democracia
Revista online | Monkeypox reacende alertas sobre estigma e homofobia
Especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Em 1983, os primeiros casos de Aids no Brasil foram estampados em manchetes de jornais na linha do que marcou as primeiras décadas da epidemia. No início, após o maior número de diagnósticos entre homens que faziam sexo com homens, noticiários divulgaram os casos como “peste gay”, “câncer gay” e “gay compromise syndrome”, o que discriminou homens gays, apontados como “grupo de risco”.
Quase quarenta anos depois, as memórias sobre a desinformação e os estigmas do início da epidemia de Aids voltam à tona diante da mais recente emergência de saúde pública de importância internacional: o vírus monkeypox. Antes restrita a alguns países africanos, a doença infecciosa causada por ele começa a se disseminar pelo planeta. Já são mais de 41 mil casos e 12 mortes em 96 países, incluindo o Brasil. A maioria deles está nos Estados Unidos.
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A doença não é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). No entanto, a alta prevalência entre homens que fazem sexo com homens nos primeiros diagnósticos voltou a motivar manifestações de autoridades que chegaram a aconselhar a redução do número de parceiros sexuais para esse grupo, no Brasil e no mundo.
Recentemente, o próprio diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que uma forma de se proteger do vírus monkeypox seria homossexuais masculinos reduzirem o número de parceiros, apesar de depois ter demonstrado preocupação com o estigma. Ele também declarou que a doença constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional.
Professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e que pesquisou a história da Aids no Brasil, a historiadora Dilene Raimundo do Nascimento disse que pronunciamentos nessa linha podem reforçar a discriminação contra homossexuais homens. Além disso, segundo ela, esse discurso ajuda a disseminar a crença de que outros grupos estão imunes à monkeypox.
“Todos viram o que aconteceu com o HIV/Aids, como foi difícil lidar com isso para as autoridades sanitárias, para a população em geral e particularmente os próprios afetados pelo vírus. Isso não pode se repetir de forma alguma”, alertou Dilene. Ela é autora do livro As Pestes do século 20: tuberculose e Aids no Brasil, uma história comparada, da Editora Fiocruz.
Veja, a seguir, galeria de imagens sobre monkeypox:
Discriminação
Em meados dos anos 1990, a Aids ainda estava na agenda das autoridades de saúde como uma doença de homossexuais. Pessoas conhecidas nacionalmente, como o sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, que era HIV-positivo por conta da hemofilia e presidiu a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), contribuíram muito na luta contra discriminação. Apenas em 1995, começaram a ser feitos cartazes sobre o HIV para mulheres, por exemplo.
O infectologista Bruno Ishigami afirmou que é preciso ter cautela. “O HIV mostrou isso para a gente de forma bem ruim, quando a gente disse lá atrás, que era uma doença exclusiva de gays, de gente que era promíscua. A gente criou estigmas que existem até hoje", lembrou ele. “Não gosto do discurso 'pare de transar com muitas pessoas'. Isso nunca funcionou com o HIV e não é hoje que vai funcionar com a monkeypox", acrescentou, ressaltando que aposta na conscientização das pessoas.
Em sua página de perguntas e respostas sobre o vírus monkeypox, a OMS condenou a estigmatização de grupos de pessoas que ocorre via mensagens online. "Vimos mensagens estigmatizando certos grupos de pessoas em torno desse surto de varíola. Queremos deixar bem claro que isso não está certo”, disse o texto.
“Em primeiro lugar, qualquer pessoa que tenha contato físico próximo de qualquer tipo com alguém que tenha varíola está em risco, independentemente de quem seja, o que faça, com quem tenha relações sexuais ou qualquer outro fator. Em segundo lugar, estigmatizar as pessoas por causa de uma doença é inaceitável. É provável que o estigma só piore as coisas e nos impeça de acabar com esse surto o mais rápido possível”, acrescentou a OMS.
Vulnerabilidade
Segundo a historiadora da Fiocruz, uma forma de informar a população de forma responsável é lembrar que homens que fazem sexo com homens podem eventualmente fazer sexo com mulheres. “As pessoas não estão isoladas. Elas se relacionam de uma forma ou de outra. Qualquer pessoa pode estar suscetível a se contaminar com o vírus da monkeypox, independentemente de sua orientação sexual”, asseverou Dilene.
“É preciso fazer um trabalho de formiguinha, disseminando esse entendimento de que as pessoas se interrelacionam e que, nesse relacionamento, as transmissões podem acontecer. Qualquer tentativa de minimizar ou desconstruir preconceitos e discriminação tem de mostrar que as pessoas não vivem em um casulo, as pessoas não vivem apenas dentro de um grupo. As pessoas vivem em sociedade. Espero que essa discriminação de que homens que fazem sexo com homens são os mais suscetíveis à monkeypox seja rapidamente eliminada”, ressaltou a pesquisadora.
Sintomas e transmissão
Os principais sintomas da doença são lesões na pele, febre, dor no corpo e dor de cabeça. Podem ocorrer lesões genitais e no ânus. Os sintomas costumam durar de duas a quatro semanas. A doença pode evoluir para um quadro mais grave em grupos mais vulneráveis, como crianças e pessoas com imunidade reduzida.
A transmissão ocorre principalmente pelo contato direto com pessoas infectadas, principalmente pelo contato direto com pessoas infectadas: pele a pele, fluídos corporais e feridas infecciosas, assim como por meio de contato prolongado com secreções respiratórias. A possibilidade de transmissão sexual do vírus ainda está sendo investigada pelos cientistas. Macacos não fazem parte do ciclo da doença.
A principal recomendação da OMS é evitar contato direto com pessoas que apresentem sintomas ou tenham confirmação da doença, incluindo beijo, abraço e relação sexual; Também é indicado uso de máscaras de proteção facial e higienização das mãos de forma correta e com frequência. Pessoas com quadro suspeito devem procurar imediatamente serviços de saúde.
Estigma até no nome...
Da mesma família dos vírus responsáveis pelas varíolas humana e bovina, o monkeypox foi descoberto em 1958, quando pesquisadores investigaram um surto infeccioso em primatas oriundos da África que estavam sendo estudados na Dinamarca, país localizado na região da Escandinávia, no norte da Europa.
No entanto, pouco tempo depois, os cientistas verificaram que os macacos não participavam da dinâmica da infecção como animais reservatórios do vírus e que também eram afetados pelo patógeno, assim como outros mamíferos. Ainda não se sabe com exatidão as espécies reservatórias do monkeypox, nem como sua circulação é mantida na natureza.
O primeiro caso da doença em humanos foi registrado em 1970 na República Democrática do Congo. A partir de maio deste ano, houve uma rápida dispersão em países onde a infecção não costumava ocorrer, incluindo o Brasil.
Em uma tentativa de evitar estigma e preconceito contra os indivíduos infectados e maus tratos contra os animais, cientistas orientam denominar a doença no Brasil exclusivamente como “monkeypox” (mesmo nome do vírus), já que o surto atual não tem relação com primatas. Somente esse termo tem sido adotado pelo Ministério da Saúde, em conformidade com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O nome monkeypox também é utilizado na Classificação Internacional de Doenças (CID-10). “Todo esse movimento tem o intuito de se evitar desvio dos focos de vigilância e más ações contra os animais", explica a vice-diretora de Serviços de Referência, Coleções Biológicas e Ambulatórios do Laboratório de Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), responsável por analisar, Maria de Lourdes Oliveira.
Em todo o mundo, vários cientistas já manifestaram a necessidade de um nome para a doença e para o vírus que não seja discriminatório nem estigmatizante. Por isso, diante do apelo da comunidade médica internacional, há a expectativa de que o comitê consultivo da OMS realize a mudança na nomenclatura.
Alertas semelhantes ocorreram nos casos da covid-19 e influenza A H1N1. Para evitar preconceitos e estigmas, a OMS reclassificou os nomes das doenças. No primeiro e mais recente caso buscou-se não atrelar a doença ao país de origem dos casos. No segundo exemplo, o consenso foi para dissociar o nome da gripe ao do animal, que não estava diretamente relacionado com contágio naquele momento.
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Editorial revista online | A presença da sociedade civil
O país assiste, desde o 11 de agosto passado, à emergência de um ator relevante, até então tímido, quando não ausente, na cena política contemporânea: a sociedade civil organizada. Um manifesto em prol da democracia, com apoio amplo e objetivos muito claros, foi lido em inúmeros atos públicos ocorridos em São Paulo e diversas outras cidades brasileiras.
O texto exige, de forma clara, respeito ao processo e aos resultados eleitorais, assim como a coordenação harmônica entre os Poderes da República, em prol das tarefas que o mundo do presente impõe ao país. O impulso unitário que inspira o movimento transparece na diversidade de seus signatários: organizações de ensino superior, atores de movimentos sociais, entidades que congregam interesses de empresários e trabalhadores, além de centenas de milhares de cidadãos. Há diversidade política, com personagens de posições opostas nos embates recentes de nossa história, há diversidade de interesses econômicos, muitas vezes contraditórios, há diversidade de causas que congregam militantes e movimentos. Todos, no entanto, se manifestam hoje unificados, na defesa da democracia, contra as ameaças que sobre ela pesam.
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A resistência contra os avanços do autoritarismo supera as contradições eleitorais dos candidatos do campo democrático com os candidatos do governo, arautos da agenda do retrocesso, para alcançar patamares mais elevados de luta. Veio à luz a afirmação do consenso democrático, que une trabalhadores, empresários e intelectuais, representantes das forças vivas da nação.
