desmatamento
Risco de “milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar"
Luciara Ferreira e João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Um total de 13.235 km² de floresta amazônica foi desmatado e bateu recorde em 2021, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No Cerrado, o desmatamento aumentou 7,9%, entre agosto de 2020 e julho de 2021, alcançando a marca de 8.531 km². A diminuição do verde e o aumento de cinzas aumentam a crise ecológica global.
Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o economista Sérgio Besserman afirma que a destruição do meio ambiente é uma tragédia. O risco, conforme alerta, é de provocar impacto na população. “Centenas de milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar”, lamenta.
Desmatamento na Amazônia nos últimos 10 anos | Reprodução: UOL
A crise ecológica global pode ter reflexos diretamente na mesa da população. De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado em 2021, 116,8 milhões de brasileiros não têm pleno acesso à comida.
Besserman confirmou presença no webinar organizado pela Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ambas em Brasília. A live será transmitida, na quarta-feira (1º/6), a partir das 17 horas, na página da biblioteca no Facebook, assim como no site e canal da FAP no YouTube.
Além do economista, o sociólogo e cientista socioambiental Elimar Pinheiro do Nascimento e o presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) Benjamin Benzaquen Sicsú também confirmaram participação no evento online.
Pinheiro aponta consequências na degradação da natureza e do aquecimento global. “Uma alimenta a outra. Isso mata os seres vivos aquáticos, pois aquece a água e impacta na cadeia alimentar”, explica.
Os eventos críticos climáticos, segundo Pinheiro, provocam tempestades, seca, esfriamento e aquecimento. “São temperaturas extremas, não há meio termo”, afirma.
Pinheiro observa que essas temperaturas têm a ver também com as migrações de pessoas e animais. Segundo ele, a terra não produz mais com superaquecimento do solo, e, assim, os seres vivos precisam se deslocar. “São bilhões de dólares que nós estamos perdendo, e mortes acontecendo”, enfatiza.
O Observatório do Clima, rede que reúne 73 organizações socioambientais, por meio de documento postado no dia 19 de maio, alertou que “com Bolsonaro, não há futuro para política ambiental no Brasil”.
O economista Besserman vê que há interesses econômicos de políticos por trás da crise que impedem as transformações necessárias para ajudar o meio ambiente.
Nascimento diz que o preço vai ser alto e enxerga descaso do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Tem déficit cognitivo e não compreende o que é impacto climático”, critica ele, que é autor do livro Um mundo de riscos e desafios e alerta que, por causa disso, os recursos vão se reduzir.
Serviço
Webinar Crise ecológica global
Dia: 1/6/2022
Horário da transmissão: 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
*Integrantes do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida
Novo Código de Mineração propõe aprovação automática de milhares de processos
Fabio Bispo / Infoamazonia
Proposta pode afetar mais de 90 mil requerimentos que aguardam aprovações técnicas e ambientais; medida ainda interfere na criação de unidades de conservação e dificulta demarcação de terras indígenas.
O texto-base para o novo Código de Mineração, apresentado nesta quarta-feira (1º de dezembro) na Câmara dos Deputados, pretende classificar a mineração no país como “atividade de utilidade pública, de interesse nacional e essencial à vida humana”, o que pode conferir ao setor prerrogativas especiais.
As mudanças propostas flexibilizam regras ambientais, como dispensa de licenciamento ambiental e aprovação automática de processos parados por mais de um ano na ANM sem necessidade de outro tipo de análise. O resultado, caso a proposta avance no plenário da Câmara, pode acelerar a tramitação de mais de 90 mil processos em fase de concessão de lavra, pesquisa e lavra garimpeira que aguardam por autorizações ambientais e aprovação técnica da ANM.
Formado por um grupo de 16 deputados, muitos deles ligados a diferentes áreas do setor mineral, o Grupo de Trabalho (GT) do Código de Mineração da Câmara realizou 12 audiências entre agosto e novembro deste ano com expectativa de votar um novo código para o setor ainda este ano. O GT está sob relatoria da deputada Greyce Elias (Avante-MG), e teve alegação de conflito de interesses depois de notícias recentes sobre a ligação do marido da deputada com setores da mineração. [veja box "Marido da relatora ligado a empresas de mineração"]
Sem licença ambiental
Entre as maiores preocupações com o texto da minuta da relatora, que está com pedido de vistas coletivo e deve ser votado na próxima quarta-feira (8) , especialistas destacam que a dispensa de licenciamento ambiental para projetos que não causam “impactos significativos” soa como uma brecha para facilitar operações, principalmente de garimpo.
“É um grande problema retirar o licenciamento ambiental para lavra garimpeira. Isso, aliado com outras flexibilizações, vai aumentar a quantidade de permissões garimpeiras no país”, afirmou Jarbas Vieira, secretário do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
A minuta prevê autorização automática para pesquisa, lavra garimpeira, concessão de lavra, entre outros pedidos, caso não haja análise técnica da ANM em 365 dias. Já os pedidos de autorização de pesquisa, averbação de cessão de área e transferência de títulos de mineração serão aprovados automaticamente em 60 dias, caso a ANM não se manifeste nos processos.
“Seria como permitir uma Mariana sem análise. Isso é um ponto muito grave da legislação proposta. A atividade mineral oferece riscos, não é igual ir à esquina comprar um picolé”, observa a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental.
O Comitê em Defesa dos Territórios aponta que a aprovação de um novo código como prevê a minuta pode gerar uma enxurrada de autorizações para lavra garimpeira no curto espaço de seis meses, além de viabilizar grandes empreendimentos com uma tramitação mais rápida e sem análise apurada dos impactos.
É um grande problema retirar o licenciamento ambiental para lavras garimpeiras. Isso, aliado com outras flexibilizações, vai aumentar a quantidade de permissões garimpeiras no país.
Jarbas Vieira, secretário do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração
Atualmente, são mais de 216 mil processos ativos na ANM, a maioria aguardando análise. Desses, 17.466 são para requerimentos de lavra garimpeira, a maior parte no Pará, onde está a Província Mineral do Tapajós, considerada a maior reserva de ouro do país.
Dados do projeto Amazônia Minada mostram que 2.478 pedidos para minerar no país estão em terras indígenas, pelo menos 254 desses requerimentos são para garimpo.
Ao estabelecer a mineração como atividade de utilidade pública, os deputados também propõem que os interesses da mineração sejam determinantes na demarcação de territórios indígenas e criação de unidades de conservação.
"Nos processos de criação de unidades de conservação, de tombamento e de outras demarcações que possam restringir a atividade minerária, deverá ocorrer ampla discussão e participação da sociedade, sendo ouvidos o Ministério de Minas e Energia, a ANM e os titulares de direitos minerários abrangidos por essas áreas", diz trecho da proposta de hoje da relatora.
E apesar de não tratar diretamente sobre mineração em terras indígenas —outra proposta no Congresso discute o tema (PL 191/2020) —, o texto da relatora pede que seja assegurada a titularidade de requerimentos em áreas de bloqueio, como é caso das terras indígenas, mas deixando em aberto a regulação desses requerimentos.
Tal medida poderá criar uma espécie de reserva entre os mais de 2,4 mil requerimentos que estão sobre terras indígenas. Hoje, dos 500 pedidos para mineração na TI Yanomami, 380 são anteriores a 1992, quando o território foi homologado.
Não revogar os títulos em terras indígenas é inconstitucional e coloca interesses da mineração acima de qualquer outro interesse da sociedade.
Juliana de Paula, advogada do Instituto Socioambiental
Para especialistas ouvidos pelo InfoAmazonia, além de interferir na demarcação de territórios historicamente ocupados por indígenas e quilombolas, a proposta também pode travar processos de assentamento da reforma agrária.
“Não revogar os títulos em terras indígenas é inconstitucional e coloca interesses da mineração acima de qualquer outro interesse da sociedade”, observou a advogada Juliana de Paula. A jurista destaca que a Constituição já prevê a inexistência de títulos sobre terras indígenas.
Os novos pedidos para mineração de ouro bateram recorde histórico em 2021, revelando que o país vive uma nova corrida do ouro. Só este ano, foram 3.117 pedidos para explorar o minério - no total, são 35,7 mil pedidos válidos na ANM só para essa substância.
Nova Corrida do Ouro
Outra mudança considerada significativa é a regra para apresentação dos riscos associados às barragens da mineração. Em Nota Técnica publicada em 22/11/2021, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) alertou que o artigo 39, § 1º, da minuta adia a exigência de informações sobre os riscos das barragens, instrumento para levantamento cadastral e mapeamento georreferenciado das populações vulneráveis.
“Na verdade, é uma investida contra um plano que foi criado a partir de aprendizados ocorridos com dois grandes desastres da mineração”, analisa a pesquisadora Andréa Zhouri, da Associação Brasileira de Antropologia, em manifestação pública da ABA.
O novo código prevê a apresentação completa do plano de barragens praticamente no fim da tramitação do pedido de mineração. Segundo as organizações que militam por maior segurança dessas barragens, sem dados sobre os projetos fica impossível cumprir o artigo 18-A da Lei Nacional de Segurança de Barragens (Lei 14.066/2020), que interdita a “implantação de barragem de mineração cujos estudos de cenários de ruptura identificam a existência de comunidade na Zona de Autossalvamento (ZAS)”.
Indefinição sobre impactos do garimpo
Um dos temas mais sensíveis da mineração no Brasil, o garimpo, que além dos impactos ambientais atinge a saúde da população -pela contaminação com mercúrio e, também, disseminação de doenças como a malária-, segue com indefinições sobre seus reais impactos na minuta apresentada.
