democracia
Eliane Cantanhêde: Ruído entre STF e Forças Armadas, enquanto Bolsonaro se aproxima de antilavajatistas
Ruído entre STF e Forças Armadas, enquanto Bolsonaro se aproxima de antilavajatistas
O novo foco político está no mal-estar entre as Forças Armadas e o Supremo, após o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas confirmar, em livro-entrevista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o que me disse em 4 de abril de 2018 e publiquei no Estadão: suas mensagens no Twitter contra um habeas corpus para o ex-presidente Lula sair da prisão não foram pessoais, foram combinadas com o Alto Comando do Exército.
Na reportagem, depois da forte repercussão à sua manifestação pelas redes sociais, ele me disse que a sua fala “expressa a posição do Alto Comando do Exército e é exclusivamente a da Força”. Ou seja, o general não foi ao Twitter por conta própria, e sim pelo Exército. Só fez uma ressalva: que não combinou com Aeronáutica e Marinha.”
No livro Villas Bôas: conversa com o comandante (Editora FGV, 2021, 244 págs), de Celso Castro, o general detalhou em setembro de 2019: “O texto teve um ‘rascunho’ elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20 horas, momento que liberei (para divulgação)”.
O Alto Comando reúne os generais-de-Exército, de quatro-estrelas, que chefiam as regiões militares e os principais departamentos e secretarias da Força. Foram eles quem produziram os dois textos que Villas Bôas publicou em 3/4/2018, véspera do julgamento do Supremo sobre manter ou não Lula preso – o que faria, como fez, toda a diferença na eleição presidencial, meses depois.
Primeiro tuíte do general: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?” Em seguida: “Asseguro à Nação que o Exército julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia (...)”.
Assim como Villas Bôas não falou sozinho, a reação do decano do STF também não foi pessoal. Celso de Mello, hoje já aposentado, não citou o comandante, mas classificou a manifestação dele como “claramente infringente do princípio da separação de Poderes” e criticou “insurgências de natureza pretoriana que, à semelhança do ‘ovo da serpente’, descaracterizam a legitimidade do poder civil instituído e fragilizam as instituições democráticas”. Em nota de ontem, na mesma linha, o ministro Edson Fachin considerou “intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”.
À FGV, Villas Bôas, que é da reserva e sofre de ELA, uma doença degenerativa, disse que sua manifestação foi “um alerta, antes que uma ameaça”. Ele, porém, repetiu o que também já me dissera em sua primeira entrevista como comandante do Exército, publicada no Estadão em dezembro de 2016, um ano e quatro meses antes do julgamento do HC de Lula. Segundo ele, “tresloucados e malucos” batiam às portas das Forças Armadas (FA) pedindo a volta dos militares ao poder. Algo, dizia, que tinha “chance zero”.
O livro de Villas Bôas vem numa hora de noticiário desfavorável às FA e em que Bolsonaro, contrário a Celso de Mello, Fachin e Alexandre de Moraes, já identificou um elo no Supremo: o antilavajatismo. Por essas ironias da história, ou espertezas da política, o presidente que usou Sérgio Moro como troféu se une aos algozes de Moro e defensores de Lula para proteger filhos e Centrão. E que, eleito com um empurrão dos militares, usa símbolos das FA e libera o uso do nome delas, em vão, para insinuar golpes. Podem ser meras bravatas. Ou não.
O Globo: Decreto das armas divide Centrão e será primeiro teste da nova base aliada de Bolsonaro
Parlamentares da oposição já se movimentam para derrubar medidas assinadas pelo presidente
Jussara Soares e Paulo Cappelli / O Globo
BRASÍLIA — Duas semanas após ajudar a eleger Arthur Lira (PP-AL) como novo presidente da Câmara negociando emendas e cargos com partidos políticos, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta o primeiro teste de fogo de sua aliança com o Centrão para sua agenda pessoal. Os quatro decretos editados na última sexta-feira para flexibilizar regras para compra e uso de armas no país sem passar pelo Congresso são questionados tanto por parlamentares de oposição como por deputados de siglas que compõem a nova base do governo.
