descaso

Governo Bolsonaro manda cortar 87% de verbas para ciência e tecnologia

Ministério da Economia diminuiu de R$ 690 milhões para R$ 89 milhões complementação de recursos para o setor

Eduardo Rodrigues / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Ministério da Economia diminuiu em 87% o encaminhamento de verbas para o setor de ciência tecnologia neste ano - a queda foi de R$ 690 milhões para R$ 89,8 milhões. A perda do dinheiro com outras áreas frustrou pesquisadores, que já contavam com o dinheiro em 2021. Em sua decisão, o ministério alega que a proposta de orçamento para 2022 aumentará consideravelmente os recursos para projetos de pesquisa.

Em 25 de agosto, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16, que abria um crédito suplementar de R$ 690 milhões para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações no orçamento deste ano. Do montante total, R$ 34,578 milhões iriam para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e os R$ 655,421 milhões restantes seriam destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – que apoia os programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais. 

Entidades - entre elas a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Andifes, que reúne os reitores das universidades federais - reagiram à medida. Em nota, os acadêmicos fazem um apelo pela reversão do corte pelos parlamentares e dizem que "está em questão a sobrevivência da ciência e da inovação no País".

Em ofício assinado pelo ministro Paulo Guedes e enviado nesta quinta-feira, 7, à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, o governo decidiu dividir os recursos que iriam integralmente para ciência e tecnologia com outros seis ministérios.

Na nova formatação, já aprovada nesta quinta pelos parlamentares, os recursos projetos de ciência e tecnologia caíram de R$ 655,421 milhões para apenas R$ 7,222 milhões – ou seja, apenas 1,10% da proposta original. Da proposta original de R$ 34,578 milhões para a produção de radiofármacos, o governo aumentou para R$ 82,577 milhões.

A fabricação de remédios para câncer pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), conforme revelou o Estadão, chegou a parar em setembro por falta de recursos. Esses medicamentos atendem entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas no País. 

No ofício do Ministério da Economia desta semana, a pasta alega que outro projeto – o PLN18, que ainda tramita no Congresso - destina mais R$ 18 milhões ao FNDCT neste ano. A equipe de Guedes também argumenta que, dos R$ 104,7 milhões orçados para ações do fundo em 2021, apenas R$ 87,4 milhões foram empenhados até agora. 

“Para o ano de 2022, o Projeto de Lei Orçamentária Anual prevê a alocação total dos recursos do FNDCT em suas ações finalísticas, no montante de R$ 8,467 bilhões, sendo metade destinada às despesas primárias e metade às financeiras. No caso das despesas primárias, isso significa um acréscimo de R$ 3,723 bilhões, ou 729,9%, em relação ao PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2021”, acrescentou o Ministério da Economia. 

No fim das contas, o maior beneficiário das mudanças no PLN16 foi o Ministério do Desenvolvimento Regional, que irá receber R$ 252,2 milhões, seguido pela Agricultura e Pecuária com R$ 120 milhões, o Ministério das Comunicações com R$ 100 milhões. A Educação recebeu R$ 50 milhões e a pasta da Cidadania ficou com outros R$ 28 milhões.

COLABOROU ROBERTA JANSEN

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-bolsonaro-corta-87de-verbas-para-ciencia-e-tecnologia,70003863548


O Brasil precisa olhar para as mulheres vítimas de violência

26% das vítimas de homicídio com emprego de arma de fogo em 2019 sofreram a agressão fatal em casa

Cristina Neme / El País

A violência contra a mulher é um fenômeno que afeta a sociedade globalmente, produz impactos do ponto de vista individual e social em diversas esferas, como saúde, educação, trabalho e renda, e cujos danos podem se estender por gerações. No âmbito da violência doméstica, prevalece aquela provocada pelo parceiro íntimo, que passa a se manifestar e a atingir as mulheres desde a juventude, avançando na fase adulta e comprometendo sua vida ao longo das fases reprodutiva e produtiva. Relatório global da Organização Mundial da Saúde estima que na região da América Latina e Caribe a violência provocada por parceiro íntimo atinge 25% das mulheres entre 15 e 49 anos.

No recente estudo elaborado pelo Instituto Sou da Paz, o comportamento dos indicadores criminais do estado de São Paulo durante o primeiro semestre de 2021, chama a atenção, por um lado, a redução geral de ocorrências violentas, como homicídios e roubos, e, por outro, o aumento de ocorrências de violência contra a mulher e de estupros, em comparação com o primeiro semestre de 2020. Se em 2021 os homicídios sofreram redução de 3% no estado, os homicídios de mulheres cresceram 2,6% e as lesões corporais dolosas contra mulheres, 5,4%. As ocorrências de estupro, que atingem majoritariamente as mulheres, também aumentaram, sobretudo as de estupro de vulneráveis, que correspondem a 77% desses casos de violência sexual e tiveram crescimento de 17,5% neste primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano anterior.

É preciso observar esses indicadores no contexto da pandemia da covid-19, visto que o isolamento social afetou a dinâmica de crimes e violências. No primeiro semestre de 2020, quando tivemos o primeiro isolamento amplamente instituído, observou-se uma queda dessas ocorrências em relação a 2019, não só em São Paulo mas também em outros estados. Considerando que as agressões contra as mulheres e a violência sexual contra vulneráveis prevalecem no ambiente doméstico, nota-se que a queda nos registros de lesões corporais e de estupros durante o primeiro momento de isolamento social refletiu antes a subnotificação desses crimes do que sua redução. Com maior exposição e vulnerabilidade a violências que ocorrem dentro de casa e maior dificuldade de acessar canais institucionais para denúncia e atendimento dos casos, os registros sofreram uma redução expressiva no primeiro semestre de 2020.MAIS INFORMAÇÕESInstituto Sou da Paz: O acesso às armas é a única resposta de Bolsonaro para melhorar a segurança pública?

Assim, o aumento observado em 2021 sinaliza para uma retomada dos registros que vem resultar em estatísticas mais aproximadas da realidade, ou menos subnotificadas, dando visibilidade para a gravidade e recorrência desse tipo de violência. No Brasil, pesquisas de vitimização —como as realizadas pelo Datasenado, em 2019, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021— indicam que ao menos 1/4 das mulheres já sofreram algum tipo de agressão, que seu parceiro, companheiro ou ex-companheiro, prevalece entre os agressores, assim como a casa permanece como o principal local onde ocorre o evento violento. E que não chegam a 30% as vítimas que recorrem a instituições como a polícia ou o Disque 180 para fazer a denúncia.). A denúncia é um passo importante para romper o ciclo de violência que caracteriza a violência doméstica e pode se agravar até chegar ao feminicídio, que é o assassinato de mulheres por razões de gênero.

Em relação à morte violenta de mulheres, a partir de dados da saúde, estima-se que no país 1/3 dos assassinatos estão relacionados à violência de gênero, visto que provocados por um parceiro ou ex-parceiro e ocorridos em residências. Os dados da segurança pública, que passaram a ser produzidos a partir da Lei do Feminicídio (2015), se alinham à estimativa ao indicar que os casos de feminicídio corresponderam a 34,5% dos homicídios de mulheres brasileiras em 2020 e, no estado de São Paulo, essa proporção chegou a a 42% (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021).

Aqui um ponto merece atenção: a arma de fogo é o principal instrumento empregado no assassinato de mulheres, estando presente em cerca de 50% dos casos ocorridos nas últimas duas décadas, conforme indicado em outra análise do Instituto Sou da Paz sobre o Papel da Arma de Fogo na Violência contra a Mulher.

De modo geral a violência armada e os homicídios acontecem nas ruas, sobretudo no caso da vitimização masculina. Mas, entre as mulheres, chama atenção que 26% das vítimas de homicídio com emprego de arma de fogo em 2019 sofreram a agressão fatal em casa. Ainda, 40% das mulheres atendidas no sistema de saúde, vítimas de algum tipo de violência com arma de fogo que não resultou fatal, sofreram a agressão armada em casa —casa que se tornou em 2019 o principal local deste tipo de incidente, à frente da rua. Esses dados evidenciam o risco que a arma de fogo representa no agravamento dos conflitos interpessoais e domésticos ao contribuir para desfechos fatais e/ou danos graves à saúde das vítimas.

