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BBC Brasil: Amazônia - Mapeamento inédito identifica 2,7 mil projetos de restauração

  • Mariana Schreiber, Da BBC News Brasil em Brasília

Enquanto de um lado avança o desmatamento na Amazônia, de outro 2.773 projetos promovem hoje no Brasil a restauração da maior floresta tropical do mundo, mas cobrindo ainda uma área ínfima dos milhões de hectares com potencial para serem recuperados.

São iniciativas tocadas por organizações da sociedade civil, empresas, agricultores, instituições de pesquisa e governos que foram mapeadas pela primeira vez pela Aliança pela Restauração na Amazônia, em documento lançado nesta quarta-feira (09/12) e antecipado à BBC News Brasil.

É o caso do projeto Café Apuí, no Amazonas, em que 59 famílias produzem café orgânico em 33 hectares de sistemas agroflorestais — método de cultivo em que coexistem na mesma área o cultivo agrícola e outras vegetações.

A iniciativa, que já plantou 32 mil árvores, recuperou antigos cafezais que estavam abandonados por baixa produtividade devido a degradação do solo. A melhor qualidade do café produzido sob a sombra da vegetação mais alta replantada permitiu um aumento de 300% da renda das famílias envolvidas, destaca a publicação.

Os 2.773 projetos mapeados, no entanto, cobrem 113,5 mil hectares, uma pequena área frente ao acelerado ritmo de destruição da floresta. Apenas entre agosto de 2019 e julho de 2020, foram desmatados 1,1 milhão de hectares da Amazônia (alta de 9,5% ante os doze meses anteriores), segundo dados oficiais preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) — cada hectare equivale a aproximadamente um campo profissional de futebol.

Por isso, a publicação traz dez recomendações para que a restauração ganhe escala no Brasil, ao mesmo tempo que alerta que esses projetos não substituem a preservação da floresta ainda de pé, com o combate ao desmatamento, que é majoritariamente ilegal na Amazônia.

Segundo Danielle Celentano, secretária executiva da Aliança pela Restauração na Amazônia, a recuperação da floresta e o combate ao desmatamento são estratégias que caminham juntas para evitar que a Amazônia chegue ao "ponto de não retorno" (tipping point, em inglês), um patamar de destruição em que a floresta perderia a capacidade de se regenerar e haveria mudanças drásticas e permanentes do ecossistema (como redução das chuva e aumento da seca).

Cientistas como Carlos Nobres calculam que esse ponto irreversível deve ocorrer quando o desmatamento atingir algo entre 20% a 25% da floresta original. Em entrevista à BBC News Brasil em setembro, ele disse que já foi perdido de 16% a 17% da floresta, e que o "ponto de não retorno" será atingido no intervalo de 15 a 30 anos, permanecendo a taxa de desmatamento atual.

"A Amazônia está chegando perto do tipping point. Então, é agora ou nunca: tem que parar de desmatar e recuperar o passivo (o que foi desmatado ilegalmente), promovendo uma nova economia de base florestal", afirma Celentano, que é também gerente sênior de restauração de paisagens florestais da Conservação Internacional, uma das 80 instituições que integram a Aliança pela Restauração.

Ela ressalta que uma das formas de ampliar a recuperação da Amazônia é promover o cumprimento da lei. O Código Florestal, de 2012, estabeleceu que apenas 20% das propriedades na Amazônia podem ser desmatadas e determinou a restauração das áreas de floresta que foram suprimidas ilegalmente, mas o prazo para cumprimento tem sido sucessivamente adiado.

Segundo a publicação da Aliança, a área que deve ser recuperada por esses proprietários para legalizar suas terras é estimada em 8 milhões de hectares, sendo que 5 milhões são passíveis de serem restaurados (a diferença pode ser compensada através de outros mecanismos previstos na lei).

Sem o cumprimento da lei pelos donos de terra, a maioria das iniciativas de restauração são tocadas por organizações da sociedade civil (87,5% dos projetos mapeados). Em seguida estão empresas (5,6%), agricultores (3,8%), instituições de pesquisa (2,4%) e governos (0,7%).

São os projetos de empresas, porém, que respondem pela maior área em recuperação (52% do total). O levantamento mostra ainda que Rondônia concentra o maior número de iniciativas (1.658), mas responde por apenas 9% da área em restauração. Já o Pará concentra 49% da área total mapeada e Mato Grosso, 27%.

Floresta se recupera sozinha, mas é desmatada de novo

Os projetos mapeados cobrem uma diversidade de técnicas de restauração, que podem variar de acordo com o nível de degradação da área e a finalidade buscada com a recuperação.

O desmatamento acumulado da Amazônia é calculado em 80,3 milhões de hectares. Parte da floresta consegue se recuperar sozinha, quando a área destruída fica depois abandonada, mas essa vegetação secundária não tem a mesma riqueza de biodiversidade da mata nativa e é também mais vulnerável a ser novamente desmatada, destaca a publicação.

Estimativa do MapBiomas é de que, em 2018, 14,9 milhões de hectares da Amazônia estavam cobertos com vegetação secundária, mas o desmatamento nessas áreas têm sido, em média, 40% maior do que em florestas primárias.

Por isso, o documento da Aliança considera como área em restauração apenas os espaços de vegetação secundária que estão em "regeneração natural assistida". Ou seja, que recebem interferência humana para evitar novos desmatamentos e aumentar a biodiversidade. Segundo o documento, há 147 projetos desse tipo, que cobrem 12% do território mapeado.

Já espaços com baixo potencial de regeneração natural demandam intervenções ativas, normalmente mais custosas, como o plantio de sementes e mudas. O levantamento identificou 734 iniciativas desse tipo, que cobrem a maior parte da área em restauração (59%).

A semeadura direta é uma forma mais barata, considerada promissora, mas ainda usada em pequena dimensão (são 185 projetos que cobrem 3% da área mapeada). Uma dessas técnicas, batizada de muvuca, consiste em plantar com máquinas agrícolas uma mistura de sementes agrícolas e florestais, de espécies de ciclo curto, médio e longo.

"Mistura de sementes nativas e de adubação verde com areia que forma um insumo homogêneo propício para a formação da estrutura da floresta, a muvuca consegue colocar o dobro ou até dez vezes mais árvores por hectare e com metade do custo do que seria um plantio com mudas", diz o portal do Instituto Socioambiental, que usa a técnica em projetos de restauração em parceria com produtores rurais nas bacias dos rios Xingu e Araguaia, no Mato Grosso.