Confira, a seguir, galeria de fotos:
É inescapável a associação do manifesto de hoje com o manifesto de ontem, a Carta aos Brasileiros, lida na mesma data de 1977, na Faculdade de Direito da USP, de impacto singular na derrota do regime ditatorial de então.
Infelizmente, contudo, tampouco é possível deixar de relacionar essa manifestação vigorosa em prol da democracia com a divulgação, poucos dias depois, de conversações mantidas por grupo de empresários governistas, com ataques às instituições democráticas e apologia de regimes autoritários.
O sinal é claro: há movimentos entre os partidários da desordem e do autoritarismo. O risco às instituições permanece, portanto, apesar da manifestação de unidade e força dos partidários da democracia.
Nesse quadro, a lição dos fatos aponta para a formulação de consignas comuns, ao lado da manifestação de diferenças políticas legítimas, no embate eleitoral, a todos os candidatos do campo democrático.
Pelo comparecimento às urnas no dia do pleito, contra o voto em branco, contra o voto nulo, nenhum voto para os candidatos do autoritarismo.
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No Jornal Nacional, Simone Tebet acena a mulheres e defende liberalismo econômico
Redação de Brasil de Fato*
Na última entrevista da série de sabatinas com os presidenciáveis mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais, a senadora do Mato Grosso do Sul e candidata do MDB, Simone Tebet foi a entrevistada. Durante os 40 minutos da entrevista, ela disse priorizar a educação, fazendo alusão a propostas de entidades que defendem maior participação privada na gestão do ensino, e afirmou em mais de uma ocasião contar com uma equipe de "economistas liberais" para tratar do financiamento das suas propostas.
No início, ao ser perguntada sobre a desunião do MDB em torno da sua candidatura, Tebet apontou ter vencido uma "maratona com muitos obstáculos para consolidar a pretensão presidencial. "Tentaram puxar o meu tapete há até pouco tempo atrás", pontuou. "Tentaram levar o partido para o ex-presidente Lula, judicializaram minha candidatura."
Os apresentadores do Jornal Nacional insistiram na questão sobre a desunião dentro da legenda, com William Bonner lembrando que nove diretórios de estados e um do Distrito Federal anunciaram que não a apoiariam. "A polarização faz com que alguns companheiros sejam cooptados", justificou. A emedebista também foi perguntada sobre o fato de o próprio candidato ao governo do Mato Grosso do Sul de sua legenda, André Puccinelli, ter relativizado o apoio a ela.
"Por exemplo, se você vota no Lula, eu vou te matar para que não vote no Lula? Não. Democracia é isso. Vamos sugerir [o nome da Simone], mas não impor", afirmou o candidato em julho.
Ao JN, Tebet respondeu: "A minha candidatura não vem pra dividir. Sabemos das dificuldades regionais, venho de um estado conservador e tenho que dar liberdade pros meus companheiros."
Quando questionada sobre o envolvimento de integrantes da sigla com escândalos de corrupção, a parlamentar argumentou que "o partido não é mais fisiológico", afirmando que, para compor o ministério de um eventual governo, iria contar com os "partidos que somam conosco" e que os requisitos dos titulares das pastas seriam dois: "ser honesto e ser competente".
Participação feminina e propostas
Na entrevista, ela tentou sinalizar para o público feminino. "Se eu virar presidente, primeiro projeto que vou pautar é a igualdade salarial entre homens e mulheres", sustentou.
Quando perguntada sobre a baixa participação de candidaturas femininas no MDB, a candidata usou uma argumentação confusa. "Sou privilegiada por que estou diante de um partido que saiu na vanguarda e teve a coragem de lançar, nesse momento mais difícil do Brasil, uma mulher candidata à Presidência da República. Isso é inédito, é inédito na história", pontuou, possivelmente se referindo a seu partido.
Além de já ter havido uma presidenta da República no Brasil, Dilma Rousseff (PT), as eleições presidenciais de 2022 têm outras três candidatas: Vera Lúcia (PSTU), Sofia Manzano (PCB) e Soraya Thronicke (UB).
A candidata se comprometeu a priorizar a educação caso vença as eleições. "Não falta dinheiro pra educação, falta vontade", vaticinou, emendando que "não há trabalho e qualificação, sem educação. É o que garante o aluguel e a comida na mesa". Também prometeu recriar o Ministério da Segurança Pública, quando questionada sobre perguntas sobre essa área.
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato
Revista online | Ressentimento e reação conservadora: sobre eleição histórica
Mayra Goulart*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Toda eleição presidencial é histórica, todavia, não na mesma proporção, na medida em que algumas sobressaem como marcos de rupturas que permitem o início de novos ciclos. Foi o caso da eleição de 1989, a primeira depois da redemocratização. A eleição de 1994 também foi histórica ao encerrar um ciclo de instabilidades econômicas, com a consolidação do Plano Real, e políticas dando início a um novo padrão de organização das preferências e identidades partidárias no país.
Neste pleito, concorreram Fernando Henrique Cardoso (FHC), ex-ministro da Fazenda e renomado professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), e o líder sindical Luís Inácio Lula da Silva. FHC concorreu pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), representando um projeto social-liberal que priorizava a estabilidade econômica e a rentabilidade dos investimentos financeiros como estratégia para o desenvolvimento e para a modernização do país.
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Tal projeto, assim como o PSDB, representava identidades e interesses de eleitores que se identificavam com as camadas médias e altas, cujo ideal de sociedade se estruturava a partir dos princípios da meritocracia e da liberdade econômica. Lula concorreu pelo Partido dos Trabalhadores (PT), representando um projeto igualitário-democrático que envolvia, em termos prioritários, a redução da miséria e a inclusão das minorias demográficas e não demográficas.
Os pleitos de 1998, 2002, 2006 e 2010 se inserem nos marcos do ciclo iniciado em 1994 e foram organizados por esta polarização entre duas forças situadas em posições relativamente próximas ao centro do espectro ideológico. Em outros termos, o sistema político brasileiro de 1994 a 2010 se organizou em torno da polarização entre duas alternativas de centro: (a) uma mais à esquerda, cujos eleitores foram progressivamente assumindo uma feição popular, reunindo os espectros menos favorecidos da sociedade em termos econômicos e simbólicos, atraídos pelas iniciativas distribuição de renda / fortalecimento do salário mínimo e pelos programas de ação afirmativa voltados às minorias implementados ao longo dos governos petistas; e (b) outra mais à direita, que tinha em seu eleitorado as camadas médias e aquelas que se identificavam com as administrações tucanas, atraídos por um discurso de liberdade econômica com responsabilidade social o que envolvia o respeito às minorias e aos direitos civis.
PT e PSDB, portanto, representam projetos de modernização que de um jeito ou de outro passam pela dissolução dos grilhões que nos atrelam a um passado patriarcal, refratário à pluralidade e incompatível com a consolidação da institucionalidade democrático-liberal erguida pela Constituição de 1988, resultante do fechamento do ciclo autoritário civil-militar (1964-1985) que lhe precedera.
Veja, a seguir, galeria de imagens
Não obstante, durante esse ciclo, aqueles segmentos sociais que de alguma maneira não se identificavam com essa ideia de modernização, cujos conteúdos ético-morais feriam sensibilidades conservadoras, foram acumulando um conjunto de mágoas e ressentimentos em relação às transformações sociais em curso, posto que identificavam-se com um ideal de sociedade e de família patriarcal, nostálgico em relação ao modelo de ordem do autoritário.
Ainda que seja impossível operar uma datação precisa do processo, é possível sugerir que esse ressentimento, até então escondido na névoa de sentimentos contraditórios que perpassam os seres humanos, passou a ganhar o espaço público, conforme foi encontrando símbolos capazes de destacá-los. Um desses símbolos foi a discussão da criminalização da homofobia que, já em 2008, serviu de mote para ações organizadas do campo evangélico, que foi ganhando coesão política a partir da reação a este tipo de temática. Em paralelo, observa-se também o progressivo desconforto das camadas altas e médias com o processo de inclusão econômica e social que conferia maior visibilidade às classes populares.
Tal ressentimento, apresentado como um ódio à esquerda e ao PT, que não podia ser canalizado pelas lideranças do PSDB, demasiado identificadas com tais transformações, encontra em Jair Bolsonaro um porta-voz. Sua liderança foi gestada ao longo de sete mandatos consecutivos como deputado federal, ao longo dos quais manteve uma atuação parlamentar consistente voltada à defesa das Forças Armadas e demais segmentos identificados com o modelo de sociedade autoritário, elitista e patriarcal oriundo do passado.
A eleição de 2022 é, portanto, particularmente histórica na medida em que pode indicar a ruptura ou o aprofundamento deste ciclo reacionário, incompatível com os marcos constitucionais democrático-liberais e com a configuração de uma sociedade aberta ao pluralismo de afetos, identidades e cosmovisões. Oxalá ela seja suficiente para que o país consagre sua opção em prol da democracia através das urnas e que não seja preciso buscar outras formas de derrotar o autoritarismo que ameaça pegar em armas para se defender.
Sobre a autora
*Mayra Goulart é professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS/UFRRJ). É, ainda, coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto/2022 (46ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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*Título editado.