Frente à complexidade do problema, já temos grandes desafios para fortalecer e expandir as políticas públicas de enfrentamento da violência contra a mulher, garantindo a implementação de mecanismos de proteção e de acolhimento. No contexto atual, frente aos retrocessos na política de controle de armas, é preciso atentar para o risco que a facilitação do acesso às armas de fogo pode representar em relação ao agravamento dos conflitos interpessoais e da violência doméstica. Defender uma política responsável de controle de armas no país é também um requisito fundamental para avançarmos no enfrentamento da violência contra a mulher.

Cristina Neme é coordenadora de Projetos do Instituto Sou da Paz

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-05/o-brasil-precisa-olhar-para-as-mulheres-vitimas-de-violencia.html


Cristovam Buarque: Paulo Freire, hoje

A partir de Freire, educar passou a ser o mesmo que caminhar para a liberdade: dos que se educam e do mundo que eles construíram

Cristovam Buarque / Correio Braziliense

São raros os pensadores cujas obras atravessam o tempo: Paulo Freire é um desses. Por isso, estamos comemorando seu centenário. Eles têm em comum o fato de mostrarem o mundo de uma maneira diferente de como ele aparecia antes. Como Copérnico, que mostrou que a Terra girava ao redor do Sol, o que parecia impossível à época. Com ineditismo, Paulo Freire mostrou que a educação não se faz apenas do professor para o aluno, mas em uma interação entre eles e as coisas que os rodeiam. A partir dessa visão, revolucionou a maneira de alfabetizar os adultos. 

No lugar dos velhos métodos de ensiná-los como se faz com crianças, ele formulou o seu método: substituir o professor que chega com a cartilha pronta, por uma construída depois de pesquisa, identificando palavras que o aluno usa no seu dia a dia. No lugar de u-v-a igual a uva, m-a-n-g-a igual a manga, no lugar de n-e-v-e igual a neve, usar f-o-m-e como fome. Essa mudança simples, que hoje parece óbvia, representou uma mutação epistemológica, característica de um gênio. Paulo Freire deu o toque de mudança para explicar o mundo e dizer como transformá-lo. 

Não ficou apenas nisso. Paulo Freire promoveu outro ponto de mudança ao sugerir que educar é mais do que instruir, é também dar passos para a liberdade das pessoas que se educam. Antes de Paulo Freire, a educação era um instrumento para ensinar crianças a sobreviverem e contribuírem na construção de um mundo melhor, mais rico e mais belo. Mas ele ensinou que educação é o vetor da libertação de cada pessoa ao conhecer, deslumbrar-se e agir. A partir de Freire, educar passou a ser o mesmo que caminhar para a liberdade: dos que se educam e do mundo que eles construíram. 

Paulo Freire juntou filosofia libertária com o método de alfabetizar, na realização desse processo libertário. Com o u-v-a igual à uva, o aluno tem mais dificuldade, mas pode mesmo assim se alfabetizar, mas ao descobrir que f-o-m-e é igual à fome ele aprende mais facilmente e adquire consciência de sua situação no mundo, das injustiças que sofre e da necessidade de lutar para ir em direção à liberdade, inclusive das necessidades essenciais à vida. 

Com Freire, o papel da educação passou a ser o de ampliar o horizonte da liberdade da pessoa, de seu povo e da humanidade inteira. Ele mostrou também que o aprendizado é resultado da convivência entre o aluno e o professor, sem submissão de um ao outro, com o mundo onde eles vivem. Com essas duas formulações - educação que liberta e que é feita pelo professor junto com o aluno, em sintonia com o que há ao seu redor - Paulo Freire é o Copérnico da educação. 

Depois de Paulo Freire, a alfabetização passou a ser o passo inicial da libertação. Ter visto o que não era visto antes, faz dele um gênio. A partir dele, cabe a nós avançarmos na definição do conceito de analfabetismo, e ampliarmos o uso das novas ferramentas para promover a “alfabetização contemporânea”. Nos tempos dele, analfabeto era quem não sabia decifrar as letras, no mundo global e tecnificado que surgiu deste então, o “alfabetizado contemporâneo” precisa ler, falar, entender, escrever bem seu idioma, falar pelo menos um idioma estrangeiro, conhecer as bases da matemática, das ciências, das artes, das ideias do mundo; ser capaz de entender os problemas, os desafios e os rumos da civilização em sua globalidade e sua interação com a natureza; dispor das habilidades necessárias para exercer pelo menos um ofício e ser capaz de continuar aprendendo até o final de sua vida. 

Esta “alfabetização contemporânea” exige uma educação com a máxima qualidade para todos: quebrar a injustiça com pessoas, ao negar educação a uma parte da população, e parar a estupidez social de desperdiçar o potencial de conhecimento dos que são deixados para trás. Além de aproveitar as modernas tecnologias da teleinformática, a “alfabetização contemporânea” exige assegurar a chance de escola com a máxima qualidade e qualidade igual para toda criança, do dia em que nasce até o final do ensino médio, independentemente da renda, do endereço, da raça e do gênero. Para tanto, será necessário que o Brasil disponha de um Sistema Público Nacional Único de Educação, sem o qual não será possível a máxima qualidade, ainda assegurar equidade plena. 

Paulo Freire foi o gênio educador, sua obra e o mundo precisam agora de educacionistas ativos para abrir os caminhos da liberdade para todos. 

*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o futuro da educação. 

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/10/4953439-cristovam-buarque-paulo-freire-hoje.html


Maria Hermínia Tavares: Anatomia de um desastre na pós-graduação brasileira

Os meandros da crise na Capes podem ser obscuros, mas as suas causas são claras

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Completados mil dias no Planalto, Jair Bolsonaro não conseguiu fazer o que mais queria: destruir a democracia. No mínimo, seu fracasso dá a esperança de que tenha perdido de vez o bonde que imaginava conduzir pela contramão da história.

Isso não apequena o desastre que seu desgoverno vem provocando com a mistura tóxica de ignorância, incompetência e má-fé. Os exemplos são muitos, nem todos visíveis a olho nu. É o caso do progressivo desmanche da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Subordinada ao Ministério da Educação, é peça central daquilo que o estudioso americano Jonathan Rauch chama “Constituição do conhecimento” —por fixar as instituições e normas da ciência.

Trata-se de um complexo sistema de criação de procedimentos compartilhados; avaliação e reconhecimento de credenciais acadêmicas; definição de agendas e distribuição de recursos; treinamento de novas gerações de profissionais da ciência.

Fundada há 70 anos, a Capes moldou a pós-graduação brasileira, estabelecendo suas regras, procedimentos de avaliação definidos pela comunidade acadêmica, incentivos na forma de bolsas de estudos e apoio a programas de formação pós-graduada. Hoje é responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação e pela avaliação periódica e suporte permanente a 4.600 programas que oferecem 7.000 cursos de mestrado e doutorado em todas as áreas do conhecimento. Em parte graças à Capes, o Brasil dispõe de um respeitável sistema de produção de conhecimentos.

Nada disso, naturalmente, tem algum valor para um governo que despreza a ciência e promove o charlatanismo —vide o vexame da cloroquina. O orçamento da Capes, em queda livre desde 2016, encolheu cerca de 30% a partir de 2019.

A epidemia de mudanças no Ministério da Educação privou a agência de estabilidade e coerência na condução da reforma dos critérios da avaliação dos cursos, ora contestada na Justiça pelo Ministério Público Federal. Seu Conselho Superior, dissolvido no fim do ano passado, ainda não foi refeito. O mesmo ocorreu recentemente com o conselho que preside a avaliação (o CTC).

Mergulhada na sua pior crise, a Capes é hoje chefiada pela doutora Cláudia Toledo, formada em direito por um certo Instituto Toledo de Ensino, do qual foi reitora quando este virou Centro Universitário de Bauru. Também têm diploma Toledo de direito o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e seu colega da Justiça, André Mendonça, que Bolsonaro quer emplacar no STF. Em suma, os meandros da crise na Capes podem ser obscuros, mas as suas causas são claras –e o resultado, desastroso para o país.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/09/anatomia-de-um-desastre-na-pos-graduacao-brasileira.shtml


Com o País distraído com crises, Câmara passa boiadas e jabutis

O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

Com tantas crises, declarações e revelações absurdas, o foco nestes mil dias de governo Jair Bolsonaro foi no presidente e no governo. Enquanto isso, variadas boiadas continuaram passando pelo Congresso, especialmente pela Câmara. A mais nova foi uma drástica mudança num dos eixos do combate à corrupção: a Lei de Improbidade.

Assim como teve de devolver ao Planalto o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes e o projeto mexendo com o Marco Civil da Internet, o Senado teve de agir firmemente também para evitar audácias da Câmara: distritão, volta das coligações partidárias e novo Código Eleitoral já para 2022. O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade.