O tema esteve presente nas discussões do GT, mas nenhuma alteração foi realizada para estabelecer limites na operação dos garimpos além dos já estabelecidos — pessoas físicas podem requerer 50 hectares e cooperativas até 10 mil hectares na Amazônia Legal.
O novo código mantém as mesmas características da garimpagem como definidas originalmente na lei 7.805/89, que criou o regime de permissão de lavra garimpeira (PLG). Dessa forma, o texto não se manifesta sobre a utilização de balsas e dragas de sucção, das mais simples às mais complexas, ou a atividade de revolvimento de solos com uso de maquinário como pás-carregadeiras, tratores de esteira e escavadeiras hidráulicas para extração de ouro pelas PLGs.
O Ministério Público Federal (MPF) já alertou sobre essa omissão, apontando que “a não adoção, na legislação mais moderna, de critérios objetivos para delineação da atividade de garimpo", acaba permitindo "enquadrar na ideia de garimpagem atividades que, por sua natureza, aproximam-se da indústria e da empresa".
Nova categoria para garimpo
Outras duas mudanças incluídas no texto vão impactar diretamente esse ramo da extração mineral. Proposta do deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA) incorporada ao relatório cria uma nova categoria para o garimpo, denominada “lavra de superfície”.
Na prática, a modalidade vai permitir a lavra em área de superfície já requerida por outro empreendimento de mineração, com objetivo de explorar o subsolo. Ou seja, enquanto um empreendimento de grande porte explora o subsolo, um garimpo poderá explorar a superfície da mesma área.
Em parte, lembra Jarbas Vieira, o garimpo ilegal na Amazônia já ocupa áreas tituladas por grandes mineradoras. “O relatório da deputada tenta nitidamente agradar a todos os setores da mineração. E existe uma disputa de áreas entre garimpo e mineração industrial. Muitos garimpos operam ilegalmente em áreas já requeridas pelas grandes mineradoras. Com essa nova categoria, as duas atividades poderão acontecer dentro do mesmo título minerário”, observa.
O garimpeiro como microempreendedor
Outra proposta do grupo do deputado busca instituir a figura do garimpeiro pessoa jurídica. A proposta é de que o garimpeiro se torne Microempreendedor Individual (MEI), mas sem esclarecer em quais hipóteses esse regime vai ser possível.
“Não fica claro se o garimpeiro será MEI e só ele vai poder explorar aquele PLG ou se o garimpeiro que hoje trabalha para uma pequena mineradora, dessas que operam como garimpo, será MEI”, questiona Jarbas.
Dirceu Santos Frederico Sobrinho, presidente da Associação Nacional do Ouro (Anoro) e defensor da criação da figura do “pequeno minerador” —que realiza garimpo com uso de maquinários— também fez contribuições para o GT. Em uma das audiências realizadas, Sobrinho admitiu que o garimpo não pretende abandonar o uso do mercúrio em curto prazo, pois, segundo ele, a atividade no Brasil não seria possível sem o uso do metal líquido.
Em outubro, o Infoamazonia mostrou que três Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) ligadas à Anoro são investigadas por danos sociais e ambientais e por “esquentar” 4,3 toneladas de ouro extraído ilegalmente no Pará. Dirceu Sobrinho é sócio majoritário em uma delas.
Concentração de poderes na agência federal
A autonomia de estados e municípios sobre projetos de mineração também foi colocada à prova na primeira versão da minuta, que transferia todas as competências em relação aos processos minerários à ANM, “sendo dispensados os atos de anuência de Estados e Municípios para a exploração dos recursos minerais”.
Em seu voto nesta quarta-feira, Greyce Elias voltou atrás na proposta e estabeleceu área máxima de 200 hectares para o licenciamento na esfera municipal.
O Comitê dos Territórios Frente à Mineração destaca que ao concentrar os poderes sobre os processos minerários na ANM, a proposta fecha "os principais canais atuais de interlocução e luta das comunidades atingidas e ameaçadas pela mineração", já que é nas esferas municipais e estaduais que acontecem as principais articulações provocadas por organizações da sociedade civil.
Guias de Utilização
Outro dispositivo polêmico é a possibilidade de início da operação de exploração antes mesmo da concessão minerária, através de Guias de Utilização, que são autorizações provisórias, antes da concessão definitiva, criadas para autorizar explorações em situações específicas.
Com a nova proposta, através da Guia de Utilização, grandes e pequenas mineradoras poderão explorar economicamente suas minas sem que a agência tenha analisado toda a viabilidade do requerimento e dado autorização para o funcionamento integral do projeto. O texto também permite a renovação da Guia por tempo indeterminado até a concessão total.
Os deputados também propõem que empresários possam utilizar os títulos de requerimentos como garantia em operações de crédito, incluindo as autorizações de pesquisa, antes da apresentação dos relatórios que atestam a existência de minério.
“Esse é outro ponto muito frágil, praticamente um cheque em branco concedido antes mesmo da conclusão da fase de pesquisa, que inclusive pode apontar que não existe minério algum naquela área”, destaca a advogada Juliana de Paula.
MARIDO DA RELATORA LIGADO A EMPRESAS DE MINERAÇÃO
No início de setembro, o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) expôs aos demais membros do GT que a deputada Greyce Elias é casada com Pablo Cesar de Souza, o Pablito, ex-superintendente do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM-MG), que foi substituído pela ANM, e até poucos meses sócio de empresas do setor de mineração. Ex-deputado estadual em Minas Gerais, Pablito atualmente é assessor no gabinete do senador Rodrigo Pacheco (PSD-RO).
Questionado sobre a proximidade com o setor da mineração e se isso não poderia configurar conflito de interesses, Pablo respondeu ao Infoamazonia que se desligou das empresas ligadas à mineração, a última “há seis meses”.
Mesmo alegando não ter influência sobre os encaminhamentos da comissão, Pablo fez questão de defender a minuta do projeto. Por telefone, disse que o atual Código de Mineração é muito antigo, de 1967, e que é incompatível com a mineração em 2021. “É uma proposta muito boa e que respeita os anseios da sustentabilidade e setor ambiental, em um processo totalmente transparente”, afirmou Pablo sobre o relatório da deputada e esposa Greyce.
O deputado Joaquim Passarinho, sub-relator e um dos principais colaboradores dos novos artigos da minuta , é outro parlamentar que não esconde a proximidade com o setor mineral. Em 2014, quando ainda era possível financiamento de campanha eleitoral por empresas, 30% do financiamento da campanha de Passarinho veio de empresas do setor.Uma das suas propostas incorporadas na minuta da relatora foi a declaração de utilidade pública do setor de mineração.
Outro sub-relator bastante próximo das mineradoras é Evair Vieira de Melo (PP/ES), que assim como Passarinho recebeu recursos para a campanha de 2014. Partiu de Evair a proposta para aprovação automática de processos na ANM que não sejam analisados em um ano.
Ambientalistas e defensores dos povos originários da Amazônia apontam que nenhuma das propostas dos seus segmentos foi incorporada na minuta, e que o arranjo da discussão em um Grupo de Trabalho da Câmara não é o mais adequado para criação de um novo Código de Mineração.
“Concordamos que o Código precisa de atualização, mas é preciso uma maior participação popular. A mineração é um setor impactante na sociedade e deixa marcas profundas. Não podemos aceitar que essa tramitação do GT venha do jeito que foi e vá para votação no plenário sem um debate amplo. É um processo muito viciado”, declarou Jarbas Vieira.
O Infoamazonia enviou questionamentos aos sete sub-relatores e à relatora Greyce Elias, mas nenhum deles respondeu aos pedidos de entrevista.
*Fabio Bispo é repórter do InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas talentosos para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo.
Fonte: Infoamazonia
https://infoamazonia.org/2021/12/02/novo-codigo-de-mineracao-propoe-aprovacao-automatica-de-milhares-de-processos-parados-na-anm/
Brasil, Bolívia e Peru estão entre campeões mundiais de desmatamento
O compromisso assumido de acabar com o desmatamento e revertê-lo até 2030 foi considerado um dos acordos mais importantes da COP26
BBC News
Não é a primeira vez que os líderes mundiais fazem esse tipo de promessa e muitos duvidam que os acordos venham a ser concretizados na data prevista.
Em 2014, a Organização das Nações Unidas anunciou um acordo para reduzir o desmatamento pela metade até 2020 e a zero até 2030.
Depois, em 2017, foi estabelecido outro objetivo, de aumentar as áreas de floresta em 3% em todo o mundo até 2030.
Mas o desmatamento prosseguiu em "ritmo alarmante", segundo um relatório de 2019, com sérias consequências para a luta contra as mudanças climáticas.
Mesmo assim, os especialistas não têm dúvidas em classificar este tema como "urgente". As florestas absorvem grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), que é um dos principais causadores do aquecimento global, e o corte de árvores pode ter grande impacto sobre a vida no planeta.
A ONU afirma que 420 milhões de hectares de florestas foram perdidos desde 1990, principalmente devido à agricultura.
Foram realizados alguns esforços de reflorestamento, seja por crescimento natural ou plantio, mas as árvores precisam de anos para crescer, até que possam absorver completamente o CO2.
Durante a última década, foram perdidos 4,7 milhões de hectares de florestas por ano. Entre os países mais afetados, encontram-se o Brasil, a Bolívia, o Peru, a Indonésia e a República Democrática do Congo.
É alarmante para muitos que três países da América Latina estejam no topo da lista. Veja qual é a situação em cada um deles.
Brasil
Cerca de 60% da floresta amazônica ficam no Brasil, que desempenha um papel fundamental na absorção do CO2 nocivo que, de outra forma, escaparia para a atmosfera.
