desemprego

Luiz Carlos Azedo: Maia articula centro-esquerda

Do ponto de vista prático, o Centrão conseguiu se unificar em torno de Lira, e o bloco de centro-esquerda que Maia organiza ainda não tem um nome de consenso

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articula com os partidos de esquerda um nome de centro que possa derrotar a candidatura governista de Arthur Lira (PP-AL), o candidato do presidente Jair Bolsonaro. Ontem, em reunião com os partidos de esquerda — PT, PDT, PSB, PSol e PCdoB —, fechou acordo para uma composição ampla, evitando candidaturas avulsas, para formar um bloco majoritário na Câmara. Com isso, fracassaram as articulações de Lira com setores desses partidos. O PT, com 54 deputados, ou seja, a maior bancada, teve um papel decisivo. Com o PSB (31), o PDT (28), o PSol (10) e a Rede (1), o bloco soma 124 deputados.

Entretanto, Maia ainda precisa coesionar os partidos do seu próprio bloco em torno dessa aliança. Caso consiga um nome de consenso, que também seja aceito pela esquerda, pode se formar um bloco majoritário na Câmara, pois o grupo de Maia soma 158 deputados, dos seguintes partidos: DEM (28), MDB (34), PSDB (31), PSL (53), Cidadania (8) e PV (4). Em tese, os dois blocos juntos podem chegar a 282 deputados, ou seja, a maioria da Câmara, que tem 513 deputados. O problema é que essa contabilidade é formal, pois os acordos de bancada precisam ser confirmados por cada deputado e o índice de traição é grande, principalmente quando envolve a negociação de cargos e a liberação de verbas federais, como está acontecendo.

Do ponto de vista prático, o Centrão conseguiu se unificar em torno de Lira, e o bloco de centro-esquerda que Maia organiza ainda não tem um nome de consenso. Baleia Rossi (SP), o líder do MDB, continua sendo o candidato mais forte, mas não é o que tem melhor trânsito junto aos partidos de esquerda. Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) teria mais passagem, porém não tem apoio de seu próprio partido, cujo candidato é Lira. Havia conjecturas em torno do nome do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), mas ele descolou do bloco e decidiu apoiar Lira, supostamente em troca de uma vaga na Esplanada. Tereza Cristina (DEM-MS), atual ministra da Agricultura, com ampla passagem na bancada do agronegócio, por hora, é uma articulação da cúpula do DEM.

Aprovação
Uma das variáveis que influenciam a disputa na Câmara é a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Segundo pesquisa CNI-Ibope, divulgada ontem, a aprovação de Bolsonaro (bom e ótimo) caiu de 40% para 35%, de setembro a dezembro. No entanto, é seis pontos maior que a registrada em dezembro de 2019, quando chegou a 29%. Os números apontam, também, que a confiança no presidente praticamente não mudou, oscilando de 46% para 44%, dentro da margem de erro. A aprovação da maneira de governar do presidente diminuiu, no limite da margem de erro, de 50% para 46%, e a desaprovação subiu, de 45% para 49%. A pesquisa CNI-Ibope ouviu 2 mil pessoas entre 5 e 8 de dezembro, em 126 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, e a confiança, de 95%.

O número dos que avaliam o governo como ruim ou péssimo cresceu, no limite da margem de erros, de 29% para 33%. A aprovação na área de segurança pública despencou 7 pontos, era a única com saldo positivo. A atuação do governo é desaprovada em temas como juros, que nunca estiveram tão baixos, inflação, saúde e combate à fome e à pobreza. A popularidade de Bolsonaro é maior entre os residentes das cidades pequenas e da Região Sul, enquanto é menor entre os jovens, sobretudo aqueles que têm de 16 a 24 anos de idade e os que moram nas cidades grandes.

As regiões Sudeste e Nordeste reúnem a maior parcela descontente com o presidente. Para 36%, no Sudeste, e 34%, no Nordeste, o governo está sendo ruim ou péssimo; 52% dos residentes no Sudeste e 51% dos que moram no Nordeste não aprovam a maneira de governar do presidente Bolsonaro. No Sul, 44% dos entrevistados consideram o governo como ótimo ou bom, 52% afirmam confiar no presidente e 55% aprovam sua maneira de governar. Mais da metade dos moradores de cidades pequenas — aquelas com até 50 mil habitantes — confia em Jair Bolsonaro e aprova sua maneira de governar, com índices de 53% e 55%, respectivamente.

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Luiz Carlos Azedo: Regresso em marcha forçada

O desmonte das políticas públicas voltadas para os direitos humanos está em pleno curso, mas é uma contradição com as necessidades imediatas os brasileiros

Na sua primeira e única visita ao Jardim Botânico, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles — o homem que conduz as boiadas do desmatamento, das queimadas e das demais agressões ao meio ambiente — anunciou a intenção de transformar o Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, num hotel-boutique, espécie de pousada de alto luxo, acessível apenas aos mais privilegiados. O cara tem uma mentalidade mais atrasada do que a do D. João VI, o rei português que fugiu de Napoleão Bonaparte para o Brasil e mandou criar a instituição, nos idos de 1808, ou seja, mais de 212 anos atrás, com objetivo de aclimatar e cultivar especiarias e árvores exóticas, entre as quais, palmeiras imperiais, nogueiras, mangueiras, jaqueiras e cravos-da-Índia, que vieram do Oriente, das Ilhas Maurício a Macau.

Mal sabe o ministro: os cariocas têm apego àquele espaço privilegiado nas bordas da Lagoa Rodrigo de Freitas e ao pé da Serra do Mar, polo irradiador da cultura ecológica de suas crianças e adolescentes, parte integrante da memória afetiva da cidade; e da importância científica de suas pesquisas e do seu acervo, que preserva 7,5 mil espécies em pé, um herbário com 600 mil amostras e a maior biblioteca de botânica do país, com 32 mil volumes. Como a arrogância de Ricardo Salles não tem limites, ficamos imaginando: até onde vai essa sanha regressista em marcha forçada? O governo Bolsonaro se comporta como se estivesse no antigo regime militar (1964-1985) e não tivesse que dar satisfações a ninguém.

