civil esvaziada

Ministro levou mensagem de presidente ao Congresso em cerimônia pouco concorrida. Momento de maior atenção foi para anúncios sobre retirada de brasileiros da China por causa do coronavírus. Planalto promete assinar MP

Em pouco mais de 12 meses o deputado federal licenciado e ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), passou de homem forte do Governo Jair Bolsonaro, responsável por fazer a articulação com o Congresso Nacional, coordenar as ações da secretaria de assuntos jurídicos e o programa de privatizações, a um conselheiro que, como prêmio de consolação, coordena reuniões entre os ministros ou representa o chefe na abertura do ano legislativo. O evento no qual compareceu nesta segunda-feira, no plenário da Câmara, foi tão esvaziado como os seus poderes, tinha menos de 150 dos 594 parlamentares brasileiros. Segundo interlocutores, Lorenzoni só não deixou o Governo porque não queria sair pelas portas dos fundos e também porque espera ser realocado em alguma outra pasta que venha a ficar vaga.

Nas últimas semanas, enquanto Lorenzoni estava em férias, viu três assessores serem demitidos por Bolsonaro. Todos direta ou indiretamente envolvidos no escândalo de José Vicente Santini, o então secretário-executivo da Casa Civil que perdeu o cargo por ter voado entre a Suíça e a Índia em um uma aeronave da Aeronáutica. Outros ministros do Governo fizeram a viagem em aeronaves comerciais. De pronto, também deixou a sua alçada o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). O ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, afirmou que o PPI deixou a Casa Civil para dar celeridade ao programa. Agora, está no ministério da Economia.

Ao longo de 2019, a articulação política já havia sido retirada da Casa Civil, assim como a secretaria de Assuntos Jurídicos, que analisa questão legal de cada projeto ou decreto presidencial. Sob o guarda-chuva do ministério agora só estão a coordenação interministerial e a Comissão de Ética Pública, sob o qual, na prática, não é possível haver nenhuma ingerência.

Nesta segunda-feira, a reportagem entrevistou oito parlamentares que se declaram independentes ou governistas. O pedido era para que eles analisassem a situação do ministro no cargo. Sete disseram que Lorenzoni só segue no Governo porque Bolsonaro não quer se desfazer do primeiro parlamentar que organizou reuniões em apoio à sua candidatura. Apenas um diz que o ministro continua na função por suas qualidades, uma delas de ter lançado e apoiado a vitoriosa campanha de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado. “É claro que o presidente está descontente com o Onyx, mas ele não quer ficar mais marcado por abandonar seus apoiadores de primeira hora”, avaliou um deputado.

No ano passado, Bolsonaro demitiu dois dos quatro representantes de seu núcleo duro. Gustavo Bebianno, que coordenou a campanha do presidente, deixou a Secretaria-Geral. E o general Carlos Alberto Santos Cruz, um dos primeiros apoiadores militares, foi demitido da Secretaria de Governo. Além deles, o outro representante desse núcleo é o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Uma brincadeira recorrente entre os deputados era de que Onyx hoje “só tem a mesa e a cadeira. Nem caneta ele tem mais”.

Coronavírus e outros ministérios

Desde que antecipou o seu retorno das férias, na última sexta-feira, o ministro já sinalizou ao presidente que está à disposição dele para cumprir a função que Bolsonaro achar melhor. Ao menos dois ministérios estariam no radar dele: Educação e Desenvolvimento Regional. O primeiro é chefiado por Abraham Weintraub, que foi indicado ao cargo pelo próprio Lorenzoni, está sendo “fritado” pelas falhas no Exame Nacional do Ensino Médio e pelas polêmicas que compra nas redes sociais. O outro ministério é comandado por Gustavo Canuto, um técnico com pouco apoio político. Se conseguisse ser transferido para um deles seria uma espécie de “queda para cima”. “Não faria muito sentido mudá-lo de um ministério para outro, ainda mais se for para Educação, que é um dos mais ricos influentes e poderosos. Mas o que faz sentido no nosso Governo?”, indagou uma parlamentar bolsonarista.

Oficialmente, o ministro nega a intenção de deixar o Governo e defende a permanência de Weintraub. Questionado pela rádio Gaúcha se alguém havia puxado o seu tapete no ministério, respondeu que ele, na verdade, é uma espécie de escudo de Bolsonaro. “A função da Casa Civil é de proteção absoluta do presidente. Muitas vezes quem tem que dizer ‘não’ sou eu. As pessoas não gostam de ser contrariadas. Tem momentos que as pessoas não gostam do ‘não’ que eu digo.”