O projeto da Câmara seria aprovado a toque de caixa pelo Senado na semana passada, não fosse uma articulação para uma audiência pública nesta terça-feira, 28/9, antes da votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na quarta-feira de manhã, e pelo plenário, já à tarde. Assim, rapidinho.

Toda lei é sujeita a mudanças e adaptações à realidade e à dinâmica da política e do próprio País. Foi assim, com bons propósitos, que surgiu o projeto para atualizar a Lei de Improbidade, debatido em 14 audiências públicas por dois anos e meio na Câmara. Ele, entretanto, foi trocado por um substitutivo, aprovado em surpreendentes oito minutos, em junho deste ano, unindo de bolsonaristas a petistas.

Os contrários ao substitutivo conseguiram retirar um “liberou geral” para o nepotismo, mas muitos bois, ou jabutis, como se diz em Brasília, permaneceram. Não para preservar o erário e as boas práticas administrativas e éticas, mas para criar uma blindagem, ou anistia, para os responsáveis.

São três blocos de improbidade na atual lei. Enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público e violação aos princípios da administração pública: impessoalidade, legalidade, publicidade e moralidade, previstos na Constituição. No texto em pauta, porém, só os atos especificados na lei, um por um, serão enquadrados. O que não for citado não vale, como “carteirada” ou furar fila de vacinação, entre tantos outros.

“As maneiras de violar esses princípios são infinitas e é impossível relacionar todas as possibilidades na lei. É por isso que são citados exemplos, referências”, diz o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, ativista contra o substitutivo da Câmara e um dos participantes da audiência pública de terça-feira.

A justificativa dos deputados foi conter promotores que extrapolam no uso da lei, tratando como criminosos gestores públicos que cometam erros administrativos por falta de experiência ou de assessoria. Sim, isso acontece, mas é preciso conter esses promotores, não matar a lei. A Lei de Abuso de Autoridade existe para isso.

O relator no Senado é Weverton Rocha (PDT-MA), alvo de processo por... improbidade. Ele não acatou nenhuma emenda e não mudou uma vírgula no texto da Câmara que, em resumo, estabelece que quem desvia dinheiro público ou causa dano ao patrimônio sem dolo, sem má-fé, coitadinho, está perdoado.

O prazo para investigar quebras de sigilos, provas do exterior e, eventualmente, vários envolvidos será só de seis meses. Mais: a prescrição também é rapidinha, até retroativa; o tempo de pena máxima aumenta, mas acaba o tempo mínimo, que era de oito anos. Cereja do bolo: os procuradores terão de pagar honorários se as ações forem consideradas descabidas.

Se a Câmara não conseguiu criar a “Lei Moro”, para impedir a candidatura do ex-juiz Sérgio Moro em 2022, foi bem-sucedida para transformar a Lei de Improbidade em pá de cal da Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história. Em vez de ajustes, de meio-termo, joga-se tudo no lixo. Quem comemora?

COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,com-o-pais-distraido-com-crises-e-as-bobagens-do-presidente-a-camara-passa-boiadas-e-jabutis,70003852790


Comissão da Câmara conclui votação da reforma administrativa

Proposta seguirá para análise no Plenário da Câmara

Em uma reunião que durou mais de 13 horas, incluindo alguns minutos de tensão, a Comissão Especial da Reforma Administrativa aprovou, por 28 votos contra 18, o substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA) à Proposta de Emenda à Constituição 32/20. Entre os pontos mais polêmicos, o texto aprovado manteve os instrumentos de cooperação com a iniciativa privada e preservou os benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias.

Arthur Oliveira Maia observou que seu relatório garantiu a estabilidade e os direitos adquiridos dos servidores atuais. "Todas expectativas de direitos foram preservadas. Esta PEC não atinge nenhum servidor da ativa", comemorou.

Entre as principais inovações mencionadas pelo relator estão a avaliação de desempenho de servidores e as regras para convênios com empresas privadas.

Apesar da obstrução dos deputados da oposição, o relator reconheceu que seu parecer aproveitou as contribuições de vários parlamentares contrários à proposta. "Este texto não é do Poder Executivo, mas uma produção do Legislativo. Apesar das posições colocadas aqui de maneira tão virulenta, é uma construção coletiva", disse o relator.

Convênios
A sétima e última versão do substitutivo de Maia retirou algumas concessões que haviam sido feitas à oposição. Entre elas, o relator manteve os instrumentos de cooperação com empresas privadas. Esta era uma das principais críticas da oposição, que entende que os convênios podem desviar recursos da Saúde e da Educação, aumentar o risco de corrupção e prejudicar a qualidade de serviços públicos.

De acordo com a proposta, a cooperação com órgãos e entidades públicos e privados pode compartilhar a estrutura física e utilizar recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira. "O que se quer é lucro com dinheiro da Educação. As pessoas pobres não vão poder pagar pelo serviço público", teme o deputado Rogério Correia (PT-MG).

Já o deputado Darci de Matos (PSD-SC) rebateu que ninguém vai cobrar mensalidade de creche ou escola. "O setor privado quer dar sua contribuição. A cooperação do setor privado com o serviço público é o que há de mais moderno no mundo. Não tem nada de errado nisso", ponderou.

Temporários
Outro ponto polêmico foram as regras para contratações temporárias, com limite de até dez anos. O relator destacou que os contratos temporários terão processo seletivo impessoal, ainda que simplificado, e os contratados terão direitos trabalhistas. O processo seletivo simplificado só é dispensado em caso de urgência extrema.

A oposição teme que os contratos temporários levem à redução do número de servidores concursados. "O contrato temporário tem que ser exceção, não pode estar na Constituição", ponderou o deputado José Guimarães (PT-CE).

Redução de jornada
O relator fez uma concessão no dispositivo que permite reduzir em até 25% a jornada e o salário de servidores. No novo texto, os cortes serão limitados apenas a períodos de crise fiscal.

Ainda assim, isso não agradou a oposição. "O servidor atual fica facultativo se vai permitir ou não o corte, mas com certeza vai sofrer um assédio enorme para cortar seu salário", rebateu Rogério Correia. "Com o corte, vai ter que passar o serviço para a iniciativa privada."

Arthur Oliveira Maia argumentou que a redução é uma alternativa para que não haja demissão de servidores. "É muito melhor reduzir a jornada do que demitir", argumentou.

Para o deputado Alencar Santana Braga (PT-SP), o dispositivo joga a responsabilidade da má gestão de governadores e prefeitos nas costas dos servidores. "O servidor não vai poder pedir para reduzir sua dívida no açougue porque o governo reduziu o salário", comentou.

Juízes e promotores
O texto aprovado mantém benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias. Os deputados ainda devem votar no Plenário destaque sobre a inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público na reforma administrativa.

Arthur Maia justificou que um parecer da Mesa Diretora da Câmara havia entendido que a inclusão só seria possível se a proposta fosse de iniciativa do próprio Judiciário. "O importante é que cada um se manifeste no destaque. Aí vamos nos responsabilizar individualmente. Eu votarei a favor", afirmou.

A reforma administrativa acaba com os seguintes benefícios para administração pública direta e indireta, nos níveis federal, estadual e municipal:

  • férias superiores a 30 dias;
  • adicionais por tempo de serviço;
  • aumento de remuneração ou parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;
  • licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença por tempo de serviço;
  • aposentadoria compulsória como punição;
  • adicional ou indenização por substituição;
  • parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei;
  • progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço.

Desempenho
O relator procurou colocar dispositivos para evitar arbitrariedades na avaliação de servidores. "A avaliação de desempenho terá participação do usuário do serviço público e será feita em plataformas digitais", comentou.

O substitutivo de Arthur Oliveira Maia facilita a abertura de processos administrativos para perda de cargo de servidores com avaliação de desempenho insatisfatório. O servidor será processado depois de duas avaliações insatisfatórias consecutivas ou três intercaladas, no período de cinco anos.

O relator argumenta que o servidor ainda tem direito a defesa. "À luz do fato de que há direito a uma segunda opinião e o desligamento não é automático, não se pode considerar que os parâmetros agora adotados o prejudiquem ou facilitem abusos ou iniquidades."

No entanto, deputados da oposição afirmaram que o texto prejudica o direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos.

O substitutivo ainda estabelece regras para gestão de desempenho, com avaliação periódica e contínua. "Tem que identificar se o serviço público falhou e onde está a falha", analisa o relator.