Após reduções constantes desde 2004, o desmatamento da Amazônia brasileira aumentou novamente, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Segundo um relatório do instituto, a taxa de desmatamento em 2020 foi a mais alta em mais de uma década.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou na ONU que, desde agosto deste ano, o desmatamento no Brasil diminuiu em comparação com 2020.
Mas a taxa de desmatamento ainda é superior aos níveis anteriores à sua chegada ao poder, em 2019.
Os dados do Imazon - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - não demonstram desaceleração da taxa de desmatamento este ano.
O presidente Bolsonaro foi criticado pelas suas políticas contrárias à preservação ambiental, como o incentivo à agricultura e à mineração na Amazônia.
O mandatário brasileiro também foi questionado pelo corte dos fundos das agências governamentais responsáveis por fiscalizar os agricultores e madeireiros que violam a legislação ambiental.
Em 2020, as multas por cortes ilegais caíram em 20%.
Os números exatos não estão disponíveis, mas estudos recentes sugerem que até 94% do desmatamento e da destruição dos habitats brasileiros podem ter causas ilegais.
Bolívia
O Brasil não é o único país responsável pelo desmatamento da Amazônia. Os países vizinhos também contribuem — e um deles é a Bolívia.
No ano passado, a Bolívia perdeu quase 300 mil hectares de florestas tropicais — o quarto maior desmatamento do planeta.
Entre 2002 e 2020, a Bolívia perdeu 3,02 milhões de hectares de floresta primária úmida, que representam 51% da sua perda total de cobertura florestal no mesmo período, segundo os dados da ONG Global Forest Watch.
A área total de floresta primária úmida do país andino foi reduzida em 7,4% nesse período.
Entre 2001 e 2020, a Bolívia perdeu 6,11 milhões de hectares de cobertura florestal, equivalentes a 9,5% de redução da cobertura florestal desde o ano 2000, o que representa cerca de 2,67 bilhões de toneladas de emissões de CO2.
Segundo o estudo da Global Forest Watch, 74% da perda de cobertura florestal do país entre 2001 e 2019 ocorreram em regiões onde os fatores dominantes de perda resultaram em desmatamento.
Peru
Entre 2002 e 2020, o Peru perdeu 2,16 milhões de hectares de floresta primária úmida e a área total de floresta primária úmida foi reduzida em 3,1% nesse período, segundo a Global Forest Watch.
Nesse mesmo período, o país perdeu 3,39 milhões de hectares de cobertura florestal, equivalentes a 4,3% de redução com relação à cobertura existente em 2000 e a 2,17 bilhões de toneladas de emissões de CO2.
Em outros continentes
A Indonésia, na Ásia, e a região do Congo, na África, são outras áreas que apresentam as maiores taxas de desmatamento do planeta.
A Indonésia tem permanecido entre os cinco países com maiores perdas florestais relatadas nas últimas duas décadas.
Segundo os dados da Global Forest Watch, o país perdeu 9,75 milhões de hectares de floresta primária entre 2002 e 2020, principalmente devido à derrubada de árvores para plantio de palma oleaginosa. Dados oficiais indicam que até 80% dos incêndios florestais foram iniciados com esse objetivo.
Em 2016, houve um recorde de 929.000 hectares de floresta perdidos, mas tem havido reduções constantes da taxa de desmatamento do país desde então.
A floresta da bacia do Congo é a segunda maior floresta tropical do mundo. Mais da metade dela encontra-se na República Democrática do Congo.
A organização ativista ambiental Greenpeace afirma que o corte ilegal, por pequenas e grandes empresas, está causando o desmatamento.
Embora os Estados Unidos e a União Europeia tenham proibido a importação de madeira ilegal, ainda existe contrabando para fora do país
Outras ameaças incluem a agricultura de subsistência em pequena escala, a extração de carvão e combustível, a expansão urbana e a mineração.
Nos últimos 5 anos, a perda anual de floresta primária naquela região foi de quase meio milhão de hectares, segundo a Global Forest Watch.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59300251
Amazônia: Desmatamento é o maior em 15 anos; governo teria 'escondido' dados
Dados estavam prontos no final de outubro, mas só foram divulgados ontem (18), dias depois do final da COP26, a cúpula do clima
Naiara Galarraga Gortázar / El País
A Amazônia brasileira perdeu 13.235 quilômetros quadrados de árvores em um ano, de acordo com o último balanço anual, divulgado nesta quinta-feira com enorme discrição pelo Governo de Jair Bolsonaro. A cifra indica que o desmatamento ilegal entre agosto de 2020 e julho de 2021 aumentou 22% em relação ao período anterior, quando somou 10.851 quilômetros quadrados. É a maior registrada nos últimos 15 anos. Este balanço anual, elaborado com medições de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é o mais esperado por todos os envolvidos na proteção e preservação da maior floresta tropical do mundo. É como uma prova final, a medida do sucesso ou do fracasso.
É também o parâmetro pelo qual o mundo mede o desempenho ambiental do país que abriga a maior parte da maior floresta tropical do mundo. Neste ano, a nota aponta um fracasso clamoroso.
O expressivo aumento registrado pelo sistema Prodes contribuirá para agravar a crise climática, mas é também um problema diplomático para o presidente brasileiro. O desaparecimento acelerado da vegetação na Amazônia representa uma ameaça para o futuro do Brasil e do planeta. À medida que a área arborizada da Amazônia diminui de tamanho, a floresta perde biodiversidade e a capacidade de refrescar o planeta e desacelerar o aquecimento global. O sistema Prodes contabiliza áreas desmatadas de mais de 6,25 hectares, o que o torna o mais preciso entre os utilizados pelo Brasil.
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Viagem pela BR-319: estrada rumo à destruição da Amazônia
O saldo foi conhecido quando o Governo o disponibilizou na internet, sem anúncio ou apresentação, por meio de uma nota. A declaração não está datada desta quinta-feira, mas do último dia 27 de outubro, portanto antes do início da cúpula do clima COP26, em Glasgow. Cientistas e ONGs ambientalistas acusaram o Executivo e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, de terem ocultado as informações de que dispunham durante as negociações nas quais o Brasil se comprometeu a eliminar completamente o desmatamento até 2028. Também acusam as autoridades brasileiras de ter enganado o restante dos participantes da cúpula ao apresentar os resultados de outra medição, a dos alertas do sistema Deter, que é menos precisa e rendeu dados muito mais positivos.
O Observatório do Clima afirma que esses 13.235 quilômetros quadrados desmatados ilegalmente em um ano revelam “o triunfo do projeto ecocida de Bolsonaro”. Para o Greenpeace, “o governo tentou lavar sua imagem em Glasgow sabendo que havia quebrado um recorde de desmatamento”. A organização alertou que o cerco ao Brasil está se estreitando porque, por exemplo, a Comissão Europeia propôs impedir a entrada nos mercados da União Europeia de soja, cacau, café, óleo de palma, carne bovina, madeira e seus derivados caso venham de áreas de desmatamento.
A extração ilegal de madeira tem aumentado desde 2017, mas desde que a extrema direita e os negacionstas da ciência chegaram ao poder, em 2019, o crescimento da área devastada se acelerou, impulsionado por vários fatores. Sua política ambiental tem consistido em enfraquecer as estruturas de fiscalização e vigilância, além de dar asas a quem explora a floresta contornando as leis. Bolsonaro demitiu ambientalistas veteranos de seus cargos para substituí-los por policiais militares encarregados dos órgãos responsáveis pela proteção do meio ambiente, dos povos indígenas e da biodiversidade.
O presidente cumpriu a promessa de não demarcar mais um centímetro de reservas ecológicas ou terras indígenas e o Congresso está trabalhando em um projeto de lei para legalizar a mineração em terras que hoje são legalmente intocáveis para exploração comercial.
A imposição de multas por crimes contra o meio ambiente despencou nos últimos anos. As medidas que o Governo tem adotado, face às pressões de outros países, investidores e ONGs, não surtiram efeitos significativos. O envio de milhares de soldados foi caro e ineficaz para conter o aumento do desmatamento, como indica o balanço. O ministro do Meio Ambiente sustenta que os números divulgados nesta quinta-feira “não refletem a ação do Governo nos últimos meses” com o destacamento, por exemplo, de integrantes da Guarda Nacional. O Governo Bolsonaro insiste em proclamar que não tolerará ilegalidades na Amazônia, mas a verdade é que basta ir lá para testemunhar a velocidade com que o desmatamento, a ocupação de terras por gado e as invasões de garimpeiros em terras indígenas estão avançando.
Privatização da Eletrobras pode aumentar desmatamento e emissões no Brasil
Estimativas apontam que as emissões de gases-estufa do setor elétrico crescerão 33% se “jabutis” de parlamentares forem aprovados
Aldem Bourscheit / Infoamazônia
Criada em 1961, a Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras) está na longa agenda de privatizações do governo Jair Bolsonaro, cuja oferta de ações pode passar dos R$ 100 bilhões. A proposta para desestatização da empresa, que responde por até 29% da energia gerada no país, recebeu emendas no Congresso que podem aumentar o desmatamento na Amazônia e as emissões de gases-estufa. Os chamados “jabutis” embutidos na medida provisória comprometem metas nacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa assumidas pelo governo Bolsonaro na Cúpula do Clima (COP26), aponta o Instituto Escolhas.
O jabuti é um réptil típico da natureza sul-americana, mas como teria dito o político Ulysses Guimarães (1916-1992), ele “não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”. Daí a expressão vir à tona quando parlamentares inserem emendas em propostas legislativas sem qualquer relação com o texto original.
A Câmara alterou a Constituição em 2019 e proibiu os “jabutis” em medidas provisórias, reforçando uma decisão de 2015 do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas essas emendas seguem vivas no parlamento.