Restauração com produção para frear novos desmatamentos

A maioria das iniciativas, porém, é de sistemas agroflorestais (1.643 ou 59% do total, cobrindo 14% da área mapeada), técnica de restauração florestal produtiva que garante retorno econômico, servindo como instrumento importante para evitar novos desmatamentos.

Um desses projetos, o Cacau Floresta, envolve 250 famílias que desde 2013 já restauraram mais de 500 hectares da Amazônia nos municípios de São Félix do Xingu e Tucumã (Pará), cidades que estão no chamado Arco do Desmatamento (região com maiores taxas de destruição da floresta que engloba partes do Maranhão, Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre).

A iniciativa, que alia o cultivo de cacau com outras espécies nativas, recuperando áreas degradadas pela pecuária extensiva, é desenvolvido pela The Nature Conservancy (TNC) — organização que atua com preservação em mais de 60 países e também integra a Aliança pela Restauração na Amazônia.

Rodrigo Freire, vice-gerente de restauração florestal na TNC Brasil, explica que fazendas de gado só atingem maior rentabilidade com uso mais intensivo de tecnologia, o que é não é o caso de pequenos produtores da região do Arco do Desmatamento, onde o ganho anual por hectare com pecuária de corte varia de R$ 50 a R$ 200.

Segundo ele, o investimento para converter esses pastos em agrofloresta é de R$ 15 mil (sendo R$ 6 mil o valor da própria mão de obra) por hectare, investimento que costuma ser recuperado em quatro a cinco anos, usando inicialmente cultivos de ciclo mais curto, como milho, mandioca e banana. Depois, com o aumento da produção de cacau, produto de alto valor agregado vendido para a indústria de chocolate, é possível chegar a uma rentabilidade anual de R$ 7 mil a R$ 10 mil por hectare, diz.

"A partir do momento que o produtor viu mais rentabilidade naquela agrofloresta do que no pasto, ele abre a percepção também para a importância das árvores em pé e desses recursos ecológicos como umidade, água, fertilidade do solo (que são recuperados com a restauração da floresta)", nota ele.

Freire reconhece que a agrofloresta é menos diversa que a mata nativa, podendo chegar a 50 espécies por hectare, ante mais de 140 por hectare na floresta original da Amazônia. Apesar disso, diz que a área restaurada consegue recuperar parte da biodiversidade e retomar "suas funções ecológicas, seus serviços ecossistêmicos".

"Em área de pasto, quando tem chuva forte, a água escorre muito rápido pela superfície, causando assoreamento, o carregamento de nutrientes que são removidos do solo, pois a vegetação do pasto é muito rala, pouco profunda", ressalta.

"Quando você abre espaço para uma agrofloresta, com muitas árvores, de diferentes espécies e alturas, volta a ter uma estrutura de floresta de proteção do solo. E as próprias folhas e galhos quando caem fazem com que o solo volte a ter fertilidade muito maior", compara.

Essa recuperação da vegetação e do solo garante mais produtividade e contribui para a preservação das fontes de água da propriedade e da região. Além disso, a nova estrutura de floresta acaba atraindo novamente a fauna para a área antes degradada.

"Passarinhos, por exemplo, fazem ninhos nas copas do cacaueira. Também vemos a anta, maior mamífero terrestre nativo (do Brasil), voltando a ocupar o plantio de cacau, usando o sistema agroflorestal como refúgio de migração entre os fragmentos florestais locais", conta.

Implementação da lei, mais crédito e compromisso do setor privado

Para que a restauração ganhe escala na Amazônia, a publicação diz que é preciso priorizar o cumprimento do Acordo de Paris, no qual o Brasil assumiu o compromisso em 2015 de restaurar 12 milhões de hectares até 2030.

O governo Jair Bolsonaro, porém, não tem dado andamento à Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), ferramenta criada em 2017 que traz diretrizes para alcançar essa meta.

O documento recomenda também que o os governos estaduais implementem os Programas de Regularização Ambiental (PRAs), previstos no Código Florestal, passo fundamental para que propriedades que desmataram mais de 20% na Amazônia recuperem a área destruída ilegalmente.

A publicação destaca ainda a necessidade de criar e regulamentar mecanismos de "pagamentos por serviços ambientais", como o mercado de crédito de carbono, para que as áreas restauradas, que têm grande capacidade de capturar e armazenar carbono da atmosfera, possam gerar retorno aos proprietários.

Outra recomendação é o aumento das linhas de crédito para financiar esses projetos, assim como compromissos mais ambiciosos de empresas e bancos para não realizar negócios com fornecedores que não estão com suas propriedades legalmente restauradas.

"Sabemos que só a obrigatoriedade não motiva ninguém. Cumprir a lei deve ser o básico de qualquer sociedade coerente, responsável, mas precisa ter incentivos também (para os proprietários se regularizarem), principalmente quando boa parte dessa restauração florestal custa, exige investimento, trabalho, tecnologia e insumos", afirma Rodrigo Freire.

"E faz parte da abordagem da restauração (ter) uma solução para o desmatamento. Não dá para desmatar em um lugar e ficar restaurando no outro. Vai ter perda de biodiversidade, não é isso que a gente quer", reforçou.


Maria Hermínia Tavares: O traçado de um desastre amazônico

Pressões sobre a mata, seus habitantes e sua biodiversidade vêm de muitos lados

"A Amazônia é o coração biológico do planeta Terra, e ele já não está mais batendo de forma saudável", costuma comparar o cientista Carlos Nobre, voz influente no debate sobre o aquecimento global.

Identificar em detalhe as ameaças a esse formidável bioma e localizá-las na vastidão dos seus 8,2 milhões de km2 é o propósito do "Atlas Amazônia sob Pressão 2020", recém-lançado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georeferenciada (Raisg), consórcio que reúne organizações não governamentais de seis dos nove países que o abrigam.

São 23 mapas preciosos, acompanhados de textos que descrevem os riscos à integridade da floresta. As cartas permitem seguir as mudanças, em geral negativas, ali ocorridas entre 2012 e 2018, oferecendo um amplo panorama do desastre ambiental em curso e dos processos que o desencadeiam.

As pressões sobre a mata, seus habitantes e a biodiversidade nela abrigada vêm de muitos lados. Entre 2001 e 2009, queimadas acidentais ou, sobretudo, resultantes da expansão da agricultura e da pecuária cobriram um território equivalente ao da Bolívia --por sinal, o segundo maior responsável, depois do Brasil, por esse tipo de catástrofe.