A propósito, a postura de Salles não difere muito da adotada pelo ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, que não presta contas à comunidade científica nem à sociedade, e cumpre as ordens do presidente da República sem pestanejar. Vamos ver o que vai acontecer em 25 de janeiro, quando o governo de São Paulo, segundo anunciou o governador João Doria (PSDB), pretende iniciar a vacinação em massa da população residente e de quem mais estiver por lá. A vacina ainda depende da aprovação da Anvisa, que hoje está sob absoluto controle de militares negacionistas como Bolsonaro, mas há controvérsias, porque a legislação é ambígua. Diz que as autoridades, no âmbito de sua competência, podem importar e distribuir medicamentos e outros materiais, equipamentos e insumos sem registro na Anvisa, desde que autorizados pela FDA, EMA ou entidade similar — a legislação nomeia – do Japão e da China.

Direitos humanos
Se ligarmos uma coisa com a outra, veremos que o regresso está em marcha forçada em toda linha, como na educação, por exemplo. Ontem mesmo, um manifesto de pediatras pedia que as crianças voltassem às aulas. A mesma coisa na área da segurança pública, onde a política do tipo compre uma arma e se defenda sozinho é narrativa dos violentos, e deixa a população à mercê de traficantes, milicianos e policiais despreparados. Temos um governo que não está nem aí para os direitos humanos, que remontam à Revolução Francesa, um mix de direito liberal, moral cristã e política humanista. Bolsonaro despreza esses valores, embora faça apologia da liberdade individual.

É falsa a ideia de que os direitos humanos perderam seu significado e limites com a globalização e a revolução digital. Direitos como atributos individuais, apenas, não podem combater a desigualdade, nem são sinônimos de justiça. Direitos humanos são prescrições: as pessoas não são livres e iguais, mas deveriam ser. O “direito à vida”, por exemplo, por si só, não responde as perguntas sobre o aborto. Nem às necessidades da sobrevivência, como alimento, abrigo ou cuidados de saúde. Na maioria dos casos, uma reivindicação de direitos humanos é o começo de um processo de desenvolvimento social e não o fim.

A Constituição brasileira de 1988 consagrou como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Três emendas constitucionais, em 2000, 2010 e 2015, incluiram no artigo 6º da Carta Magna, os direitos à moradia, à alimentação e ao transporte. Sempre houve muitas críticas ao texto constitucional, mas essa é uma agenda que corresponde às necessidades do nosso desenvolvimento social. O desmonte das políticas públicas voltadas para esses objetivos está em pleno curso, mas é uma contradição com as necessidades mais prementes da grande maioria da população. De certa forma, a pandemia do novo coronavírus tornou isso mais evidente e desnudou o caráter regressivo da atuação do governo federal nessas áreas. Isso ficará mais evidente com o fim do auxílio emergencial, que mitigou os efeitos mais perversos desse desmonte.

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Bruno Boghossian: Bolsonaro ainda não conseguiu dimensionar buraco da economia em 2021

Sem auxílio emergencial, governo deposita uma confiança exagerada na recuperação do emprego

Jair Bolsonaro ainda não conseguiu dimensionar o choque que a economia do país deve sofrer na virada do ano. O governo já sabe que o fim do pagamento do auxílio emergencial será um problema, mas não tem ideia do que fazer com os milhões de brasileiros que ficarão com pouco ou nenhum dinheiro.

O presidente repete a ideia de que o socorro aos mais pobres não deve ser prorrogado. Na terça (1º), ele disse que “alguns querem perpetuar tais benefícios” e emendou: “Ninguém vive dessa forma. É o caminho certo para o insucesso”. Já se sabe que um novo programa social não cabe no Orçamento, mas faltou apontar a direção de uma outra estrada.

Bolsonaro falou sobre o auxílio durante um evento na fronteira com o Paraguai. O recado veio segundos depois que ele fez um aceno aos “humildes funcionários” da obra de uma ponte. O receituário para a economia saiu na forma de um clichê: “Nada dignifica mais o homem do que o trabalho. É o que nós precisamos”.

A doutrina bolsonarista costuma contrapor proteção social ao trabalho. No passado, o presidente dizia que o Bolsa Família era “um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dar a quem se acomoda”. Em maio, Paulo Guedes (Economia) torcia o nariz para a prorrogação do auxílio, porque “aí ninguém trabalha”. “O isolamento vai ser de oito anos, porque a vida está boa”, declarou.

Esticar o auxílio emergencial indefinidamente não é uma solução plausível, mas o governo parece depositar uma confiança exagerada na recuperação do mercado de trabalho. O número de pessoas procurando emprego já aumentou, e há poucos sinais de que a economia terá capacidade de absorver aqueles que ficarão desamparados daqui por diante.

Até agora, o governo não ofereceu um plano razoável para melhorar esse ambiente. Quando os brasileiros começaram a morrer de complicações provocadas pelo coronavírus, Bolsonaro lançou a infame declaração: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Na fila do desemprego, esse slogan também não vai colar.


Bolívar Lamounier: O primeiro passo é conhecer o Brasil

No atual cenário social, econômico e político, hipótese de retrocesso não pode ser descartada

Se você acredita que o Brasil está progredindo a um ritmo medíocre, está certo; se pensa que estamos na iminência de um retrocesso grave, é provável que esteja certo também.

Só estará errado se achar que dispomos do tipo e do montante de conhecimentos de que vamos precisar para sair desta enrascada em que há anos nos vimos arrastando. Afirmação arrojada, bem o sei. No transcurso das últimas três ou quatro décadas, as pesquisas de opinião e os levantamentos do IBGE têm nos proporcionado uma montanha de informações de altíssimo valor. O problema, creio eu, é que tais informações não respondem em sua inteireza às indagações que se imporão quando nos depararmos com o inexorável desafio de reformar a sério nossa sociedade e nossas instituições políticas.

Ao dizer “inexorável”, peço permissão para passar ao largo do mar de mazelas que debatemos dia sim e outro também: estagnação econômica, desigualdades abissais, nível médio de escolaridade abaixo da crítica e condições sanitárias cujas deficiências conhecíamos de longa data, mas sobre as quais agora, com a pandemia, não cabe mais discussão. Tampouco me parece caber dúvida quanto à persistente perda de consistência das instituições: da alta administração pública, civil e militar, assim como do Legislativo e do Judiciário.

