Despesa pública

Economia 2023 | Imagem: xalien/Shutterstock

Economia informal e saúde fiscal: a contradição em busca da superação(1)

Eduardo Rocha*, economista pela Universidade Mackenzie

“O verdadeiro não se encontra na superfície visível.

Singularmente naquilo que deve ser científico,

a razão não pode dormir e é preciso usar a reflexão.”

Hegel[1]

“(...) toda a ciência seria supérflua se houvesse coincidência

imediata entre a aparência e a essência das coisas”.

Marx[2]

O inferno está vazio, pois todos os demônios estão presentes na “guerra” em curso nos bastidores da República brasileira sobre os fundamentos da futura reforma tributária e do novo marco fiscal ou arcabouço fiscal ou âncora fiscal.

Essas expressões (distantíssimas do pobre que paga altos impostos frente ao rico que paga pouco imposto) dizem respeito à engenharia política que definirá as diretrizes de como recompor as receitas disciplinando as despesas públicas.

Trata-se, num primeiro momento, de mudar o teto fiscal, mas isso não basta. Isso é espuma frente às necessidades do país. A estrutura do rio está mais embaixo: está na reforma tributária, expressão de lutas de grandes interesses.

Neste debate, não faltam malabarismos tecnocrático-herméticos e desfiles linguístico-exibicionistas – alguns absurdos - que defendem o arrocho social e levantam-se contra o arrocho aos privilégios, como via para melhorar as finanças públicas e a vida do povo.

E os privilégios a grupos econômicos são vastos. Vamos a eles.

Num interessante artigo (O dreno financeiro que paralisa o país: a farsa do déficit[3]), Ladislau Dowbor, professor de Economia nas pós-graduações da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), aponta o que ele chama de “drenos financeiros” que desnutrem o Estado.

Dentre os quais se destacam:

  1. dreno dos juros da dívida pública, em 2022 terão sido entre 600 e 700 bilhões drenados;
  2. dreno dos juros praticados no Brasil, que, em 2016, tiravam um trilhão de reais da economia real (16% do PIB);
  3. dreno da evasão fiscal: “em 2020, o Brasil perdeu R$ 562 bilhões devido a práticas ilícitas para evitar o pagamento de impostos”;
  4. dreno das renúncias fiscais, que segundo informe da Câmara dos Deputados, “as renúncias de impostos concedidos pela União a parcelas da sociedade devem chegar a R$ 456 bilhões em 2023, ou 4,29% do Produto Interno Bruto (PIB)”;
  5. dreno dos lucros e dividendos distribuídos que, no Brasil, não pagam impostos. Ou seja, diz Dowbor, “os 290 bilionários que aparecem na Forbes de 2022 são isentos de impostos, com a justificativa de que as empresas que possuem já os pagaram”;
  6. dreno dos impostos de exportação que permite, por exemplo, que  a produção exportada pela Vale do Rio Doce, gere dividendos aos acionistas, mas não receitas para o Estado - trata-se da Lei Kandir, de 1996, que isenta de tributos a produção de bens primários e semielaborados destinados à exportação e
  7. dreno do Imposto Territorial Rural (ITR), onde reina a sonegação irrestrita e declarações fraudulentas, que reduzem ao mínimo do mínimo a arrecadação fiscal.

Há, contudo, nesta pluritemática fiscal, um tema ausente, que é incontornável e desafia a inteligência político-intelectual-fiscal. É o tema da economia informal e os prejuízos fiscal-públicos que ela traz a municípios, Estados e União.

Em 2022, a economia informal brasileira atingiu 17,8% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos formalmente pelo país, que chegou a R$ 9,9 trilhões) - algo próximo a R$ 1,7 trilhões de reais.

É o que mostra o Índice da Economia Subterrânea (IES), cálculo feito pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, o ETCO, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ETCO e IBRE-FGV conceituam a economia subterrânea como “a produção de bens e serviços não reportada ao governo deliberadamente, com o objetivo de sonegar impostos, evadir contribuições para a seguridade social, driblar o cumprimento de leis e regulamentações trabalhistas e evitar custos decorrentes da observância às normas aplicáveis a cada atividade”[4].

Qual o impacto negativo da informalidade na arrecadação dos entes federados em proporção ao PIB? Quanto ela prejudica a economia e a sociabilidade brasileira como um todo? O que fazer diante deste “buraco negro fiscal”?

Em 2018, União, Estados e municípios deixaram de arrecadar R$ 382 bilhões em tributos devido à economia subterrânea, o equivalente a 5,6% do PIB. Os dados constam de levantamento feito pela economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV)[5].