A reação aos decretos das armas, segundo parlamentares ouvidos pelo GLOBO, vai dar a dimensão ao presidente de que, apesar de ter saído vitorioso na eleição no Congresso, não terá apoio irrestrito, mesmo do Centrão, em suas pautas. E sinaliza ao governo que a cada nova pauta a negociação deverá ser retomada do zero, principalmente nos projetos que tratam de costumes.
Lideranças de siglas como PL e PSD, duas das maiores do Centrão, e do MDB, já se manifestaram de forma contrária aos decretos. O Cidadania apresentou ontem um decreto legislativo para derrubar as novas normas, sob alegação de que o ato do presidente usurpa poderes do Congresso de legislar. Em sua primeira manifestação, Lira afirmou discordar dessa avaliação. Veja ao final desta reportagem os principais pontos dos decretos.
O posicionamento mais emblemático até o momento é o do vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), eleito na chapa de Lira com o apoio do Planalto. No Twitter, o parlamentar criticou o conteúdo dos decretos e afirmou que que Bolsonaro exacerbou sua competência.
“Mais grave que o conteúdo dos decretos (...) é o fato de ele exacerbar do seu poder regulamentar e adentrar numa competência que é exclusiva do Poder Legislativo. O presidente pode discutir sua pretensão, mas encaminhando um PL (projeto de lei) à Câmara”, escreveu. Em entrevista ao G1, Ramos disse que há “o uso da questão dos CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) para dissimular o desejo de armar a população”.
Vice-líder do Cidadania, o deputado Daniel Coelho (PE) ingressou, ontem, com uma proposta de decreto legislativo (PDC) para derrubar o decreto 10.630, que julga ser o mais “amplo” dos quatro. Se aprovada, a medida poderá suspender boa parte dos atos de Bolsonaro que tratam de cadastro, registro, porte e compra de armas e munição, além do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Para isso, Coelho precisará do apoio de três quintos dos votos.
O líder do PSDB na Câmara, deputado Rodrigo de Castro (MG), disse que o partido apoia a iniciativa do Cidadania e também estuda apresentar um PDC para derrubar os decretos do presidente Jair Bolsonaro.
— É um ato revestido de ilegalidade, um ato extemporâneo e é uma falta de noção muito grande por parte do governo, que não está olhando os pressupostos legais — disse o líder tucano na Câmara. — Somos radicalmente contra esse aumento (de armas), até porque ele é feio sem critérios.
O deputado Fábio Trad (PSD-MS) se posicionou contra os decretos e diz que no seu partido, embora tenha parlamentares armamentistas, não tem a ampla maioria apoiando a medida.
— O governo enfrentará resistência no Centrão. Eu, individualmente, sou contrário tanto por vício de iniciativa quanto pelo conteúdo, que me parece fora da prioridade do que o Brasil precisa. Não vejo coesão no Centrão hoje em relação a essas medidas — disse Trad.
Líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL) disse ser “totalmente inoportuno” o governo publicar decretos que ampliem o acesso a armas em meio à pandemia. A bancada do partido se reunirá na próxima terça-feira para tratar do assunto. A expectativa é que, salvo exceções, a maioria do MDB se manifeste contra os decretos publicados por Bolsonaro.
Outras lideranças aliadas de Bolsonaro no Congresso evitaram se posicionar diretamente e afirmam que ainda analisam os textos publicados na última sexta-feira. Aliado de Arthur Lira, o líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), disse que o partido ainda fará uma reunião para consolidar uma posição majoritária sobre o tema. A bancada evangélica, grupo majoritamente contra ampliação da posse de armas, também ainda não se manifestou.
Bolsonaro já teve uma derrota semelhante no ano passado quando tentou, por decreto, flexibilizar as regras de posse e porte de armas. Um projeto de decreto legislativo (PDL) para derrubar a medida foi protocolado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e aprovado por 47 votos a 28. O texto seguiria para a Câmara, mas, antes disso, Bolsonaro recuou e revogou o decreto.