Cargos obsoletos
O relatório acrescentou novos parâmetros para definir quem perderá a vaga caso haja uma extinção parcial de cargos obsoletos. "Não haverá espaço para o arbítrio e para atitudes indevidas", apontou Maia.

Como primeiro critério, serão afastados servidores de acordo com a média do resultado das três últimas avaliações de desempenho. Se houver empate e não for possível discriminar os alcançados por este caminho, apura-se primeiro o tempo de exercício no cargo e, em seguida, a idade dos servidores.

O substitutivo preserva os cargos ocupados por servidores estáveis admitidos até a data de publicação da emenda constitucional.

Cargos exclusivos
A reforma administrativa define o rol de cargos exclusivos de Estado, que não podem ter convênios com a iniciativa privada e serão protegidos do corte de despesas de pessoal.

São cargos exclusivos de Estado os que exerçam atividades finalísticas da segurança pública, manutenção da ordem tributária e financeira, regulação, fiscalização, gestão governamental, elaboração orçamentária, controle, inteligência de Estado, serviço exterior brasileiro, advocacia pública, defensoria pública e atuação institucional do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, incluídas as exercidas pelos oficiais de Justiça, e do Ministério Público.

No entanto, ficaram de fora dos cargos exclusivos as atividades complementares. "Ao excluir atividades complementares, todos poderão ter contratações temporárias", protestou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

Segurança
A lista de cargos exclusivos especifica quais profissionais de segurança estarão incluídos nesta categoria. Foram contemplados guardas municipais, peritos criminais, policiais legislativos, agentes de trânsito, agentes socioeducativos, além de policiais federais, policiais rodoviários federais, policiais ferroviários federais, policiais civis e policiais penais. Ficaram de fora das carreiras exclusivas os policiais militares e bombeiros militares.

Os guardas municipais também foram beneficiados no único destaque aprovado pela comissão, entre 20 analisados. O destaque do bloco Pros-PSC-PTB dá status de polícia às guardas municipais.

O deputado Jones Moura (PSD-RJ) observou que o destaque não cria despesa. "É o clamor de um trabalhador que quer trabalhar melhor. O guarda municipal vive 30 anos em uma insegurança jurídica, por não ter sua atividade de segurança pública clara e transparente no lugar de prender bandidos e estabelecer a paz social. É uma polícia que não é militarizada, uma polícia cidadã e comunitária", declarou.

O relator alertou para o impacto da medida na previdência dos municípios. "Os municípios têm previdências próprias. A consequência imediata é que a aposentadoria dos guardas municipais vai ser igual à dos demais policiais. Isso trará um impacto importante para as previdências próprias dos municípios."

Trocas e interrupções
Deputados da oposição se queixaram da troca de oito deputados titulares da comissão antes da votação da proposta. O presidente da comissão, deputado Fernando Monteiro (PP-PE), explicou que os líderes partidários têm a prerrogativa de substituir ou indicar membros a qualquer momento. "Esta comissão era para ser composta por 34 membros. Entendendo que precisava de mais debate, conseguimos que fossem 47 membros, para que todos os partidos ficassem atendidos. Esta presidência mostra o que é democracia", defendeu.

A oposição também se irritou com as seis mudanças feitas pelo relator, Arthur Oliveira Maia, no seu parecer na última semana. Fernando Monteiro insistiu que, de acordo com o Regimento Interno, o relator pode mudar o parecer até o momento da votação.

Já os deputados favoráveis à reforma administrativa reclamaram das interrupções da oposição em sua estratégia de obstrução. "Mesmo depois de os senhores terem dito que fecharam questão contra a PEC, procurei dialogar com muito respeito e cordialidade. É uma regra da convivência humana retribuir gentileza com gentileza. Não abri minha boca para interromper ninguém", indignou-se Arthur Oliveira Maia.

O deputado Darci de Matos apontou para a necessidade de ouvir o contraditório. "Não há razão de permitir que fiquem gritando, interferindo, interrompendo. Isto é baixaria, denigre a imagem da comissão", comentou. "Em alguns momentos, vergonhosamente, aí eu falo da oposição e da situação, o nível da reunião da PEC 32 está abaixo da Câmara do menor município do Brasil, de Serra da Saudade (MG)."

Rogério Correia reclamou da menção a Serra da Saudade. "É um município mineiro e merece respeito", pediu.

Saiba mais sobre a tramitação de propostas de emenda à Constituição

Reportagem – Francisco Brandão
Edição – Pierre Triboli

Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/809694-apos-mais-de-13-horas-de-reuniao-comissao-conclui-votacao-da-reforma-administrativa/


Aquecimento global: mudanças podem ser irreversíveis entre 2040 e 2050

Produção agrícola pode cair 30% sem redução de emissões até 2030

Akemi Nitahara / Agência Brasil

A capacidade de adaptação dos países às mudanças causadas pelo aquecimento global pode acabar, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam drasticamente reduzidos nesta década. Segundo relatório da Chatham House, think tank (instituições que se dedicam a produzir conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos) britânica de pesquisa sobre o desenvolvimento internacional, fundada em 1920, as mudanças podem ser irreversíveis entre 2040 e 2050.

O alerta está na Avaliação de Riscos das Mudanças Climáticas, documento desenvolvido para subsidiar as tomadas de decisões dos chefes de Governo e ministros antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), marcada para ocorrer de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.

Para o pesquisador sênior do Programa de Meio Ambiente e Sociedade da Chatham House, Daniel Quiggin, um dos autores do relatório, as metas estabelecidas por muitos países para neutralizar as emissões de carbono e a maior ambição com relação às metas nacionais de redução de gases de efeito estufa são uma esperança. Embora, segundo ele, não passem de promessas.

“Muitos países não têm políticas, regulamentações, legislação, incentivos e mecanismos de mercado proporcionais para realmente cumprir essas metas. Além disso, os NDCs [da sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada] revisados globalmente ainda não fornecem uma boa chance de evitar o aquecimento em 2ºC. Devemos lembrar que muitos cientistas do clima estão preocupados que, além dos 2ºC, uma mudança climática descontrolada possa ser iniciada”, alerta.

As metas nacionais foram determinadas a partir do Acordo de Paris, tratado negociado durante a COP21, em 2015, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. O acordo rege a redução de emissão de gases de efeito estufa a partir de 2020, para tentar manter o aquecimento global abaixo de 2ºC até o fim do século, num contexto de desenvolvimento sustentável.

Quiggin alerta que as metas definidas ainda não garantem a neutralidade do carbono.

“O balanço zero líquido das emissões depende de tecnologias de emissão negativa, que atualmente não são comprovadas empiricamente em escala comercial. Em resumo, as metas que os países buscam estão se movendo na direção certa, mas ainda não conseguem evitar a devastadora mudança climática. E as políticas de apoio às metas existentes são insuficientes para atingir essas metas”, disse.

Ondas de calor

A avaliação, lançada essa semana em Londres, aponta que a falta de medidas concretas por parte dos governos pode levar a temperaturas extremas a partir da década de 2030, causando 10 milhões de mortes ao ar livre. Ondas de calor anuais podem afetar 70% da população mundial e 700 milhões de pessoas estarão expostas a secas severas e prolongadas todos os anos.

O documento também alerta para a redução de 30% na produção agrícola até 2050 e que 400 milhões de pessoas não poderão mais trabalhar ao ar livre por causa do aquecimento global. Para 2040, há uma expectativa de perda de rendimento de pelo menos 10% nos quatro principais países produtores de milho: Estados Unidos, China, Brasil e Argentina.

Na virada do próximo século, um aumento de 1 metro no nível do mar pode aumentar a probabilidade das grandes inundações em cerca de 40 vezes para Xangai, 200 vezes para Nova York e mil vezes para Calcutá.

Segundo Quinggin, os atuais esforços globais para conter o aquecimento dão ao mundo menos de 5% de chance de manter o aquecimento abaixo de 2°C.

“Sem ações radicais em todos os setores, mas especialmente dos grandes emissores, temperaturas extremas, quedas dramáticas nos rendimentos agrícolas e secas severas prolongadas provavelmente resultarão em milhões de mortes adicionais na próxima década. Ainda há uma janela de oportunidade real (embora ela esteja se fechando) para uma ambição muito maior de todos os governos, para evitar os impactos mais catastróficos das mudanças climáticas”.

A avaliação da Chatham House indica que o ritmo atual dos esforços de descarbonização podem segurar o aquecimento até 2100 em 2,7°C, mas a chance de a temperatura média do planeta subir 3,5°C é de 10%. O pesquisador explica que as restrições de mobilidade ocorridas por causa da pandemia da covid-19 contribuíram apenas momentaneamente para a redução das emissões.

