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Revista online | “Brasil precisa de choque para economia de carbono neutro”

O historiador Jorge Caldeira, que também é escritor, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), diz que o país tem uma oportunidade maior do que a descoberta do ouro no século XVII para se desenvolver: ingressar na economia de carbono neutro. Segundo ele, o estímulo à plantação de árvores é a saída mais viável para esse objetivo.

Caldeira é o entrevistado especial desta revista Política Democrática online de setembro (47ª edição). Autor de dezenas de livros, como Brasil: Paraíso restaurável e História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos, ele diz que o país reduzirá à metade as emissões de carbono, se parar de desflorestar a Amazônia.

Segundo o escritor, que também é sócio fundador e diretor da editora Mameluco, “a passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento” no país e no mundo. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Política Democrática (PD): O senhor vê como viável o Brasil assumir o projeto de carbono neutro? 

Jorge Caldeira (JC): O Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) é o fracasso que dura até hoje. Até então, o Brasil tinha a economia que mais havia crescido no mundo nos últimos 80 anos. O PIB absoluto do Brasil era maior do que o da China. Então, os 50 anos de fracasso do planejamento levaram à situação em que estamos. Nos planos eleitorais, continua o debate como se o planejamento de desenvolvimento do Brasil fosse ainda o modelo dos anos 1970. De lá para cá, o Brasil perdeu a globalização fase um, que são cadeias produtivas, trocas, comércio internacional crescendo acima da média nos mercados internos. Então, o Brasil se fechou, perdeu esse pedaço. O país tem uma segunda chance agora, que é transformar economia de carbono neutro, cujo preço central não existia na economia tradicional. É o preço do carbono. Era a natureza até bem pouco tempo atrás. A mudança climática transformou em bem escasso a temperatura regulada na vida da Terra e criou um mercado de carbono, que existe no planeta inteiro e tem um preço. Quem emite carbono, portanto, queima combustível fóssil, floresta e paga. Quem fixa carbono recebe. Portanto, não é só um preço. São fluxos de renda, emprego, trabalho, progresso. O Brasil está fora dessa economia porque não se planeja. Esse mercado movimentou, em 2020, US$ 280 bilhões no planeta, o que é quatro vezes o total da exportação do agro brasileiro. O planejamento econômico do Brasil não é feito para que o país esteja nesse mercado por falta de meta de carbono neutro para determinada data. O primeiro ente político a adotar o carbono neutro como meta foi a União Europeia, em dezembro de 2019. Mas, ao longo de 2020, entraram China, Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, as grandes economias do planeta. Hoje o planejamento estratégico delas é feito em referência ao carbono neutro. Os incentivos econômicos para o desenvolvimento, progresso, emprego e renda são dados em função disso, que leva muito mais longe do que as pessoas imaginam. A União Europeia atrelou todo o dinheiro de recuperação da Covid à meta de carbono. A Air France, que é uma companhia aérea francesa, pediu 7 bilhões de euros para sobreviver na pandemia, em troca de se adequar a uma meta de carbono zero em 2050. Isso, que já é realidade de planejamento econômico, estratégico e, especialmente, de mercado nas economias centrais, é absolutamente marginal na vida brasileira. O Brasil, que tem 8% do território planetário, pode ficar perto de 35% a 40% de todo o carbono do planeta. Portanto, é a economia para a qual, obrigatoriamente, deve se dirigir todo o investimento em fixação de carbono e combate ao aquecimento global. Qual é o método para se fazer isso? O que o Brasil precisa para chegar lá? O país é o quinto maior emissor de carbono do planeta. Metade das emissões brasileiras é relacionada à derrubada e queimada de árvores, o que é considerado duplamente na conta de carbono. Se derruba a árvore, você elimina um fixador de carbono. Se queima, você emite. Vai para a conta como emissão de carbono. Se parar de desflorestar a Amazônia, o Brasil reduzirá à metade as emissões de carbono no país. Além disso, só há um método de fixar carbono razoável a médio prazo: plantar árvores. A árvore, quando cresce, fixa carbono. Então, a pessoa que emite paga para a pessoa que planta, que fixa o carbono. Com essa possibilidade, a economia brasileira tem 35% do mercado mundial de qualquer jeito porque não há outra forma de fazer isso. Brasil, Indonésia e África têm 80% desse mercado. Plantar árvores é o gerador de empregos mais barato que existe. Precisa de uma pessoa por hectare. O Brasil tem 500 milhões de hectares disponíveis para plantar árvores sem mexer na agricultura e na pecuária, nas cidades e nas reservas. Se fosse usar todo esse potencial, precisaria importar gente porque não teria trabalhadores suficientes para tocar o projeto. Semente tem. O investimento é mínimo, e esta é a nova realidade da economia. Planejar estrategicamente o futuro da economia nacional, com geração de emprego e renda, além da reinserção do Brasil na economia mundial, é carbono neutro. 

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PD: O senhor reconhece, na nossa história, outros momentos em que o Brasil perdeu oportunidades análogas à da economia verde? Se as perdemos, quais foram os motivos? 

JC: O Brasil, em 520 anos de contato com a economia ocidental, aproveitou e perdeu oportunidades. O país não é a potência que mais aproveitou a oportunidade de 500 anos, mas está muito longe de ser um desastre. O Brasil é uma das 15 maiores economias do mundo, mas pode ser facilmente a quarta, quinta, terceira, sem grandes problemas. Há dois momentos em que o país não aproveitou as oportunidades, que são graves. O Brasil, em 1800, era do tamanho dos Estados Unidos. Em 1890, era 15 vezes menor. Então, na época, houve perda de oportunidade muito grande em relação ao padrão da economia que mais crescia no mundo. Essa perda foi, basicamente, por causa do tempo que levamos para lidar com a questão da escravidão. Não apenas a libertação dos escravos, mas a adaptação das instituições brasileiras ao capitalismo, o que começou na República, com direito de propriedade, facilidade de fazer empresa, gasto público decente em educação e saúde. Então, o Brasil criou isso por oportunidades próprias, mas perdeu uma oportunidade gigantesca. Desde os anos 1970, se isolou da globalização. Basicamente, esse foi um ciclo de 50 anos perdidos. A economia de carbono neutro é um ciclo diferente, já que a diferença econômica é carbono, preço e mercado, assim como geração e transferência de riqueza. A institucionalização disso na economia está acontecendo agora no resto do planeta. A oportunidade real, que é maior do que a descoberta do ouro no século XVII, é entrar na economia de carbono neutro. 

PD: Quais as maiores restrições que o Brasil enfrentou, ao longo dos 200 anos da Independência, para financiar o desenvolvimento e conseguir produzir ambiente de crescimento sustentável da nossa economia? Essas restrições parecem estar mais agudas ou mais frouxas?

JC: O Brasil levou 16 anos, entre 1890 e 1906, para sair de uma estagnação de sete décadas para ir a uma economia que crescia mais do que a dos Estados Unidos. Mudou-se, basicamente, o enquadramento institucional da movimentação de capitais. Além de todos os males pessoais do domínio de uma pessoa sobre a outra e o preconceito, que dura muitos séculos, as pessoas precisam entender que, na economia da escravidão, o escravo era, também, o principal título financeiro dela. O título de propriedade do escravo era empregado pelo proprietário dele. Então, todo o mercado financeiro, no Império, funcionava em torno do título de propriedade do escravo. Quando se fez a abolição, rasgou-se o título de propriedade. Além de o escravo fisicamente ser libertado, o dono perdeu o título de propriedade, e isso deixou de circular no mercado. Para se manter o título de propriedade do escravo como o principal da economia, foi preciso torná-lo, por meios legais, competitivo, e o jeito que se encontrou de fazer isso, no Império, foi restringir o crédito ao máximo. As políticas econômicas da época eram todas de restrição de crédito, o que permitia que o título de propriedade do escravo ficasse competitivo. Acabou a escravidão. Facilitou-se o crédito, e o capital apareceu a troco de nada. Existe um livro chamado Nature of Capital, que mostra exatamente como que, em São Paulo, se financiou, com pequeno capital, a ferrovia e a acumulação do capital. Os tropeiros de São Paulo conseguiram financiar a sua passagem para a posição de proprietários de ferrovias antes ainda do fim da escravidão, e isso permitiu uma acumulação de capital que, depois, foi aproveitada na economia. Essa história toda eu conto no livro Júlio Mesquita e Seu Tempo, que aborda o período em que a economia brasileira teve um “crescimento chinês”. Mas o Brasil também foi bem, fazendo o contrário, depois dos anos 1930. Como a base do crescimento não eram os pequenos, mas os grandes projetos – siderurgia, eletrificação, petróleo –, precisava ter capital intensivo para isso. Então, a solução brasileira foi juntar esses capitais no estado. Foi muito bom. Funcionou. O PND do Geisel era feito para que as ações fossem cada vez mais assim: o estado junta os capitais e os aplica, e o mercado interno cresce por causa dessa aplicação de capitais. Isso deixou de ser relevante em 1970, mas muita gente continua pensando que o desenvolvimento, no Brasil, é um grande projeto estatal. A boa notícia é que a economia de carbono neutro, especialmente no que se refere à energia, é meio como era a dinâmica no século 19. Nos últimos dois anos, foi instalada, no Brasil, uma Itaipu de energia solar, que representa 10% da produção da energia elétrica no país. É um negócio gigantesco, provavelmente, o maior investimento em energia nos últimos tempos. Basicamente, 700 mil pessoas foram colocadas em pequenas instalações, e alguns poucos produtores fizeram instalações maiores. Mesmo assim, ela tem escala tão pequena que dá para ser financiada privadamente. Não precisa ser grande. Então, isto é outra vantagem na área de energia, especificamente, que o Brasil já tem competitividade por causa da matriz energética mais limpa do planeta. O mundo, em geral, é 80% de fóssil; 20% de renovável. Esse é o padrão mundial das economias industrializadas. O Brasil tem cerca de 55% de fóssil e cerca de 45%, de renovável. Então, para se chegar ao carbono neutro, a energia vai ajudar, mas o mais importante é plantar árvores. O país tem tudo para essa economia dar certo e, inclusive, o fato de ser tudo descentralizado. Já está acontecendo tudo isso sem planejamento. Como financiar? Financia com um ambiente onde muitas pessoas podem financiar o seu projeto, mas precisam ter muito mais do que isso. O ambiente de planejamento, para a economia de carbono neutro, é de muita gente pequena fazendo negócio, empreendendo. Essa é a vocação brasileira sociológica hoje como a principal categoria de emprego e renda. É esta gente que faz a transformação. A passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento. Isto é central porque ela não precisa ser feita como ocorreu na passagem da economia escravista para a economia capitalista no tempo da República. O Brasil precisa ter planejamento. Emitiu-se US$ 280 bilhões de título para fixar carbono, mas levou quase zero disso. É preciso instruir os pequenos proprietários para juntarem provas de que estão plantando. Se planta um hectare de floresta, ganha-se um dinheirinho. Se cinco milhões de proprietários fizerem isso em um hectare, o Brasil quintuplicará a capacidade de refazer mata nativa em um ano. Na Amazônia, tem 15 milhões de hectares nas mãos de sem-terra, que se tornaram proprietários e tiveram que desmatar porque não sabiam fazer cultura. Se pagar para plantar, haverá 15 milhões de empregos com um emprego por hectare dentro da Amazônia. Isso é 2% da área da Amazônia. O que falta para o contrato de fixação de carbono é a segurança: a pessoa que põe o dinheiro para financiar um hectare de floresta precisa ter certeza de que o dinheiro foi aplicado em um hectare de floresta como mostra a própria foto de satélite. 