Conforme a análise do Instituto Escolhas, as emissões do setor elétrico saltarão 33% se forem aprovados “jabutis” inseridos no texto da privatização da Eletrobras. Em entrevista a veículos de imprensa, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negou que as emendas sejam “jabutis” porque tratam do setor energético, ou seja, diriam respeito ao tema que tramita no Congresso.
Os “jabutis” na proposta de desestatização da Eletrobras mapeados pelo Instituto Escolhas.
Uma das propostas obriga a construção e o uso por 70% do tempo de termelétricas a gás natural nas regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, dominada pela floresta tropical. Além disso, o desmate e outros impactos virão com a instalação de gasodutos para abastecer as geradoras. O gás é um combustível fóssil e sua queima emite gases como metano, um dos vilões do aquecimento global. Sua maior fonte no país é o pré-sal.
Uma reportagem do InfoAmazonia mostrou que o gás natural pode ganhar escala na produção nacional de eletricidade para atender à crescente demanda socioeconômica. A participação de hidrelétricas na matriz energética caiu de 90% para 64% nas últimas duas décadas, e o índice deve chegar a 50% em 2027. A Eletrobras responde hoje por 54% da eletricidade gerada na Amazônia.
Temos uma avenida de oportunidades para investir em energias limpas do futuro, como solar e eólica, com grande potencial e competitividade crescente. Mas a cada leilão e ato político são reforçadas as amarras em modelos energéticos que se tornarão obsoletos. Do jeito que está, a conta de luz e a contribuição dos brasileiros à crise do clima ficarão ainda maiores.
Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas
Para Sérgio Leitão, diretor-executivo do Escolhas, a privatização da Eletrobras deveria dar capacidade de investimento, aumentar a concorrência, reduzir tarifas e diversificar os tipos de geração no setor energético nacional. Mas os aportes e políticas em curso sinalizam que o país manterá uma matriz energética geradora de impactos ambientais, sociais e climáticos.
“Temos uma avenida de oportunidades para investir em energias limpas do futuro, como solar e eólica, com grande potencial e competitividade crescente. Mas a cada leilão e ato político são reforçadas as amarras em modelos energéticos que se tornarão obsoletos. Do jeito que está, a conta de luz e a contribuição dos brasileiros à crise do clima ficarão ainda maiores”, reforçou.
Hidrelétricas e linhão cortando reserva indígena
Outras emendas parlamentares determinam a contratação de energia gerada em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) em leilões que ocorrerão até 2026 e estendem por 30 anos as concessões para hidrelétricas como a de Tucuruí, no Pará. Essas medidas podem ampliar a construção de pequenas geradoras nas bacias Amazônica e do Tocantins-Araguaia, além de aumentar a conta de eletricidade dos brasileiros, avalia o Instituto Escolhas.
Um outro jabuti na proposta da privatização libera a construção de um linhão entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR) logo após estudos iniciais. Mas o Ibama liberou em setembro as obras, consideradas de “interesse nacional” por conectar Roraima ao sistema elétrico brasileiro. A energia do estado, que sofre com apagões constantes, vem de termelétricas e da Venezuela.
Dos 721 km do linhão, 125 km cortarão a Terra Indígena Waimiri-Atroari, localizada no Amazonas e em Roraima. Lá vivem mais de 2 mil pessoas em quase 60 aldeias, incluindo população isolada, que prefere não manter contato. Estradas e picadas serão abertas no território para a implantação e manutenção de 250 torres e dos fios de alta tensão.
Linhão Manaus-Boa Vista previsto na privatização da Eletrobras vai cruzar pela TI Waimiri Artroari.
Jonas Fontenele, advogado do Programa Waimiri Atroari, conta que as propostas dos indígenas para que o linhão desviasse de seu território foram ignoradas pelo governo, que minimiza impactos da obra por ser paralela à rodovia BR-174. “Os indígenas esperam que a linha não atropele seu direito de viver em paz em suas terras, como está na Constituição e na Convenção 169 da OIT”, destaca. “O linhão impactará para sempre a vida deles. Perto dele, não poderão fazer roçados ou aldeias. Além disso, a obra e a manutenção da infraestrutura atrairão ainda mais pessoas estranhas à terra indígena, que sofre impactos e ataques sobretudo desde a ditadura militar”.
O linhão impactará para sempre a vida deles. Perto dele, não poderão fazer roçados ou aldeias. Além disso, a obra e a manutenção da infraestrutura atrairão ainda mais pessoas estranhas à terra indígena, que sofre impactos e ataques sobretudo desde a ditadura militar.
Jonas Fontenele, advogado do Programa Waimiri Artroari
Em meados dos anos 1970, a construção da BR-174, entre Manaus e Boa Vista, e a implantação de uma mina de cassiterita, usada em embalagens e soldas, ampliaram prejuízos aos Waimiri Atroari. Na década seguinte, a hidrelétrica de Balbina (AM) trouxe desmatamento e inundou uma área de 2.360 km².
O Ibama e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações não atenderam aos pedidos de entrevista do InfoAmazonia até o fechamento da reportagem para explicar como reduzirão os impactos sobre ambientes naturais e populações indígenas das obras do linhão Manaus-Boa Vista, e nem como serão cumpridas metas nacionais para corte de emissões de gases-estufa.
OS NÚMEROS DA ELETROBRAS
– Capital social de R$ 39,057 bilhões (2020)
– 48 hidrelétricas, 14 termelétricas, 2 usinas nucleares, 43 usinas eólicas e 1 usina solar
– 29% de capacidade instalada para geração de energia
– 76.128 km de linhas de transmissão
– 1 Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel)
– 50% de participação em Itaipu Binacional
Fonte: Instituto Escolhas e Eletrobras
Na última conferência das Nações Unidas sobre a crise global do clima (COP26), encerrada no último sábado (13) em Glasgow (Escócia), o governo brasileiro prometeu cortar pela metade as suas emissões de gases-estufa até o fim da década e zerá-las até 2050. As emissões nacionais são concentradas no desmatamento e agropecuária (73%) e no setor energético (18%), que incluem as emissões da geração hidrelétrica.
Para o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), a desestatização da Eletrobras reflete a grande diferença entre o que se pratica e o que é dito e assumido em foros internacionais pelo Brasil, o país que mais desmata e mais queima florestas no mundo. “A privatização da Eletrobras obriga quem comprá-la a seguir comprando e produzindo ‘energia suja’. O Congresso não pode compactuar com retrocessos como esse”, avaliou o parlamentar. A Câmara debate a conversão em lei da MP para privatização da empresa.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.
Fonte: Infoamazônia
https://infoamazonia.org/2021/11/18/privatizacao-eletrobras-desmatamento-emissoes/
Efeito estufa: Impacto da degradação da Amazônia não é contabilizado
Brasil bateu novo recorde de desmatamento durante a COP26
Aldem Bourscheit / PlenaMata / Amazônia Real
A destruição da Amazônia não ocorre só pelo corte raso da floresta, mas também pela extração seletiva de árvores para o comércio de madeira ou com o uso de fogo para eliminar a vegetação. Mas as perdas pela chamada degradaçãoEliminação parcial e gradual da vegetação florestal para a extração seletiva de madeira e de outros recursos naturais. Pode ocorrer também por fogo e alterações climáticas [+] da floresta ainda não entram no cálculo das emissões de gases-estufa, o que gera um retrato distorcido da participação do Brasil nas mudanças climáticas globais.
Uma carta publicada na revista Nature por pesquisadores brasileiros e de outros países endereçada às discussões na COP26, a conferência sobre clima das Nações Unidas em Glasgow (Escócia), que acaba hoje (12), alerta que essas emissões precisam entrar nos balanços nacionais e nos debates climáticos.
Conforme o documento, grandes emissões de carbono são mascaradas porque países amazônicos não avaliam e não informam sobre a degradação florestal (+). Entre 2003 e 2015, as emissões de carbono por incêndios florestais e efeitos de borda foram estimadas em 88% das emissões brutas por desmatamento na Amazônia brasileira. A poluição climática cresce ao longo dos anos pela morte e decomposição de árvores atingidas pelo fogo.
“Conhecer as emissões por degradação em ambientes não adaptados ao fogo, como florestas úmidas com grande estoque de carbono na América do Sul, África e Ásia, ajudará o mundo a ter um cenário mais realista das emissões e das ações que devemos tomar para conter a crise do clima”, ressaltou Luiz Aragão, chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e um dos pesquisadores que assina a carta.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) apresentou um estudo na COP26 mostrando que apenas os incêndios florestais na Amazônia engrossaram em 21% as emissões brasileiras de carbono desde 2005, em relação à década anterior. O gás amplia o efeito estufa e acaba elevando a temperatura média planetária. “Estamos omitindo parte importante das emissões de florestas tropicais como a Amazônia, que são muito afetadas pelo fogo”, destacou Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam em coletiva de imprensa no Brazil Climate Hub. Segundo ela, é necessário melhorar o balanço das emissões-captações e estudos sobre a biomassa queimada antes de incorporar formalmente a degradação ao inventário.
A degradação está comendo a capacidade da floresta absorver o carbono da atmosfera. Precisamos de mais estudos sobre degradaçãopara a Amazônia e demais florestas do mundo para que tenhamos um quadro completo do problema, de forma que o IPCC incorpore a degradação de fogo em sua metodologia.
Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do IPCC
Hoje, os protocolos brasileiros e do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima) não contabilizam as emissões de gases-estufa que não estejam amarradas ao desmatamento. O Brasil tem uma estimativa de poluição climática por degradação, mas não é obrigado a somá-las nos inventários nacionais remetidos às Nações Unidas, diz Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e colunista da plataforma PlenaMata. “A degradação está comendo a capacidade da floresta absorver o carbono da atmosfera. Precisamos de mais estudos sobre degradaçãopara a Amazônia e demais florestas do mundo para que tenhamos um quadro completo do problema, de forma que o IPCC incorpore a degradação de fogo em sua metodologia”, reforçou o pesquisador e membro do IPCC.
Munidos com imagens de satélites, pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos descobriram que a degradação da Amazônia por fogo e corte seletivo de árvores para comércio de madeiras superou o desmatamento entre 1992 e 2014. Conforme o estudo publicado na Science, enquanto 308 mil km² foram desmatados no período, uma área quase 10% maior foi degradada, ou 337 mil km².
A diferença cresceu nos últimos anos. Uma análise do InfoAmazonia sobre alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)Ferramenta do governo federal que gera alertas rápidos para evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia e no Cerrado [+] mostra que a degradação por fogo e perda de cobertura florestal em 2021 (5.217 km² ) é 66% da área desmatada (7.882 km²) na Amazônia Legal em 2021 (de janeiro a 31 de outubro). As cicatrizes de incêndios florestais respondem por quase 41% dessa degradação, ou 3.223 mil km².
“Há um descolamento entre áreas atingidas por desmatamento e por fogo, pois o fogo é usado para abrir pastagens e tende a se deslocar para dentro das florestas. Por isso, políticas para controle do desmatamento não necessariamente atacam as emissões de gases-estufa por fogo. Elas devem ser complementares”, ressaltou Aragão, do INPE.
De acordo com o Ipam, a queima e a decomposição de árvores, folhas e galhos atingidos pelo fogo na Amazônia lançou na atmosfera mundial quase 1,3 bilhão de toneladas de carbono entre 1990 a 2020. Se forem distribuídas ao longo dos 30 anos, as emissões anuais equivalem às do Japão. Florestas degradadas pelo fogo guardam 25% menos carbono do que as preservadas, aponta a ONG.
Apenas de fogo, foram 674 mil focos de calor na Amazônia Legal em 2021 detectados pelo satélite S-NPP/VIIRS da Nasa de janeiro a 31 de outubro. Desse total, 18% dos focos ocorreram em áreas protegidas (10,4% em unidades de conservação federais e estaduais e 7,6% em terras indígenas).
Retrato distorcido
Não pesar as emissões geradas pela degradação da Amazônia amplia o problema de metas insuficientes para cortes de poluentes na contribuição nacionalmente determinada, a NDC brasileira.
Analistas do Política por Inteiro avaliaram que os compromissos que o país apresentará às Nações Unidas, para reduzir pela metade as emissões até 2030 em relação às taxas de 2005, permitem que o Brasil siga prejudicando o clima global até o fim da década. Ou seja, o novo percentual para redução de emissões não compensa o aumento da poluição climática desde 2015, quando o Brasil prometeu cortar 43% do lançamento de gases-estufa. “Para se alinhar ao Acordo de Paris, o Brasil deveria aumentar sua ambição e prometer uma meta maior do que aquela proposta há seis anos”, avalia o estudo.
“A NDC deveria ser uma ferramenta para o Brasil reorientar seus planos de desenvolvimento para uma economia que emita pouco carbono. Sem isso, ela não sinaliza a diferentes setores, aos tomadores de decisões e à sociedade que o país quer um futuro de baixo carbono, que reduz desigualdades sociais e melhora a vida da população, como outras nações estão fazendo”, ressaltou Walter De Simoni, diretor de Articulação Política e Diálogo do Instituto Talanoa.
Não atingiremos nenhuma meta para cortar a poluição climática com esses níveis de desmatamento e de degradação florestal, que aumentam as contas de emissões. Mesmo que zeremos o desmate, muita floresta degradada por fogo e outros impactos seguirá emitindo gases-estufa.
Ane Alencar, diretora do Ipam
O problema nas contas climáticas não é exclusivo do Brasil. Um levantamento do jornal Washington Post mostrou que a grande maioria dos 196 países analisados joga para debaixo do tapete as emissões reais de gases-estufa em seus balanços às Nações Unidas. As emissões subnotificadas pelos países variam de 8,5 bilhões a 13,3 bilhões de toneladas anuais.
Na COP26, o governo brasileiro prometeu zerar o desmatamento ilegal entre 2022 e 2028. Mas alertas do INPE mostram que o desmatamento em outubro na Amazônia superou os 877 km², um dos piores índices da história. O desmate consolidado entre agosto de 2020 e julho deste ano ainda não foi divulgado pelo instituto, como ocorre durante as COPs. “Não atingiremos nenhuma meta para cortar a poluição climática com esses níveis de desmatamento e de degradação florestal, que aumentam as contas de emissões. Mesmo que zeremos o desmate, muita floresta degradada por fogo e outros impactos seguirá emitindo gases-estufa”, arrematou Ane Alencar, do Ipam.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.
Fonte: Amazônia Real
https://infoamazonia.org/2021/11/12/cop26-degradacao-amazonia-emissoes-gases-estufa/
Jamil Chade: A Black Friday do Brasil na COP26. País manipula números
Antes de anunciar o compromisso de redução de 50% nas emissões até 2030, o país permitiu um aumento exponencial do desmatamento
Jamil Chade / Blog do Noblat / Metrópoles / El País
Golpe. Essa é a única palavra capaz de traduzir a operação de sedução que o governo brasileiro promove durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. Nas ruas de Glasgow, a batalha pelos corações e mentes da sociedade civil está perdida, com manifestantes levando bonecos imitando um Jair Bolsonaro algemado. Ele encarna a figura do “delinquente ambiental”.
O governo, ainda assim, optou por tentar desarmar uma bomba diplomática, principalmente depois do constrangimento vivido pelo presidente na cúpula do G20, em Roma. Ali, ficou claro que não existia apenas um homem isolado, mas um país que perdeu seu lugar no mundo. Deixou não apenas de ser protagonista, mas tornou-se tóxico. O resultado: um papel irrelevante no palco mundial, justamente numa era que vai redefinir nossa geração.
Assim, no espaço de apenas alguns dias, o governo proliferou anúncios espetaculares, numa espécie de corrida para quitar “hipotecas climáticas”. Mas, no fundo, elas não passam de fraudes e repetem a única política constante do atual governo: a da mentira.
Um dos anúncios foi a de que o Brasil irá erradicar o desmatamento ilegal até 2028. Como? Simples: legalizando a mineração, o garimpo, as madeireiras e a exploração em terras que, até agora, deveriam estar preservadas. Projetos de Lei prestes a serem votados no Congresso já garantiriam esse caminho, transformando o ilegal em legal. Sem uma fronteira entre o moral e imoral, a manobra permitiria que o país anuncie ao mundo que atingiu seus “objetivos”.
No que se refere às emissões, a fraude também é amplamente comentada entre ambientalistas. Nos corredores da COP26, um termo já ganhou espaço para designar a estratégia do Brasil: “Black Friday”. Ou seja, antes de anunciar o compromisso de redução de 50% nas emissões até 2030, o país permitiu um aumento exponencial do desmatamento e das próprias emissões. Assim, quando fixou a meta, a base de cálculo já era outra e o esforço será menor.
Nenhum dos protocolos que o Brasil aderiu gera qualquer tipo de constrangimento legal para o país. Não há nada que o governo tenha de fazer a partir de segunda-feira. Não há nenhum tratado a ser ratificado no Congresso ou exigência de reconstrução dos órgãos de fiscalização. Tudo é voluntário e, na melhor das hipóteses, recairá no colo de um futuro governo.
Assim, com anúncios vazios, mentirosos e manipulados, Bolsonaro transforma a participação do único país com nome de árvore na conferência climática em um espelho de sua gestão.
Há quem diga que, mesmo assim, ninguém deveria se surpreender se o cinismo dos negociadores em Glasgow prevalecer. Mas quando o mundo voltar a se reunir para a 27ª “cúpula da última chance”, a floresta estará menor, grupos indígenas estarão mais vulneráveis e o medo daqueles que tentam defender o planeta ganhará novas dimensões.
Indecente, o golpe brasileiro em Glasgow entrará para os anais como o momento em que um governo acusado de ecocídio tentou enganar o mundo.
A história não lhes poupará.
(Transcrito do jornal El País)
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/a-black-friday-do-brasil-na-cop26-pais-manipula-numeros-jamil-chade
Brasil atravessa convergência de escolhas equivocadas, diz ecóloga
Para Mercedes Bustamante, ao não investir em adaptações às mudanças climáticas, país coloca economia em risco
Cristiane Fontes e Marcelo Leite / Folha de S. Paulo
Mercedes Bustamante, uma das maiores autoridades brasileiras em ecologia e desmatamento do cerrado e da floresta amazônica, está alarmada com a perda de credibilidade do governo brasileiro na COP26, cúpula sobre a crise do clima que se realiza em Glasgow, Escócia. Não o bastante, contudo, para perder o otimismo.
Uma entre mais de 200 autores de relatório do Painel Científico sobre a Amazônia, ela aponta como prioridades zerar o desmatamento, legal ou ilegal, "sem adjetivos".
Ela também vê como essencial organizar de forma inclusiva atividades de bioeconomia, com base na parceria da ciência com o conhecimento tradicional, e aperfeiçoar a regulamentação do acesso a recursos genéticos que de fato atendam tanto à indústria quanto a populações locais.
Para isso, entretanto, seria urgente desfazer a série de escolhas equivocadas do país, alçada a níveis nunca vistos no governo Bolsonaro. "Não se consegue montar uma bioeconomia inclusiva na Amazônia competindo com uma economia ilegal como se tem hoje."