O presidente da Câmara, em entrevista ao G1, defendeu as medidas de Bolsonaro e disse que o Executivo não ultrapassou sua competência:
— Ele não invadiu competência, não extrapolou limites já que, na minha visão, modificou decretos já existentes. É prerrogativa do presidente. Pode ter superlativado na questão das duas armas para porte, mas isso pode ser corrigido — disse Lira.
Ontem, o ministro Luís Roberto Barroso liberou a continuidade do julgamento que analisará uma resolução do presidente Jair Bolsonaro que busca zerar a alíquota de importação de revólveres e pistolas. A medida entraria em vigor em janeiro, mas foi suspensa por liminar do ministro Edson Fachin após ação movida pelo PSB. O processo começou a ser discutido no plenário virtual da Corte no último dia 5, mas havia sido suspenso após Barroso pedir vista do processo. A expectativa é que, agora, o tema entre na pauta do plenário virtual desta sexta-feira ou da sexta da semana que vem.
Principais pontos dos decretos
Limite de armas
Agora o cidadão comum pode adquirir seis em vez de quatro armas, desde que preencha requisitos necessários. Esse limite sobe para oito no caso de policiais, agentes prisionais, membros do Ministério Público e de tribunais.
Porte de armas
Agora é permitido o porte simultâneo de duas armas, o que significa poder circular com elas.
Munição para CACs
Antes, caçadores, atiradores e colecionadores poderiam comprar, por ano, até mil munições para cada arma de uso restrito (submetidas a maior controle do Estado) e cinco mil para cada arma de uso permitido. Agora, poderão comprar também, por ano, insumos para recarga de até dois mil cartuchos nas armas de uso restrito e insumos para recarga de até cinco mil cartuchos nas de uso permitido.
Armas para CACs
Os caçadores, atiradores e colecionadores agora só precisarão da autorização do comando do Exército para comprar armas acima do limite estabelecido em decreto anterior: cinco unidades de cada modelo para colecionadores; 15 unidades para caçadores; 30 para atiradores. Essas quantidades valem tanto para as armas de uso restrito quanto para as de uso permitido.
Controle do Exército
Não serão produtos controlados pelo comando Exército itens como projéteis de munição para armas de porte ou portáteis, até o calibre máximo de 12,7mm — não vale para projéteis químicos, perfurantes, traçantes e incendiários; miras como as holográficas, reflexivas e telescópicas; armas de fogo obsoletas que tenha projeto anterior a 1900 e utilizem pólvora negra.
Simon Schwartzman: A eleição de Biden e o futuro da extrema direita
Há uma boa chance de que o radicalismo volte para os rincões de onde nunca deveria ter saído
Com a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais americanas, a grande pergunta para os Estados Unidos, que interessa também ao Brasil e a muitos outros países, é se o radicalismo de extrema direita de Donald Trump, Jair Bolsonaro e semelhantes é um fenômeno passageiro, que começa a se esvair, ou se, ao contrário, é o novo governo democrata que é passageiro. Foi esse o tema de recente seminário organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso com a jornalista e escritora Anne Applebaum, autora de O Crepúsculo da Democracia, que deve ser publicado no Brasil proximamente.
O que caracteriza o radicalismo de extrema direita, assim como o de extrema esquerda, não são os valores e preferências de seus proponentes – mais ou menos a favor do mercado, de políticas sociais, dos direitos, e os costumes que defendem –, mas o ataque que fazem às normas e às instituições do Estado de Direito, que regulam os processos de disputa eleitoral, colocam limites no poder dos governantes e garantem as liberdades individuais. É o respeito a essas normas e instituições, e não o eventual apoio popular, que distingue os regimes democráticos dos autoritários em suas diferentes versões. Hitler e Mussolini, passando por Perón, Hugo Chávez, Tayyip Erdogan e Viktor Orbán são exemplos de governantes que chegaram ao governo com apoio popular e abusaram do poder para destruir as instituições que os elegeram.