PD: O senhor acredita que falta cultura de patente ou algum tipo de institucionalidade do Estado, um plano de país voltado para inovação e empreendedorismo, para estimular essas ações? 

JC: Se você comparar as categorias básicas do Censo do século XVIII, vai ver que o Brasil, em 1800, era uma nação em que nove décimos das unidades produtivas eram pequenas unidades familiares, e um décimo era coisa maior do que isso. Nessas unidades, se fez toda a adaptação, toda a criação econômica e toda a produção, porque estavam no sertão. A visão econômica que se tinha disso, na maneira antiga de historiografia, era de unidades de economia de subsistência, ou seja, que não produziam riquezas e que eram incapazes de acumular capital. Esse conceito de economia de subsistência era usado por economistas conservadores, liberais e da esquerda, que achavam que ali não havia riqueza. Isso foi contemplado nos anos 1970, quando viram que a economia dos índios era capaz de produzir excedente, fazer troca, e, portanto, permitia acumulação. No livro Banqueiro do Sertão, mostro como fazer negócios com índios gerava, dentro da economia brasileira, uma cadeia de acumulação de capital gigantesca. Capital era prata contrabandeada do Peru, em 1600, 1700, antes do ouro. Então, esse padrão não era visto pelo conceito antigo. Hoje, para se explicar como que a economia colonial brasileira chegou a ser do tamanho que a dos Estados Unidos, a razão é simples. O chamado mercado interno que, antigamente, era calculado em peso. A economia informal era a economia. No século XVIII, o padre Guilherme Pompeu de Almeida movia negócios em uma área que ia de Buenos Aires, Potosí, Belém, Salvador, Rio de Janeiro, sem sair de Araçariguama. Ele tinha capital suficiente para fazer isso trocando – ele basicamente fabricava ferro, que era a mercadoria base de troca com os índios. Trocava, fornecia esse ferro, por algodão, madeira, farinha. Vendia isso e acumulava prata nas trocas, que também fornecia para as áreas. Havia grande capacidade empreendedora, mas a economia formal brasileira era realmente pobre para lidar com isso. O que a República fez, e o Brasil precisa fazer agora, é simplesmente diminuir o tamanho do caminho entre economia formal e economia informal para que haja crescimento. Se quiser plantar em cinco milhões de propriedades, você tem que facilitar a vida de cinco milhões de proprietários e fazê-los empregar outras cinco milhões de pessoas que, hoje, estão tudo na informalidade. Vai ter que formalizar para poder prestar conta do contrato de venda de carbono fixado para alguém que veio do exterior. Esta formalização simples permite muito, e o problema do Brasil, para ser uma segunda, primeira economia do mundo, é saber fazer isso direito hoje, o que não é tão difícil. Acho que o que se faz, no país, é vender como não educação o que, na verdade, é cultura e produtividade. Índios sabem reflorestar melhor do que o melhor fazendeiro. Temos que arranjar um jeito também de, nessa economia, chamar um índio para nos ensinar, o que não é feito porque achamos que ele é mal-educado e que nós somos educados. Não é verdade. Todo o Brasil foi feito de adaptação a uma realidade tropical que a Europa desconhecia. Quem se adaptou? Quem conhecia? O índio. Eu sempre dou o exemplo do homem da carrocinha de reciclagem, que é economia circular e a mais moderna que existe. Aquilo lá é trabalho e capital. A carrocinha é capital. Ele é trabalho, e ele, trabalhando, enche a carrocinha, que é capital, e faz renda. Ele não tem emprego. Ele não está no mundo formal, mas ele é, tecnicamente, um empreendedor, uma mistura de trabalho e capital. Para a nossa sorte, a população pobre do Brasil tem esta característica essencial, e ela pode ser aproveitada.

PD: O Brasil já foi mais ou menos inovador, mais ou menos capitalista, o capitalismo chegou à base?

JC: Há uma diferença entre empreendedor e capitalismo. Capitalismo é trabalho assalariado, basicamente. Então, você precisa ter acumulação suficiente de empreendedores para que chegue a uma empresa capitalista. Isso depende de condições institucionais. No Brasil, não é muito bom porque mantém, na informalidade, a população empreendedora, e o país não é muito bom de formalizar a acumulação de capital do informal para o formal. Só foi bom no período do começo da República. Rui Barbosa, em 17 de janeiro de 1890, baixou um decreto cujo artigo primeiro libera a organização de empresas, no Brasil, bastando registrá-las na junta comercial. Até então, para você organizar uma sociedade anônima no Brasil, precisava juntar as pessoas, fazer o estatuto da empresa, levantar 10% do capital e, quando isso estava pronto, depositava o capital no banco. Mandava a papelada para o Conselho de Estado, que era órgão assessor do poder moderador na Corte do Rio de Janeiro e levava um ou dois anos para autorizar a empresa a funcionar, ou não, dependendo de várias questões, inclusive, saber se a finalidade daquele negócio era lícita ou ilícita do ponto de vista moral. Evidentemente que o Império e eles se orgulhavam que tinham 89 sociedades anônimas em todo o Brasil em 1889, enquanto, na Inglaterra, havia 10 mil. Com o decreto de Rui Barbosa, só no ano da assinatura e apenas na cidade de São Paulo, se fizeram 210 sociedades anônimas. Então, a restrição não é capacidade. Não havia capacidade empreendedora. Não era capital. Não era nada. Era regulação. A regulação era ruim. O Brasil precisa de um choque dessa espécie hoje para entrar na economia de carbono neutro, que é como fazer alguém que tenha um hectare plantar árvore nesse hectare de maneira decente. O Brasil não recebe dinheiro porque isso não está feito. O resto do planeta não tem terra, não tem lugar para pôr árvores, não tem água, não tem nada. Aqui, no Brasil, o problema é que a lei não deixa.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Jorge Caldeira ocupa a cadeira 16 na Academia Brasileira de Letras | Foto: reprodução/G1
Desmatamento na Amazônia | Foto: reprodução/BBC
Autor História da riqueza no Brasil | Foto: reprodução/Diplomatizando
Região da Amazônia devastada pelo fogo | Foto: reprodução/Toda matéria
Diretor da editora Mameluco | Foto: reprodução/O Universo da TV
Retirada ilegal de árvores na Amazônia | Foto: reprodução/Poder360
Jorge Caldeira ocupa a cadeira 16 na Academia Brasileira de Letras | Foto: reprodução/G1
Desmatamento na Amazônia | Foto: reprodução/BBC
Autor História da riqueza no Brasil | Foto: reprodução/Diplomatizando
Região da Amazônia devastada pelo fogo
Diretor da editora Mameluco | Foto: reprodução/O Universo da TV
Retirada ilegal de árvores na Amazônia
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Jorge Caldeira ocupa a cadeira 16 na Academia Brasileira de Letras | Foto: reprodução/G1
Desmatamento na Amazônia | Foto: reprodução/BBC
Autor História da riqueza no Brasil | Foto: reprodução/Diplomatizando
Região da Amazônia devastada pelo fogo
Diretor da editora Mameluco | Foto: reprodução/O Universo da TV
Retirada ilegal de árvores na Amazônia
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PD: O Brasil tem eleição desde 1560. Se há um povo, no mundo, que não pode dizer que não sabe votar, é o Brasileiro porque teve chance de aprender na terra de José Bonifácio que, depois, gerou Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas, Marcos Maciel. Por que a política se degradou tanto no Brasil ultimamente e o que devemos fazer para sair disso? 