O relatório do Painel Científico para a Amazônia (sigla SPA, em inglês) foi finalizado para lançamento na COP26. Quais são as principais recomendações do texto?
Um dos primeiros pontos importantes é deter o desmatamento. E a gente não coloca um adjetivo aí, desmatamento legal ou ilegal, é deter o desmatamento e o processo de degradação da floresta.
O segundo passo é organizar as atividades sustentáveis na Amazônia. Há hoje uma série de atividades, algumas já ganhando escala, com base na utilização dos recursos biológicos que comporiam a bioeconomia num sentido mais amplo. Mas existe uma lacuna enorme no que poderia ser feito a partir da integração dos diferentes sistemas do conhecimento: ciência, tecnologia e inovação e conhecimento indígena e tradicional.
O que falta para a construção dessa chamada bioeconomia amazônica?
O conceito de bioeconomia deve ser abrangente o suficiente para a gente olhar povos da floresta, recursos terrestres, recursos aquáticos, agricultura familiar e atividades de maior escala.
O Brasil não conseguiu uma implementação satisfatória dos mecanismos que permitem o acesso aos recursos genéticos nem clareza em relação à repartição de benefícios associados ao conhecimento tradicional. Hoje o país não protege adequadamente o conhecimento tradicional, e eu acredito que também não atenda, de forma satisfatória, nem a indústria nem academia.
Outro gargalo para uma bioeconomia sólida e inclusiva é que ela demanda fiscalização e eliminação de atividades ilegais. Políticas que tenham como premissa a floresta em pé, rios saudáveis. Demanda ações claras de que apropriação indevida de terras púbicas, de unidades de conservação, de territórios indígenas não serão toleradas.
Por fim, o investimento em ciência, tecnologia e inovação ainda está muito aquém do necessário. Na Amazônia, a gente descreve uma nova espécie a cada dois dias, o que indica a enorme lacuna de conhecimento da diversidade.
Além disso, o Brasil enfrenta novamente o problema da fuga de cérebros.
Vemos a convergência de uma série de escolhas equivocadas para o país. Acrescentaria ao quadro a questão da mudança do clima. Uma das grandes preocupações do Brasil deveria ser como as mudanças climáticas vão afetar a biodiversidade e o funcionamento dos sistemas naturais, que são nossa vantagem competitiva no mundo.
A gente vem organizando ou desorganizando o sistema com o olhar no retrovisor, para uma economia que não vai existir mais, deixando de perceber onde estão as possibilidades que se desenham rapidamente em função da crise climática. Você não consegue montar uma economia legal na Amazônia competindo com uma economia ilegal como a gente tem hoje.
O que seria mais urgente para a gente reverter a situação atual e assegurar a moratória do desmatamento?
Vejo com bons olhos a movimentação dos governadores, das instituições locais, porque elas começam a ocupar o vazio que foi deixado pelo governo federal. Agora, uma boa parte do território amazônico é de responsabilidade de União.
A gente já percebe mercados que se fecham para o Brasil. Esse clima de instabilidade que a gente vive tem consequências econômicas.
Quando falamos de mudança no clima no Brasil, normalmente pensamos na Amazônia, mas o cerrado é segundo maior bioma. Que medidas de proteção são urgentes para a savana brasileira?
Os critérios de sustentabilidade que a gente vem discutindo para a Amazônia se aplicam para todos os biomas brasileiros.
A situação do cerrado preocupa bastante porque o avanço do desmatamento se deu de forma muito rápida.
Quando a gente fala que 50% do cerrado já foram convertidos, as pessoas têm essa impressão de que há 50% intactos, mas estão bastante fragmentados e muitos deles em estágio de degradação.
Apesar de o Código Florestal colocar que tem de conservar pelo menos 20% no cerrado, hoje a maior parte do desmatamento não tem autorização de órgãos ambientais. Novamente, existe o problema do cumprimento da lei. Isso impossibilita que você tenha uma gestão desse processo de ocupação, olhando a paisagem e não a propriedade, que é um dos nossos grandes problemas.
O segundo ponto é que nós temos enormes áreas de pastagens, que continuam sendo o uso prioritário da terra no cerrado. Pastagens que estão degradadas, abandonadas, sobretudo na porção mais antiga de ocupação, no centro-sul.
O que seria possível fazer nessas áreas?
Muitas delas podem ser utilizadas para a agricultura, segurando o desmatamento na porção norte, ou para restauração, para conectar fragmentos importantes que sejam de conservação da biodiversidade.
O terceiro ponto em relação ao cerrado é a mudança de práticas da agricultura de larga escala. No futuro, uma área extensa de monocultura não vai ter mais lugar, porque ela não se sustenta. E ela só tem lucro se tiver essa ocupação em larga escala.
Essa ocupação em larga escala no Matopiba [Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia] enfrenta um risco climático muito grande. E ele vai se acentuar, se a gente não conseguir manter o limite da temperatura em 1,5ºC, da meta do Acordo de Paris.
Isso começa a inviabilizar a agricultura nessas áreas e significa que elas têm de retornar para o centro-sul. Só que o centro-sul já está ocupado, então a gente vai chegar num dilema de competição por área, se não houver planejamento.
Qual a sua opinião sobre a participação do Brasil na COP26?
A gente chega na COP26 com uma reputação bastante arranhada, debilitada.
O governo brasileiro pode levar uma bela proposta, que não está sendo amplamente discutida com a sociedade ou com a academia. As ações são tão contundentes no sentido contrário que uma meta que não tenha a clareza de etapas, como vai ser atingida, tem pouco efeito.
O Brasil está perdendo um tempo precioso. A gente discute muito a questão da redução das emissões dos gases de efeito estufa, sobretudo porque essa emissão vem do desmatamento, mas não vem discutindo adequadamente ações de adaptação, num país em que as camadas sociais mais pobres estão cada vez mais vulneráveis.
RAIO-X
Mercedes Bustamante, 58 é professora de ecologia da Universidade de Brasília desde 1993. Integra a Academia Brasileira de Ciências e a Academia Nacional de Ciência dos EUA. Participou do quinto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Concentra sua pesquisa nas mudanças de uso da terra no Brasil e seus impactos sobre os ecossistemas.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/11/brasil-atravessa-convergencia-de-escolhas-equivocadas-diz-ecologa.shtml
Brasil, China e mais de cem países assinam acordo para zerar desmatamento até 2030
O chamado Forest Deal foi negociado durante a COP-26, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil em Londres
O acordo prevê US$ 19,2 bilhões em recursos públicos e privados para ações ligadas à preservação das florestas, combate a incêndios, reflorestamento e proteção de territórios indígenas.
Conforme a BBC News Brasil antecipou na semana passada, o Brasil, onde fica a maior parte da floresta Amazônica, decidiu aderir ao acordo, apesar das dúvidas sobre se o governo Bolsonaro aceitaria assinar um documento que contrasta com a política ambiental adotada nos últimos três anos.
- COP26: Por que Brasil é crucial para evitar efeito catastrófico das mudanças climáticas
- COP26: Brasil vai assinar novo acordo de proteção de florestas crucial para meta climática
O acordo, que vai ser anunciado oficialmente nesta terça-feira (2/11), em evento da COP26, prevê medidas para impedir que produtos associados a desmatamento recebam financiamento privado e sejam comercializados internacionalmente. Também destaca a importância dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais como protetores da floresta.
O embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, que chefia as negociações pela delegação brasileira na COP26, disse que a assinatura do Brasil evidencia uma "nova postura" do governo brasileiro na área ambiental.
"Estamos satisfeitos com o resultado final. Isto demonstra mais uma vez a nova postura brasileira de compromisso com os temas de desenvolvimento sustentável e, especificamente sobre mudança do clima", disse Carvalho Neto à BBC News Brasil.
"O Brasil tem a expectativa que as maiores economias mundiais farão a sua parte também, em especial na redução ao uso de energias fósseis, causa principal do aquecimento global", cobrou o embaixador, que é secretário de Assuntos Políticos Multilaterais.
Brasil contemplado com recursos
Dos US$ 19,2 bilhões previstos no acordo para proteção de florestas, cerca de US$ 12 bilhões virão de 12 países desenvolvidos, incluindo o Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, França e Alemanha. Os recursos serão distribuído a países em desenvolvimento entre 2021 e 2025. O Brasil deve ser um dos contemplados por causa da importância da Amazônia. Indonésia e Congo, que também possuem grandes florestas tropicais, também devem receber volume significativo de recursos.
Outros US$ 7,2 bilhões virão do setor privado. Além disso, CEOs de mais de 30 instituições financeiras, como Aviva, Schroder e Axa, se comprometeram a eliminar investimentos em atividades ligadas ao desmatamento.
Dos recursos privados, US$ 3 bilhões irão para a América Latina, por meio de um fundo destinado a garantir que as produções de soja e gado nas regiões da Amazônia, Cerrado e no Chaco sejam livres de desmatamento.
Atualmente, 23% das emissões globais de gases do efeito estufa vêm do uso do solo e desmatamento. No Brasil, esse percentual é muito maior, alcança mais de 70%.
Atualmente, uma área de floresta do tamanho de 27 campos de futebol desaparece a cada minuto no mundo. O desmatamento da Amazônia cresceu fortemente nos dois primeiros anos de governo Bolsonaro. Em 2020, a destruição da floresta foi a maior em 12 anos.
Perguntado se é possível confiar que líderes como Bolsonaro cumprirão o acordo, o Secretário de Meio Ambiente do Reino Unido, George Eustice, disse que o país demonstrou "engajamento" nas negociações.