Como se sabe, ou se deveria saber, a degradação da floresta começa pelo fogo, mas pode vir também com obras de infraestrutura, desfigurando a paisagem à margem de estradas ou no entorno de hidrelétricas.

A mineração legal e a extração de petróleo são dois outros fatores de pressão em quase todos os países amazônicos. Além de destruir a floresta, contaminam os rios e, por tabela, os peixes que alimentam os humanos. Pior ainda quando se trata de mineração ilegal. O atlas identificou nada menos de 4.472 locais de atividades extrativas ilícitas, muitas de escala média ou grande, localizadas principalmente no Brasil (58%) e na Venezuela (32%), não raro em áreas de preservação ambiental ou em territórios indígenas. Ilegais são também os plantios de coca nas matas devastadas da Colômbia e do Peru.

O atlas permite uma visão mais complexa dos problemas da Amazônia. Além disso, expõe os governos incapazes de se contrapor aos interesses privados predatórios --quando não coniventes com eles--, alheios ao destino das populações da região e medíocres demais para criar estímulos ao aproveitamento sustentável das riquezas imensuráveis da floresta tropical.

Fosse outro o governo brasileiro, este seria o momento de transformar o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978 em instrumento de diplomacia efetiva capaz de promover um esforço compartilhado pela saúde do coração do planeta.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Míriam Leitão: Como deter o desmatamento

É possível ter um plano contra o desmatamento que seja efetivo e nos leve de volta ao caminho certo. O governo poderia executá-lo se tivesse noção do risco que estamos correndo, econômico, diplomático, ambiental, climático. O Brasil tem os servidores, boas leis e instrumentos de comando e controle. Mas o presidente e seu ministro preferem estimular por atos, palavras e omissões a derrubada da floresta. As Forças Armadas na segunda operação de garantia da lei e da ordem já entenderam o principal: é preciso fortalecer os órgãos ambientais e atuar em rede.

O número de 11.088 km2 de floresta derrubada em 2020 na Amazônia deveria ser suficiente para provocar um plano emergencial. Deveria ser tratado como é: um escândalo. O Brasil recuou 12 anos no seu esforço de redução do número anual e chegou a 184% acima da meta que o próprio Brasil estabeleceu na Política Nacional sobre Mudança no Clima. É uma derrota do país. Esse é o primeiro número de desmate totalmente do governo Bolsonaro, já que o do ano passado teve cinco meses da administração anterior, porque o ano é registrado de agosto a julho.

Um plano para ser efetivo teria que ter Ibama e ICMBio com mais gente e mais recursos, a Polícia Federal, com um comando claro nessa direção. A Funai teria que ter chefes que não impedissem seus servidores de cumprirem sua missão institucional de proteger os índios e suas terras. Seria necessário criar mais unidades de conservação, já que grande parte do desmatamento ocorreu em terras públicas não destinadas. O plano pode ser feito, mas para ser executado teria que ser outro o governo e outro o presidente.

As Forças Armadas reconhecem que o país precisa muito do fortalecimento do Ibama e ICMBio. Na entrevista em que anunciou o desmatamento, o vice-presidente Hamilton Mourão disse isso. Fica curioso ele dizer o oposto do que o governo fez desde o início. Ricardo Salles vem desmontando esses órgãos governamentais desde o primeiro dia no cargo.

Há outras situações contraditórias. Quando servidores dos órgãos ambientais queimaram e destruíram maquinário de grileiros e garimpeiros, o presidente os constrangeu em público, e o ministro os puniu. Só que na Operação Verde Brasil 2 os militares também destroem. E por quê? Pelo simples motivo de que é a única forma de agir. Em outubro, os militares encontraram na reserva biológica de Maicuru, em terreno de absoluta dificuldade de acesso, 15 motores estacionários de garimpo. O que deveriam fazer com aquelas enormes máquinas? Sair levando de avião floresta afora? “A gente precisa dar prejuízo aos malfeitores”, me disse um oficial. Pois é.

O ministro Ricardo Salles não estava na reunião em que o governo anunciou o número do desmatamento. Estava no Jardim Botânico no Rio. Desde que esses dados começaram a ser divulgados no governo Fernando Henrique, e se tornaram ainda mais transparentes no governo Lula, o ministro do Meio Ambiente é quem anuncia. Ao lado, claro, do ministro da Ciência e Tecnologia, a quem se reporta o Inpe. A ideia de ir passear no Jardim Botânico no dia do anúncio nunca ocorreria a nenhum antecessor no cargo.

O governo Bolsonaro criou uma situação esdrúxula. Mantém um ministro que tem uma agenda de destruição ambiental, e vai repassando as responsabilidades do Ministério do Meio Ambiente para o vice-presidente que, contudo, não tem poder. Hamilton Mourão acerta às vezes, erra às vezes. Acertou agora quando não tentou desacreditar o Inpe ou quando não tentou vender como bom um número que realmente é muito ruim. Mas errou quando propôs criar uma agência, aos moldes de uma mal afamada agência americana, para concentrar nas Forças Armadas as funções que hoje são executadas pelos cientistas do Inpe.

O risco maior é ambiental e climático. Para nós e para o mundo. A Amazônia é tão grande e tão fundamental que o que nos fere, fere o mundo. Mas esse é também um problema econômico, perderemos parceiros e mercados para os nossos produtos. É um problema de política externa. O Brasil está se transformando no sonho do Ernesto. Um enorme pária. Continuar desmatando a floresta, continuar nessa marcha insensata nos afastará cada vez mais do mundo. Essa é a escolha de Jair Bolsonaro, mas certamente não é a vontade do Brasil.


El País: Desmatamento na Amazônia dispara e atinge recorde em 12 anos

A maior floresta tropical do mundo perdeu 11.088 quilômetros quadrados de árvores no ano passado, 9,5% a mais que no ano anterior

Naiara Galarraga Cortázar, El País

Más notícias para o planeta. O desmatamento na Amazônia ―a cifra anual com a qual o restante do mundo mede o desempenho do Brasil em meio ambiente― disparou no último ano e alcançou o nível mais alto dos últimos 12 anos. A maior floresta tropical do mundo, crucial para conter as mudanças climáticas, perdeu 11.088 quilômetros quadrados de árvores, de acordo com o balanço anual divulgado nesta segunda-feira pelas autoridades. Esse aumento, de 9,5% em relação ao ano anterior, evidencia os graves efeitos da política do presidente Jair Bolsonaro de enfraquecer as fiscalizações do meio ambiente, encorajar a impunidade dos invasores de terras e desprezar os indígenas que querem preservar suas terras.