Revista online | 2013: ecos que reverberam até hoje
Henrique Brandão*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Desde o início de agosto, encontra-se disponível na Globoplay o documentário Ecos de Junho. Dirigido pelo jornalista Paulo Markun e pela socióloga Angela Alonso, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), o filme busca mostrar como as gigantescas manifestações de 2013 reverberam, ainda hoje, na vida institucional e política dos brasileiros, quase dez anos depois de terem tomado de assalto as ruas das principais cidades do país.
Na época, as manifestações surgiram em torno do Movimento Passe Livre, que propunha tarifa zero para os ônibus, no momento em que a Prefeitura de São Paulo anunciou o reajuste de R$ 0,20 no preço das passagens.
A passeata inicial foi convocada por fora dos partidos tradicionais da esquerda. À essa convocação se juntaram, de forma difusa, vários outros movimentos, até então sem qualquer representação, que se organizavam por meio das redes sociais. O resultado foi uma manifestação com um perfil diferente do que até então se conhecia: não havia “comando” do ato, as palavras de ordem eram criadas na hora, e as faixas tradicionais foram substituídas por cartazes feitos à mão e trazidos de casa. Surgia, ali, a primeira manifestação de massa convocada pelas redes sociais.
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Se o mote era o reajuste das passagens, os motivos que levaram as pessoas às ruas eram muitos, como ficou evidente nos cartazes improvisados. Os partidos da esquerda socialista foram surpreendidos pelo tamanho da manifestação. Talvez enferrujados pela ausência de reivindicações de rua durante os governos Lula e Dilma, foram tomados pela paralisia decorrente da perplexidade.
O fato é que as manifestações ganharam corpo, não apenas pelo caráter “novidadeiro” da convocação: a atuação desastrada da polícia e sua desmedida repressão, com bombas, farta distribuição de cassetadas e tiros de borracha – uma repórter fotográfica que cobria os atos foi atingida no olho por uma bala de borracha – acrescentaram o fator “solidariedade” às manifestações. A partir daí, os atos ganharam mais força e repercussão nacional, com manifestações se multiplicando por várias cidades do Brasil.
O documentário mostra muito bem os diversos grupos políticos que se uniram em torno das manifestações. Se começou com uma pauta articulada por um grupo de esquerda a favor do passe livre, rapidamente outros de formação diversa aderiram aos protestos. O que havia de comum, e "Ecos de Junho" indica com clareza, era uma insatisfação com o poder público, dirigida aos políticos, em geral, e aos governos do PT, em particular.
Veja, abaixo, galeria de imagens do documentário:
Direita, esquerda, movimento anarquista, grupos identitários, todos foram para as ruas, num movimento variado, onde a reivindicação por passe livre acabou se diluindo em meio à profusão de palavras de ordem. “Não são só 20 centavos”, dizia um cartaz que sintetizou, de maneira emblemática, o espírito dos manifestantes, jovens em sua maioria.
O documentário traz imagens e depoimentos de diversas pessoas envolvidas naqueles acontecimentos. Mostra, por exemplo, como grupos de direita nasceram ou cresceram de algum modo vinculados aos eventos de 2013. São esses grupos que, dois anos depois, deram sustentação, nas ruas, ao impeachment de Dilma Rousseff, apoio político às reformas de Michel Temer e, em 2018, ajudaram a eleger Jair Bolsonaro. Nada disso aconteceria sem a incubadora de 2013.
Independentemente da bandeira política de cada um, o filme tem enorme valor por trazer depoimentos de quem esteve lá no calor da hora e, hoje, uma década depois, pode rever, com certo distanciamento, sua participação nos acontecimentos.
Mas “os ecos de junho” não terminaram. Os choques de posição continuam em jogo. Em entrevista para a Folha de S. Paulo, Angela Alonso, codiretora do filme, afirmou: "Essa disputa, de certa maneira, ainda não acabou. Tem muito de junho de 2013 na atual disputa eleitoral".
Sobre o autor
*Henrique Brandão é jornalista e escritor.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto/2022 (46ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Revista online | "Não vai ter golpe", diz economista Edmar Bacha
Entrevista concedida a André Eduardo, Arlindo Fernandes de Oliveira, Benito Salomão e Benjamin Sicsú, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Sócio fundador e membro do conselho diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica/Casa das Garças, o economista Edmar Bacha diz que os políticos aprenderam a lição de que “o controle da inflação é eleitoralmente importante”. Ele, que participou da equipe econômica do governo que instituiu o Plano Real, afirma que “o Brasil tem um governo inchado” e “orçamento apropriado por interesses específicos”.
Em entrevista exclusiva à revista Política Democrática online de agosto (46ª edição), Bacha ressalta a sustentabilidade e o desenvolvimento do país com equilíbrio ambiental. “Temos que pensar em uma alternativa, e a alternativa é a floresta”, afirma ele, que é ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Autor do livro No País dos Contrastes: Memórias da Infância ao Plano Real, em que revisita a trajetória acadêmica e profissional que o levou ao mais bem-sucedido projeto de estabilização econômica do Brasil, o economista critica o governo Bolsonaro. “Com as suas ameaças institucionais, faz com que o câmbio se deteriore e provoca uma inflação adicional àquela que o resto do mundo experimenta em face das mesmas circunstâncias”, analisa.
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Bacha diz ter assinado a carta em defesa da democracia organizada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que ultrapassou um milhão de assinaturas. “Estamos todos dispostos a não somente assinar o manifesto, mas a ir para a rua em defesa das instituições, da democracia e, principalmente, dos órgãos superiores de Justiça, como o Tribunal Superior Eleitoral”, destaca. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Revista Política Democrática (RPD): O país tem hoje déficit fiscal calculado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) de, aproximadamente, R$ 200 bilhões e sofre deterioração cada vez maior no ambiente institucional que deve tratar dessa questão. No campo da política há, também, deterioração do tratamento dessa matéria no Congresso. O senhor acredita que teremos ambiente institucional para colocar este país nos trilhos?
Edmar Bacha (EB): Acredito que sim. Obviamente, sem boas instituições, não se vai a lugar nenhum, mas também acredito, inclusive, por experiência própria, na questão da liderança. Veja a importância que teve a liderança do Fernando Henrique Cardoso para a execução do Plano Real. Com toda a sapiência que os economistas pudessem ter, se não fosse a liderança do Fernando Henrique, não haveria plano Real. Todos nós da equipe estávamos muito relutantes naquelas condições políticas e governamentais tão precárias daquele período, logo após o impeachment de Fernando Collor. Itamar [Franco] entrou. Em sete meses, ele já tinha tido três ministros da Fazenda. O apoio no Congresso era dúbio, e fazer um plano daquela envergadura, com condições institucionais tão ruins, somente funcionou porque havia Fernando Henrique, com aquela capacidade enorme de dialogar, o enorme respeito que ele tinha no Congresso, junto ao presidente da República também, e a liderança que ele exercia sobre a equipe. Depende muito da qualidade da liderança que vamos eleger este ano.
Veja, abaixo, fotos do entrevistado:
RPD: O senhor está otimista ou pessimista quanto à possibilidade de conseguirmos enfrentar definitivamente essa eterna questão fiscal no nosso país?
EB: Estou totalmente integrado na campanha da Simone [Tebet]. Se Simone for eleita, não tenho nenhuma dúvida, dada a qualidade dela e a qualidade da equipe que ela vai levar, que conseguiremos lidar com a situação, inclusive, porque há quadros políticos também de muito boa qualidade, que sabem lidar com o Congresso. Então, depende. Com os dois que estão na liderança das pesquisas, não sei, não.
RPD: O senhor acha, então, que esse rombo de R$ 200 bilhões é difícil de combater?
EB: Não tenho nenhuma dúvida. Se o atual presidente se reeleger, estamos mal. Mas com o Lula, também, não me animo muito, não, dado o que a Dilma fez em termos de descontrole fiscal.
RPD: Como o senhor acha possível conciliar a responsabilidade fiscal com a necessidade de responsabilidade social? Furamos ou não o teto? Como atingir a melhoria da distribuição de renda, hoje o pior problema do Brasil?
EB: Ao lado da questão social, que nos persegue desde a colônia, temos a questão de um governo inchado, que absorve mais de um terço da renda nacional e não entrega serviços. Não entrega serviços por quê? O orçamento está apropriado por interesses específicos. Por exemplo, vê lá os 4,5% do PIB que vão para incentivos fiscais. Rico não paga imposto de renda. A classe média alta está toda pejotizada. Então, temos, realmente, um problema muito sério. Já gastamos demais, gastamos mal demais, e tem essa questão de como fazer caber benefício social para valer no orçamento. A resposta óbvia é: vamos substituir o gasto que está malfeito por um gasto que seja bem feito. Há quem fale: "mas isso está muito difícil, politicamente impossível fazer isso, fazer aquilo. Imagina, se você vai mexer com esse ou aquele, não vai conseguir”. Teria que aumentar imposto, mas o imposto em geral já está muito elevado. Então, como é que faz? Fura o teto? O problema não é tanto furar o teto, mas voltar com o problema da dívida, para, lá na frente, ter inflação. E aí não resolveu nada. Tenta resolver o problema do pobre agora, furando o teto, e deixa de resolver porque aumenta a inflação lá na frente. A solução é ter uma movimentação política forte. Precisamos mobilizar a população para entender o quanto que o orçamento está apropriado por interesses específicos que não são do interesse da população em geral e como é possível – alterando as prioridades no gasto do governo e melhorando a qualidade da receita, seja com uma reforma simplificadora dos impostos indiretos, seja com uma reforma com progressividade do imposto de renda – resolver essa situação de maneira estruturalmente melhor, em vez de ficar discutindo se fura teto ou não fura teto, que é uma maneira errada de colocar o problema. Temos que entender o que é a substância da questão. O teto é apenas um instrumento para tentar forçar uma solução positiva. Se não está funcionando, vamos pensar se há algo melhor que funcione, mas tendo que levar em conta essa questão: o Brasil, além de ter um governo inchado, grande, também tem uma dívida interna enorme para um país de nossa renda. A última coisa que a gente quer é virar Argentina. Então, está difícil, precisa de muita liderança, muita qualidade política, além de qualidade na análise econômica.