“Nós consideramos isso, mas dado que as emissões se recuperaram muito rapidamente, e agora estão subindo novamente, o breve alívio oferecido pelos bloqueios nas emissões foi insuficiente para mudar nossa avaliação do ritmo e gravidade das mudanças climáticas”, explica.

A Avaliação de Riscos das Mudanças Climáticas é o primeiro de uma série de relatórios de pesquisa aprofundados que a Chatham House vai lançar até a COP26, analisando as consequências do aquecimento do planeta e indicando as ações que precisam ser tomadas para evitar o desastre climático. O trabalho é feito por cientistas e analistas políticos no Reino Unido e na China.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/aquecimento-global-mudancas-podem-ser-irreversiveis-entre-2040-e-2050


RPD 35 || Reportagem especial: Do prenúncio à nova tragédia - Caso Cinemateca confirma descaso com cultura

Incêndio mostra, na prática, reflexos da postura do governo do presidente Jair Bolsonaro com o setor no país

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Dois anos e dez meses separaram o prenúncio do risco de mais descaso com a cultura no Brasil e a tragédia do recente incêndio que destruiu parte da Cinemateca Brasileira, cujos prejuízos, ainda imensuráveis, são alvo de novas investigações do Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo. Instituições e representantes do setor cultural cobram a responsabilização do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em setembro de 2018, ainda candidato à presidência, Bolsonaro sinalizou com seu descaso para a cultura, após o incêndio que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. “E daí?”, retrucou, na época, ao ser questionado sobre o maior desastre que arruinou o patrimônio científico e histórico do país. “Já está feito, já pegou fogo, quer que eu faça o quê?", respondeu à imprensa.

Depois de 15 dias do mais recente incêndio na história da Cinemateca brasileira, registrado em 29 de julho deste ano, o governo Bolsonaro seguiu na ofensiva. No último mês, anunciou demissões de técnicos da instituição, que preserva o mais rico acervo cinematográfico do país, com mais de 250 mil rolos de filmes e mais de 1 milhão de roteiros, fotos, cartazes e livros relacionados ao cinema.  O fogo fez parte do teto do galpão desabar, e o prédio foi interditado.

No entanto, a sede da Cinemateca estava fechada desde agosto de 2020, quando o secretário especial da Cultura, Mário Frias, tomou as chaves do local com escolta policial. Agora, ele tornou-se alvo de uma queixa-crime apresentada pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados por causa do incêndio, que também é investigado pela Polícia Federal.

João Batista: incêndio foi criminoso, não porque tenham botado fogo, mas pelo abandono da Cinemateca. Foto: Arquivo pessoal

“O incêndio foi criminoso, não porque tenham botado fogo, mas pelo abandono da Cinemateca, vítima do desejo político de destruição da memória, da criatividade e da crítica.  Arquivos de filmes são incendiários na essência de suas materialidades, principalmente de filmes antigos, ainda em nitrato. Deixar a Cinemateca sem funcionários é um grande crime”, disse o escritor e cineasta João Batista de Andrade.

O cineasta ressaltou a “queda brutal nos investimentos culturais”. “No cinema, por exemplo, há milhões de reais paralisados na Ancine, a agência reguladora e financiadora do cinema no Brasil.  Enquanto isso muitos filmes em produção estão paralisados e uma infinidade de projetos sem viabilidade previsível. Destruir a cultura é um projeto nefasto de poder. É o que estamos vivendo”, criticou ele.

Cobrança

Em 2020, por exemplo, o MPF cobrou explicações da Secretaria Especial de Cultura sobre a falta de repasses orçamentários à Cinemateca Brasileira. O contrato entre o Ministério da Educação e a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) chegou a ser suspenso porque o governo não repassou nenhuma parcela dos R$ 12 milhões previstos no orçamento para a entidade gerir o local. Funcionários tiveram salários atrasados.

Diante da gravidade da situação, o MPF ajuizou, em julho do ano passado, ação civil pública e apontou que o grande problema foi a má transição na gestão da Cinemateca, de 2019 para 2020: encerrou-se o contrato de gestão da Acerp sem a União se responsabilizar pela continuidade nos trabalhos técnicos internos da Cinemateca, assumindo-os diretamente ou por outro ente gestor.

Apesar de ter saído acordada em agosto do ano passado, após o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) deferir recurso do MPF, essa transição ainda está sendo implementada pela União. A promessa é de que seja firmado um novo contrato de gestão.

O procurador da República Gustavo Torres Soares avaliou a situação como preocupante e disse que “a Cinemateca Brasileira corre sério e iminente risco de dano irreparável por omissão e abandono do governo federal”, responsável pela manutenção e preservação dela.

“Infelizmente, também é público e notório que, nos últimos anos, em razão da omissão na gestão de bens culturais, históricos e turísticos pelo Poder Público, a sociedade brasileira sofreu a perda de inúmeros bens materiais e imateriais dessa natureza”, destacou o procurador da República.

Rodrigues: "Desmonte da cultura não é um fenômeno isolado do governo Bolsonaro”. Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

“Política destruidora”

Professor da Fundação Armando Alvares Penteado e doutor em comunicação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Martin Cezar Feijó afirmou que “o caso da cinemateca é o mais flagrante de uma política destruidora”. “A cultura representa a diversidade inaceitável para um projeto que se pretende único: autoritarismo”, acentuou.

“A cultura é sempre subversiva. Fazer alusão à queima de livros do nazismo não é desproposital nem retórica. Ela é concreta. Estamos vivendo um desmonte da cultura, da política do audiovisual, da educação e da ciência”, acrescentou o professor.

O secretário de cultura do Governo do Distrito Federal (GDF), Bartolomeu Rodrigues, afirmou que “o desmonte da cultura não é um fenômeno isolado do governo Bolsonaro”. “No governo Bolsonaro, isso ficou mais visível, mais latente. Ele extinguiu o Ministério da Cultura, e organizações importantes estão hoje tecnicamente impossibilitadas de fazer alguma coisa pela cultura nacional”, observou, ao lembrar outros episódios de incêndio na Cinemateca Brasileira.

Antes deste ano, o fogo já atingiu o local pelo menos outras quatro vezes: em 1957, 1969, 1982 e 2016, sempre perdendo entre 1.000 e 2.000 fitas em cada. No primeiro, quase todo o acervo foi perdido. O MPF e a Polícia Federal ainda não finalizaram o levantamento exato do estrago provocado pelo incêndio neste ano na cinemateca.  

A expectativa é de que os trabalhos sejam concluídos nos próximos meses. Depois disso, o MPF vai analisar se pedirá à Justiça a responsabilização de possíveis culpados tanto no âmbito cível quanto na esfera criminal.


Entidades criticam o novo edital elaborado pelo governo Bolsonaro para o  gerenciamento da Cinemateca Brasileira. Foto: Divulgação/Cinemateca

Governo enfrenta críticas por causa de novo edital

Depois da inércia administrativa que levou ao incêndio na Cinemateca Brasileira, o governo federal lançou edital para contratação de organização social habilitada a gerir o local que tem o maior acervo cinematográfico do país, pelo valor de R$ 10 milhões anuais. A Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) diz que o valor é menos do que a metade do necessário.

Presidente da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, Débora Butruce já se manifesta há anos contra o valor reservado no orçamento do governo para manter as atividades. Segundo ela, o montante adequado para executar bem todas as atividades no local é de R$22,5 milhões.

As propostas poderão ser enviadas até o próximo dia 16, mas a publicação do resultado definitivo está prevista para 18 de novembro. A Comissão Técnica é composta por servidores da Secretaria Especial de Cultura, da Secretaria Nacional do Audiovisual, da Agência Nacional do Cinema e do Instituto Brasileiro de Museus, designados pela Secretaria Executiva do Ministério do Turismo.

Em 2020, o governo já havia sofrido críticas após lançar proposta com valor de R$ 12 milhões anuais para a Cinemateca Brasileira. "Esse edital feito a toque de caixa nos dá medo. Quem vai assumir isso aqui?", disse a pesquisadora Eloá Chouzal, uma das organizadoras de manifestações em favor da cinemateca.

Em maio daquele ano, a direção da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que já chegou a ter repasses atrasados por parte do governo pela gestão da cinemateca, chegou à secretaria para tentar negociar um novo contrato, em meio a um quebra-cabeças que colocou o local como moeda de troca em mesa de negociações.