JC: Em uma economia em declínio, é difícil que apareça gente otimista e capaz de olhar um futuro bom. A tendência é ficar tentando repetir a fórmula que nos levou ao sucesso lá no passado e não ficar enxergando o que mudou e porque temos que fazer diferente. Então, uma das coisas que me preocupa muito na eleição atual é que o grande ambiente e as grandes categorias de debate intelectual estão no mundo da Guerra Fria. O modelo de muito sucesso demora muito para morrer mentalmente. Ficam tentando repetir, insistindo no que já foi e que não é mais. Quanto mais você fizer isso, pior fica a sua situação, e isso pode ir muito longe. Há nações onde essa situação, às vezes, passa a um declínio, a decadência ou a cenários muito complicados sem que se saia dessa disfunção. É como um filme em que você volta todo dia para o mesmo dia. Isso está acontecendo, em alguma medida, no Brasil. A nossa sorte é que um resto de outras coisas funciona. O Brasil tem conexões com o resto do mundo e, no que interessa, é o potencial para a economia de carbono neutro. Então, o mundo vai nos olhar. Vai ser difícil escapar dessa. Por bem ou por mal, o Brasil vai ter que se adaptar a isso. Isso é, mais ou menos, quando você tem esse tipo de clima, é mais ou menos o que aconteceu no fim do Império com a abolição. Todo o mundo que tinha o mínimo de visão de futuro dizia “temos que fazer abolição porque isso aqui não tem futuro”. Em 1800, quando fizeram as instituições brasileiras para proteger a escravidão, ninguém tinha alternativa para ela. Em 1850, em uma hora, já havia alternativas para ela. Em 1880, aquilo era um atraso monumental, e os escravistas diziam que, se houvesse abolição, faltariam braços para o trabalho porque ninguém quer ser escravo, mas os braços para o trabalho livre sobravam. Então, o Brasil está olhando o mundo um pouco como era no fim do Império, com lentes do passado, da Guerra Fria, de projetos econômicos que já não tem mais sentido porque ninguém vai fazer um poço de petróleo. Esquece. Não tem futuro. É economia morta. O equivalente à defesa do trabalho escravo no tempo do Império é o negacionismo de hoje: negar que não existe uma economia nova nascendo. Mas a economia existe. Então, não tem como escapar disso. A elite brasileira tem muita dificuldade de olhar uma economia com os princípios da economia de carbono neutro. No entanto, o pequeno empresário enxerga isso muito mais depressa que o grande. Por isso que a mudança está acontecendo embaixo. No caso da energia solar, qualquer dono de casa faz a conta e fala: se colocar uma placa solar aqui, pago essa placa solar só na conta de luz em 12, 16, 24 ou 36 meses. É assim que está sendo feito, apesar de não ter plano nacional para a transição à energia solar. O que era planejamento nos anos 1970 não é planejamento hoje. O que era desenvolvimento econômico não é desenvolvimento econômico hoje. Se não se adaptar a essa mudança, você ficará no tempo passado. A economia do tupinambá é muito mais próxima a dos prêmios Nobel de 2007, 2008, 2010, que foram concedidos a quem lida com a tradição de carbono neutro e a economia circular, e não com a teoria econômica que aplicamos, como a Teoria do Valor, de Karl Marx e do Adam Smith. Isso é uma coisa que pouca gente nota, mas valor em economia, para o Adam Smith ou Marx, é exatamente a mesma definição teórica: o que está na natureza não tem valor, o que só começa na hora em que se arranca a árvore que estava na natureza, porque é trabalho humano, e, com isso, faz-se uma mercadoria. Enquanto ela é útil, tem valor. Quando deixa de ser útil, perde o valor, e você joga fora. É lixo. Então, o ciclo econômico é só entre arrancar da natureza e jogar de volta para a natureza. Por outro lado, o ciclo econômico do cacique e dos economistas é diferente: você tem que produzir, reciclar e produzir de novo para fazer um circuito de produção econômica. Essas mudanças a gente percebe pouco, mas são essenciais no mundo que corre hoje.

Sobre o entrevistado

Jorge Caldeira é escritor, jornalista, historiador e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (47ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

Equipe de entrevista

André Eduardo: consultor legislativo do Senado Federal na área de economia e mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).

Benito Salomão: economista chefe da Gladius Research, doutor em economia pelo Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).

Carlos Marchi: jornalista e escritor. Trabalhou no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo, nos principais meios de comunicação do país – Correio da Manhã, Última Hora, O Globo, TV Globo, O Estado de S. Paulo. Paulo. Entre 1984-1985 foi assessor de imprensa na campanha civilista de Tancredo Neves. Foi secretário geral do Sindicato dos Jornalistas do DF (1977-1980) e vice-presidente da Fenaj (1980-1983).

Cleomar Almeida: jornalista, coordenador de Publicações da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e editor da revista Política Democrática online.

Silvio Ribas: jornalista, escritor, consultor em relações institucionais e assessor parlamentar no Senado Federal.

Vinícius Müller: doutor em História Econômica, professor do Insper e membro do Conselho Curador da FAP.

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Revista online | 10 anos do Código Florestal: retrocessos e pouco a comemorar 

Raul Valle*, especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022)  

“Agora temos a lei ambiental mais rigorosa do mundo”, bradou o então deputado federal Paulo Piau (MG) sobre o novo Código Florestal que acabava de ser aprovado pelo Congresso Nacional – com seu voto e atuação proativa. Para a senadora Kátia Abreu (TO), outra fervorosa defensora da nova lei, ao contrário do que as ONGs diziam, o desmatamento ilegal iria cair “drasticamente” nos anos seguintes com a aprovação do novo texto, não havendo, portanto, porque temê-lo.

No último dia 25 de maio completou-se 10 anos da aprovação do novo Código Florestal (Lei Federal 12651/12). Em 2021, o desmatamento na Amazônia foi 200% superior ao do ano anterior ao da aprovação da lei. Mesmo na Mata Atlântica, que havia atingido o estágio de quase “desmatamento zero”, este atingiu patamares maiores do que antes da aprovação da nova lei. No Mato Grosso, capital do agronegócio, o desmatamento não apenas aumentou, mas continuou ilegal: 92% do desmatado até 2019 não tinha qualquer tipo de autorização, embora a quase totalidade dos imóveis rurais já esteja dentro do Cadastro Ambiental Rural – CAR. A promessa vendida à sociedade à época da aprovação da lei era de que, em troca das muitas anistias concedidas aos produtores rurais, estes iriam a partir de então parar de desmatar e começar a restaurar os seus passivos remanescentes, pois ao entrar no CAR seriam vigiados de perto pelos órgãos ambientais, que poderiam enviar as multas “pelo correio” caso verificassem qualquer desmatamento ilegal. Ledo engano.

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Fruto de um longo embate dentro do Congresso Nacional, o qual opôs representantes do agronegócio, de um lado, e ambientalistas, cientistas e pequenos agricultores de outro, a lei foi a primeira vitória maiúscula que a então crescente bancada ruralista obteve na sua guerra contra o que, em sua visão, conformava o “eixo do mal”: as regras de proteção ao ambiente, de reconhecimento de terras indígenas e de garantia de direitos trabalhistas. Até então, desde a redemocratização, o setor havia acumulado apenas “derrotas”, com a aprovação de leis ambientais mais rigorosas, que impunham limites ao uso de recursos naturais em propriedades privadas e aprimoravam a forma de punir o descumprimento das regras estabelecidas. Foi após a aprovação do Decreto Federal 6514, em 2008, que o setor resolveu dar um basta e pressionar por uma mudança na lei, que datava de 1965. Até então era simples descumprir as regras estabelecidas. O decreto, no entanto, fechou lacunas jurídicas há muito usadas e tornou real a possibilidade de que a lei teria que ser cumprida. Confrontado com essa perspectiva, o setor resolveu que era melhor mudar a lei do que se esforçar para cumpri-la.

Confira, a seguir, galeria de fotos:

Floresta em formato de pulmão desmatado | Reprodução/Estratégia
Aligator dies by fire | Foto: Shutterstock/Tiago Marinho
Amazônia crises | Foto: Shutterstock
Amazônia desmatamento | Foto: shutterstock/Rich Carey
Deforestation forest destruction | Foto: shutterstock/Viktor Sergeevich
Desmatamento | Foto: shutterstock/Paralaxis
Floresta queima | Foto: shutterstock/JH Bispo
Global crises | Foto: Shutterstock/Marti Bug Cacther
Pantanal em chamas | Foto: Shutterstock/Rafael Martos Martins
Save the earth | Foto: Shutterstock/studiovin
Save the planet | Foto: Shutterstock/Teekatat Roongruang
World crises | Foto: Shutterstock/Osorio
Floresta em formato de pulmão desmatado
Aligator dies by fire
Amazônia crises
Amazônia desmatamento
Deforestation forest destruction
Desmatamento
Floresta queima
Global crises
Pantanal em chamas
Save the earth
Save the planet
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Floresta em formato de pulmão desmatado
Aligator dies by fire
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Amazônia desmatamento
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Desmatamento
Floresta queima
Global crises
Pantanal em chamas
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O balanço de 10 anos da aprovação da lei não é bom. Embora a maior parte dos imóveis rurais já estejam inscritos no CAR – em alguns estados os números superam os 100%, dentre outras razões porque houve fracionamento artificial de imóveis para aproveitar o máximo as benesses da lei, maiores para pequenas propriedades – é ínfima a quantia dos que foram efetivamente analisados para saber se há passivos e obter do proprietário o compromisso de recupera-los. No Pará, apenas 0,1% chegaram nessa etapa e na maioria dos estados o número é ainda menor. A honrosa exceção é o Espírito Santo, que tem o mais robusto programa de apoio à restauração florestal do país e mais de 70% dos imóveis já analisados.

Quando a lei foi aprovada muitos elogiaram seu suposto equilíbrio. Por não ter agradado nem os ambientalistas, que viam com horror regras que dispensavam a recuperação de 21 milhões de hectares de florestas, nem os representantes do agronegócio, que gostariam de eliminar totalmente qualquer restrição legal ao desmatamento, vendeu-se a ideia de que ela seria justa. Se efetivamente o setor agropecuário tivesse se engajado em sua implementação, cumprindo com a promessa de que dali pra frente a coisa seria diferente, ou seja, que mesmo menos protetiva a lei finalmente sairia do papel, talvez pudéssemos concordar com essa análise. 

O que vemos, no entanto, é que a aprovação do novo Código Florestal foi a abertura de uma caixa de pandora. Ao conseguir uma vitória tão maiúscula, o setor agropecuário descobriu que podia fazer muito mais. De alguma forma, normalizou-se a lógica de que, com poder, é melhor mudar a lei que impõe alguma restrição do que cumpri-la. Disso resultaram muitos outros projetos de lei que avançam rapidamente no Congresso Nacional para anistiar grileiros e permitir mais desmatamento. Como podemos perceber, isso tem feito muito mal não apenas ao meio ambiente no país, mas à própria qualidade de nossa democracia.