A Amazônia é tão vasta que o Greenpeace fez algumas contas para que seja mais fácil entender a dimensão da perda. São 626 milhões de árvores derrubadas. É como se a cada minuto do ano passado a Amazônia tivesse perdido o equivalente a três campos de futebol, até somar 1,58 milhão de estádios. A ONG sustenta em nota que “o desmantelamento de órgãos e das políticas ambientais nos levou a um índice quase três vezes superior à meta de redução do desmatamento para 2020 estabelecida por lei”.

Dois membros do Governo ―ambos militares da ala mais pragmática e menos ideológica do Gabinete― participaram da apresentação dos dados. No entanto, o ministro do Meio Ambiente não estava com eles. “Não estamos aqui para comemorar nada disso, porque isso não é para comemorar”, disse o vice-presidente, general Hamilton Mourão. Ao seu lado, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, o primeiro astronauta do Brasil. O vice-presidente tem incentivado os inspetores, com frequência fustigados por Bolsonaro, a continuar a fazer seu trabalho orientados pela ciência, a tecnologia e a lei.

A cifra divulgada nesta segunda-feira é resultado das medições feitas por satélites pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). É um balanço anual que abarca a superfície de árvores destruída entre agosto de 2019 e julho de 2020. Sua difusão sempre demora vários meses. E representa um balanço preliminar que só se consolida com os dados definitivos no primeiro semestre do ano.

O Governo Bolsonaro está perfeitamente ciente de que a política ambiental é crítica em suas relações exteriores, tanto com a União Europeia como com os Estados Unidos quando Joe Biden assumir a presidência em janeiro. A ecologia tem um peso enorme no processo de ratificação do acordo comercial UE-Mercosul.

O deslocamento de milhares de militares brasileiros para as áreas mais sensíveis e a criação do Conselho da Amazônia para coordenar todos os órgãos envolvidas no cuidado com o meio ambiente e o combate aos incêndios não reverteram o aumento do desmatamento que começou antes de Bolsonaro chegar ao poder e se acelerou nestes dois anos.

A destruição da Amazônia em 2004 ultrapassou 27.000 quilômetros quadrados (quase o triplo de agora). Foi o primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente. A partir de então, a derrubada anual de árvores diminuiu até chegar a 4.570 quilômetros quadrados em 2012 (o mínimo desde que há medições). E a partir daí, com Dilma Rousseff no poder, a alta recomeçou até atingir a cifra atual.

A WWF, uma organização não-governamental, destaca em um comunicado que o desmatamento registrado desde que Bolsonaro está no poder indica a desconexão do Governo dos desafios e oportunidades (também econômicas) que a Amazônia representa.

O INPE possui um outro sistema, que registra alertas todos os meses e serve para mobilizar os fiscais ambientais ou a polícia, que já havia sinalizado que o desmatamento continuava a aumentar. Em uma crítica, o Greenpeace afirma que, apesar disso, “a resposta do Governo federal ao aumento do desmatamento tem sido mascarar a realidade, militarizar cada vez mais a proteção ambiental e trabalhar para frear as ações da sociedade civil, prejudicando a nossa democracia”, segundo uma porta-voz.


Míriam Leitão: O que a turma do Planalto não faz

Na frente de quatro chefes de Estado, o presidente do Brasil disse algo do qual recuou 24 horas depois. O fato mostra que não houve assessor, ministro, qualquer pessoa no gabinete ou na estrutura do Palácio que o alertasse de que ele não deveria ameaçar revelar uma lista de países supostamente cúmplices do desmatamento, porque não teria capacidade de sustentar o que dizia. O episódio mostra que o país não tem apenas um presidente irresponsável, tem uma presidência irresponsável.

Em qualquer governo há uma estrutura em torno do chefe de Estado que o alerta, informa e assessora. O Brasil de Bolsonaro não tem isso. Ou é falta de qualificação de quem está em torno dele ou é falta de coragem de enfrentar um presidente temperamental. Não se sabe se aquela estultice estava escrita no texto que ele lia ou se foi um improviso inconsequente. Mas o fato é que dois anos depois de assumir a presidência ele continua desrespeitando o papel de representante do país nos seus encontros internacionais.

Ele falou para os governantes da China, Índia, Rússia e África do Sul que em breve revelaria os nomes dos países que compram madeira ilegal do Brasil, mostrando entre eles “alguns que muito nos criticam”. No dia seguinte, em rede social, disse o oposto. “A gente não vai acusar país A, B ou C.” Ou seja, o presidente do Brasil mentiu. De novo. E diante daquelas testemunhas, quatro chefes de Estado.

Bolsonaro foi um deputado irresponsável, que se especializou em acusar sem provas ou dizer coisas que chamavam atenção pelo absurdo, como ameaçar fuzilar o ex-presidente Fernando Henrique, dizer que a ditadura deveria ter matado 30 mil, e que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia.
Os três fatos narrados acima são crimes. Foram vários outros. A Câmara optou, em seguidos mandatos, por deixar ele cometer esses crimes e jamais o puniu. A deputada Maria do Rosário o processou, mas a Justiça foi tardia e falha. Foi assim que Bolsonaro chegou à presidência, ficando impune de crimes de ameaça de morte, defesa da tortura, atentado à democracia, homofobia, ataques às mulheres e racismo. Ele levou esse estilo para a presidência. Mente e faz bravatas diante de seus apoiadores no cercadinho do Alvorada, mente e faz bravatas diante de chefes de Estado.

Não há qualquer anteparo. Nada que proteja o Brasil dos absurdos do presidente da República. Esse caso deixa nua a própria presidência, dado que ninguém o impediu de falar o que falou. O que disse mostra que ele é um desinformado, como já escrevi aqui. Mais de 80% do que o Brasil extrai de madeira da Amazônia é vendido para o próprio mercado brasileiro, segundo estudo do Imazon. Os empresários do setor também confirmaram isso e disseram que atualmente não chega a 15% o que é exportado. Países não importam, empresas, sim. E se sabemos quem compra então sabemos quem vende, como lembrou uma servidora do Ibama num telefonema para a CBN. Empresas que exportam legalmente, que cumprem as leis do país serão punidas agora com o fechamento do mercado para o Brasil. É gravíssimo insinuar que existe em poder da presidência brasileira uma lista de países receptadores de crimes ambientais.