Naquela época, a direção da Cinemateca foi prometida pelo presidente Jair Bolsonaro a Regina Duarte após sua demissão da Secretaria Especial da Cultura. A então secretária sofreu semanas de fritura antes de ser demitida depois de ficar menos de três meses no cargo.

A saída de Regina foi costurada pela deputada federal Carla Zambelli, que chegou a dizer que a nomeação da atriz para a Cinemateca dependeria só de questões burocráticas.

Com a hipótese de rompimento do contrato de gestão atual e a falta de recursos e de um plano para a Cinemateca por parte da secretaria, o cargo prometido a Regina tem se revelado cada vez mais incerto.

Parte do acervo da Cinemateca destruído pelo incêndio ocorrido em julho passado. Foto: CBMSP

* Cleomar Almeida é graduado em jornalismo, produziu conteúdo para Folha de S. Paulo, El País, Estadão e Revista Ensino Superior, como colaborador, além de ter sido repórter e colunista do O Popular (Goiânia). Recebeu menção honrosa do 34° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e venceu prêmios de jornalismo de instituições como TRT, OAB, Detran e UFG. Atualmente, é coordenador de publicações da FAP.


Maria Hermínia Tavares: Catástrofes ambientais, perigo que o país ignora

O governo dos piores e as oposições empenhadas em impedir o pior afundam o país num dia a dia crispado e medíocre

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Na semana passada, o relatório do Grupo 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) reafirmou a responsabilidade humana pelo aquecimento do planeta e o consequente aumento da frequência e intensidade de eventos naturais extremos. Como era de prever, o assunto foi ignorado no Planalto, onde o presidente se entretia disparando ameaças a ministros do STF e açulando suas milícias nas redes sociais.

Embora os 103 cientistas que subscreveram o estudo tenham advertido que nenhum país escapará à catástrofe já em curso se a temperatura do globo subir 1,5º C a 2º C, o site do Ministério do Meio Ambiente ignorou o alerta, e seu titular perdeu a oportunidade de sair do anonimato com uma declaração à altura da importância do problema —para o país, quanto mais não seja.

Os riscos aqui são muitos: desertificação de porções do Nordeste ocupadas pela agricultura familiar; degradação do bioma do sul da floresta amazônica; estiagens fortes e repetidas no Centro-Oeste ocupado pelo agronegócio; tempestades mais comuns no Sul e Sudeste, ampliando o perigo de enchentes e deslizamento de encostas; cidades litorâneas ameaçadas pela elevação do nível do mar.

Não menos eloquente é o silêncio das lideranças políticas da oposição, ocupadas, de um lado, com a contenção do autoritarismo bolsonarista e, de outro, com a articulação de apoios e a mobilização de bases que lhes proporcionem uma boa posição de largada na disputa eleitoral de 2022.

O governo exercido pelos piores e as oposições políticas empenhadas em impedir o pior terminam por afundar a vida pública num dia a dia tão crispado quanto medíocre; incapaz de pensar nosso futuro num mundo que está discutindo novas formas de se relacionar com a natureza, de produzir e organizar a vida em sociedade.

Por isso, é mais do que bem-vindo o recém-lançado relatório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). "Construir um novo futuro - uma recuperação transformadora com igualdade e sustentabilidade" é um texto programático que situa a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental no centro das estratégias de modernização e retomada do crescimento econômico pós-pandemia na região.

Mais preocupado com o que fazer do que como fazer, oferece sugestões valiosas de setores prioritários —energias renováveis, mobilidade e adaptação urbanas, inclusão digital, indústria da saúde, bioeconomia, ecoturismo—, instrumentos tributários e fiscais, concepção ambiciosa de proteção social, um papel regulador e indutor para o Estado. Ideias inspiradoras para pensar o país sem Bolsonaro.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/08/catastrofes-ambientais-sao-o-perigo-que-o-pais-ignora.shtml


Amazônia Real: PCC amplia atuação na Terra Indígena Yanomami

Prisão do foragido Janderson Edmilson Alves, ligado ao PCC, dá pistas para autoridades policiais desvendarem a atuação da facção criminosa nos garimpos. A imagem acima é uma colagem de frames do vídeo divulgado nas redes sociais, atribuído a integrantes do PCC na região do Palimiu

Emily Costa / Amazônia Real

Boa Vista (RR) – A prisão do foragido Janderson Edmilson Cavalcante Alves, de 30 anos, ligado ao PCC, abriu uma nova frente de investigação sobre as atividades criminais que ocorrem dentro do garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami. Para autoridades policiais de Roraima, membros da facção de São Paulo estão atuando para traficar drogas, servir de segurança para os garimpeiros, ganhar dinheiro com maquinários e realizar os chamados “crimes de mando”, que são homicídios e roubos por encomenda.

Amazônia Real denunciou, em primeira mão, em 10 de maio, a presença do PCC no garimpo ilegal. A data marca o primeiro de uma série de ataques armados e ações violentas contra a aldeia Palimiu e outras comunidades da TI Yanomami. Os ataques não cessaram desde então. Janderson, recém-chegado ao garimpo, é um dos suspeitos de participar do ataque do dia 10 de maio.

Uma ação conjunta das forças policiais que atuam no combate ao crime organizado em Roraima prendeu Janderson no último dia 9 de agosto, em Boa Vista. Logo após a prisão, as autoridades policiais confirmaram que ele aparece em uma gravação que mostra homens fortemente armados e mascarados navegando pelo rio Uraricoera, que corta parte do Território Yanomami. “Quem manda aqui é nós [sic]. Nós é a guerra, neguinho”, diz o narrador. 

As imagens, segundo a PF, foram gravadas antes do primeiro ataque armado à comunidade. Em 10 de maio, dois meninos Yanomami de 1 e 5 anos fugiram pra escapar dos tiros e morreram afogados. No dia seguinte, agentes do Grupo de Pronta Intervenção da PF, que foram à Palimiu, também foram atacados a tiros e revidaram.


DESMATAMENTO E GARIMPO NA AMAZÔNIA


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Roney Cruz, chefe da Divisão de Inteligência e Captura (Dicap), órgão subordinado ao Sistema Penitenciário da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, participou da prisão de Janderson Edmilson. O criminoso era procurado havia anos, inclusive na Venezuela. Em novembro de 2013, ele estava preso por tráfico e associação para o tráfico quando fugiu com outros nove presos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista. Naquela época, o PCC começava a operar em Roraima e ocorriam fugas em massa da penitenciária, construída inicialmente só para presos do regime semi-aberto. 

Em entrevista à Amazônia Real, Roney Cruz disse que, após a fuga em Boa Vista, Janderson ficou por alguns anos no país vizinho, onde também teria ligação com o crime organizado. Em dezembro de 2019, Janderson se envolveu em um roubo de 100 fuzis  em um quartel do Exército da Venezuela, na Gran Sabana, na região de fronteira, e fugiu para o Brasil.

“Acreditamos que nessa época, para fugir da polícia na Venezuela, ele foi para os garimpos, para onde inclusive também foram levados alguns desses fuzis”, disse Roney, acrescentando que a ida recente de Janderson Edmilson para Boa Vista teve relação com outro crime ocorrido no garimpo. 

A Dicap obteve a informação de que houve um conflito entre os próprios criminosos, que resultou no assassinato de um deles, que também estava na ação contra Palimiu. Janderson foi apontado como um dos participantes do crime. Isso o obrigou a abandonar o garimpo, onde estava “protegido”, e acabou sendo preso em Boa Vista.

De acordo com a PF, Janderson Edmilson atuava no tráfico de drogas e realizava escoltas armadas de garimpeiros dentro do Território Yanomami. Em depoimento à PF, Janderson negou ligação com os ataques à aldeia Palimiu, mas confirmou ser “companheiro do PCC”. Ele disse ainda que foi convidado a se batizar na facção quando ainda estava na região de fronteira da Venezuela, mas não quis. Ao ser preso, ele tinha uma pistola 380, 41 munições e mais de 7 mil reais. 

O PCC no garimpo

Área de garimpo com dezenas de barracões na região do rio Uraricoera na TI Yanomami. (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A escalada da violência na TI Yanomami por causa do garimpo foi denunciada na série de reportagens ‘Ouro do Sangue Yanomami’, publicada em 24 de junho. Em quatro meses de apuração, as equipes da Amazônia Real e da Repórter Brasil investigaram como funciona a cadeia do comércio ilegal de ouro no Brasil. Uma das reportagens mostra como o PCC se aproximou de garimpeiros. “O ouro é a melhor forma de lavar dinheiro hoje”, afirmou o procurador da República Paulo de Tarso Moreira Oliveira, da região de Itaituba, no Pará.