Volto aos conhecimentos de que necessitamos. A montanha de informações de que dispomos se compõe basicamente de dados “atomizados”, quero dizer, colhidos por meio da aplicação de questionários a indivíduos isolados e depois agrupados em categorias (classes A, B, C, D, diferenças entre grandes e pequenos municípios, etc.). Os resultados de tais operações não são grupos reais. Se nosso objetivo é evitar retrocessos e construir um sistema político capaz de impulsionar o desenvolvimento, informações desse tipo não são suficientes. Sociedades e sistemas políticos assentam-se sobre estruturas, vale dizer, sobre tramas de relações interindividuais e intergrupais, por sua vez amalgamadas por valores e crenças que não se dão a conhecer ao primeiro estímulo de um entrevistador.

Quem deu um passo adiante foi o antropólogo Roberto DaMatta, ao dissecar a expressão “você sabe com quem está falando?”. De fato, a proverbial “carteirada” é um retrato da estratificação autoritária que permeia nossa sociedade. Penso, no entanto, que a necessidade de um indivíduo de status superior se dirigir a um de status inferior ordenando-lhe pôr-se “em seu lugar” indica que a estratificação já está sendo questionada. Não precisaria fazê-lo caso se tratasse de uma estratificação estática, imemorial.

Façamos uma comparação com a França. Em 1920, em sua maravilhosa Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust evoca “... a ideia um tanto indiana que os burgueses (de algum tempo atrás) formavam a respeito da sociedade, considerando-a composta de castas fechadas, onde cada qual se via, desde o nascimento, colocado na posição que ocupavam seus pais, e de onde nada os poderia tirar para que penetrassem numa casta superior, a não ser raros acasos de uma carreira excepcional ou de um casamento inesperado” (vol. 1, pág. 21).

Vinte anos mais tarde, em sua igualmente maravilhosa Suíte Francesa, Irène Némirovsky trafega por um labirinto praticamente igual, o da França invadida pelos nazistas. Claro, não tendo tido escravidão, os pobres franceses não eram miseráveis desprovidos de tudo, como os nossos, nem precisavam as camadas mais altas de recorrer à “carteirada”. A estratificação, os limites prescritos nas interações e nos modos que os indivíduos observavam ao se dirigirem uns aos outros, tudo era rígida e minuciosamente regulamentado.

Voltando ao Brasil, o que mais chama a atenção é a inexistência sequer de uma classe média claramente delineada, com valores e padrões próprios de comportamento. Nunca tivemos uma petite bourgeoisie assentada sobre a pequena propriedade urbana ou rural. A maioria das camadas que têm o privilégio do vínculo empregatício vive de empregos instáveis e de má qualidade. Na área educacional do atual governo tivemos três ministros, mas nenhum plano.

Tampouco temos elites no sentido positivo da palavra, ou seja, grupos de pessoas (com ou sem recursos econômicos vultosos) com vocação de exemplaridade, devotados em alguma medida ao bem comum, e capazes de transitar pelos diferentes setores funcionais da sociedade, agregando atitudes e balizando o modo de agir dos três Poderes. Não estranha, pois, que estejamos presenciando um processo de “desinstitucionalização”, com sinais bem perceptíveis de deterioração em toda a extensão do tecido político.

Sem uma classe média robusta, sem elites no sentido que acabo de expor, com um ritmo pífio de crescimento econômico e um sistema de ensino de péssima qualidade, a hipótese do retrocesso não pode ser descartada. Nas condições aventadas, as instituições democráticas tendem a perder respaldo e robustez, permanecendo incapazes de impulsionar a economia, vulneráveis às formas de corrupção mais obscenas e aumentando a possibilidade de crises graves.

*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Vinicius Torres Freire: Para entender melhor o desemprego

Inédito na pandemia, número de ocupados cresceu; futuro dos informais ainda é sombrio

Sexta-feira, antevéspera de votação. Guilherme Boulos, a estrela vermelha da eleição, pegou Covid. Algumas pessoas sextando, outras fritando Paulo Guedes. Os remediados compravam coisas para este Natal pobrezinho naquela promoção importada dos Estados Unidos.

Pouca gente normal presta atenção às estatísticas de emprego, ainda menos em uma sexta-feira assim. No máximo, viram aquelas manchetes satisfeitas com as palavras “recorde” ou “desemprego histórico”, essas coisas.

Mas tinha notícia menos ruim naqueles números deprimentes do IBGE. Pela primeira vez desde o começo da epidemia, aumentou o número de pessoas com algum trabalho (em 798 mil); até o emprego formal aumentou. Pelo terceiro mês seguido, aumentou o que os economistas chamam de “massa salarial”, a soma dos rendimentos do trabalho de todo o mundo naquele mês (pelo critério de rendimento efetivo).

O desemprego não aumentou? Sim, para 14,6%, o tal recorde, de fato horrível. Mas taxa de desemprego é uma proporção: o número de pessoas que procuram trabalho, sem sucesso, dividido pelo número de pessoas na força de trabalho (grosso modo, as empregadas mais aquelas à procura de emprego, sem sucesso).

É um número essencial sobre o trabalho, mas não o único. Além do mais, a taxa de desemprego vai ficar por aí, em torno de 14%, no ano que vem. Mas o número de pessoas com trabalho pode aumentar (assim como o número de pessoas procurando emprego).Em setembro, a massa salarial ainda estava R$ 22 bilhões abaixo do que era no mesmo período do ano passado (queda de mais de 10%). Mas esse buraco ainda é coberto pelos pagamentos de auxílios emergenciais e do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (o BEM).Até aqui se tratou do copo “meio cheio”, na verdade umas gotas de chuva limpa no copo muito sujo da crise.

De maio a agosto, o governo pagou, em média, R$ 49,7 bilhões por mês de auxílio emergencial e BEM. Em setembro, R$ 27,5 bilhões. Em outubro, R$ 24,1 bilhões. Em janeiro, desse total vão sobrar só os R$ 3 bilhões do Bolsa Família (incluído nessa conta). Até lá, para não haver um baque no consumo e um tombo muito ruim na vida dos mais pobres (tombo haverá), a massa salarial tem de crescer para compensar o buraco deixado pelos auxílios.