Sobre o autor

*Raul Valle é advogado, mestre em Direito Econômico e coordenador de incidência política do WWF Brasil.

* Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Cuiabá capital de Mato Grosso | JEFERSON PRADO/shutterstock

Apoiado pela FAP, seminário discute desenvolvimento em Mato Grosso

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

Propostas de desenvolvimento regional e nacional e estratégias para o fortalecimento de políticas públicas de desenvolvimento sustentável serão debatidas durante seminário, nesta quinta-feira (30/6), a partir das 19 horas, no Hotel Fazenda Mato Grosso, em Cuiabá. O evento, que busca incentivar a educação política em defesa da cidadania, da democracia e da justiça social, tem entrada gratuita.

O ex-secretário estadual de educação Marco Marrafon, o deputado estadual Faissal Calil (Cidadania) e a presidente do Cidadania Mulher, Neura Rajane, confirmaram participação no Seminário de Formação Política: Mato Grosso desenvolvido e sustentável. O evento é realizado com apoio da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao partido.

Marrafon, que em 2021 também foi considerado um dos juristas mais citados como referência pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ressalta que o seminário é importante por buscar “ideias para o desenvolvimento de Mato Grosso a partir dos conceitos fundamentais de uma educação compatível com o século 21”.

Veja, abaixo, galeria de fotos:

Bandeira do Mato Grosso | Foto: NINA IMAGES/Shutterstock
Desenvolvimento social | Foto: chayanuphol/Shutterstock
Liberdade de imprensa e a democracia | Foto: NANCY AYUMI KUNIHIRO/Shutterstock
O céu de Mato Grosso | Foto: Victor Ostetti/Shutterstock
Mulher na política | Foto: CameraCraft/Shutterstock
Sustentabilidade e meio ambiente | Imagem: NINA IMAGES/Shutterstock
Cuiabá ponto turístico | Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock
Cuiabá capital de Mato Grosso | JEFERSON PRADO/shutterstock
Mulheres na política a reforma que o Brasil precisa | Foto: reprodução
Bandeira do Mato Grosso
Desenvolvimento social
Liberdade de imprensa e a democracia
O céu de Mato Grosso
Mulher na política |
Sustentabilidade e meio ambiente
Cuiabá ponto turístico
Cuiabá capital de Mato Grosso
Mulheres na política a reforma que o Brasil precisa
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“Levantará a questão da participação democrática de todos os cidadãos e cidadãs, inclusão da mulher na política, especialmente naquilo que interessa ao desenvolvimento e, também, à sustentabilidade. Discutiremos, ainda, a questão da energia, como a energia solar, e a busca de menos tributos para construir esse desenvolvimento”, afirmou o ex-secretário estadual.

O objetivo do seminário, segundo os organizadores, também é incentivar a educação política e a formação de novas lideranças em diferentes áreas de atuação, membros de entidades organizadas com inserção social para despertar a inovação na forma de fazer política, além de incentivar o protagonismo feminino.

“Vamos promover o debate para realizar os diagnósticos de demandas regionais e nacionais que impactam o estado de Mato Grosso. Temos trabalhado de maneira intensa para planejar propostas concretas para o futuro desenvolvido, inclusivo, e bastante sustentável do Estado de Mato Grosso”, ressaltou Marrafon.

Confira eventos da FAP

O evento é destinado, prioritariamente, a simpatizantes e filiados ao Cidadania, mas também está aberto a receber contribuições da comunidade em geral, para que haja mais conscientização e engajamento dela, para o pleno exercício da cidadania e fortalecimento do desenvolvimento sustentável e do empreendedorismo no Estado.


Foto: Salty View/Shutterstock

Revista online | Políticas de desenvolvimento regional no Brasil: entre a fragmentação e a resiliência das desigualdades

Luiz Ricardo Cavalcante*

O Brasil é recorrentemente apontado como um dos países mais regionalmente desiguais do mundo. Essas desigualdades evidenciam-se, por exemplo, nos indicadores de PIB per capita, muito inferiores à média nacional no norte e nordeste. Os percentuais relativos dessas regiões se mantêm mais ou menos estáveis desde pelo menos a metade do século XX, quando políticas com foco explícito em seu desenvolvimento começaram a ser adotadas no país. 

O processo teve início na década de 1950, quando foram criados o BNB, a Sudam e a Sudene. Na década seguinte, foi a vez da Zona Franca de Manaus (ZFM). Criados na década de 1980, os fundos constitucionais de financiamento dirigiram-se para as regiões norte (FNO), nordeste (FNE) e centro-oeste (FCO). A esse conjunto pode se somar a Sudeco, as áreas de livre comércio e as zonas de processamento de exportações, além de outras iniciativas menores. Em seu conjunto, esses instrumentos oferecem incentivos fiscais e financeiros para investimentos nas regiões menos desenvolvidas do Brasil a um custo fiscal da ordem de 0,75% do PIB em 2018. Trata-se de um valor correspondente a cerca de 1,7 vezes em relação ao orçamento do Programa Bolsa Família daquele ano.

Foto: Valter Calheiros/Amazonas Atual
Reprodução: Istoé Dinheiro
Foto: AkulininaOlga/Shutterstock
Foto: Salty View/Shutterstock
Reprodução: Atlas
Foto: Valter Calheiros/Amazonas Atual
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A lógica é romper uma espécie de círculo vicioso observado nas regiões menos desenvolvidas: os investimentos as evitam porque nelas não há oferta de insumos ou de mão de obra especializada, e a baixa oferta decorre da ausência de demanda. A ideia é, portanto, oferecer menores níveis de tributação e empréstimos em condições mais favoráveis para que novas empresas se instalem nas regiões menos desenvolvidas e rompam uma espécie de armadilha em que essas regiões se encontram. Os investimentos criariam economias de aglomeração que permitiriam que, após algum tempo, as regiões beneficiadas já não precisassem dos incentivos.

Ao se examinar o histórico desses instrumentos no Brasil, fica evidente que não houve diretriz unificada que orientasse sua adoção. A ausência de coordenação das ações pode ser atribuída a uma espécie de “desbalanceamento” já apontado em análises da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Nesse “marco legal invertido”, instrumentos específicos – como a ZFM, o FNO, o FNE e o FCO – têm previsão constitucional, ao passo que as superintendências de desenvolvimento regional – que, em tese, teriam um caráter mais estruturante – têm apenas previsão legal. A eventual coordenação dos instrumentos, por sua vez, seria feita pela PNDR, editada por decreto. 

Na ausência de uma coordenação explícita e de uma definição constitucional ou legal de prioridades, a abrangência geográfica dos vários instrumentos assume contornos fortuitos, resultantes da ocasional capacidade de mobilização de representantes de regiões específicas. Eventuais tentativas de criação de um padrão de intervenção – como aquela proposta na PNDR – fracassaram porque não têm força constitucional ou legal. Acresce que municípios mais ricos em regiões pobres dificilmente estariam dispostos a abrir mão dos incentivos que têm hoje em favor de uma distribuição mais sistemática dos recursos.

Uma análise das proposições legislativas sobre o tema indicou, por exemplo, que há incentivo para que os parlamentares busquem beneficiar as regiões onde estão suas bases eleitorais, ainda que seus indicadores agregados não sejam necessariamente inferiores à média nacional. Nesse quadro, embora a adoção de políticas explícitas de desenvolvimento regional remonte à década de 1950, as desigualdades regionais no país que lhes deram origem parecem bastante resilientes. Os indicadores de desenvolvimento das regiões norte e nordeste se mantêm mais ou menos estáveis em relação à média nacional, embora a região centro-oeste – destinatária do FCO, mas que não conta com incentivos como os da Sudam ou da Sudene – a tenha superado.

A resiliência das desigualdades regionais sugere que haveria espaço para uma melhor alocação dos recursos destinados à sua superação. Não se trata apenas da distribuição regional dos recursos, mas da própria natureza dos instrumentos, uma vez que há evidências de que formatos alternativos em alguns casos podem ser mais bem sucedidos. Por exemplo, já se mostrou, há mais de dez anos, que programas sociais têm forte impacto na redução das desigualdades regionais. Iniciativas mais ajustadas às realidades locais podem também contribuir para maior enraizamento dos investimentos, evitando o caráter itinerante das empresas que se movem de acordo com os incentivos que lhes são oferecidos e que não criam as economias de aglomeração que motivaram as políticas originais. Na ausência de coordenação e de reflexões desse tipo, as políticas de desenvolvimento regional correm o risco de se converter em um balcão permanente de reivindicações fragmentadas, perpetuando as desigualdades apontadas no início deste artigo.

Saiba mais sobre o autor

Reprodução: LinkedIn
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*Luiz Ricardo Cavalcante é consultor legislativo do Senado Federal e professor do Mestrado em Administração Pública do IDP.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.


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RPD || Frederico Bussinger: Arco Norte - Nova fronteira logística, econômica e ambiental

Portos da região se destacam e ganham importância no escoamento de soja e milho. Desafio é tornar a logística mais eficiente

Certamente historiadores e geógrafos encontrarão origens mais remotas. O que pode ser afirmado é que na segunda metade dos anos 1990 a expressão Arco Norte já se tornara usual. E, formalmente, ela parece ter debutado no Plano Plurianual 2000/03 (Programa “Avança Brasil”) para se referir à “região lá em cima; Roraima e Amapá” e embalar um conjunto de ações estruturantes: além de rodovias, portos e hidrovias, também gás e energia elétrica. Isso sob a estratégia de “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”.  

No passado mais recente, a expressão vem sendo crescentemente utilizada em sentido mais estrito: de “Saída Norte”; conceito mais logístico. Este foi antecedido pelos “Corredores” do plano de ação do biênio 1993/94 (“Reconstruindo as Artérias para o Desenvolvimento”); plano que já sinalizava a intermodalidade e previa dois deles naquela região. Este, por sua vez, foi precedido pelos “Corredores de Exportação”, integrantes dos dois “Plano Nacional de Desenvolvimento – PND” (PND-I e PND-II) dos governos militares (anos 1970/80).  