Não há inocentes neste debate sobre a reforma tributária e o marco/arcabouço/âncora fiscal; seja ele um debate acadêmico, parlamentar, partidário ou, principalmente, quando travado no chamado mercado - pois o dinheiro, sob certas circunstâncias, transforma o não em sim e o sim em não.

O debate não é técnico (ainda que contenha inevitavelmente esses elementos, claro!), ele é um debate político, que determinará quem se apropria da renda nacional e quem concentra e exerce de fato o poder político – expressão concentrada da economia.

A saúde fiscal do Estado brasileiro, em suas três dimensões (União, Estados e municípios), tem, assim, vários inimigos por todos os lados e de diversas cepas que lhe atacam e lhe desnutrem financeiramente e, simultaneamente, aumentam a concentração da riqueza e o bem estar social nas mãos de poucos – mantendo a triste e injusta distribuição de renda no Brasil e a infelicidade de milhões de cidadãos e cidadãs.

É necessário o debate que busque soluções para possibilitar a que os entes da Federação (União, Estados e municípios) tenham condições financeiras sustentáveis para promover as políticas públicas previstas constitucionalmente.

Proponho que a questão de como anular e superar os prejuízos fiscais originados pela informalidade econômica seja considerado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo Congresso Nacional. Que criem uma comissão com especialistas e com todos que trabalham na informalidade para debater isso.

A economia informal deve entrar de fato no debate nacional-fiscal, pois há, sim, mecanismos para trazê-la, pelo menos em parte, ao mundo fiscal formal. E será isso que abordaremos nos próximos textos.


[1] Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Lecciones sobre la filosofia de la historia universal. 6º ed. Madrid, España. Alianza Universidad: 1997. p. 45

[2] Marx, Karl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Tomo 3. p. 1080.

[3]    Dowbor, Ladislau. O dreno financeiro que paralisa o país: a farsa do déficit.  2023. Disponível em:    https://sul21.com.br/opiniao/2023/02/o-dreno-financeiro-que-paralisa-o-pais-a-farsa-do-deficit-por-ladislau-dowbor/ . Acesso em: 14 de abril de 2023.

[4] Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETCO . Economia Subterranea. https://www.etco.org.br/economia-subterranea/ . Acesso em 14 de abril de 2023.

[5] Este cálculo, diga-se, teve por base o crescimento Produto Interno Bruto (PIB) de 1,3% em 2018. No entanto, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revisou o cálculo anterior e anunciou que PIB brasileiro de 2018 passou de 1,3% para 1,8%. Portanto, num cálculo grosso, e obedecendo ao percentual de 5,6% do PIB da economista Vilma da Conceição Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV, e o matematizarmos aos 1,8%, dá, conservadoramente, uma perda fiscal de R$ 392,2 bilhões. Valor este que prejudica o Brasil nas esferas da educação, saúde, infraestrutura e ciência e tecnologia.

Sobre o autor

Eduardo Rocha é pós-Graduado com Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).

** Artigo produzido para a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista nem da FAP.


A interminável crise política pode adiar a retomada econômica

Delação "do fim do mundo" e o avanço das investigações sobre a chapa Dilma-Temer colocam em xeque a habilidade do Governo para aprovar novas reformas

A convulsão política interminável no Brasil fez crescer o temor de que a ansiada retomada da economia não se concretize em 2017, ou seja aquém da esperada. Segundo economistas ouvidos pelo EL PAÍS, as investigações em curso derivadas da LavaJato  têm potencial para desestabilizar o Governo de Michel Temer e podem comprometer a habilidade do presidente promover novas reformas econômicas consideradas essenciais para o país, como a da Previdência e a trabalhista. Assim, mesmo com a troca de poder no Executivo, a crise instaurada em Brasília foi às alturas sob a luz das investigações sobre corrupção. O imbróglio político torna-se, assim, o maior entrave para tirar o país do atoleiro em que se encontra, segundo os especialistas.

Com um amplo horizonte de dificuldades, as estimativas de crescimento neste ano são bastante modestas. As estimativas das instituições financeiras sobre a atividade econômica brasileira também não são animadoras. O mercado financeiro projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil feche 2016 com uma queda de 3,49% e calcula, para o ano que vem, um crescimento lento de 0,5%, segundo o último boletim Focus - o levantamento que escuta centenas de economistas de instituições financeiras.

"Estamos vendo o presidente sangrar com a crise ao redor dele. Há um temor muito grande em relação à delação da Odebrecht e o quanto ela pode atingir em peso o Governo Temer e afetar seu capital político", explica Sérgio Valle, economista-chefe da consultoria MB Associados. Para ele, com o ambiente rodeado de turbulências, é provável que Temer enfrente dificuldades em aprovar a impopular reforma da Previdência, considerada imprescindível para garantir o equilíbrio nas contas públicas brasileiras.