RPD: Hoje, com a crise climática e a falta de energia no mundo, especialmente na Europa, a gente vê as vantagens competitivas do Brasil, um país riquíssimo em água, em qualidade de solo, ainda com uma vegetação bastante grande, e que começa, cada vez mais, a fazer contas mostrando que, se simplesmente reflorestar a área degradada e usar isso para produzir hidrogênio verde, o país será um dos principais exportadores do mundo. Essa mudança é possível no Brasil nos próximos anos, dando prioridade para a economia verde, com a qual, além de renda de exportação e de abastecimento de produtos competitivos no mercado interno, haveria também possibilidade de geração de empregos mais qualificados. Gostaria que o senhor comentasse esse tema.
EB: Integralmente de acordo. Nós estamos falando da Amazônia, não? Porque não é só a questão das vantagens do reflorestamento em si, é também a questão dos créditos de carbono que isso pode gerar para o país. Temos o compromisso de zerar a emissão em 2050 para o grosso das atividades econômicas no mundo. Isso só vai ser possível não diretamente, mas por meio da compra de créditos. E quem pode oferecer esses créditos? Somos nós, preservando e reflorestando a Amazônia. Então, tem esse ganho adicional, e podemos pensar que é algo muito importante, em uma estratégia alternativa de desenvolvimento da Amazônia, que não envolva a maluquice de tentar substituir regionalmente importações de bens industrializados. A gente fez uma Zona Franca, que, em vez de exportar, serve para substituir importação. São Paulo manda as peças, eles montam a bicicleta [na Zona Franca] e mandam de volta para São Paulo. Isso é uma coisa louca. E com o custo que isso implica para o país em termos de subsídios fiscais, temos que pensar em uma alternativa, e a alternativa é a floresta. É nessa direção que temos que trabalhar.
RPD: O Brasil, aproximadamente de cinco em cinco anos, apresenta surtos inflacionários que colocam o Banco Central em uma sinuca de bico. Tivemos isso, recentemente, no governo Dilma, na transição do governo Fernando Henrique para o governo Lula e agora, de novo, vemos a inflação batendo na porta. Quais são as reformas necessárias que o Brasil precisa enfrentar para resolver de vez esse problema da inflação, visto que fizemos a reforma monetária no Plano Real, fizemos um conjunto de reformas de saneamento do sistema financeiro nos anos 90 e, mais recentemente, de forma até atrasada em relação ao mundo, demos a autonomia de que o Banco Central necessitava para poder perseguir a meta de inflação, e não conseguimos resolver o problema da inflação? O que falta?
EB: É uma pergunta difícil. Nós nunca mais voltaremos ao regime que tínhamos antes do Plano Real. E por que não? Porque os políticos aprenderam a lição. É uma lição que eles aprenderam, na verdade, não com o Real, mas com o Cruzado, porque, na ditadura, política de contenção da inflação era política de arrocho salarial. Então, a política de controle da inflação, na ditadura, tinha um mau nome, porque queriam apertar o torniquete monetário, segurar a variação de salários, e isso contribuía tanto para desemprego quanto para piora da distribuição de renda. Com certeza, políticas anti-inflacionárias eram impopulares. Agora, no Plano Cruzado, com aquela maluquice que foi o Plano Cruzado, os políticos aprenderam: "Cara, quando a gente para a inflação, a gente se reelege". Eles viram que tinha um jeito de parar a inflação que não era impopular; ao contrário, era muito popular. E aí, no Plano Real, quando a gente fez a coisa certa, de novo os políticos comprovaram: "Cara, a gente para a inflação, a gente se elege, se reelege até quatro anos depois que parou a inflação". Então, essa percepção de que o controle da inflação é eleitoralmente importante é uma lição que os políticos aprenderam. Tanto é assim que, quando a Dilma deixou chegar nos 10%, tiraram ela do poder. Agora, com a inflação de novo acima de 10%, olha o que o incumbente atual está sofrendo nas pesquisas eleitorais. E fazendo essas maluquices, a PEC “kamikaze”, para reduzir temporariamente a inflação agora, para aumentar no ano que vem. Imagina, em 1964, não havia Banco Central, era o Banco do Brasil, e lembro que, quando criaram o Banco Central, o Roberto Campos queria que fosse independente, um daqueles generais-presidente falou, quando contaram para ele: "Mas tem um Banco Central independente, general!". Ele disse: "Presidente aqui sou eu". E demitiu o Dênio Nogueira, que foi o primeiro presidente do Banco Central do Brasil. A gente melhorou muito desde então. Imagina se o PT apoiaria a independência do Banco Central em outros tempos. Há um respeito que é dado por essa consciência de que, se você mexer, se você brincar muito e deixar a inflação subir, você está fora do governo. Por isso, acho, pelo menos esse problema da hiperinflação, nós não vamos mais ter. Agora, tem o problema de que seguimos com uma alta inflação. No Brasil, hoje, estamos com 12% de inflação, os Estados Unidos estão com 9%. O que são os 3% adicionais? O nome é Bolsonaro, são as maluquices dele que, com as suas ameaças institucionais, faz com que o câmbio se deteriore e provoca uma inflação adicional àquela que o resto do mundo experimenta em face das mesmas circunstâncias. Mas o Banco Central brasileiro não está fora da curva do jeito que o banco americano está, eles vão ter que subir muito os juros lá. O desemprego lá está em 3,5%, a pressão inflacionária continua muito forte, e eles vão ter que subir mais os juros. Nós, aqui, não. O Banco Central já pode parar onde está. Se não fossem as maluquices do Bolsonaro, a gente já teria resolvido o problema, com uma trajetória de convergência muito mais forte do que aquela que podemos projetar hoje. Enfim, há também problemas técnicos e essas questões que você menciona são relevantes na discussão econômica.
RPD: Os bancos centrais, de forma geral, não só no Brasil, nos últimos 30 anos, como em boa parte dos países, passaram a buscar metas de inflação, a atuar como 'suavizadores' do ciclo econômico, a fazer política monetária, em grande medida, olhando para preço dos ativos nos mercados financeiros e de capital. São também os gestores da dívida pública dos governos, das dívidas soberanas e têm, talvez, poucos instrumentos. Os bancos centrais não estão assumindo responsabilidades demais com instrumentos de menos? O que o senhor pensa a respeito disso?
EB: Essa questão de ter instrumentos de menos, eu não sei, porque, em última análise, o pessoal que está no Banco Central não foi eleito. Estão lá para fazer um trabalho técnico. Quantos instrumentos você quer colocar na mão de quem não foi eleito? Acho que precisa ter cuidado. Nós, aqui no Brasil, temos o Conselho Monetário Nacional, o popular Cemenê, que é uma coisa boa. Podemos até discutir seu formato, suas funções, mas os ministros que o compõem respondem diretamente ao presidente da República e não têm um mandato fixo como o presidente do Banco Central. Então, são representantes políticos que estão ali respondendo à condução política. A fixação das metas, por exemplo, é muito bom que seja o Cemenê que faça e não o Banco Central. O Banco Central tem que reportar ao Cemenê quando não cumpre as metas. Esse arranjo está legal. No Brasil, o Banco Central é responsável pelas reservas internacionais também. Está funcionando, mas teve uma época que se queria vender reserva, e aí a questão é saber quem é o responsável pela reserva. Porque as reservas são do Tesouro, mas quem determina a política relacionada a elas é o Banco Central. São questões importantes, há muito tempo discutidas. Nos Estados Unidos, essa questão está de novo em debate, o pessoal achando que o Banco Central lá está sendo muito subserviente ao Executivo, com toda a independência formal que tem. Essa questão vai ficar conosco, não vai embora, e temos que ir aperfeiçoando, pouco a pouco, tateando para ver as melhores soluções, consistentes com a estabilidade de preços e a retomada do crescimento. Agora, é verdade, se o Banco Central estiver preocupado com a economia verde, com distribuição de renda, nós vamos entrar por um caminho complicado. O Banco Central, desde a presidência de Ilan Goldfajn, também está fazendo um trabalho maravilhoso, que é de regulação financeira progressista. O Pix é uma invenção extraordinária e de grande potencial para trazer a população para o sistema bancário e desfrutar dele, parar de pagar taxas sobre serviços que não têm custo, porque o Banco Central fez a centralização contra os interesses dos bancos. O Banco Central está nessa questão da liberdade bancária, de você ser o possuidor do seu próprio nível de crédito, que você possa carregar seu crédito de um banco para outro. Nós sabemos que temos aqui um sistema bancário oligopolizado. O Banco Central está dando muita corda para as fintechs para reduzir o poder oligopolístico dos bancos. Tudo isso, esse papel de regulação bancária progressista, é algo que se agrega às funções do Banco Central, mas é algo que precisava e precisa ser agregado.
RPD: Como é que o Brasil pode e que tipos de políticas seriam mais efetivas para sair dessa situação de produtividade estagnada, impedindo nossa saída da armadilha da renda média?