Enquanto segue no cargo, Lorenzoni levou ao Congresso a mensagem presidencial com o que considera destaques legislativos para o ano: a reforma tributária, o programa verde e amarelo (de flexibilização do emprego), a independência do Banco Central, a privatização da Eletrobrás, o plano de promoção do equilíbrio fiscal, o novo marco legal do saneamento e o pacote econômico enviado no ano passado.

Na mensagem enviada ao Congresso, o presidente quis dividir os louros do que considera sucesso de seu Governo com o Parlamento. “O Brasil já mudou. E agradecemos imensamente ao Congresso Nacional por construir conosco este novo momento. Um momento de muitos resultados positivos e de esperança para nossa nação”, mandou dizer. Na prática, contudo, ele não prestigiou os parlamentares porque viajou a São Paulo para inaugurar a pedra fundamental de um colégio militar, reunir-se com dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e visitar as instalações da TV Bandeirantes.

Na prática, o momento em que Onyx atraiu a maior atenção foi quando falou sobre epidemia do coronavírus. Após o evento, o ministro disse à imprensa que o Governo está estudando maneiras de trazer os brasileiros que estão em Wuhan, na China, para o Brasil. A região chinesa é o principal foco da doença, que já matou 425 pessoas e tem deixado as autoridades de saúde do mundo inteiro em alerta. O Governo promete publica em breve uma medida provisória que trata da remoção e quarentena dos brasileiros, ainda sem local definido. Além disso, uma licitação será aberta para contratar uma aeronave que faria o transporte dos cidadãos. Lorenzoni afirmou que apenas os assintomáticos embarcarão no avião.

Já autoridades do Ministério da Saúde anunciaram que, apesar de o país não ter confirmado nenhum caso de coronavírus, o Governo vai declarar emergência em saúde pública para dar mais agilidade para os trâmites de repatriação. À noite, ao retornar a Brasília, Bolsonaro confirmou que vai assinar uma medida provisória sobre o assunto: "O Parlamento em tempo recorde vota qualquer coisa para a gente cumprir essa missão na China”, defendeu.


Ricardo Lewandowski: A terceira lei de Newton

Excessos sempre encontrarão sanções adequadas

Sir Isaac Newton (1643-1727), filósofo, matemático e físico inglês, um dos fundadores da ciência moderna, famoso por desvendar a “lei da gravitação universal”, identificou também outras três leis sobre as quais se assenta a mecânica clássica, sobrelevando a terceira delas, talvez a mais conhecida, que tem o seguinte enunciado: “A toda ação corresponde sempre uma reação oposta e de igual intensidade”. Tal princípio, concebido originalmente para explicar certos fenômenos naturais, vem sendo estendido às relações sociais, notadamente àquelas pertencentes ao mundo da política.

Empregando essa lógica, é possível concluir que os excessos praticados no passado recente por alguns juízes, policiais e membros do Ministério Público, restringindo direitos e garantias dos acusados em inquéritos ou ações penais, deram causa a uma reação equivalente em sentido contrário por parte dos órgãos de controle. A reação foi se intensificando à medida que tais excessos —em um primeiro momento percebidos apenas por advogados e um punhado de observadores mais atentos— passaram a ser divulgados pela mídia tradicional, causando um mal-estar generalizado na sociedade.

A resposta partiu inicialmente do Supremo Tribunal Federal, que proibiu conduções coercitivas; revogou prisões preventivas sem fundamentação idônea; censurou vazamentos de dados sigilosos; anulou provas ilícitas; rejeitou denúncias baseadas exclusivamente em delações premiadas; corrigiu violações ao devido processo legal; assegurou o exercício da ampla defesa; e reafirmou o princípio constitucional da presunção de inocência.

O Congresso Nacional retrucou no mesmo diapasão votando a lei 13.869/2019, na qual tipificou como abuso de autoridade a maioria dos desvios glosados pelo STF. Logo depois, complementou a corrigenda aprovando a lei 13.963/2019, que resultou do chamado “pacote anticrime”, escoimado das exorbitâncias iniciais, de cujo texto vale destacar a oportuna criação, por proposta de parlamentares, do “juiz das garantias” —adotado, com excelentes resultados, em um bom número de países—, a quem incumbirá promover a instrução criminal dentro da legalidade e com respeito aos direitos dos investigados e às prerrogativas de seus defensores.