Há erros seriais na declaração de Bolsonaro no Brics. E isso para ficar só num pequeno trecho do discurso cheio de equívocos que leu. A política ambiental é um atentado à economia. Diariamente o presidente dá razões para que se fechem mercados, que não se confirmem acordos, que o Brasil seja isolado comercial e economicamente. As empresas, os bancos, os fundos, o agronegócio exportador, todos estão alertando sobre isso. Mas o ministro da Economia quando fala sobre a questão ambiental repete a visão calamitosa do presidente da República.

Bolsonaro comete essas barbaridades e a estrutura da presidência não o impede, o ministro das Relações exteriores o estimula, o ministro da Economia confirma, o ministro da Justiça senta-se ao lado dele, com a Polícia Federal, para tentar, depois do fato, consertar o que não tem conserto. Foi um caso exemplar de desgoverno. Esta administração dá provas diárias de que é um perigo para o país em todos os sentidos, na gestão interna e nas relações internacionais. Uma presidência totalmente irresponsável.


Míriam Leitão: Erro amazônico de Bolsonaro

Oitenta por cento da madeira que sai da Amazônia é comprada pelo próprio Brasil. Há muitos anos o Imazon vem acompanhando o destino do que é extraído da floresta, e a exportação chega no máximo a 20%. Esse é o primeiro erro, mas não o único, da fala do presidente Bolsonaro ontem na reunião dos Brics. Seu próprio governo é responsável por ter facilitado a exportação de madeira ilegal ao eliminar exigências de verificações portuárias. O trabalho da Polícia Federal de desenvolver tecnologia para identificar a origem da madeira é excelente notícia, mas ela aumenta a responsabilidade do Brasil, ao contrário do que imagina Bolsonaro.

A imensidão amazônica do que o presidente da República desconhece da questão ambiental e climática se vê nas próprias palavras dele. Na frente dos chefes de Estado dos Brics ele exibiu seus complexos de perseguição e suas obsessões:

— Estamos comprometidos no tocante à emissão de carbono, um assunto muito particular do Brasil, tendo em vista os injustificáveis ataques que nós sofremos no tocante à nossa região amazônica.

O Brasil não tem sido atacado. O governo dele é que tem errado completamente na questão ambiental — entre outras áreas — por não ter entendido o tempo presente. Um tempo em que o Brasil só tem a ganhar se proteger o patrimônio ambiental. O que se perde de riqueza para o acúmulo de fortunas de bandidos é uma enormidade.

Na sua fala aos governantes da China, Índia, Rússia e África do Sul, Bolsonaro contou que em breve divulgará os nomes dos países que compram a madeira retirada ilegalmente da floresta. E o fez como quem tem um grande segredo. Disse que aí sim “estaremos mostrando que esses países, alguns deles que muito nos criticam, em parte têm responsabilidade nessa questão”. A primeira coisa que deveria fazer era se informar.

O pesquisador do Imazon, Beto Veríssimo, explica para onde vai a madeira:

— Desde os anos 1990 nós fizemos três grandes levantamentos do setor madeireiro em um relatório, “Acertando o alvo”, que mostra que em torno de 80% da madeira produzida na Amazônia é consumida no mercado nacional. O Brasil é um grande consumidor de madeira tropical e exporta menos de 20% do volume extraído da Amazônia. Exporta para a Europa e os Estados Unidos. Isso não mudou, fica nessa proporção de 80 para 20, até menos, porque Europa e Estados Unidos foram criando mais exigências para verificar a origem da madeira amazônica por suspeita de ilegalidades.

A segunda coisa que deveria entender é que se alguns países importam madeira ilegal é porque o Brasil está falhando em controlar o que se passa em seu próprio território. Em vez de tentar transferir responsabilidade, o governo deve coibir a ilegalidade. Se houver certificação de origem para toda madeira produzida será possível separar o que é produzido legalmente. Assim, o produto exportado brasileiro poderá ser aceito nos mercados internacionais que estão ficando cada vez mais exigentes. Se há uma nova tecnologia da Polícia Federal capaz de atestar o “DNA” da madeira, como disse o presidente, é boa notícia. Isso dará ferramentas para se controlar o crime aqui dentro.

O ex-presidente Barack Obama na entrevista aos jornalistas Flávia Barbosa e Pedro Bial lamentou que o Brasil deixou de ser o líder ambiental que já foi. Quem acompanhou reuniões internacionais do clima pode atestar o protagonismo do Brasil e a deferência com que os negociadores brasileiros, diplomatas e autoridades ambientais eram tratados. Esse poder foi perdido no governo Bolsonaro. Na última reunião, o ministro brasileiro andou por lá à deriva, e na delegação foram implantados agentes da Abin.

Com o patrimônio ambiental que tem, com sua matriz energética, o Brasil não tem razão alguma para pedir solidariedade à China, Rússia e Índia quando o assunto for emissão de carbono. Eles são grandes emissores. O Brasil deveria controlar sua principal fonte de emissão, o desmatamento, e liderar os esforços internacionais de combate à mudança climática.

Esse é o caminho racional, o mais inteligente a fazer. Não será seguido na atual administração. Bolsonaro deu mais uma demonstração ontem de que não entende em que mundo está, quais são as vantagens do Brasil, e até o que se passa no país que governa.


Fernando Exman: Frente de prefeitos contra o isolamento

Bolsonaro quer apoio para pressionar governos estaduais

Jair Bolsonaro sentiu o baque. Anda reclamando da vida até mesmo em eventos públicos e conversas informais com os apoiadores que fazem plantão em frente ao Palácio da Alvorada.

O presidente tinha confiança no peso do seu voto e achou que poderia fazer uma entrada triunfal no fim da campanha. Fracassou. Elegeu poucos aliados e agora terá que observar, pacientemente, adversários questionarem seu prestígio político. No entanto, neste momento preocupa-o, sobretudo, como os prefeitos eleitos enfrentarão a pandemia a partir de 2021. Desenha-se a tentativa do presidente de construir uma frente municipalista formada por prefeitos dispostos a promover a reabertura das atividades econômicas, a despeito de eventuais orientações partidárias ou determinações dos governadores.

Esta é uma questão crucial para o governo federal. Pouco se sabe o que o ministro da Saúde pensa a respeito, mas na equipe econômica já se fala de imunidade de rebanho. No Planalto, teme-se que uma segunda onda de covid-19 leve os entes subnacionais a adotarem novas medidas de isolamento social, o que atrapalharia a retomada da atividade econômica.

Também por isso o presidente ignorou a recomendação de alguns auxiliares e acabou decidindo ampliar a campanha para além do seu grupo político mais próximo. Mal sabia o número ou a legenda daqueles que estava promovendo. Insistia, por outro lado, que os eleitores escolhessem quem estivesse disposto a pressionar os governadores contra a adoção de novas medidas de isolamento social.