EB: Essa é uma questão central do país hoje. Diria o seguinte, para simplificar: produtividade depende de quatro coisas. A primeira é tecnologia. Você tem que ter acesso à tecnologia mais moderna que existe no mundo, porque você tem que trabalhar na fronteira de produção e com os insumos mais modernos que essa tecnologia oferece. A segunda é economia de escala. Você só consegue baratear produtos e aumentar a produtividade se tiver escala de produção. O terceiro ponto é especialização. Se você é um supermercado, tudo bem, mas, se for um supermercado produzindo porção de pecinhas, uma porção de coisinhas diferentes, não. Você tem que se especializar, isso é Adam Smith e David Ricardo. E o quarto ponto é a concorrência. Isso o Schumpeter já nos dizia. O grande propulsor do crescimento é a inovação, e inovação é concorrência, é você estar permanentemente desafiado em relação aos seus concorrentes, efetivos ou potenciais, para sempre estar aprimorando seu desempenho. Como é que você consegue essas quatro coisas? Com abertura. Tem que participar do comércio internacional. Você não pode ficar como a nossa indústria, olhando para o próprio umbigo e desfrutando de uma situação oligopolística de exploração do mercado interno, que é um mercado relativamente grande, mas, hoje em dia, qual é o PIB brasileiro? 2% do PIB mundial. Ou seja, 98% do mercado mundial está do lado de fora. Então, essa questão é fundamental. O que falei antes, dos interesses que se refletem no orçamento, aqui são os interesses que se refletem na política econômica em geral, que é esse fechamento ao comércio exterior. Porque os interesses dessas entidades que se beneficiam da proteção desbeneficiam o país, impedem o crescimento da produtividade e são muito fortes.
RPD: Uma questão difícil de se encarar, realmente, porque essa situação envolve o que vemos desde o fim da ditadura, que continua presente, os interesses particularistas e corporativos, não?
EB: Sim, mas penso no Plano Real, sabe? Por que deu certo apesar dos interesses a enfrentar? Porque havia boas ideias e muita experiência. Vou marcar aqui o livro do Mario Henrique Simonsen, com o título Inflação: gradualismo X tratamento de choque. Foi um marco para a mudança do pensamento econômico a respeito de como lidar com a inflação no país. Foi o primeiro. Depois, nos reuníamos lá na PUC, desde 1980, pensando sobre o problema. Então, tinha muito pensamento próprio, fundamentado, sobre a questão. Isso estava lá. A outra questão era experiência, porque, quando fizemos o Plano Cruzado, tínhamos experiência nenhuma, éramos um bando de recém-saídos da ditadura, achando que tínhamos que nos livrar do arrocho salarial, que congelamento estava tudo bem, enfim, que não precisava equilibrar o orçamento, que política monetária podia ser passiva. A gente não tinha essa experiência, e foi dura aquela experiência, aqueles oito anos, desde o Plano Cruzado, até que conseguimos fazer as coisas certas, passando por aquela maluquice que foi o Plano Collor.
RPD: Diante das ameaças às eleições, o senhor acredita que as reações da sociedade, que se revelam em manifestos da Faculdade de Direito da USP, da Fiesp e de entidades da sociedade civil, de que o senhor tem participado, seriam bastantes para dar um freio de arrumação nessas ameaças e conduzir o processo até outubro para que as eleições sejam realizadas de forma regular?
EB: O preço da liberdade é a eterna vigilância e, realmente, acho que a liberdade agora está sob ameaça. Nesse sentido, não basta apenas a vigilância. Eu assinei o manifesto, foi uma coisa maravilhosa, e ultrapassou um milhão de assinaturas. Estamos todos dispostos a não somente assinar o manifesto, mas a ir para a rua em defesa das instituições, da democracia e, principalmente, dos órgãos superiores de Justiça, como o Tribunal Superior Eleitoral. É isso que precisamos fazer. É uma coisa importante, que a sociedade civil se manifeste dessa forma que vem se manifestando, o que muito me alegra, mas também sabendo que, quando você olha a situação agora, não se compara com 1964, sabe? Em 1964, os Estados Unidos apoiavam o golpe, na verdade, estavam por trás do golpe, e agora já declararam que não apoiam golpe. Não vai ter golpe principalmente porque a população vai ficar contra. Então, isso vai fazer essa gente pensar duas vezes.
Sobre o entrevistado
Edmar Bacha é sócio fundador e membro do conselho diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica/Casa das Garças. Membro das Academias Brasileiras de Ciências e de Letras. Em 1993/94, foi membro da equipe econômica do governo, responsável pelo Plano Real. Foi também presidente do BNDES, do IBGE e da Anbid (atual Anbima). Entre 1996 e 2010, foi consultor sênior do Banco Itaú BBA. Foi professor de economia na PUC-Rio e em outras universidades brasileiras e americanas. Tem diversos livros e artigos publicados sobre economia brasileira e latino-americana e sobre a economia internacional. É bacharel em economia pela UFMG e Ph.D. em economia pela Universidade de Yale, EUA.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
André Eduardo é consultor legislativo do Senado Federal, na área de economia. Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).
Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.
Benito Salomão é economista chefe Gladius Research e doutor em economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Benjamin Sicsú é presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazônia Sustentável e vice-presidente de novos negócios da Samsung para a América Latina, por 17 anos.
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71% dos estudos sobre cotas raciais avaliam política positiva, mostra análise
Geledés*
Levantamento realizado pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas em 980 publicações sobre políticas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro aponta que 71% dessas pesquisas avaliaram positivamente as cotas raciais e 62% as cotas sociais. Os estudos analisados foram publicados entre 2006 e 2021.
Sobre as cotas raciais, 53% dos estudos avaliaram a política como “bastante positiva”, 18% como “levemente positiva” e 12% como negativas (com 16% sem identificação clara). Já em relação às cotas sociais, 43% foram “bastante positivas”, 19% “levemente positivas” e 12% negativas (25% sem identificação).
Esse é um dos achados que foram apresentados nesta quinta-feira no evento “Dez anos da Lei de Cotas: resultados e desafios”, no Museu Afro-Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.
Na primeira parte do evento, dedicada à importância das cotas, Sueli Carneiro, fundadora da Geledes – Instituto da Mulher Negra, defendeu a Lei de Cotas especialmente em um “cenário temerário que clama pela defesa intransigente de projetos de democratização da educação” no país.
— Queremos de volta aquela democracia de baixo impacto que, apesar dos pesares, nos garantiram avanços como a Lei de cotas. Que a coragem demonstrada pela sociedade no dia de hoje nos inspire a defender estas conquistas — afirma a filósofa e escritora que é pensadora central sobre o feminismo negro.
O consórcio, que inclui especialistas da UFRJ, UnB, UFBA, UFMG, UFSC, Unicamp e Uerj, foi criada, frisam os acadêmicos, como contraponto à “ausência de propostas do governo federal para a revisão da Lei de Cotas, prevista para este ano”. O grupo tem, entre seus objetivos principais, entender as consequências de uma década com a legislação em vigor no ensino superior, saber se os beneficiários conseguem concluir suas graduações e adentrar no mercado de trabalho, analisar trabalhos acadêmicos sobre o tema e comparar o desempenho entre cotistas e não-cotistas no momento em que entram nas universidades e durante a graduação.
A Lei das Cotas completa dez anos em 2022. No entanto, houve uma fase experimental que durou de 2002 a 2007, quando a política chegou a 40 instituições de ensino superior públicas brasileiras. Depois disso, entre 2008 e 2011 o país viveu uma fase em que o Reuni, programa de expansão das universidades federais, garantia incentivos para quem implementasse as cotas. Só em 2012 foi aprovada a lei federal.
De 2001 a 2020 o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes. E os de classe C, D e E de 19% para 52%. Os dados, amealhados pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas a partir de informações incluídas na Pnad Contínua, são de alunos de todos os cursos universitários de instituições federais, estaduais e municipais, de 18 a 34 anos, e não incluem apenas os que entraram nas faculdades através da Lei Federal de Cotas e de outras políticas afirmativas. Eles foram
— Neste período, também houve um aumento de quase 6% do número de pessoas que passaram a se identificar como pretos, pardos e indígenas no país, mas, sozinho, isso não explica tamanha mudança da cara do ensino superior brasileiro. As cotas, como apontam vários estudos produzidos desde 2012, foram fundamentais para aumentar o interesse destas pessoas pela universidade — diz o sociólogo Luiz Augusto Campos, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-Uerj) e um dos 31 acadêmicos de sete universidades e oito grupos de pesquisa que criaram o Consórcio no fim do ano passado.
Uma das pesquisas destacadas no encontro desta quinta-feira, comandada pelas professoras de ciência política da UFMG Ana Paula Karuz e Flora de Paula Maia compara justamente o desempenho médio de cotistas e não-cotistas no Enem de ingressantes em todos os cursos da universidade (admitidos entre o primeiro semestre de 2016 e o segundo semestre de 2020) com o desempenho acadêmico no mesmo período. O resultado mostra uma desvantagem significativa dos alunos cotistas pretos, pardos e indígenas de baixa renda em relação aos não-cotistas que não se repete na média da nota semestral global de graduandos da UFMG, em que a diferença se esvai.