O juiz das garantias, conforme a lei aprovada, atuará na fase investigativa e expedirá eventuais mandados de prisão provisória, de busca e apreensão e outras medidas cautelares relativas a uma apuração em andamento. A partir do recebimento da denúncia, o caso passa para outro magistrado, o da instrução, que será responsável pela sentença. Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato e hoje ministro da Justiça, é contra a criação dos juízes das garantias.

Essa correção de rumos somente foi possível porque as democracias ocidentais, ao longo dos últimos três séculos, especialmente a partir do advento das revoluções liberais, desenvolveram —embora com as imperfeições próprias das instituições humanas— mecanismos de freios e contrapesos para evitar o arbítrio dos governantes, com destaque para a técnica de repartição das funções legislativas, executivas e judiciais entre poderes distintos e autônomos. Estabeleceram ainda um sistema recursal que permite a revisão das decisões de juízes e tribunais pertencentes a instâncias inferiores por colegiados de grau superior, de maneira a contrastá-las com as normas constitucionais e legais vigentes.

Conta a lenda que o cientista inglês mencionado no início apercebeu-se da força da gravidade ao ser surpreendido pelo impacto de uma maçã desabando sobre sua cabeça quando repousava tranquilamente debaixo de uma macieira. Talvez agora, de forma análoga, a parcela de agentes públicos —por sorte bastante diminuta— habituada a ultrapassar impunemente os limites da ordem jurídica se dê conta de que a terceira lei de Newton, com a inexorabilidade própria dos fatos da natureza, acabará sempre encontrando a sanção adequada para todo e qualquer comportamento desviante.

*Ricardo Lewandowski é Ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo


Luiz Carlos Azedo: Humanos como nós

“Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço”

Considerado o pai da antropologia estruturalista, o franco-belga Claude Lévi-Strauss (1908 — 2009), entre 1935 e 1939, dedicou-se a estudar os índios do Brasil Central, base para a publicação de sua tese As estruturas elementares do parentesco, em 1949. Ele rompeu com a ideia de que os índios são apenas índios, porque não concordava com a divisão entre civilizados e selvagens. Lévi-Strauss foi professor da recém-criada Universidade de São Paulo, com sua esposa Dinah Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Jean Maugüé e Pierre Monbeig, e realizou pesquisas de campo em Goiás, Mato Grosso e Paraná, que também resultaram no livro Tristes Trópicos (1955). Procurou decifrar as relações entre o ser humano, a natureza e a cultura.

Para o antropólogo, o ser humano se diferencia dos outros animais devido ao uso de símbolos para se comunicar, não importa as particularidades de cada grupo humano. Seu objetivo não era estudar uma sociedade específica, mas identificar o que há nela de universal; por exemplo, sistemas de parentesco e restrições matrimoniais. Graças aos índios, por exemplo, sua compreensão do incesto ultrapassou as explicações biológicas ou morais. A proibição de manter relações sexuais com certas mulheres (como a mãe ou a irmã) e a permissão para tê-las com outras teceram as alianças fundadoras da vida social. O sistema de parentesco é o meio pelo qual se cumpre a transição entre a natureza e a cultura. Explica, por exemplo, como se formou a economia do sertão no Brasil colonial, a partir da miscigenação e do escambo entre os tupis e os portugueses.

Na monumental Mitológicas, de 1960, com mais de 2 mil páginas, Lévi-Straus analisou 813 mitos originários de povos do continente americano, desde os bororos, os jês e os tupi-cavaíbas do Brasil até os hopi, os pueblo, os mohawk e os kwakiutl da América do Norte. No primeiro volume, intitulado O Cru e o Cozido, comparou a análise conjunta dos mitos americanos à audição de uma sinfonia. Os músicos, porém, estão separados no tempo e no espaço, e cada um executa seu fragmento sem saber a partitura completa. Só é capaz de ouvir a música inteira quem estiver a distância. O concerto, segundo Lévi-Strauss, iniciou-se há milênios e hoje poucos músicos remanescentes continuam a tocar na orquestra.