O mapa do Brasil, aprendemos no Primário, já foi dividido no sentido norte-sul pelo Tratado de Tordesilhas (1494). Nas últimas décadas, passou a sê-lo por uma linha leste-oeste que demarca o limite sul do chamado Arco Norte.  

A linha do Tratado (Belém-PA a Laguna-SC) foi fixada como fronteira entre dois reinos (Portugal e Espanha); por conseguinte, um referencial geopolítico. Já a do Arco Norte é uma linha imaginária aproximadamente sobre o Paralelo-16S: grosso modo, Cuiabá-MT, Brasília-DF, Ilhéus-BA. Diante do deslocamento da fronteira agrícola brasileira em direção ao noroeste, o conceito se impôs e foi imaginado como referencial logístico prático: seria o centro de uma faixa da qual tempos e custos para acessar os portos do Sul/Sudeste praticamente se equivaleriam aos da “Saída Norte”. Apesar de informal, o termo é usado regularmente pela imprensa, centros de pesquisa, na literatura e, até nas estatísticas oficiais.  

A área que o Tratado reservou a Portugal foi de 2,8 milhões de km2 (32% do atual território brasileiro); ao passo que a do Arco Norte é mais que o dobro: 6,4 dos atuais 8,5 milhões de km2 (3/4; 75%). Além de grande número e extensão de unidades de conservação, assentamentos, terras indígenas e quilombolas, essa vasta região abarca diversas sub-regiões com características e vocações mais uniformes; como a emergente MATOPIBA: 73 milhões de hectares dos estados de MA, TO, PI e BA.  

A saída do atual quadro de crises superpostas, que vive o país e a população brasileira, o estabelecimento do tal novo-normal e mesmo o futuro do Brasil, certamente passa pelo Arco Norte. Não se trata de miragem: a região já é responsável por parcela significativa da produção energética brasileira, bem como da produção e exportação mineral e agrícola. Só de soja e milho, por exemplo, em 2020, nela foram geradas 148,6 milhões de toneladas (2/3 da produção nacional), e exportadas 42,3 Mt (31,9 %). Nos últimos 10 anos, o aumento da sua produção foi de 2,1 vezes, ao passo que o das exportações, 5,9 vezes!  

Consagrou-se, entre nós, o bordão: “Até a porteira a agricultura brasileira é competitiva. O problema está da porteira até o porto”; ou seja, na logística. Os dados acima, porém, recomendam melhores análises e explicações: teria a exportação crescido quase o triplo do crescimento da produção se a logística, de uma forma ou de outra, não tivesse dado conta do recado? Imagine, então, se a logística fosse mais eficiente!  

O desafio logístico do Arco Norte, assim, é transitar de uma logística limitada para uma logística mais eficiente. E isso não só para exportações, mas também para o abastecimento da população da região que padece, igualmente, para levar as crianças à escola, ser atendida na limitada rede de saúde... mormente nas épocas de chuva.  

Ou seja, a transformação da logística do Arco Norte transcende o mero escoamento de cargas e transporte de pessoas: pode ser instrumento de reordenação da ocupação do território, de mudança do perfil da atividade econômica e da organização social. Na linha dos “Corredores de Desenvolvimento”, difundidos pelo Banco Mundial e outras agências multilaterais.  

A Amazônia tem tradição de megaprojetos abandonados, inconclusos, cujos cronogramas se arrastam por anos a fio, e/ou que deixam rastros de destruição não solucionados. Mas, além disso, há vários gargalos e desafios nessa trajetória de transformações: planejamento e gestão multimodal da logística; (des)coordenação das ações dos órgãos públicos; pirataria na navegação e roubo de cargas nas estradas; sincopados bloqueios de estradas e ferrovias; funding para os projetos (em geral bilionários); e estabilidade regulatória (imprevisível). E o estrategicamente mais importante: equilíbrio entre o produzir e o preservar.  

Parodiando conhecida marca esportiva: just do it!  


*Frederico Bussinger é consultor, engenheiro e economista. Pós-graduado em Engenharia, Administração de Empresas, Direito da Concorrência, e Mediação e Arbitragem. Foi Secretário Executivo do Ministério dos Transportes e Secretário Municipal de Transportes (SP-SP). Presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e CONFEA. Diretor do Metrô/SP, Departamento Hidroviário (SP) e CODESP. Presidente do CONSAD da CET/SP, SPTrans, RFFSA; da CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro do CONSAD/Emplasa e da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização – PND.


RPD || Julia Braga: Inflação de commoditites e dólar

País precisa reavaliar estratégias dos setores de energia e alimentos para superar a crise econômica, política e institucional

O aumento do preço das commodities afeta o mundo inteiro, levando a um quadro de inflação global. No Brasil, a inflação é maior que em outros países. Como explicar essa inflação mais alta que a média global? 

O preço da energia para a combustão ou energia elétrica disparou esse ano. São causas desse fenômeno: a demanda do mundo digital da era pandêmica por energia elétrica, um conjunto de fatores climáticos, assim como a rápida transição energética na China, com a troca do carvão pelo gás natural para a geração de energia elétrica. A crise hídrica no Brasil, por sua vez, fez requereu o uso mais intensivo de termelétricas, incluindo aquelas movidas a gás natural. 

Como uma commodity é custo de outra commodity, o choque energético eleva os custos em toda a cadeia produtiva, incluindo a produção de alimentos. Em 2020, o preço das commodities agrícolas (grãos e carnes) subiu intensamente (28%), devido à política de segurança alimentar na China, que demandou mais grãos e carnes após a gripe suína de 2019. Em 2021, já acumulam alta similar (28% de janeiro a agosto), devido tanto a problemas climáticos (cada vez mais frequentes e intensos), como ao aumento dos custos de produção. 

O Brasil é um importador de insumos e bens intermediários até mesmo para a produção de alimentos, com dependência externa de máquinas e fertilizantes. Os preços dos produtos importados e exportados no Brasil, em dólares, têm grande correlação histórica com a dinâmica dos preços das commodities. Ocorre que esses preços, cotados em dólares, foram majorados pela variação cambial. 

O câmbio afeta não só os preços dos bens importados, mas também os do que exportamos. Isso porque ao produtor não interessa vender no mercado interno por um preço inferior ao que poderia ganhar exportando. Para bens homogêneos e transacionáveis com o resto do mundo, vale a lei do preço único nos diversos mercados locais. Assim como ocorre com a regra da paridade internacional da Petrobrás, o exportador converte para o real o preço em dólar praticado nos mercados internacionais. Isto é, o Brasil é tomador do preço que vigora internacionalmente. 

O Banco Central mede o impacto conjunto da inflação de commodities e da variação cambial com o índice IC-br. De janeiro de 2020 a agosto de 2021 esse índice acumula alta de 71%, mesma magnitude de 2002, quando a inflação saiu da meta. A decomposição indica que praticamente metade dessa variação é devida ao aumento do preço das commodities (34%), e outra metade, à desvalorização cambial (28%). Isso significa que a variação cambial praticamente duplicou o choque de custos advindo dos preços em dólares das commodities. O que surpreende é a autoridade monetária não ter dado a devida atenção a esse índice. 

O aumento da taxa de juros tem o efeito de valorizar ou pelo menos frear a desvalorização cambial. Como mostra a história do Regime de Metas de Inflação, o Banco Central acaba conseguindo trazer a inflação para a meta, mesmo ultrapassando o ano calendário. Mas há um elemento adicional que atrapalha o canal de transmissão da política monetária. Keynes chamava de incerteza forte: quando fica difícil atribuir probabilidade a diferentes cenários. O investidor precisa atribuir probabilidades para calcular risco e expectativa de rentabilidade.    

O Brasil acumula uma crise de natureza econômica, política e institucional há mais de 5 anos.  Mesmo as empresas brasileiras, diante de tanta incerteza, optam por não internalizar a receita das exportações, deixando esse volume de dólares no exterior, sem impacto no mercado de câmbio. Cabe ao Estado dar previsibilidade aos agentes econômicos. Para isso, não basta anunciar uma meta de inflação, que pode ser descumprida sem ônus ao presidente do banco. É preciso ter planejamento econômico. 

A crise também mostra a necessidade de reavaliação das estratégias relativas aos setores energético e de alimentos. Uma prioridade deve ser o incentivo à agricultura familiar, que perdeu parcela significativa no orçamento público desde 2015, devido às regras fiscais de contenção de gastos públicos. Também é necessário debater uma regra de repasse da Petrobrás que permita suavizar, ao menos em algum grau, a forte intensidade das oscilações do preço internacional e da variação cambial (uma das mais voláteis do mundo) ao preço na bomba. Uma sugestão é um programa de recompra de ações dos acionistas minoritários, deixando a Petrobrás com mais poder para interferir no preço. Assim, os investidores não seriam prejudicados e, ao mesmo tempo, o Estado ganharia maior controle de sua política energética.   

Essas políticas de caráter estrutural acabam facilitando o canal de transmissão da política monetária. Em contrapartida, como tem sido demandado de bancos centrais no mundo todo, o Banco Central do Brasil pode ter papel mais amplo de atuação em diversas áreas, facilitando o financiamento para o cumprimento de metas ambientais e sociais e as estratégias definidas no planejamento econômico.  


Julia Braga é professora associada da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretora da Associação Keynesiana Brasileira


RPD || Guilherme Casarões: Lições do Afeganistão pós-americano

Retorno violento do Talibã ao controle do país é claro sinal de que a fórmula hegemônica da democracia liberal se tornou disfuncional e contraproducente

A dramática saída norte-americana do Afeganistão marca o fim de uma era. Nos vinte anos de ocupação militar do país, o mundo testemunhou o declínio do poder dos Estados Unidos e a reorganização da ordem mundial em torno de uma superpotência em ascensão, a China. Cabul era a fronteira final de um modelo hegemônico há tempos insustentável. Sua queda para os militantes radicais do Talibã é mais uma evidência, talvez a derradeira, de um mundo diferente em formação. 