Problemas:

1) os próprios auxílios ajudam a criar trabalho. Não se sabe qual será o ritmo de recuperação do emprego com a redução desses pagamentos;

2) muita empresa não está demitindo porque fez contratos de estabilidade temporária ao reduzir salários (em parte pagos pelo BEM). Quando acabar esse prazo, o que vai ser? Nota-se pelas estatísticas do emprego formal que o número de demissões anda anormalmente pequeno (trata-se aqui do Caged, registros de admissões e demissões, não os do IBGE);

3) os trabalhadores que mais perderam emprego na epidemia foram os informais (empregados sem carteira ou por conta própria sem CNPJ) e os domésticos (1,6 milhão a menos de empregos, queda de 26% desde o início da epidemia, um massacre). São justamente os mais pobres, os que dependem mais do auxílio e os que terão dificuldades de arrumar algum bico até que a epidemia se dissipe. É o copo cheio e sujo de desigualdade, que vai piorar;

4) apesar da melhora de setembro, o número de pessoas ocupadas ainda era 11,2 milhões menor que em fevereiro e 11,3 milhões menor que em setembro do ano passado;

5) faltam na prática só três semanas, até o Natal, para se arrumar algum auxílio para os novos pobres e miseráveis.


Alon Feuerwerker: Caged x PNAD

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil criou em outubro 395 mil vagas a mais de emprego formal do que eliminou. Um recorde absoluto para um mês na série histórica que vem desde 1992 (leia).

Mas segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o desemprego já aflige 14,6% dos brasileiros. É o resultado do 3º trimestre de 2020. Uma alta de 1,3 ponto percentual sobre o trimestre anterior. Também é a maior taxa da série histórica com a metodologia atual, iniciada em 2012 (leia).

O governo bate bumbo com o primeiro número, e naturalmente a oposição cuida de divulgar o segundo. Mas quem está certo, afinal? Provavelmente ambos.

A retomada dos empregos em carteira parece robusta, e há alguma possibilidade de 2020 acabar zerado na criação versus destruição de empregos formais. Mesmo que o saldo final seja algo negativo, se o número for pequeno será uma conquista e tanto em ano de Covid-19 descontrolada por aqui.

Mas o desemprego também cresce, porque tem mais gente procurando emprego e o mercado não absorve. É uma consequência da metodologia.

O fato é que a economia parece retomar. A dúvida é se, e quanto, ela vai resistir no pós- pandemia ao fim do auxílio emergencial e das demais medidas de emergência.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Míriam Leitão: Retrato amplo do desemprego

O desemprego cresceu, o mercado de trabalho ficou muito menor, a desigualdade se aprofundou. Tudo nessa soma de distopias que vivemos vem em camadas. É preciso levantá-las para entender as várias dimensões do nosso mal. Houve criação de vagas e o governo até comemorou, mas isso é uma parte pequena de uma história muito mais ampla. O IBGE divulgou ontem que a taxa de desocupação entre julho e setembro ficou em 14,6%, a maior da série. E que há menos 11,3 milhões de pessoas trabalhando do que há um ano.

Há muitas desigualdades, como sempre. Só que pioraram. Na Bahia, o desemprego é de 20%, em Santa Catarina é de 6,6%. Se você é homem, sua taxa é de 12,8%, se for mulher, é 16,8%. Se é branco, seu índice de desemprego é de 11,8%, pardo, 16,5%, e se for uma pessoa preta é de 19%. As nossas desigualdades são regionais, de gênero e raciais. Sempre existiram, mas quando a conta de alguma crise chega ela bate mais em quem tem menos e aumenta as distâncias sociais.

O problema adicional do desemprego nesta pandemia é que ele é mal medido. Não por erro do IBGE, mas por dificuldade mesmo de ver o que se passa. As lentes não captam a realidade. A estatística registra quem procurou emprego e quem não procurou. Se não procurou, você está desempregado, mas não aparece na foto. Muita gente tem adiado essa procura porque acha que o momento não é favorável, com o vírus solto por aí. Se melhorar, se a pandemia ceder, se houver segurança, a pessoa vai procurar. E aí entrará na estatística.

De cara, 5,9 milhões de pessoas não procuram, nem pensam em procurar mais porque acham que não encontrarão. São os que estão em desalento. Em um ano, 1,2 milhão de pessoas entraram no universo dos desalentados. Mas quem for de Alagoas convive com o fato de que 21,6% da população em idade de trabalhar está desalentada. No Maranhão, 20%. Em Brasília, apenas 1,3%.

O que o governo comemorou esta semana foi o Caged, que é um pedaço dessa história toda. A criação de empregos formais em outubro teve um saldo positivo de 394.989 vagas. É bastante para contexto tão difícil, mas não a prova de recuperação em V como exultou o Ministério da Economia. Ademais, a metodologia dessa conta mudou. O governo passou a obrigar os empresários a reportarem também as contratações temporárias. A série foi quebrada, não dá para comparar com o passado.

O futuro no mercado de trabalho é absolutamente incerto, porque pouco se sabe do cenário econômico. Se esse aumento dos casos de infecção e morte por Covid-19 continuar, a recuperação não se manterá. Está sendo difícil garantir neste quarto trimestre o ritmo do terceiro. Sem certeza do que vai acontecer nos próximos meses, os empresários não contratam.

Uma segunda onda nos pegará tão desprevenido quanto a primeira, porque o Ministério da Economia está negando o problema pela segunda vez. Em março, o ministro Paulo Guedes achava que com R$ 5 bilhões ele acabava com o vírus. Era negação. Agora de novo tem dito que não acontecerá o que pode já estar acontecendo.

Economistas trabalham com cenários e formuladores de políticas públicas preparam-se exatamente para as mudanças de conjuntura. O improviso custou caro da primeira vez. Gastou-se mais do que o necessário com o auxílio emergencial e com muito menos foco do que era preciso.

Esta é a aflição imediata. Há uma devastação no mercado de trabalho, o Ministério da Economia comemora dados parciais como se eles fossem o fim da crise. Ela pode se agravar. O negacionismo vai fazer novas vítimas. Na saúde e na economia. Há, além disso, uma desorganização mais ampla e profunda no mercado de trabalho para o qual será preciso mais inteligência, e menos ideologia, para encontrar a saída.

A taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos é mais que o dobro da taxa geral: é 31,4%. Excluindo tanta gente jovem, a economia não se renova.
A crise no mercado de trabalho não nasceu ontem, mas se agravou na pandemia. O coronavírus chegou com sua força destruidora num mercado com dificuldade crônica de abrir oportunidades para jovens, incluir pobres e negros, tratar homens e mulheres da mesma forma, reter os talentos maduros e reduzir as injustiças regionais. Não há soluções fáceis, mas certamente elas ficaram mais difíceis no encurralado ano de 2020.


Luiz Carlos Azedo: Três cidades

Em São Paulo, Bruno Covas é assediado por Boulos; no Rio de Janeiro, Eduardo Paes está praticamente eleito; em Recife, Marília e João Campos têm disputa acirrada

Muito interessante a disputa nas três principais capitais onde há segundo turno: São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Apontam tendências políticas completamente diferentes. A única conclusão que podemos inferir em relação a 2022, com segurança, é o fato de que o presidente Jair Bolsonaro caiu do cavalo nas três cidades. Seus candidatos não emplacaram. A queda de sua popularidade em quase todo o território nacional, em razão da pandemia de coronavírus, das altas taxas de desemprego e das suas patacoadas em relação a alguns temas relevantes, como a política externa e o meio ambiente, fez com que seu apoio se tornasse irrelevante.

Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) mantém a liderança, mesmo caindo de 48% para 47%. Guilherme Boulos (PSol) estacionou nos 40%, segundo o DataFolha. Como o candidato de Bolsomaro, Celso Russomano (Republicanos), virou mosca morta no segundo turno, a disputa reflete uma guinada à esquerda na capital paulista. Bruno Covas é um tucano de raiz, com uma narrativa que não nega a herança familiar do ex-governador Mario Covas. É falsa a acusação de que seria um bolsonarista, sua candidatura se posiciona no campo da centro-esquerda.

O que acontece é que Boulos, candidato do PSol, está à esquerda do PT, o que está contingenciando sua candidatura. Não deixa de ser um fenômeno de implicações nacionais, pois sinaliza a quebra de hegemonia do PT e a emergência de uma nova liderança política em São Paulo com projeção para outros estados. Também é falsa a tese de que seria uma espécie de lulismo sem Lula, quando nada porque o transformismo do PT ocorreu no exercício do poder e não à margem dele. Não se pode confundir o aggiornamento de Boulos com isso.

Boulos tem ampla vantagem entre jovens de 16 a 24 anos (61% a 27%); Covas, entre quem tem 60 anos ou mais (61% a 28%). Os mais jovens, porém, pesam menos (12%) no eleitorado do que os mais velhos (23%). Entre os mais pobres, com renda familiar de até dois salários, o candidato do PSDB tem 46% das intenções de voto, ante 39% do adversário. Também lidera entre quem tem renda familiar de dois a cinco salários (48% a 38%). Boulos vence na faixa de renda de cinco a 10 salários (48% a 42%). Entre os mais ricos, com renda superior a 10 salários, Covas tem 53%, e Boulos, 42%. No total de votos válidos, Covas tem 54% e Boulos, 46%.

Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, a situação é completamente diferente da de São Paulo. O segundo turno virou uma disputa entre o centro e a direita. A novidade é o maciço apoio da esquerda ao candidato do DEM, Eduardo Paes, que passou de 54% para 55%. O prefeito Marcelo Crivella, um dos raros candidatos de Bolsonaro no segundo turno, mostra resiliência na sua base evangélica, mas avançou apenas de 21% para 23% dos votos, segundo o DataFolha. Em termos de votos válidos, Paes venceria Crivela por 70% a 30%.

A vitória de Eduardo Paes repercute no cenário nacional porque fortalece o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a ala do partido que namora a eventual candidatura a presidente da República do apresentador Luciano Huck. A disputa também aponta uma tendência de convergência de forças contra o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022.

A segmentação da pesquisa também mostra uma derrota profunda do projeto político da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, de quem Crivella é sobrinho. Sua narrativa conservadora em relação aos costumes esbarrou na vida mundana dos cariocas. O aparelhamento da administração da cidade pelos pastores evangélicos também se revelou um fracasso político.

Não é à toa que Paes ampliou a vantagem sobre Crivella entre as mulheres (74% contra 26%); entre os que têm 60 anos ou mais (75% a 25%); entre os mais instruídos (75% a 25%); entre os com renda familiar mensal acima de 10 salários mínimos (85% a 15%); entre os funcionários públicos (83% a 17%); entre os católicos (84% a 16%); e entre os simpatizantes do PT (93% a 7%). Crivella manteve-se em vantagem apenas entre os evangélicos (64% contra 36%).

Recife
A eleição no Recife está eletrizante e virou a política de Pernambuco de pernas para o ar. Marília Arraes (PT) subiu de 41% para 43%, mas João campos (PSB) tem uma curva de crescimento melhor: passou de 34% para 40%. Nos votos válidos, a petista venceria por 52% a 48%, uma diferença que caiu de 10 para quatro pontos, apenas. O mais inusitado da disputa é que ela se dá praticamente no mesmo campo, em todos os sentidos. PT e PSB são partidos de esquerda, socialistas, os dois candidatos pertencem ao clã da família do ex-governador Miguel Arraes e disputam a sua herança.

Curioso é o fato de a direita pernambucana apoiar maciçamente a candidata petista, com objetivo de enfraquecer o governador Paulo Câmara e o jovem deputado federal João Campos, neto de Arraes e herdeiro político do falecido governador Eduardo Campos, que morreu num desastre aéreo na Baixada Santista, em plena campanha eleitoral de 2014.

Marília Arraes leva vantagem entre os homens (46% a 36%); entre as mulheres, fica um pouco atrás (41% a 43%). Entre os mais jovens, de 16 a 24 anos, abre 14 pontos (47% a 33%). Na faixa seguinte, de 25 a 34 anos, tem 43%, ante 41% do candidato do PSB. Entre os eleitores de 35 a 44 anos, Campos lidera (45% a 37%), mas perde entre quem tem de 45 a 59 anos, faixa na qual a petista abre vantagem de 14 pontos novamente. No grupo de eleitores mais velhos, com 60 anos ou mais, o candidato do PSB tem 44% e Marília, 43%.