— Fica claro que a desvantagem destes alunos (cotistas) nas etapas anteriores do ensino não influem no desempenho durante o curso superior. E não se trata de uma especificidade da UFMG. A UFBA está em processo final de pesquisa comparativa de desempenho e os resultados são semelhantes — diz Campos, que é coordenador do Observatório das Ciências Sociais (OCS) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) da Uerj, pioneira na implantação de políticas afirmativas no ensino superior, uma década antes da implementação da Lei Federal de Cotas.
Já Ana Paula Karruz, explica que a diferença de desempenho é de apenas 5 pontos numa escala de 0 a 100, em 85 dos 86 cursos analisados.
— A mensagem é clara, uma vez que entram na universidade o desempenho é muito próximo. A lição da UFMG é que não prestamos qualquer apoio às ideias de que haveria queda acadêmica. O foco é o oposto: há um desempenho superior, se relacionado diretamente às notas do Enem — afirmou Ana Paula Karruz, da UFMG.
Um dos casos mais interessantes apresentados no encontro foi o da UFSC, instituicao publica no estado mais branco do país. Em 2005, 8.5% dos estudantes da instituição eram negros para uma população de 11,7% de negros. Com a adoção da lei de cotas em 2008 o quadro foi mudando e em 2000 os números se equipararam: 18.8%. Mais: no curso de Medicina, de 2008 a 2012 apenas 3% dos médicos formados eram negros, de 2017 a 2021 passou para 23%.
— Buscar essa igualdade entre estudantes e o números de pretos e pardos na população era o mínimo que queríamos fazer em uma universidade pública. Mas talvez foi possível conseguir este aumento neste período porque o número de beneficiados não passa de 20%, a grita é menor — afirma o professor Mauricio Tragtenberg, da UFSC.
Outra pesquisa inédita mostrou o aumento do número de estudantes pretos, pardos e indígenas em todas as universidades federais, de 2012 a 2016. Os números mostram o aumento especialmente em cursos tradicionalmente classificados como “de elite”, como Relações Internacionais, Medicina, Odontologia, Direito e Engenharia
— Os números mostram que as políticas afirmativas aplicadas não criaram guetos de exclusão — afirmou o pesquisador Adriano Senkevics, do INEP.
Senkevics também lembrou que a velocidade do avanço de entrada de estudantes de classe C, D e E (menos favorecidas) diminuiu nos últimos anos e que a pandemia deve ser um fator para a desaceleração, mas faltam dados para se confirmar esta percepção e entender essa detecção “preocupante”.
Outro estudo, qualitativo, do sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas, do IESP-Uerj, e do cientista político João Feres Júnior, também da Uerj, concluído em maio, mostra, através de entrevistas com os graduandos, como as cotas raciais na instituição fluminense ultrapassaram os benefícios individuais e aumentaram a disseminação de valores antirracistas.
O racismo se tornou mais perceptível nas vidas de estudantes pretos e pardos, por exemplo, ao passarem a circular em espaços nos quais a presença de negros ainda é minoritária, e no próprio processo de aprendizado social que os levam a articular melhor a dimensão do problema. Os efeitos sociais e políticos da disseminação de valores antirracistas, proporcionados pelas cotas, ultrapassa, defendem os pesquisadores, os portões das universidades e chega, como revelam os depoimentos, às famílias e locais de trabalho dos beneficiados.
Amparado por pareceres de diversos juristas e da ONG Conectas Direitos Humanos, o Consórcio defende que a Lei de Cotas, não pode, de forma alguma, ser suspensa se a revisão prevista para este ano for adiada para 2023. Na avaliação de especialistas em ensino superior, a lei em vigor não prevê sua revogação após dez anos, mas sim uma reavaliação. Hoje, 109 universidades públicas adotam algum tipo de ação afirmativa, contra 79 em 2012 e apenas 6 em 2003.
— Há mais pessoas negras e pobres na universidade pública? Sim. Diferentes pesquisas mostram que houve uma grande diversificação racial e socioeconômica. Nossa avaliação é a de que o saldo é claramente positivo e que melhorias pontuais podem ser propostas e feitas a partir de dados e pesquisas – diz Campos.
*Texto originalmente publicado no Geledés.
Nas entrelinhas: Campanha começa hoje com foco no Sudeste
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A campanha eleitoral começa hoje com o foco voltado para as pesquisas de intenções de voto realizadas pelo Ipec (sucessor de Ibope) nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Nos três estados do Sudeste, a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro começa mais nervosa, porque são os três maiores colégios eleitorais do país. Os dois deverão comparecer à posse do ministro Alexandre de Moraes na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a qual foram convidados todos os ex-presidentes. José Sarney, Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff confirmaram presença; Fernando Henrique Cardoso, não, devido a problemas de saúde. A posse será um termômetro do clima da campanha eleitoral no plano institucional.
O nervosismo que antecede os programas eleitorais de rádio e tevê, que somente começarão no dia 26 de agosto, já tomou conta das equipes de marketing dos candidatos. Por hora, está radicalizado nas redes sociais, principalmente entre petistas e bolsonaristas. O jogo bruto nas redes sociais tende a esquentar o clima político, mas essa pode não ser uma boa receita para os programas eleitorais de rádio e teve, a partir do próximo dia 26, que têm audiência difusa e não segmentada em bolhas de apoiadores como as redes sociais.
Na semana passada, as pesquisas mostravam o encurtamento da distância entre Lula e Bolsonaro no Sudeste. Nas pesquisas de ontem, porém, Lula mantinha uma margem de 13 pontos de vantagem em relação a Bolsonaro em Minas (39% a 26%), dez pontos em São Paulo (38% a 28%) e um empate técnico no Rio (35% a 33%), o que reduziu o estresse na cúpula petista. Como são as primeiras pesquisas regionais desse instituto, não há termos de comparação.
Em relação aos demais candidatos, entretanto, a pesquisa mostra que a tendência de polarização e a narrativa do “voto útil” pode explicar a recuperação da vantagem de Lula. Ciro Gomes (PDT), com média de 3%, parece ter sido desidratado em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. No cômputo geral do Ipec, Lula aparece com 44%, Bolsonaro com 32%, Ciro com 6% , Simone Tebet (MDB) com 2% e Vera (PSTU) com 1%. Lula venceria o segundo turno com 51% dos votos, contra 35% de Bolsonaro.
Depois de uma semana na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou parado, com a sociedade civil se mobilizando em defesa das urnas eletrônicas, do Supremo Tribunal Federal e do Estado democrático de Direito, o presidente Bolsonaro reagiu em duas frentes: a primeira, foi nas redes sociais, nas quais viralizou um meme no qual bolsonaristas espalhavam o boato de que Lula pretende fechar os templos evangélicos, o que obrigou a campanha de Lula a desmentir a fake news; a segunda foi na esfera administrativa do governo: o pagamento de duas parcelas do Auxílio Brasil, equivalente a R$ 1.200,00; o subsídio de R$ 1 mil para os taxistas; e nova redução de preços dos combustíveis pela Petrobras.
Uma batalha especial está sendo travada no mundo evangélico, no qual a forte atuação da primeira-dama Michele Bolsonaro começa a surtir efeito entre as mulheres, segundo pesquisas internas das campanhas de Lula e Bolsonaro. O discurso de Bolsonaro é o de sempre, contra o comunismo e corrupção, em defesa da família e da fé cristã, mas o de Lula ainda não está claro. Tradicionalmente ligado à esquerda católica, Lula teme uma aproximação forçada com os evangélicos. Esse é o nó ainda não desatado de sua campanha, o que abre o flanco para a recuperação de Bolsonaro em segmentos desse eleitorado que haviam se aproximado do petista.
Calmaria
Do ponto de vista institucional, o aspecto mais positivo é que o confronto de Bolsonaro com o ministro Alexandre de Moraes parece ter desanuviado, após o novo presidente do TSE tê-lo convidado pessoalmente para a sua posse, em visita ao Palácio do Planalto. Moraes também tem boas relações com os militares. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, moderou as críticas à Justiça Eleitoral. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também contribuiu para a calmaria, ao dar entrevista a jornalistas estrangeiros garantindo que o presidente eleito nas urnas tomará posse.
Por tudo o que já aconteceu entre o presidente Bolsonaro e o futuro presidente do TSE, não se pode dizer que estamos num processo eleitoral como os que já vivemos desde a redemocratização. Entretanto, o fato relevante são as eleições em si, com milhares de candidatos, a deputados estaduais e federais, nas eleições proporcionais, e a senadores e governadores, em pleitos majoritários, além da disputa presidencial. O eleitor vota simultaneamente em cinco candidatos, já tem experiência de participação eleitoral acumulada, num processo de engajamento político que se intensifica após a campanha eleitoral pelo rádio e a tevê começar. Para Bolsonaro, não resta alternativa a não ser pleitear a reeleição de acordo com as regras do jogo, sobretudo depois do repúdio antecipado à qualquer virada de mesa. A mobilização da sociedade esvaziou a narrativa golpista.
Revista online | Representatividade negra na política
Kennedy Vasconcelos Júnior*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Como pode um deputado ou deputada não-negros (brancos) entenderem as demandas dessa população se nunca sofrem discriminação ou racismo na pele? Para iniciar qualquer conversa sobre o tema “representatividade”, é essencial definirmos o conceito do termo de modo que possamos partir do mesmo ponto.
De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa e o Dicionário de Política, do filósofo e historiador Norberto Bobbio, a representatividade é a expressão dos interesses de um grupo (partido, classe, movimento, nação, etc.) na figura de um representante, de forma que aquele que fala em nome do coletivo o faz comprometido com as demandas e necessidades dos representados.