O governo tem um mapeamento de quais foram as políticas de contenção dos Estados. Acompanha as consequências dessas medidas em relação à evolução da pandemia e aos seus efeitos na economia. Monitora os setores mais prejudicados em algumas das unidades da federação, como o de serviços em São Paulo ou no Rio Grande do Sul.

Isso começou a ser feito logo depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou a autonomia de Estados e municípios para a implementação de ações voltadas a impedir a propagação do coronavírus.

Desde o primeiro momento, Bolsonaro preferiu se posicionar contra as políticas de restrição social e virar uma voz crítica aos governadores que pensavam de forma diferente. Sem um exemplo vindo de Brasília, cada Estado agiu de uma forma, diante de suas especificidades e das informações disponíveis.

Não houve uma padronização. Algumas unidades da federação deixaram poucas alternativas aos municípios e determinaram de forma rigorosa as ações a serem executadas em seus territórios. Isso ocorreu, em alguns casos, porque os prefeitos hesitavam em reagir à moléstia que se espalhava com rapidez pelo país. A maior preocupação era o risco de colapso do sistema de saúde. Na visão do poder central, agiram dessa forma Goiás, Pará e Santa Catarina - neste último caso, apenas num primeiro momento.

Outros Estados preferiram políticas articuladoras, como Ceará, Pernambuco ou São Paulo, ainda de acordo com autoridades federais. Essa estratégia buscou encorajar o diálogo entre órgãos públicos estaduais, municipais e entre prefeitos de cidades vizinhas. A ideia era compartilhar responsabilidades e, claro, eventuais ônus políticos.

Um grupo de governadores preferiu delegar às prefeituras o poder de decisão. Outro optou por dar liberdade de ação aos prefeitos, desde que as políticas adotadas não fossem rigorosas demais ou impeditivas. Em diversos casos, as posturas de Estados e municípios evoluíram ou foram sendo calibradas ao longo dos últimos meses, dependendo do achatamento ou não da curva de mortes e infecções.

A leitura de uma recente pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios também pode explicar por que o presidente está tão decidido a impedir novas iniciativas de controle e prevenção, mesmo que a equipe econômica não trabalhe com a possibilidade de uma segunda onda.

Segundo o levantamento da CNM, 96,5% das prefeituras aplicaram medidas restritivas para a diminuição da circulação de munícipes ou de aglomerações. Outros números também chamam atenção: 52,4% adotaram barreiras sanitárias, com posto de monitoramento de entrada e saída de pessoas no município; 75,7% estabeleceram isolamento social com a permissão de abertura e funcionamento apenas dos serviços essenciais; 94,2% publicaram normas para uso obrigatório de máscaras; e 54,4% reduziram oferta de transporte público.

Por outro lado, o documento traz um relativo alento para o presidente, pois 61,9% dos executivos locais reconheceram que houve flexibilização durante o período da pesquisa. O levantamento foi realizado entre março e agosto.

No último fim de semana, contudo, a democracia deu mais uma lição a Bolsonaro. Fazer política é um processo que demanda mais do que uma conexão de internet e um horário na agenda depois do expediente para transmissões ao vivo nas redes sociais. Exige conversa e a valorização dos partidos políticos, além do respeito às instituições.

Mesmo assim, novamente o presidente demonstra a intenção de arregimentar um grupo suprapartidário em torno de suas ideias. No início do governo, ele achou que conseguiria negociar com o Congresso por meio das frentes parlamentares temáticas e foi obrigado a aproximar-se dos políticos tradicionais que tanto desprezava. Agora, acena aos gestores locais com programas federais e uma possível ajuda na implementação de iniciativas potencialmente populares, como a estruturação de escolas cívico-militares.

Os prefeitos tomarão posse em janeiro já pedindo mais apoio financeiro, diante da perspectiva de que não se repetirá o grande volume de transferências de recursos observado durante este ano. Será uma nova oportunidade para o presidente defender o fim do isolamento social e movimentar a máquina em direção à campanha de 2022.


Ricardo Noblat: Bolsonaro requenta notícia velha para livrar-se de culpa

Madeira extraída ilegalmente no Brasil fica por aqui mesmo

Junto com a madeira do Brasil contrabandeada, o presidente Jair Bolsonaro quer exportar para países europeus a culpa pelo desmatamento da Amazônia.

Países não compram madeira – são pessoas que compram. Como compram também pedras preciosas, ouro, cocaína e tudo o mais que possa ser revendido com bom lucro.

O crime organizado, aqui, alimenta-se de armas compradas no mercado internacional. Aos governos, transações ilegais não interessam porque são isentas de impostos, e eles a combatem.

Ex-garimpeiro malsucedido, terrorista frustrado que acabou afastado do Exército ao descobrir-se que planejara detonar bombas em quartéis, Bolsonaro sempre teve um pé na ilegalidade.

Empregou funcionários fantasmas em seu gabinete de deputado federal. Destacou um amigo parceiro de milicianos (Queiroz) para cuidar do seu filho mais velho na Assembleia Legislativa do Rio.

Incentivou-o, e também ao filho vereador, a prestigiar notórios milicianos, vários deles acusados de assassinato, com discursos e honrarias concedidas pelo poder público.

Isso não o impediu de conquistar o apoio dos generais para barrar a eventual volta do PT ao Palácio do Planalto. E ali permanece a exercer o poder para muito além do limite da irresponsabilidade.

Quando seus atos ou a sua omissão o tornam alvo de críticas, culpa os outros. A degradação da Amazônia cresceu nos seus primeiros dois anos de governo, mas ele nada tem a ver com isso, diz.

Como não tem? A máquina de fiscalização do Ibama foi desmantelada. Em fevereiro último, o instituto dispensou-se de ter que autorizar a exportação de madeira nativa brasileira.

Bolsonaro se opôs à destruição de equipamentos usados para pôr florestas abaixo. Tomou partido, portanto, dos que desmatam ao arrepio das leis. No mínimo, é cúmplice de crime.

Menos de 15% da madeira contrabandeada tem como destino outros países. O resto é para consumo interno. O transporte é feito a céu aberto. Se a fiscalização falha, se o governo faz vista grossa…

Uma operação da Polícia Federal, em dezembro de 2017, à época do governo Michel Temer, apreendeu 120 contêineres com 2.400 m³ de madeira extraída ilegalmente.