E que mundo é esse? Trata-se de uma nova-velha ordem mundial, com elementos inéditos, mas diversas características conhecidas de outros tempos. Duas novidades merecem destaque: a primeira é o deslocamento do centro de poder para a Ásia, após cinco séculos de absoluto domínio cultural, militar e político do Ocidente.  

A segunda novidade diz respeito às dinâmicas de poder. Vivemos a era do mercado geopolítico, em que Washington e Beijing – e, em menor grau, o eixo Berlim-Bruxelas – mobilizam modalidades variadas de recursos econômicos, políticos ou militares para criar esferas de influência globais, ao passo que países consumidores usufruem de certa liberdade para escolher a qual potência se associar, numa espécie de hegemonia à la carte

Nesse novo arranjo, estabilidade e prosperidade valem mais que pluralismo e democracia. Se os americanos não se mostram capazes ou interessados em garantir o desenvolvimento local, com certa autonomia, os países buscarão a via chinesa, materializada no ambicioso projeto da Nova Rota da Seda. O pacto é simples: comércio e investimentos em troca de recursos naturais e lealdade política – sem julgamentos morais, receituários prontos ou imposição de valores. 

O retorno da velha geopolítica trouxe consigo velhos sentimentos nacionalistas. Despida das amarras ideológicas da Guerra Fria, a disputa hegemônica sino-americana abriu espaço para emergência de movimentos soberanistas que contestam os efeitos da globalização, de fluxos migratórios à exportação de empregos, do multiculturalismo identitário à democracia liberal. 

Nacionalistas contemporâneos em geral propõem uma visão de futuro olhando para o retrovisor, baseada no conceito de nacionalismo religioso. Expressam uma tendência, iniciada em regiões periféricas do globo e cada vez mais saliente nas democracias ocidentais, de condicionar o pertencimento nacional a um critério de fé, numa fusão pré-moderna entre identidades política e religiosa. 

Sob a ótica do nacionalismo religioso, defendida por líderes mundiais tão distintos quanto Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e Narendra Modi, a religião é o elemento que permite superar tanto um choque intra-civilizações quanto um choque entre civilizações, para remeter à clássica (e controversa) tese de Samuel Huntington. As crises sociais internas seriam superadas pelo cimento social religioso, capaz de fornecer uma bússola moral e assegurar a unidade nacional. Ao mesmo tempo, essas mesmas religiões informariam os novos padrões de alinhamento globais. O resultado seria um mundo fundamentalmente distinto daquele que conhecemos. 

Após a retirada norte-americana, o Afeganistão rapidamente passou a incorporar todos os elementos dessa nova-velha ordem. O abrupto colapso das instituições políticas afegãs, cedendo passagem ao violento retorno do Talibã, é mais um claro sinal de que a fórmula hegemônica da democracia liberal se tornou disfuncional e contraproducente. 

Na sequência, o imediato reconhecimento russo e chinês do novo governo afegão é revelador da dinâmica da geopolítica concorrencial, ou à la carte. Ao contrário de algumas previsões apressadas, os problemas que a China tem com sua própria população muçulmana não a impediram de encontrar um modus vivendi com fundamentalistas islâmicos além-fronteiras. 

Por fim, a gradativa normalização do nacionalismo religioso afegão ao redor do mundo, mesmo à custa de valores democráticos, direitos humanos ou liberdades individuais, sugere que ainda veremos, ao longo desta década que se inicia, outras tentativas de solucionar crises internas pela supremacia da fé. 

Bem ou mal, não se poderá contar com o ímpeto das potências ocidentais, enfraquecidas e dedicadas a resolver suas próprias divisões internas, para salvaguardar a democracia liberal em nível global. Se mais movimentos como o Talibã nos aguardam no futuro, caberá a cada sociedade garantir que essa fusão nacionalista religiosa e esse ambiente geopolítico cada vez mais perigoso não coloquem em risco as conquistas políticas das últimas décadas. 


Guilherme Casarões é doutor e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (Programa SAN Tiago Dantas). Leciona Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP)e na FGV-SP. Pela Contexto é autor do livro Novos olhares sobre a política externa brasileira.


El País: Conservar a Amazônia é um bom negócio para o Brasil

Existem diversas frentes e iniciativas para extrair de maneira sustentável produtos da floresta e, assim, monetizá-la em pé

André Guimarães / Marcello Brito / El País

Polo financeiro mundial, Wall Street esteve à frente de diversas inovações no mercado de capitais, e hoje nada é mais urgente do que dedicar atenção e criar instrumentos que viabilizem o investimento e a transição para um mundo mais sustentável e resiliente.

Manter uma floresta em pé tem um custo, que não é pequeno. Encontrar maneiras de financiar a conservação é a solução pragmática para assegurar que as florestas remanescentes sejam protegidas, trazendo maior segurança climática, as chuvas das quais depende a agricultura, e o fluxo de água que necessitamos para a nossa economia e sobrevivência.

Nova York, endereço de Wall Street, é nesta semana o palco de um dos mais importantes encontros ambientais do ano. A Climate Week dedica tempo e espaço para debates que discutam as consequências das mudanças climáticas em todas as esferas, dos riscos econômicos aos socioambientais.

Embora a crise ambiental atinja a tudo e a todos, só na última década o mundo entendeu a correlação entre as florestas e o bem estar do planeta, reconhecendo os importantes serviços prestados pela natureza e aumentando assim a preocupação em conter o avanço do desmatamento e as queimadas. É hoje consenso que as florestas e a biodiversidade devem ser preservadas ou pagaremos, como já estamos pagando, um alto custo social e econômico. Resta saber qual o tamanho da perda, se nada fizermos, e quanto teremos que investir para evitarmos que o pior aconteça.


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Com quase dois terços da Amazônia em seu território, o Brasil tem um protagonismo natural nas conversas sobre a preservação das florestas, e o desmatamento que vem sofrendo ao longo dos anos, seguido de queimadas e estabelecimento de pastagens de baixíssima produtividade, tem colocado o país sob o escrutínio mundial. Isso se exacerbou nos últimos anos, quando passou a se discutir se a Floresta Amazônica teria atingido um “ponto de não-retorno”, a partir do qual o processo de savanização seria irreversível, com consequências catastróficas para todo o mundo.

O Brasil tem recebido críticas à sua política ambiental, e o agronegócio que abraça práticas responsáveis já manifesta sua preocupação com ameaças de boicote aos seus produtos no exterior. Devemos lembrar que este é um mercado que tem um forte protecionismo, e não podemos dar “pano para a manga” para que se formem barreiras contra os produtos nacionais, e hoje a bandeira de proteção ambiental encontra ressonância junto ao público consumidor, especialmente em países desenvolvidos.

A crescente preocupação ao redor do mundo com as mudanças climáticas, e a consequente crise de alimentos, podem se tornar uma oportunidade de o Brasil se tornar uma potência agroambiental, desde que consiga proteger suas florestas e sua biodiversidade, ao promover o crescimento da produção agrícola enquanto ajuda a alimentar o mundo.

O Brasil já demonstrou ao longo dos anos que sabe aumentar sua produtividade agrícola sem destruir nosso ativo florestal, que abriga a maior diversidade de plantas e animais do planeta. No entanto, manter a vegetação em pé e protegê-la tem um custo financeiro. Se o mundo manifesta angústia com a derrubada da floresta, deveria se dispor a contribuir financeiramente para impedir o desmatamento. Mas será que os governos dos países desenvolvidos e demais entidades internacionais estão de fato dispostos a bancar isso, ou se restringirão à retórica?

Cabe a nós criar canais de diálogo e viabilizar o investimento. Claro que precisamos também fazer o nosso dever de casa interno, acabando o quanto antes com a perda de nossa cobertura vegetal nativa, monitorando nossas florestas, evitando incêndios e mudando certas práticas agrícolas. Mas precisamos também engajar o capital internacional nesta empreitada.

Um hectare de floresta amazônica armazena pelo menos 100 toneladas de carbono, ou 360 toneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalente. Hoje, cada tonelada de CO2 é comercializada a US$ 10 no mercado internacional. Portanto, devastar um hectare, o tamanho de um campo de futebol, significa queimar US$ 3,6 mil, ou mais de R$ 16 mil. Abrir mão de riquezas naturais é um desperdício de dinheiro, além de uma perda irreversível de valor biológico.

Não devemos nos contentar em erradicar a devastação ilegal da Amazônia. Mesmo as frações de reservas onde o desmatamento é permitido (equivalente a 20% da área de cada propriedade legal) poderiam ser mantidas intactas, se devidamente remuneradas pelo seu custo de oportunidade. Trata-se de mais do que preservação, é um investimento.

Existem diversas frentes e iniciativas para extrair de maneira sustentável produtos da floresta e, assim, monetizá-la em pé. Porém a grande maioria dos projetos e estudos ligados a bioeconomia da floresta ainda está em seus primórdios, exigindo alto investimento, inclusive em pesquisa. Demandarão muito tempo para chegarem a uma escala que reverta a perda da vegetação nativa.

É imperativo que o Brasil se torne um país atraente a esses investimentos. Nossas florestas em pé e preservadas podem servir de lastro, garantia financeira, para a atração dos capitais necessários para fazermos frente à exploração predatória atual. Conservar a Amazônia pode se tornar um ótimo negócio para o Brasil e para os milhões de pessoas que lá vivem.

Conciliar economia e meio ambiente é um passo crucial para a vitalidade do desenvolvimento brasileiro. O futuro do país depende de uma reflexão conjunta dos vários atores, de maneira pragmática e buscando a equação econômica que possa viabilizar a manutenção dos nossos preciosos ativos ambientais.

Temos que seguir a importante missão de alimentarmos o mundo através do nosso pujante agronegócio, mas de tal maneira a conciliar produção e preservação, produtividade e tecnologia de ponta, para também usufruirmos da riqueza biológica das nossas florestas. E o mercado financeiro deve ajudar a viabilizar instrumentos para fomentar esta revolução verde.