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Portanto, falar de representatividade revela o sentido político e ideológico por trás do termo. Mesmo que seja possível imaginar o sofrimento do outro, só podem alcançar a compreensão plena do que seja a opressão racial aqueles que sofrem diretamente a violência desse contexto. Qualquer coisa diferente disso é achismo.
A maneira mais reveladora de se enxergar a falta de representatividade negra é nos números: Além de o Brasil ser o maior país em concentração de negros fora do continente africano, temos 125 deputados autodeclarados negros – soma de pardos e pretos, segundo critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – de um total de 513 parlamentares na Câmara dos Deputados, o que representa 24,36% da assembleia da Casa.
Mesmo que pessoas negras constituam a maioria da população brasileira (cerca de 56%, de acordo com dados do censo do IBGE de 2018), a representatividade desse grupo está muito aquém da necessária, e isso não é um acidente. O racismo estrutural é fruto do caráter exploratório e excludente da colonização, bem como da desigualdade social que afeta majoritariamente negros e pardos no Brasil.
Veja, abaixo, galeria de imagens:
Jovens negros continuam sendo as principais vítimas da violência no Brasil, o que é facilmente constatado pelos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020. De acordo com a pesquisa, pessoas negras foram 76,2% das vítimas de mortes violentas intencionais. No mesmo ano, representaram 78,9% das vítimas de intervenções policiais. Além disso, 62,7% dos policiais assassinados eram negros.
Nada disso decorre de crimes diretamente caracterizados por ódio racial. No entanto, fazem parte de uma lógica histórica mais profunda, entranhada não só nas percepções individuais e no funcionamento das políticas públicas e das instituições.
Tudo isso, atrelado à falta de perspectivas e oportunidades, justifica a urgência da necessidade de falarmos sobre representatividade negra e diversidade, além da garantia de direitos fundamentais para que a vida de nossas crianças se desenvolva de forma segura, saudável e promissora, por meio de políticas compatíveis com as necessidades de um mundo real, partindo do entendimento de que nossa sociedade é múltipla e diversa. Aceitar e se aliar a essa pauta é uma oportunidade de reforçar o nosso desenvolvimento individual como seres humanos e como sociedade.
A “violência simbólica" é o subproduto das relações de poder, trazendo à margem tudo que foge do padrão eurocêntrico preestabelecido desde as colonizações. O sociólogo francês Pierre Bourdieu define violência simbólica como um conceito social elaborado, o qual aborda uma forma de violência sem coação física, causando danos morais e psicológicos, muitas vezes sutis, e que estão arraigados na estrutura social.
A única forma de combater o racismo estrutural nas instituições é por meio do despertar da consciência da comunidade negra, que precisa se reconhecer como tal e, assim, se empoderar da armadura ancestral de lutas, sacrifícios e vitórias. Os brancos precisam reconhecer seus privilégios e entender que é preciso microevoluções para grandes revoluções. Tudo isso é crucial para este momento de ameaça democrática. É preciso confiar nas instituições e no processo eleitoral e respeitar a luta de muitos que se foram para respirarmos liberdade e escolha.
Doze das 24 legendas com representação na Câmara dos Deputados não têm qualquer instância para debater igualdade racial ou sua organização política, o que fere profundamente a representatividade racial no Brasil, pois dificulta ainda mais que negros e negras disputem eleições no país.
A Comissão de Igualdade Racial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou neste mês de agosto de 2022 um relatório de financiamento de campanha eleitorais para impulsionar campanhas de pessoas negras por meio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o Fundo Partidário, atribuindo a responsabilidade de empregar os recursos aos candidatos negros, aos órgãos geridos pela base nacional de cada partido, que também será responsável por fixar os critérios internos para o recebimento pelos candidatos, assim como sua prestação de contas ao TSE.
Esses recursos deverão ser solicitados à base nacional do partido através de uma carta de autodeclaração racial. É importante fiscalizar o destino do dinheiro e se atentar a autodeclarantes que não possuem características negras.
A mensagem final que deixo é sobre o aquilombamento, um conceito muito bem abordado por Abdias do Nascimento, político brasileiro, poeta, artista e ativista do direito negro. A perspectiva do aquilombamento vem trazendo uma nova modalidade para a luta negra no Brasil, um lugar seguro de compartilhamento e fortalecimento. É um espaço de conexão e acolhimento com amor.
Uma das maiores características dos quilombos é a união do povo. É preciso um espírito evoluído para olhar integralmente para as questões humanas e saber que a construção de um mundo melhor faz parte de nós. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.
Sobre o autor
*Kennedy Vasconcelos Júnior é coordenador do Igualdade23 de Minas Gerais. Primeiro Secretário na empresa Conselho Municipal de Cultura de Juiz de Fora - Concult-JF.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Movimentos populares voltam às ruas nesta quinta em defesa da democracia
Nicolau Soares*, Brasil de Fato
Nesta quinta-feira (11), as ruas de ao menos 19 capitais serão palco de manifestações pela democracia, em defesa de eleições livres e contra a violência política. Inicialmente convocados pelos movimentos populares, sociais e sindicais organizados na campanha "Fora, Bolsonaro" para o dia 6, os atos foram adiados para acontecerem na mesma data da leitura da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que já recebeu mais de 800 mil assinaturas até aqui.
"A campanha vem realizando, desde que Bolsonaro assumiu, atos em defesa da democracia, para pressionar pela questão da vacinação, denunciando a fome, o desemprego. E agora, voltamos às ruas contra a escalada do autoritarismo, da ameaça de não respeitar as eleições, ou seja, não respeitar a soberania popular do voto, anunciando ao mundo naquela reunião com os embaixadores que a urna eletrônica não é segura", afirma Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) e um dos organizadores da campanha, que inclui as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, além de dezenas de entidades.
A organização da campanha já tem 22 atos confirmados em 19 estados, número que deve crescer até a quinta-feira. Em São Paulo, a manifestação pública acontece a partir das 17h, no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, o ato acontece na Candelária, região central da cidade, a partir das 16h.
Também está previsto ato em Brasília, em frete ao Congresso Nacional, a partir das 15h. Em Salvador, será realizada uma passeata saindo da praça do Campo Grande às 9h.
Ações simultâneas
A data marca o lançamento oficial do manifesto elaborada por ex-alunos e professores da Faculdade de Direito da USP, que acontecerá às 11h30, no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
Clique aqui para ler na íntegra e assinar o documento.
Mais cedo, às 9h30, será feita a leitura do manifesto Em Defesa da Democracia e da Justiça, de iniciativa da Fiesp e subscrito por 107 entidades de diversos setores, como a Febraban e organizações ligadas ao agronegócio. O documento já foi publicado em alguns dos maiores jornais do Brasil na semana passada.
A diversidade de setores mostra um amplo arco de forças na defesa da democracia, o que é comemorado por Raimundo. "Isso é importante, nós saudamos essa iniciativa puxada pela Faculdade de Direito da USP e por setores empresariais, mas nós achamos que o elemento rua é fundamental nessa luta em defesa da democracia para o povo brasileiro", afirma, ressaltando as diferenças entre os grupos.
"Nós defendemos a democracia, mas defendemos a democracia com direitos. Com políticas públicas. Não existe democracia com racismo, com desemprego, com fome, com miséria. Estaremos nas ruas fazendo a defesa da democracia, da soberania popular do voto, mas também levando a nossa pauta de denúncia, do desemprego, das más condições de vida do povo brasileiro", conclui.
Veja abaixo a lista de atos confirmados até aqui:
AL:
Maceió: Praça Centenário, 8h
AM:
Manaus: Praça da Saudade, 15h
BA:
Salvador: Praça do Campo Grande, 9h
CE:
Fortaleza: Praça da Bandeira, 9h
DF:
Brasília: Congresso Nacional, 15h
ES:
Vitória: Praça Costa Pereira, 10h
GO:
Goiânia: Praça Universitária, 17h
MA:
São Luís: Praça Deodoro, 16h
MG:
Belo Horizonte, Praça Afonso Arinos, 17h
MS:
Campo Grande: Câmara Municipal, 10h.
PB:
João Pessoa: Lyceu Paraibano, 14h
PE:
Recife: Rua da Aurora, 15h
PI:
Teresina: Praça Rio Branco, 8h30
PR:
Curitiba: Praça Santos Andrade, 18h30
RJ:
Rio de Janeiro: Candelária, 16h
RN:
Natal: Midway, 14h30
SC:
Florianópolis: Praça da Alfândega, 17h
SE:
Aracaju: Praça Getúlio Vargas. Bairro São José, 15h.
SP:
Santos: Praça dos Andradas, 10h
São Paulo: MASP, 17h
Ribeirão Preto: Esplanada do Teatro Pedro II, 17h
*Texto publicado originalmente em Brasil de Fato. Título editado.
Revista online | Por que as políticas públicas de leitura são fundamentais
Renata Costa*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
“É preciso que a leitura seja um ato de amor”
- Paulo Freire
Imagine se o nosso país fosse um país leitor? Imaginou? E que imagem, palavra ou expressão vem à sua cabeça? Na minha, por exemplo, vem sempre empatia, pensamento crítico, consciência social. Sim, é isso mesmo.
Acredito que a leitura é a maior forma de um ser humano absorver empatia, qualidade rara em nossa sociedade. O motivo é bastante simples: a leitura nos desloca para outra realidade, nos coloca obrigatoriamente em vivências de outras pessoas (personagens) e, em função disso, somos inseridos na empatia, de maneira intrínseca.