Foi esse o caminho buscado por Trump ao negar a validade das eleições que perdeu e jogar seus militantes contra o Congresso. E tem sido esse também o caminho buscado por Bolsonaro ao tentar jogar as Forças Armadas contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, quando eles anda pareciam independentes, e ameaçar desde já não reconhecer os resultados de uma futura eleição da qual eventualmente saia derrotado.
Impressiona, ao ver essa lista de governantes autoritários, a facilidade com que conseguem, uma vez eleitos, destruir as instituições democráticas e permanecer no poder, graças não só ao apoio popular, mas também ao beneplácito de muitos intelectuais e líderes políticos, empresariais e institucionais que não têm problema em jogar seus escrúpulos às favas em nome de seus interesses práticos mais imediatos. É um cinismo generalizado que percorre de cima a baixo a sociedade e afeta não só os valores mais abstratos do Estado de Direito e da democracia, mas coisas muito mais concretas, como a tolerância à corrupção, à discriminação social e à violência. Isso talvez se explique pela noção, dada como óbvia pelos economistas, de que o ser humano vive e atua em função não de princípios, mas de seus interesses egoístas, ou, como diria Thomas Hobbes, um dos fundadores da ciência política, de que, deixado à solta, o homem é o lobo do homem.
Se isso é assim, o fenômeno anormal que precisa ser explicado não é o surgimento e a permanência dos regimes autoritários, mas a existência e a persistência de regimes democráticos. Não basta dizer que os regimes democráticos são moralmente superiores aos autoritários, quando, para muitos, essa superioridade é demasiado abstrata e distante de seus interesses do dia a dia. É preciso também ver se, e em que medida, o Estado de Direito e os regimes democráticos também podem trazer benefícios práticos para a população que os tornem mais interessantes do que os autoritários. Com raras exceções, basta comparar as sociedades democráticas com as autoritárias para ver como são muito mais vantajosas. Nelas as pessoas vivem sem medo de dizer o que pensam e de ser oprimidas e achacadas pelos governantes; com a liberdade de se organizar e empreender e a confiança nas regras de funcionamento dos mercados, a economia floresce e é distribuída de forma mais igualitária; as instituições são preservadas, as políticas públicas de saúde, educação e meio ambiente são conduzidas pelas pessoas mais competentes e os conflitos de interesses, em vez de serem disputas sangrentas e sem limites, se resolvem de forma civilizada, segundo “regras do jogo” que todo mundo respeita.
Mas as democracias são imperfeitas, nem sempre conseguem cumprir o que prometem e padecem da “tragédia dos comuns”, que acontece sempre que os interesses individuais de curto prazo prevalecem sobre os interesses gerais de longo prazo. Por isso elas não ocorrem de forma natural, mas precisam ser construídas por elites capazes de pensar no longo prazo, obter apoio para suas ideias e mostrar resultados práticos de curto prazo, que possam fazer a ponte entre os interesses individuais e o interesse coletivo.
Se Biden for capaz de, ao mesmo tempo, restabelecer as normas básicas da democracia americana e lidar com os problemas de curto prazo da epidemia e da recessão econômica, há uma boa chance de que o radicalismo de direita americano volte para os rincões de onde nunca deveria ter saído. Da mesma forma, no Brasil o futuro depende da capacidade da parte sã que ainda resta de nosso sistema político, econômico e institucional de apontar para uma alternativa ética, também construtiva, ao bolsonarismo.
SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
Hamilton Garcia: O esgotamento da democracia de clientela e os perigos que se avizinham
Falar no esgotamento da democracia de clientela após duas vitórias sucessivas do Centrão, nas eleições municipais de 2020 e nas mesas do Congresso Nacional, pode parecer totalmente despropositado, mas não é. Já há praticamente um consenso, entre muitos analistas políticos, de que a Nova República se esgotou, ela, que não obstante os sinais vindos da luta democrática dos anos 1970-1980, se desenrolou, a partir dos anos 1990, como um movimento transformista que, sob o impulso da luta pelo governo representativo (presidencialismo de coalizão), instaurou, de fato, um regime semi-representativo (presidencialismo de cooptação).