A possível decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2017, sobre a possibilidade de cassação da chapa Dilma-Temer apontam um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados – algo que tanto a ex-presidenta quanto o atual chefe do Executivo negam. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos. Seria algo muito turbulento", opina Valle.

É certo que há alguns sinais positivos no cenário, como a tendência de baixa dos juros nos próximos meses, depois que a inflação cedeu, uma vez que a recessão colaborou para a queda de preços. Além disso, há uma expectativa positiva de um ano próspero par ao setor agrícola, com uma esperada supersafra. Uma alta de matérias-primas pode contribuir para uma melhoria no âmbito internacional.  A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta um aumento de 7,2% das exportações brasileiras em relação a 2016. Já as importações devem avançar 5,2% frente aos números registrados neste ano.

Até a chegada do controverso presidente americano  Donald Trump à Casa Braca poderia trazer surpresas. Num momento em que ele assume uma postura provocativa com a China, o xadrez do comércio internacional poderia ganhar novos lances e beneficiar, indiretamente o Brasil. “Somos concorrentes dos EUA em alguns produtos agrícolas que poderíamos importar para a China, por exemplo", explica.

Mas nada de concreto que assegure um futuro alentador para um governo frágil, sujeito até mesmo a ser cassado. O processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investiga as contas de campanha presidencial de 2014, pode ser definido em 2017, coloca uma espada na cabeça de Temer. Se houver comprovação de fraude, o TSE poderia pedir a cassação da chapa vencedora das eleições (Dilma-Temer), o que aponta um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos ”, opina Valle.

Para além da sombra da cassação, Temer é a vidraça em meio a uma colheita ruim de dados econômicos derivados da recessão, como o desemprego que penaliza 12,1 milhões de brasileiros – 1,9 milhão deles perderam seus empregos nos últimos 12 meses – e que deve piorar no ano que vem. É ainda o mandatário que aplica remédios amargos garantindo que é o único caminho para reverter o mau agouro. Depois de empenhar-se em aprovar um ajuste fiscal que estabeleceu um teto de gastos por 20 anos, ele trabalha para a reforma da Previdência no próximo ano que afeta diretamente os mais vulneráveis. Assim, sua popularidade, que já é baixa – 8% de aprovação – fica ainda mais comprometida com essa coquetel de más notícias.

Ciente do tamanho da encrenca que precisa administrar, Temer decidiu anunciar na semana do Natal um pacote de medidas para tentar reagir ao cenário pessimista: antecipou a liberação dos saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prometeu a redução dos juros de cartão de crédito e repaginou um programa de manutenção de emprego herdado de Dilma Rousseff.

Para o economista Nelson Marconi as medidas anunciadas são uma resposta ao cenário político deteriorado. “A economia continua patinando e o apoio político está diminuindo. Ele apresenta propostas paliativas, não são de estímulo real à demanda", explica. “O que a economia brasileira precisa é retomar o investimento público. Ao investir, o Governo demande produtos, serviços, contrata mais pessoas e estimula a economia”, explica Marconi.

Silvia Matos, pesquisadora da área de Economia da FGV, observa que parte do inferno astral que o país vive veio de um excesso de otimismo de que haveria uma melhora com o impeachment de Dilma que não se concretizou. “Ficou parecendo que tudo estaria resolvido para a retomada da atividade econômica, mas estamos passando por uma recessão severa, que necessita reformas estruturais muito radicais”, explica.

Os desafios de retomar o crescimento do país não estão concentrados apenas no ano que começa, mas também no cenário político de 2018. Entre os especialistas escutados pela reportagem, há um consenso de que a estabilidade econômica só deverá voltar de forma definitiva caso haja uma eleição presidencial razoável daqui a dois anos. "Dada essa turbulência que estamos vendo nos últimos anos, a chance de você ter um cenário político bem atípico, com muitos nomes, com muitas incertezas está crescendo. Aí a chance de alguém, um salvador da pátria ganhar, e continuar com a instabilidade aumenta", explica o economista Sérgio Valle.

A economista-chefe da corretora XP Investimentos, Zeina Latif, também concorda que há risco das eleições de 2018 serem tumultuadas com candidatos com agendas que não são de continuidade do ajuste fiscal, comprometendo ainda mais a retomada do crescimento. Por isso, para a economista, o curto prazo e o 2017 serão fundamentais para a qualidade da política em médio e longo prazo. Em um cenário benigno, Lafit acredita que uma inflexão da atividade econômica pode ocorrer no último trimestre do próximo ano. "No entanto, até lá, ainda há muito em jogo", afirma.


Fonte: brasil.elpais.com