Ela seria vendida com base em certificados falsos expedidos pelo Ibama para empresas importadoras na Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Portugal e Reino Unido.

A notícia é velha. Mas foi requentada, ontem, por Bolsonaro ao participar da cúpula virtual dos Brics (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Bolsonaro prometeu revelar o nome das empresas importadoras. Fará isso com as americanas? Os governos desses países ficarão gratos pela informação que já lhes deveria ter sido repassada.

É mais uma bravata de um presidente acuado. Se for dada publicidade ao nome das empresas, elas poderão processar o governo brasileiro sob a alegação de que foram enganadas. E aí?


Política Democrática Online destaca coalizão para reforma estrutural nas polícias

Com análises sobre política, economia e cultura, edição de novembro foi lançada nesta quinta-feira (12)

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Necessidade de coalizão para se enfrentar a questão da governança das polícias, embate entre favoráveis e contrários à volta às aulas presenciais e a união de forças progressistas e de centro que levaram à derrota da Donald Trump são os principais destaques da revista Política Democrática Online de novembro. Lançada nesta quinta-feira (12), a publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos em seu site, gratuitamente.

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No editorial, a publicação diz que “o país ingressou na reta final de uma campanha eleitoral atípica”. Segundo o texto, tudo indica que prevaleceu no eleitorado a tendência ao pragmatismo, à separação prudente das esferas nacional e municipal da política. “Nessa conjuntura, cabe às forças de oposição prosseguir na convergência programática, no fortalecimento de um amplo leque de alianças para o segundo turno das eleições, em torno do eixo político hoje fundamental: defesa da saúde, da vida e da democracia”, afirma, em um trecho.

Na entrevista exclusiva concedida à Política Democrática Online, o antropólogo e filósofo Luiz Eduardo Soares, defensor da desmilitarização das polícias militares, avalia que somente uma coalizão pode dar ao país as condições políticas para que se faça uma reforma estrutural nessas corporações policiais. "Só uma coalizão pode proteger os governos que se disponham a agir, e não adianta pensar nas forças armadas como uma solução mágica, porque se não o Rio já teria resolvido, por exemplo, o problema com as milícias", diz.

A reportagem especial destaca os efeitos da segunda onda da Covid-19 na Europa sobre a decisão de governadores para retorno, ou não, às aulas presenciais nas redes públicas de ensino no país. Oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do coronavírus, em março deste ano, 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020. Em outros oito Estados, governadores já se posicionaram pela volta dessas atividades somente no ano que vem, diante do risco de a nova onda do coronavírus na Europa aumentar ainda mais o número de casos no Brasil.

Em seu artigo, o diplomata aposentado Rubens Ricupero aponta os principais reflexos das eleições nos Estados Unidos. “Na esfera interna, não será fácil, sem controlar o Senado, aumentar impostos das corporações, aprovar pacote trilionário de estímulo, alterar a ideologia da Suprema Corte”, diz. “Já na área externa, Biden terá mais latitude para voltar ao Acordo de Paris, converter o meio ambiente em prioridade central, liderar a busca de vacina na OMS, convocar a prometida Cúpula em favor da Democracia, restituir à diplomacia e ao multilateral o papel central na política externa. Se não fizer mais nada, já terá transformado a agenda mundial de modo decisivo”.

Além desses assuntos, a revista Política Democrática Online também tem análises sobre economia, cultura e nova composição do STF (Supremo Tribunal Federal). A publicação é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado e tem o conselho editorial formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Carlos Sampaio: Risco ambiental e econômico

Não podemos dar argumentos para países criarem barreiras para nossos produtos

O Brasil sempre atraiu a atenção do mundo na questão ambiental pela sua riqueza. E o fator econômico contribui para elevar as cobranças sobre o nosso país, um dos principais players no disputado mercado internacional de commodities. Ainda mais quando se discute o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, anunciado no ano passado, depois de 20 anos de negociação.

O acordo eliminará tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos, mas ainda precisa ser ratificado por cada um dos países-membros. Há, portanto, muitas resistências a vencer.

Assim, não podemos dar argumentos para países criarem dificuldades ao acordo ou barreiras para nossos produtos, alegando que o Brasil não protege o meio ambiente. A França, por exemplo, já expressou essa posição.

Neste momento, em nada ajudam iniciativas ou omissões que possam lançar desconfiança sobre a política ambiental brasileira. A revogação pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente de resoluções para a proteção de áreas de restinga, manguezais e outros sistemas sensíveis — derrubada depois pelo STF — é a polêmica mais recente.

A minimização de dados sobre o desmatamento na Amazônia ou de focos de incêndio no Pantanal e a precarização dos órgãos de fiscalização, como o Ibama, alimentam especulações contra o Brasil. Além disso, passam a mensagem de que as regras são abrandadas, o que estimula a prática de crimes.

Se não houver respostas mais objetivas e ações mais efetivas contra o desmatamento e de proteção ao meio ambiente, o Brasil continuará sendo criticado, podendo perder espaço no mercado. E, se o meio ambiente não for, de fato, protegido, as perdas serão incalculáveis para as gerações futuras.

O Brasil tem uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo. E, como se diz, o governo já ajuda quando não atrapalha. Ainda mais numa área tão sensível como essa.

*Carlos Sampaio é líder do PSDB na Câmara dos Deputados e procurador de Justiça licenciado


Míriam Leitão: Crimes no solo da Amazônia

Os grandes números impressionam, a descrição dos crimes encontrados no solo da Amazônia, também. A Operação Verde Brasil 2 aplicou de 11 maio até esta semana multas no valor total de R$ 1,696 bilhão. O Exército em solo e a Marinha nos rios apreenderam carregamentos de madeira suficientes para encher duas mil carretas. E isso foi até a última quarta-feira. Em apenas uma operação contra o garimpo ilegal foram encontrados 45 quilos de ouro. Ao todo nesses meses foram apreendidas oito mil toneladas de minerais ilegalmente extraídos, a maior parte manganês.

Os 45 quilos de ouro têm o valor de R$ 15 milhões. Foram encontrados dentro da Reserva Biológica de Maicuru, entre os municípios de Santarém e Itaituba, numa operação nos dias 9 e 13 de outubro. O local é definido pelos militares como “totalmente inóspito e de difícil acesso”. Foram por ar com a Força Aérea. Junto com os militares, a Polícia Federal e o Ibama. Lá, destruíram também 15 motores estacionários de garimpo.