Mas é preciso discutir mais detidamente de qual esgotamento estamos falando. Não se trata apenas, pelo alto, de como a degeneração e a fragmentação partidária erodiram o sistema de representação, mas também, por baixo, de como o eleitorado foi levado a participar, por meio da velha cultura (coronelismo), da política de clientela – que, no nosso caso, apenas em parte se parece com a política de clientela norte-americana, baseada em ativismo social (grupos de pressão) e em modelo partidário horizontal (primárias/caucus) emulado por sistema eleitoral majoritário.
Não apenas isto, mas é preciso entender ambos os fenômenos em chave com o modo de produção predominante no país, no caso, um capitalismo reprimarizado, baseado em exportação de commodities e importação de manufaturados ou seus componentes, com forte participação do setor de serviços e baixa qualificação da mão de obra. Tal modelo, semi-estagnacionista e dependente, não é compatível com o Estado de Bem-Estar e, portanto, com a tão almejada equalização social, e por um motivo básico: sua cadeia de produção/valorização não gera renda compatível, na forma de lucros, impostos e salários, capaz de sustentar tal pretensão. Assim, só resta o endividamento público como viga de sustentação das amplas expectativas sociais e dos interesses privados, a par de porto seguro para o emprego da classe média e de auxílio aos miseráveis, em condições crescentemente gravosas, dado o pesado custo dos juros imposto pelo sistema financeiro nacional – setor hegemônico do bloco histórico em crise.
Claro está que, sem a mudança deste modo de produção – que só pode ser viabilizado por coalizão política ampla de forças político-sociais, o que não se confunde com bloco parlamentar ou simples coalizão eleitoral –, a crise atual não tem solução efetiva, quando muito pode ser rolada e sempre em condições mais críticas. Ocorre que, como historicamente sabemos, são muitas as rotas para a mudança, o que, por si só, não garante que ela seja de fato alcançada, nem mesmo em seu modo mínimo – para não falar do ótimo.
O Governo Bolsonaro encarna a mais nova tentativa de mudança desde que o PT abdicou, de fato, desta postulação, em 2002, em prol de um “lugar ao sol” no sistema de domínio, com a diferença de que a extrema-direita sequer tinha um programa digno do nome e que chegou ao poder pela inusitada, embora prenunciada (junho de 2013), revolta de uma população apartada de instrumentos institucionais (partido político) para operar efetivas mudanças políticas.
Como não poderia deixar de ser, inclusive por suas idiossincrasias, tudo aconteceu de maneira mais rápida e atabalhoada com Bolsonaro, até mesmo se comparado à FCM. Já na largada, JMB expôs a fragilidade de sua coalizão eleitoral na crise com os Ministros Bebiano e Cruz, e embora tenha aprovado a Reforma da Previdência, esta se deveu mais a um consenso social, enquanto o Presidente iniciava sua luta desesperada pela própria sobrevivência. Em certa medida, o Governo foi "salvo" pela pandemia, que se transformou em álibi de sua anomia política, ao fim remediada pelo “porto seguro” do Centrão. É verdade que existem dúvidas fundadas sobre tal “segurança”, sobretudo diante de um governo tão frágil quanto atabalhoado. Mas é preciso olhar também para a crise do sistema, onde Bolsonaro se agarra.
Não se pode descartar que o liberalismo radical de Guedes tenha encontrado sua mediação clássica no Brasil neopatrimonial com a "nova" coalizão, o que possibilitará ao bolsonarismo, pelo menos em tese, por meio de sua ala militar, neutralizá-lo enquanto utopia burguesa e convertê-lo de obstáculo à catapulta de um novo arranjo nacional-desenvolvimentista, como já vislumbrado no PAEG em contexto histórico distinto, num cavalo de pau de difícil compreensão, inclusive para os observadores da história que ignoram as implicações da via prussiana em nosso longo processo de modernização.