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Luiz Carlos Azedo: Quanto pior, pior mesmo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, antecipou que pretende prorrogar o auxílio emergencial caso a pandemia de COVID-19 tenha uma segunda onda

As eleições de domingo já estão razoavelmente desenhadas nas pesquisas de opinião, principalmente no chamado Triângulo das Bermudas — Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte —, que revelam opções prudentes dos eleitores. Estão preferindo manter os prefeitos Bruno Covas (PSDB), em São Paulo, e Alexandre Kalil(PSD), em Belo Horizonte, e trazer de volta o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), diante da desastrosa administração do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro.

Com exceção de Kalil, que deve ser eleito no primeiro turno — está com 63% de intenções de votos, contra João Vitor Xavier (Cidadania), que tem 8%, em segundo —, Covas e Paes provavelmente terão que suar a camisa no segundo turno, principalmente se os adversários forem Marta Rocha (PDT) e Guilherme Boulos(PSOL), respectivamente. Num balanço rápido pelas capitais, as expectativas de que o presidente Jair Bolsonaro teria influência decisiva nas eleições se confirmaram com o sinal trocado: está puxando os candidatos que apoia para baixo.

Os melhores exemplos são Celso Russomano, que liderava em São Paulo, cuja candidatura desidratou completamente e está fora do segundo turno. E a Delegada Patrícia (Podemos), no Recife, que parecia ir para o segundo turno contra o líder nas pesquisas, João Campos (PSB), mas, a partir do apoio de Bolsonaro, também definhou. Marília Arraes (PT) e Mendonça Filho (DEM) disputam o segundo lugar. Ontem, pesquisa DataFolha mostrou o porquê de o apoio de Bolsonaro se tonar tóxico nessas disputas eleitorais: sua rejeição aumentou muito, chegando a 50% em São Paulo.

Bolsonaro havia sido aconselhado a somente se definir no segundo turno, buscando aliança com um dos dois candidatos em confronto, mas não resistiu ao apelo de alguns aliados e resolveu meter a colher na sopa das capitais, entornando o caldo. Agora, no segundo turno, terá dificuldades para fazê-lo, pois é muito provável que essa aproximação seja considerada desvantajosa eleitoralmente. Quem mais vai querer um apoio que pode tirar mais votos do que transferir? Tudo bem que o segundo turno é outra eleição, mas suas tendências principais estão dadas. Uma delas é de que os eleitores está rejeitando aventuras quando têm opções mais razoáveis.

As dificuldades de Bolsonaro nas eleições estão diretamente relacionadas à pandemia do novo coronavírus e às altas taxas de desemprego, sem que haja um horizonte seguro para a maioria da população, afora as bobagens que faz e fala. E ao fato de que R$ 300 de auxílio emergencial não são a mesma coisa que R$ 600, ainda mais com a inflação de alimentos. O auxílio dado a mais de 60 milhões de pessoas que perderam a fonte de renda havia alavancado a popularidade de Bolsonaro, mas sua redução parece estar neutralizando esse efeito. O projeto de Renda Cidadã, que Bolsonaro quer implantar para atender essa demanda popular, não tem fonte de receita ainda, ou seja, subiu no telhado.

Pandemia

Entretanto, numa reunião com empresários do setor de abastecimento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, antecipou que pretende prorrogar o auxílio emergencial caso a pandemia tenha uma segunda onda. Os sinais de que isso pode acontecer não vem apenas do Reino Unido, França, Itália e Espanha; nos hospitais particulares de São Paulo e do Rio Janeiro, o número de casos voltou a aumentar neste começo de semana. O relaxamento da política de isolamento social, principalmente com a reabertura dos bares, os bailes funk e a volta ao trabalho presencial, pode ter algum impacto nisso, mas não se deve desconsiderar a campanha eleitoral. Nestas últimas semanas, os candidatos que não estavam com covid-19 foram para o corpo a corpo com o eleitor.

Além disso, o presidente Bolsonaro faz tudo o que pode para atrapalhar a vida dos profissionais de saúde que lutam contra a pandemia. A última foi comemorar a morte de um dos voluntários da pesquisa da vacina CoronaVac, de procedência chinesa, que está sendo realizada pelo Instituto Butantã, de São Paulo. Bolsonaro culpou a vacina, mandou a Anvisa suspender a pesquisa, mas a agência teve que voltar atrás quando ficou comprovado que a causa da morte foi suicídio, por meio de sedativos fortíssimos, e não a vacina. O presidente da República não percebeu ainda que a conta da pandemia está chegando para ele também.

É aí que chegamos ao quando pior, pior. A situação da economia emite sinais preocupantes de deterioração, por causa do aumento da dívida pública, que já está em 100% do PIB, e as dificuldades para rolar essa dívida sem a venda de títulos públicos de curto prazo, com juros duas ou três vezes maiores do que a taxa Selic, que é de 2%. O ministro Guedes ainda não sabe o que fazer para fechar as contas públicas e criar o Renda Cidadã, sem romper o Teto de Gastos, a balisa do mercado financeiro para não entrar em estado de emergência. Quanto fala na segunda onda, aposta no quanto pior, melhor, porque a dívida pública explodirá de vez e, aí sim, se nada for feito para restabelecer o equilíbrio fiscal, vamos ingressar num cenário de hiperinflação.

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Luiz Carlos Azedo: A pandemia e o luto

No Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado

Uma das singularidades da pandemia do novo coronavírus no Brasil — que chega aos 160 mil mortos e 5,5 milhões de infectados — é a sua naturalização pelo presidente Jair Bolsonaro, que sempre combateu as medidas de isolamento social adotadas por prefeitos e governadores e tratou-a como uma “gripezinha”. A aposta do presidente da República era de que ambos arcariam com as consequências negativas do impacto econômico da crise sanitária e ele, desafiando o vírus mortífero, se beneficiaria do auxilio emergencial aprovado pelo Congresso — cinco parcelas de R$ 600, de abril a agosto, e quatro de R$ 300, de setembro até dezembro e que o governo distribuiu à mais de 60 milhões de pessoa. O governo gastou até setembro R$ 411 bilhões com a pandemia, dos quais R$ 213 bilhões com o auxílio.