"Da última vez em que tentou-se um comprometimento sobre florestas (em 2014) o Brasil não quis fazer parte, nem a Rússia nem a China", destacou. "[Já no caso do] Brasil, eles realmente se mostraram engajados com a gente nessa agenda. É um grande passo para eles."
Mas o acordo não prevê punição para países que descumprirem seus termos. "Ele não chega ao ponto de prever mecanismos de controle e punição. Não é da natureza desses acordos", disse o secretário do Meio Ambiente do Reino Unido.
Índigenas criticam 'presente' a governo Bolsonaro
Organizações indígenas presentes COP26 criticaram o fato de não terem sido incluídos nas negociações do acordo florestal. Para o líder indígena Kretã Kaingang, coordenador da Articulação de Povos Indígenas do Brasil, o Forest Deal "premia" com recursos o governo Bolsonaro e sua política de "destruição".
"Este é um acordo de governos. Não fomos ouvidos. Esse acordo envolve financiamento para redução do desmatamento, mas no Brasil temos projetos em discussão no Congresso Nacional, apoiados pelo governo Bolsonaro, que permitem a mineração, o desmatamento e o uso de terras indígenas para a produção agrícola", disse Kaingang à BBC News Brasil.
"Esse acordo recompensa essa política de desmatamento, mortes e destruição de indígenas".
DESMATAMENTO NO BRASIL
Oportunidades para o Brasil?
Mas para alguns ambientalistas e especialistas em políticas públicas, a assinatura do acordo florestal é uma boa sinalização de mudança do discurso ambiental do Brasil. Mas eles destacam que medidas concretas que apontem para a redução do desmatamento serão necessárias para "convencer" o público internacional das intenções brasileiras.
Com a adesão ao chamado Forest Deal, o Brasil está se comprometendo com princípios que batem de frente com propostas em tramitação no Congresso Nacional que até então eram defendidas pelo governo Bolsonaro, como legalização de terras públicas desmatadas para agricultura e liberação de mineração em territórios indígenas.
"A assinatura é um indicativo de mudança na política ambiental. É uma sinalização importante. Mas assinar esse acordo não vai ser suficiente. O país está com credibilidade abaixo de zero. Temos que demonstrar que o desmatamento vai cair através de medias de comando e controle", disse à BBC Brasil o biólogo Roberto Waack, que integra o conselho de administração da Marfrig, segunda maior empresa produtora de carne bovina do mundo.
Os quatro principais pontos do Forest Deal incluem: proteção a povos indígenas como 'guardiões da floresta'; promoção de uma cadeia ambientalmente sustentável de oferta e demanda de commodities; financiamento para promoção de economia verde; e defesa de regulamentações que limitem financiamento e comércio internacional de produtos ligados ao desmatamento.
Para Waack, a adesão ao texto traz mais oportunidades econômicas que prejuízos à agricultura brasileira.
"O setor empresarial que está no mercado internacional já percebeu que tem muito mais oportunidades que barreiras", disse o biólogo, que também é co-autor do livro Repensando a Amazônia.
"Temos um agronegócio com capacidade tecnológica e bons instrumentos de conservação, mas fica tudo num saco só na percepção internacional e todos se prejudicam com a sinalização do governo de defesa do desmatamento."
Waack destaca, porém, que o acordo possivelmente limitará o uso econômico da Amazônia e demais florestas às chamadas "atividades econômicas florestais", que não causam degradação. É o caso, por exemplo, de extrativismo sustentável para exportação de açaí.
"Esse documento abre caminho para diversificar a economia, mas atividade econômica florestal. Isso quer dizer que não pode causar danos à floresta, como mineração em terras indígenas", destacou o biólogo que, além de integrar o conselho da Marfrig, é presidente do conselho do Instituto Arapyaú, que canaliza investimentos privados para projetos sustentáveis.
Novas metas do Brasil
Na segunda-feira (1º/11), o governo brasileiro anunciou que vai oficializar na COP26 novas metas climáticas. O país vai antecipar a meta de zerar o desmatamento ilegal no país de 2030 para 2028, e alcançar uma redução de 50% até 2027.
A ideia, conforme anúncio do governo brasileiro, é que haja uma diminuição gradual da destruição da floresta em 15% ao ano entre 2022 e 2024, subindo para 40% de redução em 2025 e 2026, até alcançar desmatamento zero em 2028.
O Brasil também se comprometeu a aumentar a meta de redução de gases poluentes de 43% para 50% até 2030. O anúncio foi feito pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
Ele confirmou ainda que vai oficializar durante a COP26 a meta de alcançar a neutralidade de carbono até 2050 — quando as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são integralmente compensadas, por exemplo, com tecnologia de captura de carbono da atmosfera.
O Brasil havia apresentado inicialmente uma meta de redução das emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030, usando como base o ano de 2005.
Em mensagem gravada antes do anúncio das novas metas, o presidente Jair Bolsonaro disse que há espaço para "mais ambição" no controle climático e garantiu que o Brasil é "parte da solução" do problema.
"O Brasil é parte da solução para superar esse desafio global. Os resultados alcançados até 2020 demonstram que podemos ser mais ambiciosos. Autorizei o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a apresentar durante a COP26 novas metas climáticas", declarou Bolsonaro, em vídeo transmitido durante o evento no qual o ministro do Meio Ambiente apresentou os novos compromissos brasileiros.
O discurso e a promessa de "ambição" contrastam com a política ambiental dos três primeiros anos de governo Bolsonaro. A dificuldade da delegação brasileira será convencer os demais países sobre a seriedade de seus compromissos ambientais, diante de dois anos consecutivos de aumento no desmatamento da Amazônia.
Dados mostram que, no governo Bolsonaro, em 2020, o número de focos de incêndios em todo o território foi o maior em 10 anos; o volume de emissões de carbono em 2019 foi o maior em 13 anos, e o desmatamento da Amazônia atingiu o maior patamar desde 2008.
* Com reportagem de Georgina Rannard & Francesca Gillett
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59065368
Mais de 100 países, Brasil incluso, firmam acordo para deter desmatamento até 2030
Texto prevê finaciamento de US$ 19 bilhões em fundos públicos e privados, e foi chamado de 'sem precedentes' pela COP-26
O Globo e agências internacionais
GLASGOW — Lìderes de cerca de 100 países que participam da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-26, em Glasgow, firmaram um compromisso para deter e reverter o desmatamento até 2030, contando para isso com um fundo de US$ 19 bilhões de dólares composto por dinheiro público e privado. Mas organizações ambientais afirmam que o prazo serve como “luz verde para mais uma década de destruição das florestas”.
"Teremos uma chance de colocar fim à longa história da humanidade como conquistadora da natureza e, ao invés disso, torná-la sua protetora", afirmou, em comunicado, o premier britânico Boris Johnson, ressaltando que se trata de um acordo "sem precedentes".
Sob pressão: Para cientistas do clima, governo brasileiro tem de provar que vai cortar desmatamento e cumprir meta nova
O texto, que conta com a assinatura de nações como o Brasil, hoje cobrado para adotar uma postura mais agressiva na questão do desmatamento, Rússia, China, EUA e os países da União Europeia, afirma que os signatários reúnem “85% das florestas do mundo, com uma superfície de 33,6 milhões de km²” de área nativa. Cada um deles deverá estabelecer os próprios planos para zerar o desmatamento até 2030, além de proteger 30% de seus recursos marítimos e terrestres até essa data.
“Nunca antes tantos líderes, de tantas regiões, representando todos os tipos de floresta, uniram forças dessa maneira”, disse o presidente da Colômbia, Iván Duque, em declarações distribuídas pela organização da conferência. O texto expande um compromisso similar feito por 40 países e outras dezenas de organizações em 2014, na chamada Declaração de Nova York sobre Florestas.
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O acordo aponta que 12 países se comprometeram a contribuir com US$ 12 bilhões para um fundo voltado a países em desenvolvimento entre 2021 e 2025, com o dinheiro sendo usado para restaurar áreas degradadas e combater queimadas. Outros US$ 5,3 bilhões serão doados por 30 empresas privadas, que também se comprometeram a suspender investimentos em atividades ligadas ao desmatamento até 2025.
Por fim, outros cinco países, incluindo Reino Unido e EUA, além de organizações privadas, devem fornecer US$ 1,7 bilhão para apoiar ações de conservação e de manutenção dos direitos às terras nativas de povos indígenas.
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Governos de outros 28 países responsáveis por 75% do comércio global de commodities como soja e cacau, vistas como potencialmente nocivas às florestas, vão assinar um acordo à parte, se comprometendo com medidas para incentivar o comércio sustentável e reduzir a pressão sobre as florestas, incluindo o apoio a pequenos produtores e ampliando a transparência nas cadeias de abastecimento.
Apesar de celebrado pela organização da COP-26, ambientalistas veem com ceticismo o anúncio, em especial pelo prazo considerado longo demais para eliminar o desmatamento.
— A Amazônia já está no limite e não pode sobreviver a mais anos de desmatamento. Os povos indígenas querem que se proteja 80% da Amazônia até 2025, e eles estão certos, é o necessário. O clima e a natureza não têm como permitir esse acordo — afirmou à AFP Carolina Pasquali, diretora-executiva do Greenpeace Brasil.
Para ela, a forma como o texto foi acertado acabou se mostrando “cômoda” para o governo brasileiro, uma vez que, em sua opinião, “permite mais uma década de destruição florestal e não é vinculante”.
Hoje, florestas e selvas absorvem quase um terço do dióxido de carbono emitido na queima de combustíveis fósseis — ao mesmo tempo, 23% das emissões globais vêm de atividades como o desmatamento e a agricultura, e mais de um bilhão e meio de pessoas dependem das áreas de mata para sobreviver.