O PAEG, é verdade, se desenvolveu sob a tutela militar, tutela que hoje seria esmaecida, o que pode comprometer o enquadramento dos atores políticos envolvidos na trama e, consequentemente, seus fins, caso não demonstrem a exata noção do que estão fazendo e em quais circunstâncias. Não obstante, a crise aguda força os atores a uma consciência diferenciada na luta pela própria sobrevivência, como nos ensinou Lênin, o que implica, hoje, em se observar e responder ao desespero social que se anuncia. Não apenas isto, será preciso também tratar da retomada econômica para garantir a renda do trabalho após a emergência, estimulando a esperança dos trabalhadores por dias melhores. Para que tal retomada aconteça, de outro lado, as reformas em discussão no Congresso deverão englobar medidas que contemplem a reindustrialização do país, a começar pelos setores que já dominamos e os que impliquem em enfrentamento da pandemia, como a indústria farmacêutica.
Se isto tiver sequência no âmbito do programa econômico da coalizão bolso-militar-centrista, restará observar a cena político-judiciária, ainda mais incerta em razão das pressões sociais que afetam os aparatos de justiça desde o Mensalão (2005). Mais especificamente, será preciso verificar se um eventual clima de otimismo econômico extra-Mercado será capaz de neutralizar o previsível aumento do mau humor dos cidadãos com seus representantes e a burocracia pública, em meio ao novo cenário de conforto projetado com o fim da Lava-Jato e a possível reabilitação jurídica de vários de suas "vítimas" de colarinho branco, que podem ensejar, a partir de agora, uma ida aos cofres com ímpeto represado, capaz de abalar a credibilidade que resta da reputação anti-sistêmica do bolsonarismo, além de acumular mais combustível sobre mata ressecada.
A própria blindagem de Bolsonaro pelas elites, em função, principalmente, do estancamento da sangria e seus supostos efeitos distensionistas sobre a política e a economia, é aposta inflamável no pior cenário. Nada disso deve passar desapercebido pelos estrategistas do bolsonarismo, que mantém na manga a carta do “auto-golpe", que, no caso do bolsonarismo, como se sabe, está longe do inverossímil e brancaleônico "exército do Stédile”, configurando, de fato, perigo tangível.
Diante disso e da incrível capacidade interpelatória das narrativas bolsonaristas – cuja diferença essencial em relação às narrativas lulopetistas reside tão somente em sua maior facilidade assimilatória pela massa –, é possível que o ônus deum eventual insucesso da coalizão bolsocentrista, em meio às frustrações econômicas e/ou o pipocar de escândalos de corrupção, possa ser jogado, com grandes chances de êxito, nas costas do STF, do próprio Centrão – da qual Bolsonaro conseguiu se distanciar pela ótica popular, não obstante as rachadinhas – e da esquerda, por conta das manobras de anulação processual que podem favorecer LILS – sob o beneplácito de Bolsonaro, diga-se de passagem – e, em sequência, outros apenados, como Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, entre outros.
Tudo isto estará sobre a mesa na campanha eleitoral de 2022, que se inicia agora, fora do controle do TSE, não devendo haver dúvidas sobre a disposição, inclusive já insinuada, de Bolsonaro entrar neste jogo com a intenção de “fazer o diabo para se reeleger” (DR), o que, na prática, projeta sua intenção de aceitar apenas o resultado que lhe beneficie. Isto, naturalmente, não dependerá apenas de sua vontade, mas também exigirá conjuntura favorável, como uma crise que conjugasse colapso social com desespero econômico e desmoralização das instituições republicanas, abrindo caminho para greves de caminhoneiros, alguma inquietação nos quartéis e apelos para a restauração da ordem, cenário em parte visto no pré-1964.
Um conflito desta envergadura não só é possível, como pode acontecer antes da suposta “fraude eleitoral”, em meio ao desarranjo de seu "novo" governo. Outra variável importante a considerar, é como a radicalização política e a frustração das massas com as instituições vai se manifestar, inclusive nos meios militares, já que desde 1930, como nos ensinou José Murilo de Carvalho[i], as FFAA se movimentam na cena política com vistas a conter as ameaças de ruptura vindas de baixo – como a de Prestes, em 1930/1935, e a de Jango/Brizola, em 1964. No contexto atual, todavia, a ameaça potencial vem do baixo-clero bolsonarista, o que tornaria o desenlace ainda mais complexo e incerto.