Acontece que essas despesas foram feitas como quem faz uma grande compra de consumo imediato com cartão de crédito, ou seja, a conta um dia vai chegar. E está chegando com a dívida pública já equivalente a 90% do PIB e uma taxa de desemprego de 14,4 %, que deve aumentar, porque a procura por emprego, com a redução do auxílio emergencial, também aumentará. Os reflexos políticos do agravamento da crise social são imediatos. Da mesma forma como a popularidade de Bolsonaro subiu com o auxílio emergencial, agora ameaça declinar nos grandes centros, com impacto eleitoral nos candidatos que o presidente da República apoia em São Paulo, onde Celso Russomano (Republicanos) está derretendo, e no Rio de Janeiro, cujo prefeito, Marcelo Crivela (Republicanos), candidato à reeleição, é amplamente rejeitado pelos eleitores. Bolsonaro já começa a se distanciar de ambos.

Nosso presidente da República é um personagem complexo da política brasileira — embora adote soluções simples e erradas para problemas complicados —, foge aos paradigmas do politicamente correto e desenvolve vínculos com parcelas da população que somente a antropologia explica. Mas não tem como fugir de uma realidade social impactada pelos efeitos psicológicos da pandemia na vida das pessoas, em particular o luto dos amigos e familiares das vítimas de COVID-19, que não tem nenhum paralelo com o de outras causas mortis, inclusive porque o rito de passagem de seus funerais foi profundamente afetado pela ausência de velórios e os caixões fechados.

Negação e resiliência
Após naturalizar a pandemia, em algum momento, Bolsonaro haverá de pedir desculpas por esse comportamento, quiça na campanha leitoral de 2022, mas até agora não manifestou um sincero pesar pela escalada da pandemia. Seus lamentos foram sempre preâmbulos de alguma firmação que estabelecia como prioridade manter as atividades econômicas a qualquer preço. Acontece que essa prioridade é apenas retórica, na verdade, há um cada um por si, porque o governo abandonou as reformas, não tem prioridades, se digladia internamente e está prisioneiro das corporações e grupos econômicos que o apoiam. São inúmeros exemplos, os mais recente são os cancelamentos do projeto da BR do Mar — nova Lei da navegação de cabotagem —, por exigência dos caminhoneiros, e o decreto para privatização de 4 mil postos de atendimento básico do SUS, uma proposta inopinada e marota, que transforma a rede pública num grande negócio privado de tecnologia para empresas do setor de saúde.

Entretanto, Bolsonaro está subestimando o luto das pessoas que perderam seus entes queridos. Não são apenas os impactos econômico, social e cultural, em termos de perdas de força de trabalho, conhecimento e liderança social, que devem ser considerados; existe um lado afetivo e psicológico na crise sanitária, que se manifesta de forma duradoura, por etapas, difícil de ser mensurada. Amanhã, no Dia de Finados, todos os mortos serão lembrados, mas as vítimas da pandemia são como corpos insepultos ou enterrados em cova rasa, cujo luto é diferenciado.

O luto ocorre porque a perda física do ente querido não elimina o afeto. É uma ausência de difícil aceitação no tempo em que ocorre, porque o amor sobrevive. Isso gera uma negação, que se manifesta de forma silenciosa, muitas vezes, como fuga da realidade; num segundo momento, vem a revolta, muitas vezes inconsciente e inexplicável. Leva tempo para que as pessoas superem a depressão subsequentemente e aceitem a perda, para que a vida plena se restabeleça. Mas não existe esquecimento. Aceitar não é deixar de sentir. O luto se torna essencial, um marco na vida pessoal. A resiliência diante da morte também gera simpatia ou engajamento em movimentos que sejam antítese do sua causa. É o caso dos familiares de vítimas de balas perdidas ou violência policial. Na pandemia, a naturalização das mortes pode ser apenas a primeira fase de um luto coletivo. Muito mais amplo e profundo.

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Míriam Leitão: O desemprego e a propaganda

O mercado de trabalho enfrenta a maior crise da sua história, mas não espere que a equipe econômica faça análises técnicas e sóbrias sobre o momento atual. O ministro Paulo Guedes e o secretário de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, têm aproveitado as coletivas do Caged para o autoelogio. É normal que se comemore a geração de empregos formais, mas pode ter havido subnotificação das demissões. Além disso, o IBGE conta outra história: desemprego recorde, precarização do trabalho e aumento do desalento. O país vive uma situação inusitada, mas já prevista pelos especialistas: criação de vagas com aumento do desemprego, ao mesmo tempo.

Existem três termômetros para se entender o mercado de trabalho brasileiro. A Pnad Contínua, a Pnad Covid, ambas medidas pelo IBGE, e o Caged, que mede o emprego formal. Isoladamente, nenhum deles é capaz de dizer o que está acontecendo. O ideal é que a equipe econômica fosse capaz de ter uma visão sóbria e ampla para formular políticas de saída da crise. Quem acompanhou a entrevista de quinta-feira com Paulo Guedes e Bruno Bianco teve que ouvir uma sucessão de frases feitas como “o Caged mostra que desde sempre o nosso presidente estava correto”, “o mercado de trabalho comprova recuperação em V” ou “criamos o maior programa de proteção do emprego do mundo”. Bom para palanque, constrangedor em um ministério técnico.

O Caged mostra que o país teve o melhor setembro da história na criação de empregos formais. Esse índice é feito com os avisos das empresas sobre contratações e demissões. Nos últimos três meses, houve mais contratações. Em julho (139 mil), agosto (244 mil) e setembro (313 mil). Ótimas notícias. Mas o que tem chamado atenção nos dados são os registros das demissões. Em plena pandemia, e na maior retração do PIB da história, a Secretaria de Trabalho diz que houve menos desligamentos de janeiro a setembro deste ano (11,17 milhões) do que no mesmo período do ano passado (11,65 milhões). O dado é, no mínimo, estranho.

O economista Daniel Duque, do Ibre/FGV, divulgou um estudo mostrando as “evidências da subnotificação de desligamentos do Caged”. Ele explica que a partir de abril houve uma forte queda no número de empresas que enviaram ao governo informações sobre o seu quadro de funcionários. A suspeita é que muitas delas tenham fechado as portas e deixado de notificar as demissões. Com isso, entraram no índice as vagas criadas pelas empresas em funcionamento, mas não as demissões de empresas quebradas. Para se ter uma ideia, até março havia 850 mil empresas informando seus dados para o Caged. Em maio, o número havia caído para 550 mil e em agosto marcava 610 mil.
— Uma empresa que fechou ou hibernou tem grande chance de ter realizado demissão sem reportar ao governo. O programa de proteção ao emprego, que reduziu jornada e salários sem que se pudesse demitir, também deve ter postergado cortes — explica Duque.