COP26: O que Brasil vai prometer e exigir na conferência sobre mudança climática
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil em Londres
Brasil chega à COP26 com uma missão difícil: reduzir impacto da imagem negativa criada pela política ambiental de Bolsonaro
Lideranças de mais de cem países vão se reunir em Glasgow, na Escócia, para discutir novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média da Terra em 1,5°C. O Brasil tende a ser alvo de pressões por causa da aceleração do desmatamento desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência.
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Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, e diversas outras lideranças estarão presentes ao menos para a abertura da COP26 ou o final dos trabalhos, o presidente brasileiro não vai comparecer à conferência. A delegação vai ser liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
O Brasil vai apresentar como compromisso reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 37% até 2025, em 43% até 2030 e vai oficializar o objetivo de antecipar em 10 anos, de 2060 para 2050, a neutralidade de carbono no país - quando todas as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são compensadas, por exemplo, com tecnologia de captura de carbono da atmosfera.
A outra promessa, já adiantada pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima nos Estados Unidos, em abril, é zerar o desmatamento ilegal até 2030.
"Nosso propósito é atuar de maneira construtiva, queremos chegar a entendimentos. Não queremos assumir a responsabilidade de um fracasso de Glasgow. Temos dito isso aos britânicos", disse à BBC News Brasil um dos integrantes da delegação brasileira na COP26.
Segundo essa fonte, o Brasil não vai emperrar as negociações, mas também não irá aderir a metas de redução de emissões em setores específicos da economia, como corte da emissão de metano na pecuária, promoção de um menor consumo de carne, ou prazo para transição de carro à gasolina para carro elétrico - compromissos que a União Europeia e o Reino Unido defendem.
O peso da imagem negativa
A dificuldade da delegação brasileira será convencer os demais países sobre a seriedade de seus compromissos ambientais, diante de dois anos consecutivos de aumentos no desmatamento da Amazônia.
Dados mostram que, no governo Bolsonaro, em 2020, o número de focos de incêndios em todo o território foi o maior em 10 anos; o volume de emissões de carbono em 2019 foi o maior em 13 anos, e o desmatamento da Amazônia atingiu o maior patamar desde 2008.
"Existe uma guerra contra o meio ambiente em curso no Brasil e vai ser difícil esperar que governos, negociadores, empresas, investidores acreditem em uma mudança radical de postura do governo brasileiro no último ano de mandato do presidente Bolsonaro frente ao que aconteceu nesses últimos anos", diz o pesquisador e ambientalista Carlos Rittl, especialista em política pública da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Integrantes da comitiva brasileira ouvidos pela BBC News Brasil classificaram o ambiente de negociação na COP26 como "mais complexo", "mais difícil" e "mais duro" para o Brasil, na comparação com conferências anteriores.
Mas os negociadores apostam em tentar demonstrar que, neste ano, principalmente após a saída do ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente, o governo mudou de postura para adotar medidas de combate ao desmatamento.
"Não é simples, mas queremos procurar, na medida do possível, desfazer a percepção a nosso ver hoje equivocada - e eu sublinho hoje - de que nós não reconhecemos que existe um problema de desmatamento e que também não estamos tomando medidas concretas para conter o desmatamento", disse um dos negociadores brasileiros à BBC News Brasil.
Como evidência de um resultado preliminar dessa "nova postura" do governo, serão mostrados dados de redução do desmatamento em agosto e setembro desse ano frente ao ano passado. No entanto, especialistas dizem que isso não é suficiente para apontar uma trajetória de queda.
"Todos os índices ambientais de clima no Brasil pioraram nos últimos dois anos e meio. As emissões aumentaram por dois anos consecutivos, o desmatamento na Amazônia aumentou por dois anos, os incêndios aumentaram dois anos seguidos, as invasões de terras públicas também", destacou Marcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima.
E o que o Brasil vai cobrar na COP26
A principal cobrança do Brasil será que países ricos definam regras claras para pagar os US$100 bilhões por ano prometidos a nações em desenvolvimento para projetos relacionados à contenção das mudanças climáticas. Para o Brasil, o governo quer ao menos US$ 10 bilhões em financiamento externo.
Os US$ 100 bi deveriam ser pagos todo ano de 2020 a 2025. Mas os países desenvolvidos já não cumpriram a meta de 2020 e faltam mecanismos que definam onde os recursos podem ser depositados e o formato de escolha dos projetos contemplados.
Em comunicado sobre a COP26 distribuído ao corpo diplomático brasileiro, a que a BBC News Brasil teve acesso, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirma que cortar emissões em alguns setores da economia, sem compensações, seria "economicamente inviável".
"Nós reconhecemos a necessidade de a meta global de neutralidade de emissões ser alcançada o quanto antes. No entanto, mitigar as emissões de algumas atividades é economicamente inviável ou fisicamente impossível no curto prazo", escreveu o ministro.
"A redução imediata em alguns setores pode encarecer a energia e gerar escassez, tornando alguns serviços, produtos e, especialmente alimentos, mais caros pelo mundo."
Segundo especialistas, esse discurso do ministro do Meio Ambiente indica que o Brasil vai se fiar à posição de grande produtor de alimentos, essencial para o abastecimento mundial, para reforçar a demanda por compensações dos países ricos à redução de emissões.
"O Brasil vai se empenhar em cobrar financiamento dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Por duas razões: primeiro porque é legítimo países em desenvolvimento pedirem essa ajuda e porque o Brasil sabe que esse é o calcanhar de Aquiles das nações ricas", avalia Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
"O Brasil e outros países em desenvolvimento podem dizer: 'eu não cumpri isso, mas você também não fez sua parte'", completa.
Ambientalistas concordam que os países ricos precisam assumir a responsabilidade de financiar o impacto climático em nações pobres e devem pagar os US$ 100 bilhões anuais, mas alertam que o Brasil pode acabar se beneficiando pouco desses recursos, porque a atual política ambiental do governo desperta desconfiança.
"Essa é uma COP em que financiamento é assunto importante. Espera-se que todos saiam da conferência sabendo de onde virão os US$ 100 bilhões por ano prometidos para apoiar países em desenvolvimento. Mas, definitivamente, esse recurso não vai ser destinado a quem caminha na direção contrária da conferência", disse Carlos Rittl, especialista em política pública da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Crédito de carbono
Outro pleito do Brasil será a regulamentação do mercado de crédito de carbono. A ideia é que um país que exceda suas metas em determinado setor possa vender o excedente em forma de "crédito" para nações que não estejam alcançando as próprias metas.
A expectativa é que o Brasil defenda, durante a COP26, que créditos antigos de carbono produzidos pela indústria brasileira nos anos seguintes à assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997, possam ser negociados e reaproveitados. A validade desses créditos iria só até 2020, já que havia ficado estabelecido que a regulamentação do Acordo de Paris, assinado em 2015, estabeleceria novas regras para esses títulos.
"Esses créditos foram gerados sob um regime e agora esse regime mudou. A data de novo regime era 2020. Desde o Acordo de Paris, já se sabia que os créditos de Kyoto não seriam mais aceitos", explicou Marcio Astrini, do Observatório do Clima,
"Mas a indústria brasileira tem muitos desses créditos que não chegaram a ser negociados e é um pleito dessas empresas tentar reaproveitar parte deles."
Promessas do Brasil são ambiciosas?
Ambientalistas criticam o texto da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, como é chamado o documento com compromissos climáticos que cada país submete à COP26. O Brasil havia apresentado uma NDC preliminar em 2015, antes da assinatura Acordo de Paris, que previa alcançar a neutralidade de emissões em 2060.
Em dezembro de 2020, submeteu uma NDC atualizada, incluindo um objetivo de curto prazo de reduzir em 37% as emissões até 2025 em relação aos níveis de 2005 e assumindo como meta a redução de 43% em 2030, o que antes era uma intenção. Ficou mantido no texto a neutralidade de carbono em 2060, mas posteriormente Bolsonaro disse, em discurso na Cúpula do Clima, nos Estados Unidos, que anteciparia a meta para 2050.
A redação da NDC foi amplamente criticada por ambientalistas por abrir brecha para a interpretação de que a neutralidade de carbono e as metas intermediárias de redução de emissões seriam condicionadas ao financiamento de países desenvolvidos. Isso porque a NDC revisada retirou do texto anterior trecho que dizia que o cumprimento das metas não dependiam de apoio internacional.
Além disso, como houve uma revisão técnica do total emissões no Brasil no ano base de 2005, o país poderá emitir de 200 milhões a 400 milhões de toneladas a mais de gás carbônico até 2030.
Para Marcio Astrini, do Observatório do Clima, o governo brasileiro deveria ter sido mais ambicioso nos percentuais de redução de emissões em vez de manter os patamares, o que permitirá emissões ainda maiores que as previstas antes do Acordo de Paris.
"O Brasil apresentou uma revisão da NDC que retroage, que vai, na prática, permitir até 400 milhões de toneladas de emissões a mais que o previsto na NDC preliminar, de 2015", criticou.
Já integrantes da delegação brasileira argumentam que as promessas brasileiras são mais ambiciosas que as dos demais países em desenvolvimento.
"A China, por exemplo, que é o país hoje que mais polui, que mais emite gases de efeito estufa, disse que, a partir de 2030, vai iniciar um processo de redução de emissões. Então, até 2030, o país terá o direito de aumentar suas emissões", observou um integrante da delegação.
Na queda de braço entre países ricos e em desenvolvimento sobre o nível de ambição que devem assumir, o temor é que as negociações travem. E se a meta de manter o aquecimento global em 1,5°C não for cumprida, o resultado vai desde o desaparecimento total de diversos países insulares à desertificações de florestas e mudanças radicais no dia a dia de todos.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-59040715