“A questão do garimpo é muito complexa. Então existem questões de desavenças, brigas entre eles mesmos e acontecem muitos crimes, roubos e homicídios. Para se ter ideia, levantamos que um foragido também do PCC que morreu em fevereiro deste ano em troca de tiros com a polícia tinha envolvimento com mais de 20 assassinatos no garimpo”, disse Roney Cruz à Amazônia Real.

Segundo o chefe da Dicap, há informações de que o PCC também está levando criminosos para atuarem nos garimpos. “Não é recrutamento para o PCC, porque eles já fazem parte da organização, então o que fazem é dar um apoio para esses criminosos irem para o garimpo”, acrescentou.

Roney Cruz afirmou que o garimpo se tornou um local atrativo para os criminosos pela possibilidade de se manterem escondidos da polícia. “Crimes em área de garimpo dificilmente estão sendo investigados, porque não há condições técnicas. É uma amplitude muito grande. A faixa de terra indígena e de atuação dos garimpeiros é muito grande, o que torna complexa a atuação da polícia”, explicou.

A presença de criminosos atuando nos garimpos da Terra Yanomami não é nova, mas houve um “aumento gigantesco” em 2021, de acordo com Cruz. “Isso começou com foragidos indo por conta própria, e recentemente, passou a acontecer isso de levarem criminosos, de sugerir: ‘Ah, vai sair na Saída Temporária (do sistema prisional)? Dá um tempo da cidade, vamos para o garimpo, não fica no sistema (prisional) não’. Porque como eles dizem o sistema está ‘venenoso’, porque houve uma reorganização do sistema prisional no estado”.

Desde 2019, o sistema prisional do estado está sob atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (Ftip). O foco da intervenção federal é a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, que após os massacres de 2016 e 2017, passou a concentrar presos ligados ao PCC. 

Ameaça em vídeo 



A gravação em que Janderson Edmilson aparece tem 14 segundos e mostra 12 homens em um barco do tipo voadeira. Os que usam balaclava estão armados. Eles exibem sete armas, entre elas um provável rifle calibre 32 e uma espingarda 12.

Após exibir as armas, o narrador diz: “Aí, é nós, olha nós, olha nós, olha nós. Mostrar aqui, meu compadre. Essa porra, negócio de índio mandar, quem manda é nós. Quem manda é nós, porra. Hoje nós vamos ver como é que funciona o bagulho. Olha. Olha. Olha. Nós é a guerra, neguinho”. Na cena, ainda é possível ver barcos passando ao fundo. 

A gravação foi publicada pelos próprios criminosos em redes sociais e acabou indo parar nas mãos da polícia. O narrador do vídeo foi identificado como José Hilton Bezerra de Oliveira, o ‘Lourinho da Gávea’. Em março de 2020, ele foi preso em flagrante por tráfico de drogas e até agosto estava preso na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, quando foi posto em liberdade pela Justiça. 

Outros criminosos vistos no vídeo já foram identificados, exceto aqueles que usavam balaclava para esconder o rosto. “Um deles usa, inclusive, um colete que pode ter sido perdido ou furtado de um policial, pois tem a logo da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública)”, observou Cruz.

Em 10 de maio, os ataques a tiros contra a aldeia também partiram de barcos que passavam pelo rio Uraricoera. Além desse ataque, outras 13 investidas contra aldeias também foram relatadas pelos Yanomami  na mesma região entre fevereiro e junho. 

Em 31 de maio, a base do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na Ilha de Maracá, às margens do Uraricoera, também foi alvo de criminosos encapuzados e armados que roubaram diversos materiais, parte deles apreendidos em uma fiscalização recente contra o garimpo ilegal na região.

‘Medo do crime organizado’

Área de garimpo conhecida como “Tatuzão”, na região do rio Uraricoera na TI Yanomami. (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

“As comunidades já sabem. Essa informação estourou, do crime organizado, e os Yanomami estão preocupados, com medo. A gente traduziu na radiofonia, conversando com as lideranças e eles ficaram com muito medo do crime organizado”, disse Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, à Amazônia Real.

Segundo Dário Kopenawa, há meses os Yanomami vinham relatando a presença de homens “estranhos”, mascarados e armados, mas não se sabia quem eram eles. 

“As lideranças fizeram uma denúncia do que ocorre em garimpos maiores como Tatuzão, Waikas e Parima. Eles contratam essas pessoas de segurança lá, entre eles”, disse. “Eles têm maquinários, tem uns colegas que os chefes do garimpo contratam tipo como guarda-costas, para proteção entre eles. É um esquema deles. A gente não sabe como funciona a situação deles, mas esses grupos estão no meio dos garimpeiros locais e dentro da Terra Indígena Yanomami.”

A TI Yanomami é alvo de mineradores, empresários, políticos e garimpeiros de várias partes do Brasil desde a década de 1970. Desde então viveu distintos ciclos de extração ilegal, sempre tendo como consequência uma explosão da devastação da floresta amazônica e um aumento exponencial da população. Hoje, são estimados mais de 26 mil garimpeiros invasores da TI.

Dário Kopenawa durante coletiva de lideranças Yanomami na sede da Cáritas em Boa Vista (Foto: Yolanda Mêne/Amazônia Real)

Dário afirmou que os garimpos ilegal permanecem ativos mesmo com as operações recentes de forças-tarefas do governo federal. O caos reina e as autoridades se omitem diante de crimes que ameaçam os Yanomami. No fim de julho, em Homoxi, um Yanomami foi atropelado por um avião de garimpo e morreu. 

“O garimpo continua crescendo nos rios Uraricoera, Alto Mucajaí, o rio Apiaú e o rio Catrimani. Tem muitos aviões indo para o território, helicóptero, e também barcos. É uma circulação muito grande que só piora. Regiões como Tatuzão, Waikás, Papiu, Homoxi, Xitei, Parafuri, essas regiões são mais impactadas, o garimpo está crescendo rápido nessas regiões. Os Yanomami lá estão sofrendo”, desabafou Dário.

Emily Costa é formada em Jornalismo e mestranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Iniciou a carreira de jornalista como repórter no portal G1. Consultora em comunicação, se interessa por coberturas relacionadas a migrações, questões humanitárias, povos indígenas e meio ambiente. (emilycosta@amazoniareal.com.br)


Evandro Milet: Manifestações enchem as ruas pela educação no Brasil

Será um sonho? Um enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de "Ordem e Progresso" os dizeres "Educação é Progresso"

Evandro Milet / A Gazeta

Ao longo de toda a Avenida Paulista, na Avenida Atlântica em Copacabana, na Esplanada dos Ministérios em Brasília, na Praça do Papa em Vitória e em centenas de cidades do país, via-se um mar de bandeiras verde-amarelas, vermelhas, azuis, verdes ou com as cores do arco-íris. Bonecos gigantes de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro desfilavam imponentes.

Cartazes eram erguidos pedindo mais ensino técnico, menos evasão nas escolas, salário maior para professores, fim da defasagem idade-série, uma nota maior no Pisa, fim da nomeação política de diretores de escola, capacitação de professores, ensino em tempo integral para todos os alunos com dedicação exclusiva de professores em apenas uma escola e meritocracia na avaliação de professores.

Cartazes sobre homeschooling e escolas militares apareceram, mas foram logo recolhidos pelos próprios cidadãos que os trouxeram, envergonhados pela desimportância dos temas frente aos verdadeiros problemas da educação. Além da falta de sintonia com a massa que acompanhava carros de som tocando alto “Vai Passar” do Chico, com o povo cantando mais alto as partes dos napoleões retintos e do sanatório geral.

Faixas pediam escolas de pobres iguais às escolas de ricos e igualdade de oportunidades para todos. Uma faixa, bem longa, menos do que merecia, dizia “Na pandemia, sem omissão no Ministério da Educação”.

Enorme boneco de Albert Einstein vinha à frente de uma ala de cientistas com uma bandeira do Brasil que trazia no lugar de Ordem e Progresso os dizeres Educação é Progresso. Cartazes erguidos pediam mais verbas para a Ciência e a Tecnologia e uma política para evitar o enorme êxodo de cérebros para fora do país.

Na linha de frente, em cidades diferentes, apareciam Cristovam Buarque, Priscila Cruz do Todos pela Educação, a ex-secretária Cláudia Costin, o ex-Prefeito de Sobral Veveu Arruda, Cláudio Moura Castro, Antônio Gois e representantes das várias ongs que investem muito em educação, replicando iniciativas de sucesso: Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Natura, Fundação Itaú, Ensina Brasil e Instituto Sonho Grande.