Eles não saem assim às cegas. Em Brasília um grupo reúne todos os órgãos envolvidos com o tema. Um deles é o Inpe. Com imagens de satélite escolhe-se onde agir. Em videoconferências falam com os comandos militares na Amazônia. No resto é patrulha mesmo por terra, rio e ar.

Na manhã de 2 de setembro, as tropas das Forças Armadas chegaram numa fazenda que fica a leste da Terra Indígena Yanomami, ao norte da Estação Ecológica Niquiá, no município de Caracaraí. Estavam juntos técnicos do ICMBio, policiais militares de Roraima e fiscais ambientais do estado. Era uma atividade de combate ao garimpo ilegal. Eles apreenderam quatro aviões, mas havia outras aeronaves sendo consertadas e uma sendo montada. Havia uma pista de pouso e um hangar com espaço para cinco aviões.

As distâncias são enormes e só podem ser vencidas com o que eles chamam de “uma logística forte”, que apenas as Forças Armadas têm. Os militares dizem que precisam da cooperação dos órgãos ambientais. Na verdade, eles definem a Verde Brasil 2 como uma operação interagências. E a lista inclui, além das três forças, ICMBio e Ibama, a Funai, o Serviço Florestal Brasileiro, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Incra, órgãos ambientais estaduais e polícias locais.

No dia 25 de junho, um navio patrulha da Marinha encontrou carregamento de madeira na foz do Rio Tocantins, no Pará. Havia três empurradores e quatro balsas levando ao todo mil toras de madeira ilegal. A carga era tanta que punha em risco a navegação. Dois dias depois aportaram em Belém e o material foi entregue às autoridades ambientais do Pará.

— Quando a gente não consegue evitar o desmatamento, a gente apreende o resultado do crime para dar um prejuízo ao malfeitor e desestimular a continuidade do crime — disse um militar.

Ao todo, foram 765 os equipamentos inutilizados ou destruídos este ano. São veículos, motores de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras e máquinas agrícolas. Isso, além das mais de mil embarcações apreendidas e 390 dragas. Em Humaitá, pegaram de uma só vez 64 dragas.

— Os garimpos são enormes, muitas vezes em áreas protegidas. Os servidores do Ibama e do ICMBio são poucos. Precisam ser levados, em geral pela Força Aérea. A multa é aplicada pelo Ibama e pelo ICMBio. O papel das Forças Armadas principal é logística, de levar esse fiscal para lugares que ele não conseguiria chegar, e ao mesmo tempo dar proteção a ele. Num garimpo enorme desses, o fiscal vai sozinho? É um perigo. É pouquinha gente (das agências ambientais) para umas coisas enormes e interesses muito grandes por trás — explica um oficial.

A Operação Verde Brasil 2 está prevista para terminar em 6 de novembro. Terão sido seis meses. As multas aplicadas foram muito maiores do que no ano passado.

— Até hoje foram combatidos 7.500 focos de incêndio e foram realizadas 44.900 inspeções navais e terrestres, vistorias e revistas. É bastante. É o suficiente? Não. Isso tudo é emergencial. A gente está com um problema grande e está aqui combatendo os efeitos para tentar reduzir. É necessário ter uma política de empoderamento desses órgãos ambientais — explicou o oficial.

O discurso do governo confunde, mas a ação do Estado diante da grandeza da Amazônia só dá certo quando há cooperação entre seus vários braços e os objetivos são permanentes.

Com Álvaro Gribel


Política Democrática Online mostra falta de transparência no combate à corrupção

Destruição do Pantanal e estratégias de discurso de Bolsonaro também são analisadas na edição de outubro da publicação da FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Brasil menos transparente no combate à corrupção, Pantanal destruído em meio ao desmonte de políticas ambientais no governo Bolsonaro, a retórica do ódio nas pregações do guru do Bolsonarismo e politização do combate à pandemia frente a perspectivas filosóficas dos governantes brasileiros. Esses são os principais destaques da revista Política Democrática Online de outubro, lançada nesta sexta-feira (16).

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de outubro!

A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza acessos gratuito a todos os conteúdos da revista em seu site. No editorial, a revista Política Democrática Online chama atenção para a urgente necessidade de “retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”.

“Está em curso a consolidação da aliança entre o presidente da República e o bloco de deputados e senadores que responde pelo nome de ‘centrão’”, observa o texto. “Repudiada, no primeiro momento, pelos núcleos duros do bolsonarismo como capitulação frente à velha política, a aliança já rende frutos significativos ao governo e promete colheita ainda maior de resultados no futuro”, critica.

Em entrevista exclusiva para a nova edição da revista, o economista Gil Castello Branco, fundador e atual diretor executivo da Associação Contas Abertas, diz que o Brasil está menos transparente. A entidade fomenta a transparência, o acesso à informação e o controle social no país. Ele alerta que o país pode perder cerca de R$ 18 bilhões de recursos federais usados no combate à pandemia por conta da corrupção.

A reportagem especial, por sua vez, analisa como a destruição do Pantanal confirma retrocessos da política ambiental no governo Bolsonaro, o que, de acordo com o texto, é refletido também na declaração do próprio presidente e de seus ministros em defesa do “boi-bombeiro”. “A versão do governo não sinaliza, positivamente, para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país”, afirma um trecho.

'Ética do diálogo'

Ao analisar a retórica do ódio e bolsonarismo, o professor titular de Literatura Comparada da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ensaísta João Cezar de Castro Rocha aponta para a necessidade de se abraçar “a ética do diálogo, na qual o outro é sempre um outro eu, cuja diferença enriquece minha perspectiva porque amplia meus horizontes”. Segundo ele, esse é o primeiro passo para a superação da problemática.

A política nacional na pandemia é analisada pelo professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio. Segundo ele, Bolsonaro notabilizou-se, dentro e fora do país, porque politizou a pandemia da forma mais equivocada possível. “Desdenhou de suas consequências e principalmente dos mortos; recusou-se a colaborar com governadores e prefeitos no combate à pandemia, alegando falsamente suposta obstrução do STF [Supremo Tribunal Federal]”, exemplificou.

Aggio também avalia que Bolsonaro impediu a comunicação e a transparência a respeito do avanço e do combate à pandemia. “E, por fim, buscou, a todo custo, ‘abater’ politicamente seus supostos concorrentes às futuríssimas eleições presidências de 2022. Assim se comportou com dirigentes democraticamente eleitos e com ministros que ele próprio convocou como seus auxiliares”, lamenta.

Além desses assuntos, a revista Política Democrática Online também tem conteúdos sobre economia e cultura. A publicação é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado e tem o conselho editorial formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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