Em relação ao pensamento crítico, acredito firmemente no poder da leitura na absorção dessa qualidade. Começamos a pensar, a refletir a partir de realidades externas. Nosso cérebro recebe outras vivências de forma direta e com isso passamos a questionar mais e aceitar menos o que chamamos de senso comum. E isso nos leva à consciência social. Por isso, a leitura é a base de todas as artes, da cultura e da educação.
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A provocação do texto Ler devia ser proibido, da filósofa e escritora brasileira Guiomar de Grammont, é certeira:
“Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzindo a crer que tudo pode ser de outra forma. (...) Pais, não leiam para seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente.”
Segundo a pesquisa Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), “três em cada 10 brasileiros na faixa de 15 a 64 anos são considerados analfabetos funcionais – ou seja, apresentam limitações para fazer uso da leitura, da escrita e da matemática em atividades cotidianas.” Estamos falando de pessoas que possuem baixo letramento e daqueles com formação superior. Repare que nos referimos apenas a pessoas alfabetizadas, não as que não possuem o código da língua.
Confira, a seguir, galeria de fotos:
E o que isso tem a ver com as políticas públicas do livro e leitura? Tudo. Recentemente, profissionais da área e entidades do livro de todo o Brasil construíram uma carta-manifesto a todos os pré-candidatos deste ano de 2022, ao Legislativo e ao Executivo, solicitando que fossem inseridas em suas plataformas de governo dez ações voltadas à pauta.
Os pedidos são inúmeros, desde acompanhar o Executivo na regulamentação e implementação, nos primeiros dias do novo governo, da Lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE) até apresentar programas e projetos para estimular, ampliar e fomentar a formação de mediadores(as) e promotores de leitura em plataformas digitais e fortalecer ações de estímulo à leitura e às tradições orais e de oralitura, passando por desenvolver medidas de incentivo e regulação do mercado editorial e regularização de pareceristas nas decisões sobre conteúdos editoriais.
Esta carta aberta já possui quase 13.000 assinaturas em um curto espaço de tempo, o que nos mostra a força do que chamamos de “o povo do livro”. A abrangência dessa política é o que a torna grande. Falamos de três cadeias fundamentais que a cerca: a cadeia criativa, que reúne escritores, poetas, ilustradores, cordelistas; a cadeia produtiva, que envolve todos os atores do mercado livreiro e editorial, desde os próprios editores aos diagramadores, revisores, profissionais do comercial, entre outros; até chegarmos à cadeia mediadora, que engloba professores e educadores, bibliotecários, mediadores de leitura, profissionais de bibliotecas públicas e comunitárias e os próprios leitores.
O Brasil está acordando para a importância da leitura e para o entendimento de que, de fato, ler é um ato político. Aliás, o professor Darcy Ribeiro já sabia disso há tempos, quando disse que “a crise na educação não é uma crise, é um projeto”. Não há interesse político na leitura e, por isso, existir um partido que hoje abrace uma Bancada do Livro é fundamental e inovador.
Recentemente, tivemos declaração do atual presidente da República “ameaçando” seus eleitores, dizendo que haverá bibliotecas no lugar dos clubes de tiro, caso não ganhe as próximas eleições. Isso diz muito sobre o “projeto” ao qual se referia Darcy Ribeiro. Diz muito, também, sobre a importância que a leitura tem para uma sociedade democrática de fato.
É urgente que o país absorva e entenda que o livro, a leitura e as bibliotecas de acesso público, sejam públicas ou comunitárias, são o âmago de pautas não só de cultura e educação, mas, também, de direitos humanos, saúde, segurança, meio ambiente, dentre tantas outras.
Muitas bibliotecas comunitárias, por exemplo, trabalham o livro em locais de alta violência e vulnerabilidade social. Entendem que é necessário incidir em políticas públicas para democratizar o acesso ao livro e diminuir a violência em seus territórios. É a expressão “mais livros, menos armas” sendo feita na prática. É necessário abraçarmos essa causa e darmos visibilidade a esses espaços, que são, majoritariamente, geridos por mulheres que percebem a leitura nesse lugar fundamental.
São as mulheres que estão no topo da pirâmide ao se tratar de leitura, que, por sinal, é um substantivo feminino. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil aponta que “um em cada três leitores têm lembranças da mãe lendo algum livro, e 49% deles têm na mãe sua grande incentivadora no processo de ler por prazer”. Preciso dizer mais alguma coisa?
No Estado do Rio de Janeiro, há um exemplo vivo do que as bibliotecas comunitárias são capazes. Na cidade de Nova Iguaçu, região da Baixada Fluminense, um coletivo chamado Baixada Literária trabalha há anos na construção de políticas leitoras para o município. Segundo informação da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC), “a Baixada Literária vem desempenhando papel significativo na descentralização da cultura literária e na formação de leitores nas comunidades em que atua. São bibliotecas vivas, dinâmicas e aconchegantes, com acervo de qualidade disponível a todos”.
Além disso, foram elas as responsáveis por conseguir, em parceria com o poder público local, transformar o Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas de Nova Iguaçu em lei (4.439 de 19 de novembro), sancionada desde 2014. Hoje a cidade é referência na construção de políticas públicas para o setor em todo o Brasil e as bibliotecas que compõem a Baixada Literária, as maiores personagens desse livro.
Exposto tudo isso, respondemos, acredito, à pergunta feita no título deste artigo: Por que as políticas públicas de livro e leitura são fundamentais para uma sociedade mais democrática?
Sobre a autora
Renata Costa: ex-secretária do Plano Nacional do Livro Leitura (PNLL), gestora do projeto Palavralida e conselheira de Estado de Cultura do Rio de Janeiro
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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*Título editado.
Nas entrelinhas: Jair Bolsonaro está em rota de colisão com a Fiesp
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Fracassaram os esforços da cúpula da Fiesp, que articula o manifesto dos empresários em defesa da democracia e das urnas eletrônicas, para que todos os candidatos à Presidência assinassem o documento, numa espécie de pacto de respeito mútuo ao resultado das eleições. Ontem, o Palácio do Planalto anunciou que Jair Bolsonaro não subscreverá o documento, assinado por entidades empresariais e federações sindicais de trabalhadores, e cancelou a ida do presidente da República ao lançamento do documento, no dia 11 de agosto, na sede da Fiesp. Também foi cancelado o jantar com empresários que estava programado.
A ida de Bolsonaro à Fiesp fora antecipada para 11 de agosto a pedido do Palácio do Planalto. Para evitar mais constrangimentos, o recolhimento de assinaturas de apoio ao manifesto da federação ficou restrito às entidades empresariais e sindicatos de trabalhadores, para que as assinaturas dos candidatos dos presidentes fossem recolhidas antes de as pessoas físicas aderirem o documento. Ocorre que Bolsonaro não digeriu as manifestações em defesa da urna eletrônica, da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal (STF), e torpedeou as iniciativas.
Na terça-feira, Bolsonaro atacou o documento da Fiesp, que considerou uma “carta política”. Chamou de “cara de pau” e “sem caráter” os empresários que assinassem o documento, o que provocou o cancelamento do jantar que estava marcado com eles. Também houve muita discussão entre os que já haviam aderido ao manifesto, se os empresários deveriam assinar ou não o documento como pessoa física. O texto em nenhum momento cita o presidente da República. Os candidatos Felipe D’Ávila (Novo), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que já estiveram na Fiesp, subscreveram o documento.
Sociedade civil
O episódio tende a aprofundar o confronto de Bolsonaro com a sociedade civil, a praticamente dois meses das eleições. Em termos gerais, esse é um espaço de organização e representação que não se confunde com o Estado, a família nem o mercado, que são os ambientes específicos e mais homogêneos onde Bolsonaro atua intensamente. A sociedade civil engloba instituições de caridade, grupos de autoajuda, associações profissionais, religiosas, sindicatos, entidades empresárias, movimentos sociais etc. É um universo complexo que, no Brasil, ganhou autonomia durante o regime militar, protagonizando movimentos de resistência em defesa da democracia e dos direitos humanos.
Os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente depois de seu encontro com diplomatas estrangeiros para levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas, despertaram forte e inédita reação da sociedade civil. A defesa das urnas eletrônicas até então estava sendo feita pelos ministros do Supremo, pela grande mídia e pela oposição. Esses ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro, reconhecido internacionalmente por sua segurança e eficiência, funcionaram como um catalisador dessa reação.
Congresso
Ontem, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na abertura da sessão do Plenário, reiterou sua confiança no sistema eleitoral. Disse que as urnas eletrônicas são motivo de “orgulho nacional”. Segundo ele, nestes 26 anos de uso no Brasil, trouxeram transparência, confiabilidade e velocidade na apuração do resultado das eleições. “Elas têm-se constituído em ferramenta poderosa contra vícios eleitorais muito frequentes na época do voto em papel. Representam, portanto, um verdadeiro aperfeiçoamento institucional”, enfatizou.
A fala de Pacheco coincidiu como a ida de militares do Ministério da Defesa ao Tribunal Superior Eleitoral (STF) para conferir a segurança dos códigos-fonte das urnas eletrônicas, um trabalho que poderia ter sido feito nos últimos 10 meses. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, vem reproduzindo à frente da pasta a narrativa de Bolsonaro sobre a segurança das urnas eletrônicas. Na verdade, a postura de Bolsonaro sinaliza temor de perder as eleições e suas intenções golpistas, o que acaba fortalecendo a oposição.