André Guimarães é diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e integrante da Coalizão Brasil Clima, Agricultura e Florestas.

Marcello Brito é presidente do conselho da ABAG e co-facilitador da Coalizão Brasil Clima, Agricultura e Florestas.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-22/conservar-a-amazonia-e-um-bom-negocio-para-o-brasil.html


'Sistema Nacional Único de Educação deve colocar país na vanguarda'

Proposta é feita pelo ex-ministro Cristovam Buarque, em artigo na 57ª  edição da revista Política Democrática impressa, a ser lançada em evento virtual da FAP na quinta (12/8)

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

No país com 11 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, a educação de base deve ser uma questão nacional, financiada e coordenada pelo governo federal, segundo o ex-ministro da Educação, ex-senador e ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque. “O Sistema Nacional Único de Educação deve nos colocar na vanguarda nos métodos de formação e transmissão de conhecimento”, afirma ele.


Assista!




A análise de Cristovam está publicada na 57ª edição da revista Política Democrática impressa, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), dedicada exclusivamente à educação e que está à venda na internet.

Já à venda!
Clique aqui e adquira já o seu exemplar da Política Democrática Impressa - Edição 57

O ex-ministro e outros autores participarão do primeiro de cinco eventos on-line de lançamento da publicação, na quinta-feira (12/8), a partir das 19h. A transmissão será realizada no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.



As importantes reflexões e análises de 19 autores começam com o artigo de Cristovam Buarque, fazendo um chamado para que a educação brasileira crie condições para dar um salto de qualidade em sua existência.

 “O Brasil não terá futuro se não oferecer a cada uma de nossas crianças a escola da qual elas gostem no presente e que lhes ofereça a chance de melhorar seu futuro e construir o país. Só educação não faz, mas sem educação não se faz uma nação”, diz o ex-senador.

“Entraves ao progresso”
Na avaliação de Cristovam Buarque, o Brasil está com seu progresso amarrado não apenas por causa da educação, mas, segundo ele, “o atraso e a desigualdade de nossa educação têm um papel central na rede de entraves ao progresso”.

Para que haja um salto de qualidade, segundo ele, é preciso manter descentralização gerencial em cada escola e liberdade pedagógica em cada sala de aula, de forma que toda criança seja tratada como brasileira, não como municipal ou estadual.

“A estratégia deve consistir, portanto, em um processo de substituição, por adoção, dos frágeis sistemas municipais por um robusto sistema nacional: com carreira federal para todo professor, padrões nacionais de qualidade nas edificações e nos equipamentos das escolas, todas em horário integral, com atividades pedagógicas, culturais e esportivas” afirma o autor, em outro trecho.

Cristovam Buarque explica que, em vez de espalhar escolas individualmente, o governo federal, ao longo do tempo, substituiria, por cidade, cada sistema municipal por um novo sistema federal. “Por grupos de cidades a cada ano, o novo sistema nacional chegaria a todas as escolas, todos os professores e todos os brasileiros, no prazo de duas a três décadas”, acentua o ex-ministro.


Cristovam Buarque: "Atraso e a desigualdade de nossa educação têm um papel central na rede de entraves ao progresso". Foto: Pedro França/Agência Senado

Aula teatral X Aula cinematográfica
De acordo com ele, o futuro vai exigir mais do que um sistema educacional, já que, conforme acrescenta, também será preciso que haja uma revolução no conceito e na prática do processo educacional. Segundo ele, as novas tecnologias já estão disponíveis, mas ainda não estão sendo usadas para a passagem da tradicional aula teatral – professor, quadro negro e aluno presencialmente – para a nova aula cinematográfica.

Esta última, conforme explica o autor, consiste no professor sendo o roteirista da peça pedagógica, cinematográfica com os recursos da teleinformática, da computação e da cinematografia, para levar para dentro da sala de aula as informações disponíveis nos bancos de dados, imagem e som, usando a prática presencial, remota ou híbrida.


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“Este sistema novo não pode, porém, perder a importância do convívio do aluno com a realidade social ao redor, na convivência com os colegas e com o mundo. Uma aula sobre a vida natural das florestas ganhará muito graças às novas técnicas da teleinformática, mas isto não dispensa a eficiência e a beleza da visita presencial à floresta que é estudada. A escola tem que se modernizar sem perder a comunhão com o mundo”, sugere.

O ex-ministro também diz que a superação de cada problema e a realização de cada propósito – produtividade, distribuição de renda, pacificação nas ruas, eleição de políticos honestos, paz nas ruas, estabilidade institucional, superação do quadro de pobreza, estabilidade, sustentabilidade – exigem diversas ações.

No entanto, segundo ele, cada problema fundamental passa pelo atraso da educação nacional e pela desigualdade, como ela é distribuída, conforme a renda e o endereço da família, impedindo o país de aproveitar o maior de seus recursos: a inteligência potencial dos cérebros de sua população.

“Cada pessoa sem educação de qualidade representará uma perda de capital ao longo do Terceiro Centenário: o Século do Conhecimento. Cada criança sem escola de qualidade no presente seria sintoma de um país sem qualidade no futuro”, alerta.

Lançamento da revista Política Democrática impressa 57ª edição | Educação
Data: 12/8/2021
Transmissão: a partir das 19 horas
Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da Fundação Astrojildo Pereira


Cristovam Buarque lista lacunas que entravam desenvolvimento

Ex-senador vai participar do primeiro debate da série de eventos on-line em pré-comemoração ao bicentenário da Independência, realizado pela FAP e Folha da Manhã

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O ex-senador Cristovam Buarque afirma que as políticas econômicas do Brasil foram marcadas pelo que ele chama de “lacunas”, como a incapacidade de perceber que a pobreza, os limites ecológicos, o planejamento de curto prazo e a falta da “educação de base como vetor do progresso” entravam o desenvolvimento do país.

Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e ex-governador do Distrito Federal (DF), Cristovam diz, em entrevista ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que “o país trata a pobreza como assunto meramente social, uma questão de consciência ética para erradicá-la”.


Confira o vídeo!


“Não percebemos que o quadro de pobreza – pessoas sem saúde, sem saneamento, sem comida, sem educação – entrava no desenvolvimento. Tratamos de pobreza como se ela fosse solucionada pelo crescimento econômico, como agora estamos vendo que o fato de não termos superado a pobreza entrava em nosso desenvolvimento”, analisa.

Cristovam vai participar do primeiro debate da série de eventos on-line em pré-comemoração ao bicentenário da Independência, que será realizado, na sexta-feira (14/5), a partir das 16 horas, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Folha da Manhã. Veja mais detalhes do webinar ao final desta reportagem.

Foto: Reprodução/TV Senado
Maior lacuna contrária ao desenvolvimento é a falta de percepção sobre “a educação de base como vetor do progresso”, avalia Cristovam Buarque. Foto: Reprodução/TV Senado

Desenvolvimento sustentável

O ex-senador ressalta, ainda, que os limites ecológicos prejudicam o desenvolvimento nacional. Ele lembra que o Brasil iniciou o Proálcool, em 1975, em uma década na qual “deveria ter se pensado em desenvolvimento sustentável”. “Mas nossos economistas não pensaram nisso”, critica.

Depois de 17 anos, o país sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, mas, segundo o ex-governador do DF, não aproveitou a chance de se tornar o líder do desenvolvimento sustentável. “Agora a gente está percebendo que vai ter que mudar a orientação do processo produtivo”, alerta.

“Os combustíveis fósseis vão ser proibidos em questão de tempo. O Brasil poderia ser pioneiro em automóveis elétricos, mas não trabalhamos nisso. Foi uma lacuna não ter percebido o desenvolvimento”, ressalta.

Na avaliação dele, a maior lacuna contrária ao desenvolvimento é a falta de percepção sobre “a educação de base como vetor do progresso”. “Tratamos educação como serviço social, assim como saneamento, coleta de lixo, habitação. Educação é mais do que um serviço, é um vetor. Por isso, uma criança fora da escola é vista como problema da família e dela própria, não do país’, lamenta.

Além disso, de acordo com Cristovam, a falta de planejamento a médio e longo prazos prejudicam o desenvolvimento do país. “Nunca se pensou na perspectiva de 30 a 50 anos, o que iria acontecer no futuro. Chineses e sul-coreanos pensam assim, e deram certo”, compara ele.

“Mordomias, desperdícios”

Ele também chama a atenção para o “esgotamento do estado” como entrave para o desenvolvimento. “Há esgotamento financeiro, já que não dá mais pra aumentar imposto, e moral, como a corrupção entranhada. Os planos de desenvolvimento, como eram chamados, cederam a mordomias, desperdícios, ineficiências, tudo isso foi tolerado e continua”, assevera.

O professor emérito da UnB também avalia que economistas foram responsáveis por dar legitimidade aos populistas, esquecendo todas essas lacunas. “Quem toma decisão são os políticos, mas quem pensa para os políticos são os economistas, os quais nem chamo de ideólogos, são teólogos dessa religião”, afirma.

Ele lembra, também, que, desde a Independência até 1942, o Brasil teve só uma moeda. “De 42 a 94, seis moedas diferentes, isso foi o resultado da inflação, produzida por alianças entre políticos populistas e economistas que não perceberam os limites fiscais. Os economistas chamam de gastos os investimentos em educação e saneamento, por exemplo”, critica.

SERVIÇO
Webinar | Bicentenário da Independência: a política econômica do desenvolvimento, de Vargas aos nossos dias
Data:
 14/5/2021
Transmissão: a partir das 16h
Onde: Portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Fundação Astrojildo Pereira e Folha da Manhã

 

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Bolívar Lamounier: Deitado eternamente num catre de madeira

Exceção feita ao agronegócio, a verdade é que estamos parados, ou retrocedendo

Sei que não é de bom tom fechar o ano numa nota pessimista, mas parece-me pior fazê-lo numa nota mentirosamente otimista.