Isolamento
No Maranhão, Karapiru, um indígena Awá, é um dos remanescentes da orquestra. Sobreviveu a um ataque de homens armados e, durante dez anos, morou sozinho, se escondendo na floresta. Agora vive com outros Awá, que são caçadores-coletores e nômades em constante movimento. Em Rondônia, outro índio solitário talvez seja o único sobrevivente de uma tribo massacrada por grileiros que ocuparam a região de Tanuro. Vive em fuga e é conhecido como “homem do buraco”, porque escava grandes covas para se esconder e guardar seus alimentos. Desde 1987, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem um departamento dedicado aos povos indígenas isolados, cuja política é fazer contato somente nos casos em que sua sobrevivência está em risco iminente. Em vez disso, a Funai busca demarcar e proteger suas terras de invasores.

Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço. É o caso dos Piripkura, ou o “povo borboleta”, como são chamados pelos “Gaviões”, com quem interagem. Eles falam Tupi-Kawahib, o mesmo tronco linguístico de vários outros povos do Brasil. Os Piripkura eram cerca de 20 pessoas quando a Funai fez o primeiro contato no final da década de 1980. Depois, voltaram para a floresta, e mantêm relações esporádicas com os sertanistas. Somente sobreviverão se suas terras forem protegidas. Há centenas de grupos isolados na Amazônia.

Agora, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, pretende nomear o antropólogo Ricardo Lopes Dias para a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados. Formado pela Faculdade Teológica Sul Americana, atuou por mais de dez anos para a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização que tem por objetivo evangelizar os indígenas. Lopes Dias terá a missão de tornar o índio cada vez mais “um ser humano igual a nós”, para usar a expressão do presidente Jair Bolsonaro.

Voltemos à antropologia, que explica muitas coisas. Papa do estudo das religiões, o escocês Victor Turner (1920 — 1983) também bebeu das águas das sociedades primitivas. Tendo por base os Lunda-Ndembus, na região Noroeste da antiga Rodésia do Norte, atual Zâmbia, entre 1950 e 1954, viveu na aldeia e estudou o papel dos ritos, dos símbolos e das metáforas nos dramas sociais. Nesse período, de tempos em tempos, eclodiram conflitos, nos quais Turner identificou um padrão universal:

Primeiro, uma crise irrompia no cotidiano, expondo as tensões existentes; depois, os envolvidos acionavam suas redes de parentela, relações de vizinhança e amizade, e a crise se ampliava; a seguir, surgia a turma do deixa disso, que buscava a conciliação e soluções em rituais coletivos; finalmente, havia um rearranjo e as posições e relações eram redefinidas, ou não se chegava a um acordo e a cisão se tornava inevitável, seguindo a clivagem de parentesco e suas alianças, o que daria origem a uma nova aldeia. Qualquer semelhança com o que também acontece nas religiões e na política não é mera coincidência.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-humanos-como-nos/


FAP convoca monitores da Jornada da Cidadania para treinamento online

Participantes irão otimizar interação entre professores e alunos do curso de formação política e receberão certificado de capacitação

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) convoca os 50 monitores do curso de formação política Jornada da Cidadania para participarem, na próxima segunda-feira (3), do treinamento online de uso da plataforma de educação a distância, com duração de duas horas, das 10h às 12h. A atividade também será realizada na próxima terça-feira (4), das 15h às 17h, para quem não puder participar no primeiro dia ou quiser reforçar o aprendizado. Os participantes receberão da entidade certificado de capacitação.

A plataforma da Jornada da Cidadania deverá estar plenamente adequada à LGPDP (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Durante o curso, os monitores terão acesso à plataforma para auxiliar os professores e acompanhar os alunos, estabelecendo contato direto com ambos, a fim de otimizar a interação e aprendizagem dos interessados.

No dia do treinamento, a FAP vai enviar um link pelo qual os monitores terão acesso à capacitação online por meio de smartphone, tablet ou computador. A orientação dos organizadores da Jornada da Cidadania é para que os participantes tenham internet de boa qualidade.

A Lisata Tecnologia venceu a concorrência para fornecimento da plataforma digital de gestão do curso. O sócio-diretor da empresa, Daniel Philip de Moura, explica que o treinamento é baseado em uma apresentação de 40 minutos. O tempo restante, segundo ele, é destinado a tirar dúvidas ou a outros esclarecimentos necessários. “É uma plataforma completamente intuitiva e bem didática”, afirma.

Antes do treinamento online, a FAP enviará aos monitores um manual que servirá de tutorial para uso da plataforma. O documento será disponibilizado pela Lisata. Nele, segundo Moura, haverá passo a passo de tudo o que os participantes visualizarão diretamente na página do curso da Jornada da Cidadania, durante a capacitação.