Questionada, a Secretaria diz que o Caged tem defasagens de informações e que as empresas ainda podem enviar os dados nos próximos meses.

Os dados da Pnad divulgada ontem, do trimestre junho-julho-agosto, são de 14,4% de taxa de desemprego. A maior da história. E existem outros dados preocupantes. Em relação ao trimestre anterior, terminado em maio, há 4,3 milhões a menos de pessoas na população ocupada, e 12 milhões a menos sobre o ano passado. Mesmo com esses dados assustadores, Duque enxerga sinais de melhora. Como a pesquisa do IBGE só considera desocupado o trabalhador que tentou achar emprego e não conseguiu, esse indicador não captou o pior momento da crise, quando todos estavam em casa, e agora também não consegue medir a recuperação, com a reabertura da economia. Já se esperava essa contradição de a taxa do desemprego aumentar exatamente quando as pessoas se sentirem mais confiantes a procurar emprego.

— A Pnad tem outro problema, que é o trimestre móvel. O dado de agosto carrega também números de junho e julho que foram piores. Então tirando esse efeito da conta, percebe-se que o mercado de trabalho está melhorando, o que já era esperado, com a queda do isolamento social — explicou.

Os sinais são trocados e difíceis de entender. O mercado de trabalho sofreu um baque na pandemia. Não é fácil medir o tamanho da queda. Há sutilezas nos indicadores que precisam ser olhados com atenção. O pior a fazer é tratar disso com atitude de propaganda. O importante são os fatos. Sempre eles.


Luiz Carlos Azedo: Não existe vírus grátis

A fatura chegou primeiro para os desempregados e trabalhadores “por conta própria”, que dependem do auxílio emergencial do governo; mas virá para todos, à prestação

Desculpe-me o trocadilho, mas tem tudo a ver com a velha frase dos bares norte-americanos que nas décadas de 1930 e 1940 ofereciam a refeição para quem pagasse a bebida. Ficou mundialmente famosa porque intitulou um dos livros do economista liberal Milton Friedman, guru do ministro da Economia, Paulo Guedes. A lembrança não tem nenhuma relação direta com suas frases de efeito, até porque, ele tem evitado declarações polêmicas, mas, com o artigo publicado, ontem, pela economista Mônica de Bolle no jornal O Estado de S. Paulo, a propósito dos custos econômicos do negacionismo de Donald Trump em relação à pandemia. Os custos políticos podem inviabilizar a reeleição dele.

Segundo os economistas norte-americanos David Cutler e Lady Summers, citados no artigo, a queda do PIB norte-americano deve chegar a US$ 16 trilhões até outubro do próximo ano, ou seja, 90% do PIB, se a pandemia for controlada até lá. Nos cálculos dos dois economistas, foram incluídos os indicadores econômicos, como o aumento dos pedidos de seguro desemprego, mas, também, estimativas relativas aos prejuízos causados pela liquidação de vidas humanas, ou seja, de força de trabalho geradora de riqueza.

O Brasil não tem indicadores que possibilitem esse tipo de cálculo, mas tem estatísticas que podem servir de referência para um razoável balanço de perdas e danos. Pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University, Mônica De Bolle destaca que o nosso Sistema Único de Saúde (SUS), posto à prova pela pandemia, pode nos dar uma noção, por exemplo, de quanto será preciso investir na Saúde em razão das sequelas da covid-19 nas pessoas que se recuperaram da doença. Como a população está envelhecendo, a pandemia também agrava, por falta de tratamento, as doenças associadas à idade — diabetes, câncer, cardiopatias —, que se somam àquelas que são consideradas endêmicas, como tuberculose, dengue, hanseníase, malária e Aids, que já pressionavam o sistema de saúde.

Crediário
O número de casos graves com longas internações é sete vezes maior do que o de óbitos; 30% dos que sobreviveram apresentam sequelas. Projetam-se 350 mil pessoas nessa situação, a grande maioria dependente do SUS. Com mais de 150 mil mortos, Mônica de Bolle estima que o custo econômico da pandemia no Brasil, por baixo, pode chegar a R$ 9 bilhões, sem considerar as mortes prematuras, ou seja, dos jovens que não faziam parte da população de risco. Coincidentemente, ontem, num evento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o presidente Jair Bolsonaro disse que a pandemia da covid-19 no Brasil foi superestimada. Bolsonaro insiste que o vírus e o desemprego devem ser tratados de igual maneira, simultaneamente.

O Brasil é o 2º país com mais mortes por covid-19. Só os Estados Unidos têm mais vítimas: 220.694. Até o final da tarde de ontem, eram 150.998 óbitos de brasileiros causados pela doença. Segundo o Ministério da Saúde, 5.113.628 pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus no país, 10.220 a mais nas últimas 24 horas. O número de mortes, felizmente, está caindo: foram 309.

Aproximadamente 4,5 milhões de pessoas se recuperaram da doença até o momento. Outras 436 mil estão em acompanhamento. São 713 vítimas a cada milhão de habitantes, o que coloca o Brasil na 3ª posição de letalidade da pandemia no ranking mundial. O Peru é o país onde a covid-19 mais mata em relação ao número de habitantes (1.008 pessoas para cada milhão), o segundo é a Bélgica (880 pessoas).

As advertências de Mônica de Bolle são importantes porque as pesquisas de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, com a recuperação de seu prestígio, reforçam o discurso negacionista oficial, robustecido pelo fato de que o pior já passou e a redução das taxas de contaminação permite que a política de isolamento social seja flexibilizada, como está sendo, na maioria das cidades. A fatura do vírus chegou primeiro para os desempregados e trabalhadores “por conta própria”, que perderam sua fonte de renda e dependem do auxílio emergencial do governo. A ideia de uma recuperação econômica rápida, acalentada pelo ministro Paulo Guedes, porém, não tem sustentação técnica. A conta está chegando para os demais à prestação.

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