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Alberto Aggio: Depois das eleições, oposição democrática
Jair Bolsonaro (PSL) venceu o segundo turno das eleições presidenciais com mais de 10 milhões de votos de diferença contra Fernando Haddad (PT). Não foi uma vitória esmagadora, mas foi incontestável e, sobretudo, legítima. Em janeiro de 2019, com a alternância democrática de poder, prevista na Constituição, Bolsonaro assumirá o posto maior da República.
Na democracia, a quem vence cabe a tarefa de governar; a quem perde, fazer oposição. A vitória eleitoral de Bolsonaro não significa a imposição de uma única força política ao país, numa visão simplista de alguns de seus apoiadores, segundo a qual o vencedor “leva tudo”. Os pilares da democracia brasileira, assentados na Constituição de 1988, continuam a dar os parâmetros para a nossa convivência política e social.
Não há dúvida que essa vitória representa uma mudança política significativa na história recente do país. Fala-se do esgotamento ou do final de um período da política brasileira e do advento de uma nova fase. Superando as forças políticas que lideraram a democratização, o presidente eleito traz novamente a direita ao poder depois de décadas em que ela havia sido alijada, com o fim da ditadura militar. O resultado eleitoral em seu conjunto representou a condenação das oligarquias políticas que controlaram o poder nos últimos anos e o rechaço ao conluio entre a “coisa pública” e os interesses dos grandes grupos econômicos.
A direita que se expressa por Bolsonaro não é a mesma dos idos de 1964 e nem poderia ser. Permanece nela, é verdade, um certo ranço e uma retórica anticomunista obtusa e anacrônica face ao fato de que o fim de “comunismo histórico” carrega quase 30 anos nas costas, não havendo nenhuma sinalização do seu reaparecimento ao redor do mundo. Nessa eleição, a direita emergiu travestida de um “populismo iliberal”, seguindo a vaga planetária, além de expressar inclinações reacionárias e autoritárias. O novo presidente é um personagem, a um só tempo, pragmático e midiático – sem ser carismático –, que se utiliza mais de uma retórica instrumental de caráter pentecostal do que propriamente fascista. Tudo isso não é pouco para nos alertar quanto aos riscos que corre a democracia. Contudo, a vitória de Bolsonaro não deve ser vista como um retorno ou uma condenação antecipada do país aos “anos de chumbo”.
Na montagem do governo, com uma reforma administrativa em curso que reduz o número de Ministérios, o presidente eleito parece visar mais a composição de um quadro de referência de mudanças – no qual estão indicativos neoliberais, mas também da democracia política –, do que a emulação de um líder que prepara a instalação de um regime fascista ou de uma ditadura, mesmo que seja de forma gradual. Será certamente um governo de direita porque essencialmente apela à ordem de maneira ameaçadora e quase brutal, pensa mudanças econômicas a partir da régua neoliberal, com poucas ou nenhuma concessão de caráter social, além de ser regressivo, restritivo e anacrônico no plano cultural e ambiental, sem falarmos no plano comunicacional, até agora o mais tenebroso no seu comportamento.
Uma das tarefas essenciais da oposição democrática – que precisa ainda ser construída e articulada – é a de agir para evitar que o estilo (de um violentismo performático) e as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno se transformem em regime político. Os atores políticos que se perfilam no campo oposicionista terão uma árdua tarefa pela frente, em particular a esquerda que terá que se reconstruir uma vez que a linguagem da antipolítica que predominou nessas eleições a atingiu profundamente em suas lideranças, ideias e valores.
Derrotado nas eleições, o PT parece não ver razões para alterar seu posicionamento, fixando-se numa posição de antagonismo irredutível. A considerar o discurso de Fernando Haddad na noite em que se deram a conhecer os resultados, o PT se mantém no interior da célebre divisão “nós versus eles” instituída pelo partido desde os governos Lula. Para o partido, a oposição a Bolsonaro deverá assumir a representação política de uma “outra nação”, aquela que lhe rendeu 46 milhões de votos, na qual a palavra-chave é a da “resistência” a uma espécie de “governo de ocupação”, na infeliz expressão do Wanderley Guilherme dos Santos. Aqui abro um parêntesis: de fato, “resistência” é uma noção cuja origem é a ocupação nazista na França e Itália, que se conformou num referente histórico para a esquerda; na luta contra a ditadura no Brasil, aqueles que haviam aderido à luta armada, ao retornarem à luta política, formularam a “narrativa” da resistência com o intuito de legitimarem essa mudança sem contudo realizarem nenhuma autocrítica; hoje, como se vê, o PT prepara uma nova artimanha, evitando rever seu passado recente com rigor e a devida autocrítica.
A perspectiva de “resistência” que o PT apresenta à oposição vive da expectativa de que o governo Bolsonaro fracasse rotundamente e, quanto mais rápido melhor. Lembra vivamente um retorno às origens e, com isso, uma vocação para o isolamento. O PT não compreende que o tempo não passou em vão, que a sociedade amadureceu e que as forças políticas já não se deixam enredar por artimanhas. Considerando os resultados eleitorais, a situação da esquerda é claramente defensiva e de recomposição. O antagonismo irredutível do PT é condenação ao isolamento.
Claro está que o PT é um ator problemático para oferecer uma estratégia de oposição democrática ao governo Bolsonaro. Além da sua leitura obtusa da nova conjuntura política, o PT ainda se vê acorrentado à miragem da libertação de Lula e das fábulas (o golpe de 2016) que contaminam sua visão a respeito do que se passou no país desde 2013. O PT não reconhece que o partido, e em particular o lulismo, são vistos hoje pela sociedade como duas expressões consagradas da corrupção que o eleitorado condenou nessas eleições. É largamente reconhecido que o principal fator que deu a vitória ao representante do PSL foi o antipetismo, sem mencionarmos os milhões de desempregados que emergiram e cresceram assustadoramente desde o governo Dilma Rousseff.
Para ser crível e não se lançar à luta de olhos vendados, os democratas devem começar por saber o que fazer diante de suas circunstâncias, com realismo e uma perspectiva generosa de futuro. (Esse artigo, finalizado em 04/11/2018, foi publicado originalmente em Política Democrática Online 2, novembro de 2018, p.18-19)