Quantos de nós conservamos a esperança que tínhamos até poucas décadas atrás, a de que nossa geração veria um País mais desenvolvido, com mais bem-estar, escolaridade e civilidade? O problema, como ninguém ignora, é que não temos sido capazes de retomar o crescimento econômico em bases sustentáveis e, quiçá pior, nem temos uma consciência exata das raízes sociais e institucionais de nossa estagnação.

Há exatos 30 anos, dissecando o período Geisel-Collor, o economista Alkimar Moura definiu o objetivo de seu texto com estas palavras proféticas: “A ênfase reside nas políticas macroeconômicas de curto prazo, pois as preocupações mais largas com crescimento econômico, mudança estrutural e justiça social foram soterradas pelas violentas flutuações conjunturais que assolaram a economia brasileira nos últimos anos. Além disso, não se pretende oferecer nenhuma interpretação original para nossas recorrentes mazelas econômicas, pois a literatura econômica disponível é pródiga a esse respeito”.

Para chegarmos exatamente ao mesmo quadro, e torná-lo mais aterrador, basta acrescentar a pandemia às “violentas flutuações conjunturais” a que Alkimar Moura se referiu. Com uma ressalva: a pandemia já matou e ainda vai matar muita gente, mas por si só não explica o pessimismo (realista) que hoje permeia nossa sociedade. Exceção feita ao agronegócio, cujo desempenho é formidável, a verdade é que estamos parados, ou retrocedendo. Deitados eternamente num modesto catre de madeira.

Igualmente incapaz de oferecer alguma interpretação original, tocarei mais uma vez em questões já bastante exploradas. A questão central é, a meu juízo, a perda do dinamismo. O Brasil atual carece de impulso, de uma força ou um processo que o leve a superar a chamada “armadilha do baixo crescimento”. O leitor poderá objetar que, mesmo com o produto interno bruto (PIB) crescendo a taxas medíocres, o País poderia estar melhorando. Poderia estar aprimorando suas instituições, revolucionando seu sistema de ensino, reduzindo a violência endêmica e, não menos importante, alojando os corruptos nos aposentos que lhes seriam adequados. É óbvio que nada disso está acontecendo, e que não há exagero em afirmar que estamos regredindo em todos esses aspectos.

Esquematicamente, podemos identificar três causas para a falta de impulso: uma, derivada da estrutura social lato sensu; outra, devida à má organização das instituições de governo; e uma terceira, de mais difícil identificação, decorrente da inexistência entre nós de uma elite digna de tal denominação. No tocante à estrutura social, o termo estrutura nem parece apropriado. Não temos uma classe média, ou camadas médias bem delineadas, assentadas em pequenas e médias propriedades, urbanas e rurais. Temos um enorme conjunto informe, ameboide, constituído por pessoas que vivem de empregos mal remuneradas e de má qualidade, sem perspectiva e sem incentivos de ascensão.

Nesse conjunto é preciso incluir os desempregados e os que não estão tecnicamente desempregados porque já não têm ânimo para procurar emprego. Pessoas que pagam seus impostos (até porque a maioria deles está embutida no preço dos produtos), cumprem seus deveres eleitorais, etc., mas das quais não é razoável esperar pressões contínuas e racionais sobre as autoridades – menos ainda agora, que estão desmobilizadas pela pandemia – com vista a engendrar o impulso a que me referi.

Nossa organização institucional acopla o sistema de governo presidencialista a um multipartidarismo alucinado, sem dúvida a pior combinação jamais inventada. A dúvida que alguém pudesse ter a respeito dessa afirmação foi para o espaço, na era Lula, com o mensalão e o petrolão. O orgulho de termos ampliado generosamente o eleitorado, tornando-o tão abrangente como o dos países mais desenvolvidos, foi desmontado com um peteleco pela megacorrupção empresarial, que esfarelou todo o sistema de partidos.

No Brasil, a fragilidade da estrutura social e das instituições políticas é agravada pela inexistência de uma elite dotada de certa organicidade. Nas ciências sociais, há quem empregue o termo elite para se referir apenas aos ápices de quantas pirâmides queiramos construir com base em critérios de prestígio, renda, escolaridade, etc. Essa acepção é pobre, pois designa apenas agregados estatísticos. O sentido que ora nos interessa diz respeito a grupos reais, que se destacam não apenas por possuir recursos vultosos, mas também por certa autoconsciência e coesão e exemplaridade no tocante a valores. É graças a tal combinação de atributos que elites influenciam a política pública, balizam as ações dos governos e, em certas conjunturas críticas, os próprios destinos do país. Isso, decididamente, é o que não temos atualmente no Brasil.

Precisamos de ânimos desarmados, não de mais radicalização. Como está não pode dar certo.

*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Luiz Carlos Azedo: O peso da imprudência

Falta-nos um projeto capaz de construir consensos políticos majoritários e resgatar nossa coesão social, para uma grande reforma democrática do Estado e a redução das desigualdades

Num de seus ensaios sobre a França no século XX — O peso da responsabilidade (Objetiva) —, o historiador britânico Tony Judt, falecido em 2010, aos 62 anos, analisa a vida pública francesa entre a Primeira Guerra Mundial e os anos 1970. Como se sabe, o primeiro grande Estado-nação da Europa influenciou toda a história moderna do Ocidente, em razão da Revolução Francesa e da Comuna de Paris. Por essa razão, Judt não esconde seu espanto com “a incompetência, a ‘insoucience’ indiferença e a negligência injuriosa dos homens que governavam o país e representavam seus cidadãos” nesse período, e dedica o livro a Léo Brum, Albert Camus e Raymond Aron, intelectuais franceses que nadaram contra a maré e confrontaram seus pares.

Segundo Judt, o problema da França era mais cultural do que político. Os deputados e senadores de todos os partidos, presidentes, primeiros-ministros, generais, funcionários públicos, prefeitos e dirigentes de partidos “exibiam uma assombrosa falta de entendimento de sua época e do seu lugar”. Para um país que no começo do século teve grandes líderes políticos, como o socialista Jean Jaurès, que tentou evitar a I Guerra Mundial e morreu assassinado num comício pela paz, e George Clemenceau, primeiro-ministro durante a guerra e um dos artífices do Tratado de Versalhes, chama atenção a petrificação das suas instituições políticas no período. Traumatizada pelo sangrento desastre que foi o conflito mundial, a França foi polarizada pela radicalização ideológica que antagonizava comunistas e socialistas, de um lado, liberais e fascistas, de outro, em toda a Europa, e imobilizava o país.

Dividida entre um anseio pela prosperidade, equivocadamente inspirada no passado, e pela estabilidade dos anos anteriores à guerra, de um lado, e as promessas de reforma e renovação a serem pagas com recursos financeiros da punição à Alemanha, de outro, a elite francesa não tinha a menor chance de acertar. Qualquer tentativa de mudança em favor de melhores condições de vida para os franceses era barrada por uma política polarizada entre esquerda e direita, toda reforma institucional ou econômica era tratada como um jogo de soma zero. O desfecho foi a ocupação alemã, período ainda mais traumático, do qual a França foi salva pela vitória dos aliados, sem embargo da heroica resistência dos maquis.

A crítica de Judt é duríssima: “Que a França tenha sido salva de seus líderes políticos, de um modo como não podia ser salvar década antes, se deu graças a grandes mudanças no pós-guerra nas relações internacionais. Membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), beneficiária do Plano Marshall e cada vez mais integrada à nascente comunidade europeia, a França não dependia de seus próprios recursos e decisões para ter segurança e prosperidade, e a incompetência e os erros de seus governantes lhe custaram muito menos do que ocorrera em anos anteriores”.

Um paralelo

A tradução literal de “insoucience” é imprudência. Essa é a palavra-chave do paralelo entre esse período da história francesa e a política brasileira atual. Talvez a maior imprudência visível seja a atual política ambiental, que está fadada ao desastre absoluto, porque assentada em base políticas e ideológicas com 50 anos de atraso, ou seja, que remontam à estratégia de ocupação e exploração econômica da Amazônia do regime militar. Suas consequências de curto prazo — perda de investimentos, dificuldades de comercialização de produtos e isolamento internacional —, apontam para um desastre muito maior, porque o mundo passa por uma mudança de padrão energético que está nos deixando muito para trás, como aconteceu na Segunda Revolução Industrial, à qual só viemos a nos incorporar na década de 1950.

A questão ambiental é apenas a ponta do iceberg: falta-nos um projeto capaz de construir consensos políticos majoritários e resgatar nossa coesão social, para uma grande reforma democrática do Estado e a redução das desigualdades, no espaço de uma ou duas gerações. Ninguém tem uma fórmula pronta e acabada para isso. A única certeza é que os velhos paradigmas, que alimentam a polarização ideológica atual, não são capazes de dar as respostas adequadas aos problemas brasileiros. O pior é que o velho nacional desenvolvimentismo e os populismos de direita e de esquerda rondam as instituições políticas, sem que nenhuma dessas vertentes tenha a menor capacidade de dar respostas adequadas às contradições atuais.

A Revolução Francesa inspirou nossas instituições políticas, assim como a Revolução Americana, matriz das nossas ideias federativas. Tanto a França como os Estados Unidos, porém, vivem novos dilemas, com a revolução tecnológica e a globalização, em que perdem protagonismo econômico e político, a primeira para Alemanha, os segundos para a China. Esses quatro países protagonizam as linhas de força do desenvolvimento mundial, no qual precisamos nos inserir de maneira mais proativa. Nenhum deles, porém, nos serve de modelo de desenvolvimento.

Os Estados Unidos não nos darão de bandeja um Plano Marshall, o Mercosul está cada vez mais na contramão da União Europeia e não nos interessa a militarização do Atlântico Sul. Precisamos traçar o nosso próprio rumo. Nossos gargalos econômicos e sociais têm raízes ibéricas (patrimonialismo, compadrio, clientelismo) e escravocratas (a exclusão social e o racismo estrutural). O xis da questão é produzir uma nova síntese sobre a realidade brasileira e, politicamente, desatar os nós institucionais que impedem o nosso desenvolvimento sustentável. Nossa elite política não tem se demonstrado capaz de cumprir essa tarefa.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-peso-da-imprudencia/