Professores de todos os níveis escolares se misturavam com mães e pais - uma aproximação fundamental -, reivindicando juntos a melhoria da educação.

A figura gigante de um computador simbolizava a necessidade de inclusão de todos os alunos no mundo digital e com acesso à internet na escola e também nas suas casas.

A organização das manifestações pediu que os participantes trouxessem livros que eram dados para as crianças que participavam aos milhares, afinal seriam os maiores beneficiados do movimento e nada melhor como símbolo da educação.

Na frente, milhares de motos, dessa vez em uma causa nobre, provocavam uma chuva de papel picado que vinha do alto de prédios em algumas cidades.

Pena, porém que isso tudo é apenas um delírio. Infelizmente, educação não mobiliza manifestações desse porte. A Pátria Mãe segue distraída com outras prioridades do Governo Federal, por mais absurdas, delirantes e desfocadas, e o povo ainda não se deu conta do que importa para o futuro. Quem sabe um dia.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/manifestacoes-enchem-as-ruas-pela-educacao-no-brasil-0821


O governo retarda a internet nas escolas

O Senado aprovou um projeto que mandava o governo aplicar R$ 3,5 bilhões para assegurar o acesso dos alunos de escolas públicas à internet. Bolsonaro vetou a iniciativa

Elio Gaspari / O Globo

Um governo pode ter uma perna no atraso, outra na malandragem e a terceira em otras cositas más. O de Bolsonaro tem todas.

O Senado aprovou um projeto da Câmara que mandava o governo aplicar R$ 3,5 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o FUST, para assegurar o acesso dos alunos de escolas públicas à internet. Bolsonaro vetou a iniciativa. Era o jogo jogado, pois é atribuição do presidente da República vetar decisões do Congresso. Jogando o jogo, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro, e a lei foi promulgada. Sempre dentro do quadrado da Constituição, o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal. Perdeu.

Até aí, movia-se a perna do atraso de um governo que reluta em aplicar o dinheiro do FUST para levar a internet às escolas públicas durante uma pandemia. (A rede privada de ensino, quando teve meios, adaptou-se.)

Na semana passada, moveu-se a perna da malandragem. Um dia antes do fim do prazo dado pelo Supremo para que o governo se mexesse, Bolsonaro baixou uma Medida Provisória adiando o investimento de R$ 3,5 bilhões. Chutou a bola para cima, pois a MP vigorará por 120 dias, a menos que seja aceita pelo Congresso.

Passou-se quase um ano, e as escolas públicas não receberam um tostão. Alguém poderia argumentar que o governo tenta segurar as despesas da Viúva e uma conta de R$ 3,5 bilhões é salgada. Nessa hora, olhando-se direito, vê-se a terceira perna do governo.

Em dezembro de 2019 o repórter Aguirre Talento mostrou que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) havia soltado um edital que previa um gasto de R$ 3 bilhões para comprar equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Em tese, era uma iniciativa que melhoraria a conexão dos colégios com a internet. Na prática, a Controladoria-Geral da União viu que havia otras cositas más. Uma só escola de Minas Gerais receberia 30.030 laptops para seus 255 alunos (117,76 para cada um). A gracinha do esbanjamento repetia-se em 355 outros colégios. Além disso, o edital parecia viciado para beneficiar fornecedores afortunados.

Passou-se mais de um ano da exposição do jabuti, três novos ministros ocuparam o MEC, o FNDE trocou várias vezes de presidente, e até hoje não se sabe quem botou o jabuti no edital.

Azararam Costa e Silva

Um sábio que pesquisa a história do acidente vascular cerebral do presidente Costa em Silva suspeitava há tempo que ele morreu em dezembro de 1969, entre outros fatores, pela depressão em que caiu porque era tratado como uma criança. As pessoas falavam com ele como se a sua percepção tivesse sido lesada, quando tinha perdido movimentos e a capacidade de se expressar, mas sabia o que estava acontecendo.

A sabedoria convencional dizia que o AVC, uma vez iniciado, teria uma progressão inevitável. Assim, durante quatro dias, ele perdeu progressivamente a fala e os movimentos do lado direito do corpo. Ele teve uma isquemia, que é uma obstrução da circulação sanguínea no cérebro. (O derrame é o contrário, com o rompimento de um vaso.)

Hoje, uma vez diagnosticadas a tempo, as isquemias cerebrais podem ser tratadas com anticoagulantes.

Um artigo científico informa que em 1958, onze anos antes do AVC de Costa e Silva, o neurologista canadense Miller Fisher, em Boston, tratava isquemias com anticoagulantes. No Brasil, o fatalismo da progressão inevitável foi aceito ainda por muitos anos.

O presidente perdeu momentaneamente a fala no dia 27 de agosto. Recuperou-a, e voltou a perdê-la de vez na madrugada do dia 29, quando ainda conseguiu se expressar por meio de um bilhete.

O pelotão palaciano comandava o major médico que cuidava do paciente e levou-o para o Rio. Lá, ele foi examinado pelo neurologista Abraham Ackerman. Era tarde.

No dia seguinte, o marechal perdeu a capacidade de se expressar.

Se Costa e Silva estivesse em Boston no dia 27, seu destino teria sido outro.

Como ele estava em Pindorama, o pelotão palaciano blindou-o, escondeu a gravidade do caso, depôs o vice-presidente Pedro Aleixo e entregou o poder a uma junta militar composta pelos três ministros militares. Ela governou o país por um mês. Em 1988, o deputado Ulysses Guimarães chamou-os publicamente de “Os Três Patetas”. Quinze anos antes, o general Ernesto Geisel usava a mesma expressão, privadamente.

Alexandre e Barroso

Bolsonaro dá a impressão de que está metido numa briga com o ministro Luís Roberto Barroso, mas sabe que sua encrenca é com o ministro Alexandre de Moraes.

Barroso chegou ao Supremo vindo da sua banca de advocacia. A carreira de Moraes foi outra: ele veio do Ministério Público e foi secretário de Segurança de São Paulo.

Um aprendeu a defender seus clientes. O outro aprendeu a baixar o chanfalho em quem viola a lei.

Paulo Bolsonaro

O professor Delfim Netto está bonzinho. Com 14,8 milhões de desempregados no portfólio, o ministro Paulo Guedes resolveu atacar o IBGE, dizendo que suas estatísticas ainda estão “na idade da pedra lascada”. Delfim defendeu a instituição e disse que torcia para que a fala de Guedes “tenha sido um infeliz lapso verbal”.

Não foi. Tratou-se de um caso de contágio bolsonarista, semelhante aos lances do “vagabundos” do STF de Abraham Weintraub, do “pária” de Ernesto Araújo e da “boiada” de Ricardo Salles.

Paulo Guedes é ministro da Economia há mais de dois anos e não notou que convivia com um IBGE de Flintstones. Pior: levou para a presidência do instituto a economista Susana Cordeiro Guerra, doutora pelo MIT, e deixou-a ir embora.

O golpe, em 1961

O Brasil era governado por um tatarana que armava um golpe. As fake news da época eram tenebrosas.

No dia 9 de agosto de 1961, Jânio Quadros pediu ao Conselho de Segurança Nacional que examinasse um material, “tendo em vista a reunião ministerial referente às Guianas”. Era urgente, pois Jânio via ali um “intenso trabalho autonomista ou de emancipação nacional, com a presença de fortes correntes de esquerda, algumas, reconhecidamente, comunistas”.

Na chefia do gabinete da Secretaria Geral do Conselho, o coronel Golbery do Couto e Silva colecionou os seguintes informes, “cujos graus de confiança ainda não foi possível avaliar”:

“Informe nº 5: Pelo barco de pesca Z-189 desembarcaram em Amaralina, BA, cerca de 22 pessoas, trazidas por um submarino desconhecido, ali observado nestes últimos dias, o desembarque ocorreu em fins de julho.”

“Informe nº 6: Durante o corrente ano chegaram ao Brasil cerca de dois mil comunistas, da China Vermelha, técnicos em guerrilhas”.

Aziz disse tudo

O senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, disse tudo, ao duvidar do que dizia o tenente-coronel da reserva Marcelo Blanco, ex-integrante do pelotão levado pelo general Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde:

“Aqui não tem otário”.


Fonte: O Globo

https://oglobo.globo.com/politica/o-governo-retarda-internet-nas-escolas-25145799