Leia mais:

» Multiplicadores do país conhecem detalhes da Jornada da Cidadania

» Vídeo destaca curso de formação política Jornada da Cidadania


Fernando Gabeira: A China está próxima

Política ambiental destrutiva quase sempre vem com desinteresse pela segurança biológica

Ainda adolescente comprei meu primeiro manual de jornalismo. Seu autor, Fraser Bond, trazia algumas boas lições práticas. Mas de uma de suas lições, jamais me convenceu. Bond dizia que a morte de um cão na sua rua é mais notícia do que um terremoto na China.

Nada estremece mais seu argumento do que a aparição do coronavírus em Wuhan, a sétima cidade da China, e casos já registrados em vários países do mundo. Ele usou o exemplo do terremoto porque certamente ainda não havia tanta integração no mundo quanto agora, o que transforma a segurança biológica numa agenda internacional inescapável.

O Brasil, como todos os outros países, está em alerta. Isso é essencial num momento em que não é novo. O surgimento de vírus devastadores tem sido uma constante, possivelmente pela degradação do meio ambiente.

É correto olhar para a China neste momento. No entanto, para não desapontar Fraser Bond, não podemos esquecer o que acontece perto do nós.

Foi com esse espírito que levantei semana passada algumas dúvidas sobre o que acontece em Rondônia, mais precisamente no Presídio Monte Cristo. Segundo as notícias, ali quase 100% dos prisioneiros sofriam de sarna. Mas recentemente a situação se agravou, e os prisioneiros têm uma doença que dá a eles a sensação de estarem sendo comidos por dentro.

Era necessário que o governo criasse um núcleo médico capaz de diagnosticar essa doença e tratá-la imediatamente.

Argumentar que são bandidos, escolheram esse caminho, é muito pobre não só do ponto de vista humano, como irresponsável diante da segurança biológica do país.

Os presídios, mesmo os de segurança, não são ilhas totalmente isoladas. Neles, trabalham funcionários em turnos diferentes. Isto significa que se relacionam com as suas famílias. Além disso, há visitas, advogados, inúmeras pessoas que ficam expostas a um perigo.

Como estou em outra parte do Brasil no momento, tenho mais perguntas do que respostas sobre essa doença no presídio de Roraima. Não vi notícias sobre o exame desses presos, o possível diagnóstico da doença. É um agravamento da sarna? Outra doença completamente diferente? O que dá a eles a sensação de serem comidos? Seria uma bactéria? Tem nome? É preciso examinar as pessoas que trabalham no presídio?

Nossas demandas sobre uma política de segurança biológica ainda são centradas na transparência. Chernobyl foi um caso típico de negação das regras do jogo. A China também às vezes é acusada de não revelar as verdadeiras dimensões de algumas doenças.

No entanto, o momento já é também de esperar que, além da transparência, os governantes sejam julgados por sua capacidade de antecipação.

Não se pode comparar a doença no presídio com um coronavírus na China. Mas o alarme na segurança biológica não deve se prender a algum vírus devastador e misterioso.

Lembro-me de que na aparição dos primeiros casos de Aids no Brasil, falava-se que era localizado e atacava apenas a minoria. Felizmente, superamos essas limitações e chegamos a uma política nacional respeitada até fora do país.

Mas o front é muito diversificado. Durante alguns anos, enfrentamos a dengue. Depois apareceram a chicungunha e a zika, esta bastante pesquisada depois de uma passagem assustadora no Nordeste.

Menos falada, a chicungunha também é uma doença séria. Entrevistei alguns atingidos por ela, em Sergipe. Fiquei impressionado com as queixas sobre dores, algumas estendendo-se por um ano.

Apesar de suspeitas, não se pode afirmar ainda que o coronavírus surgiu na crista de algum desequilíbrio ambiental. Mas é evidente que uma política ambiental destrutiva quase sempre vem ao lado de um desinteresse pela segurança biológica.

No Brasil, Paulo Guedes acha que a degradação ambiental é produzida pela pobreza. Mas, na verdade, é a pobre compreensão do problema pelo governo que pode agravar a crise ambiental. Da mesma forma, quando se fala em princípio de precaução, aqui a ideia é de um velho que sai de guarda-chuva num dia ensolarado.

Mas não é isso, o mundo mudou, ficou muito mais perigoso, interligado. O velho professor de jornalismo não sabia disso na sua época. Ignorar essa realidade hoje só torna o mundo mais perigoso ainda.


Demétrio Magnoli: Regina e o Padre Bernardo

Logo, ela será tachada de ‘imoral’, ‘esquerdista’

O historiador comunista Perry Anderson tinha 29 anos quando, em 1968, clamou por uma espécie de “revolução cultural” na sua Grã-Bretanha: “Sem teoria revolucionária, escreveu Lenin, não pode existir movimento revolucionário. Gramsci adicionou: sem uma cultura revolucionária, não haverá teoria revolucionária.” Há coisas que a atriz Regina Duarte deve aprender antes de concluir sua “temporada de testes” na Secretaria da Cultura.

Só chamamos de presepada o monólogo plagiário de Joseph Alvim porque seu edital do Prêmio Nacional das Artes cingia-se ao valor insignificante de R$ 20 milhões. Goebbels, o original, operava à frente da Câmara de Cultura do Reich, que controlava orçamentos bilionários e tinha o poder de decidir quais produtores culturais seriam autorizados a trabalhar. Na ideia de submeter a cultura ao Estado (isto é, ao Partido) encontra-se um dos muitos traços comuns entre os totalitarismos de direita e de esquerda.

A URSS stalinista pretendia erigir uma “cultura proletária”, na forma do realismo socialista, sobre as ruínas da “cultura burguesa”. A Alemanha nazista almejava criar uma cultura autenticamente “ariana” sobre as cinzas da “arte degenerada”. O imitador tropical caído, “um secretário da Cultura de verdade”, queria “atender o interesse da população conservadora e cristã”, segundo Jair Bolsonaro. Regina pisa sobre as brasas ardentes do desejo governamental de concentrar um poder ilimitado: o de definir o pensamento, as emoções, as sensibilidades e os comportamentos dos brasileiros.

A cruz dos templários, um dos signos do espaço cênico montado por Joseph Alvim, fala tanto ou mais que as linhas do plágio direto. Ironicamente, os templários, uma ordem militar cruzadista, foram dizimados pela Inquisição, esse primeiro grande projeto de dominação cultural.

A Igreja queimava bruxas para, por meio do exemplo, disciplinar as mentes. Jules Michelet explica: “A Missa Negra, em seu primeiro aspecto, pareceria ser essa redenção de Eva, maldita pelo cristianismo. A mulher desempenha todos os papéis no sabá. É o sacerdote, é o altar, é a hóstia de que todos comungam. No fundo, não será ela o próprio Deus?”. A fogueira cumpria as funções de um edital de Joseph Alvim: a supressão definitiva dessa Eva sem rumo, desse Deus sem Igreja. Regina sabe disso, suponho, pois nem sempre foi a doce “namoradinha do Brasil”.

Há 40 anos, Regina representou a lendária cristã-nova paraibana Branca Dias, neta de um judeu converso, presa e executada pelo Santo Ofício, na peça “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes. Ela lembra, com certeza, que a acusação era dupla: “judaísmo” e “práticas imorais”. Provavelmente ainda recorda a frase inicial de Padre Bernardo: “Os que invocam os direitos do homem acabam por negar os direitos da fé e os direitos de Deus, esquecendo-se de que aqueles que trazem em si a verdade têm o dever sagrado de estendê-la a todos, eliminando os que querem subvertê-la”. Só não podia ter sido escrita por Bolsonaro pois não contém erros de português.

Digam o que disserem seus detratores, não acredito que a Regina de hoje, “noivinha” de Bolsonaro, resolveu mudar de papel, representando o acusador de Branca Dias. Creio, até prova em contrário, que ela quer mesmo “pacificar a relação da classe com o governo”. É uma ambição menor, corporativista — mas, ainda assim, provavelmente utópica.

Na nossa tradição recente, a pasta da Cultura serve aos interesses dos produtores culturais (a “classe artística”, ou seja, basicamente, os lobbies de músicos e cineastas), não aos interesses públicos. O convite a Regina indica um retorno à tradição, o que implicaria a renúncia ao programa cultural totalitário acalentado pelo núcleo ideológico do governo. A sinalização provocou suspiros de alívio num país de esperanças miniaturizadas. Contudo, que ninguém — sobretudo Regina — se deixe iludir: o recuo é tático, incerto, provisório.

Cachorros loucos babam, porque têm raiva. Logo, Regina será tachada de “imoral”, “esquerdista” — em síntese, bruxa. Na esquina, ansioso pelo lugar dela, espreita o vulto do Padre Bernardo.