Fator decisivo para tal evolução da situação é como as massas reagiriam ao caos social. Não se pode descartar a hipótese de que um descontentamento geral se misture à anomia já instalada nas periferias das metrópoles, que, embora de difícil assimilação pelas elites intelectuais (liberais e socialistas) – tendentes a traduzí-la como questão ética –, segue sendo vivenciada pela população sitiada como desafio à sobrevivência, a exigir solução de força (desarmamento) sob os auspícios da lei, que, não acontecendo, escancara as portas para o puro arbítrio da força ilegal, alimentada pelas facções bolsonaristas. Em tal contexto, a politização da crise pela extrema direita poderia catalizar o desejo geral de estabilização e ordem, o que praticamente forçaria uma ação convergente por parte do Alto Comando das FFAA, embora ainda dentro da lei (GLO).
Tudo isto nos coloca questões para muito além da ideia de resistência democrática experimentada nos anos 1960-1970, ideias que fossem capazes de neutralizar a perspectiva tutelar dos militares sobre a República, perspectiva esta que é a pedra angular do intervencionismo militar desde 1889 e que teve no Gen. Góis Monteiro, nos idos de 1930, um arguto articulador que a traduzia como a expressão institucionalizada da nacionalidade, em cuja sombra poderiam "se organizar as demais forças da nacionalidade"[ii].
À rigor, na posologia deste velho remédio, Bolsonaro não teria lugar, mas tampouco estaríamos à salvo de seus conhecidos efeitos colaterais. O mais sábio, à luz da história, seria reconhecer tais riscos e buscar evitá-los pela franca assunção da crise de nossa democracia (clientelista), articulando, sob o signo da reconstrução nacional, uma saída democrático-desenvolvimentista para a crise em diálogo com os militares.
De novo, pode não ser o ideal, mas é o que nos cabe em meio aos perigos que se avizinham.
Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[iii])
[i] Forças Armadas e Política no Brasil, ed. Todavia/SP, 2019.
[ii] Apud Carvalho, p. 120.
[iii] Universidade Estadual do Norte-Fluminense/Darcy Ribeiro.
Ricardo Noblat: Livro de general é um alerta sobre a fragilidade da democracia
Para que a história não se repita
Com seu livro de memórias recém-lançado pela Fundação Getúlio Vargas, o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército entre 2015 e 2019, atirou numa coisa e acertou em outra.
Se ele pretendeu reforçar a ideia de que as Forças Armadas não se metem em assuntos políticos pelo menos desde o fim da ditadura militar de 64, conseguiu exatamente o contrário.
Em abril de 2018, às vésperas de o Supremo Tribunal Federal aceitar ou não um pedido de habeas-corpus que poderia libertar Lula preso em Curitiba, Villas Bôas postou no Twitter:
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”
À época foi dito que Villas Bôas apenas refletia o ânimo dos seus companheiros de farda. Antecipava-se a possíveis manifestações raivosas de subordinados. Não queria perder o controle da tropa.
Por isso ou por aquilo, intimidado, o Supremo negou o habeas-corpus por 6 votos contra 5 e manteve a prisão de réu condenado em segunda instância. Lula continuou encarcerado.
Foi o general, que é portador da ELA, doença degenerativa do sistema nervoso, que procurou a Fundação Getúlio Vargas interessado em dar seu depoimento para a posteridade.
E o fez ao longo de 13 horas, repartidas em cinco dias, em conversa amena conduzida pelo professor e pesquisador Celso de Castro, autor de diversos livros sobre a temática militar.
Castro deixou-o falar sem contestá-lo nenhuma vez e sem pedir maiores detalhes sobre os fatos relatados. É de supor, portanto, que o general só falou o que quis, conforme planejado.
Villas Bôas conta que a mensagem postada no Twitter de advertência ao Supremo não foi obra exclusivamente sua, mas também do Alto Comando do Exército.
“Sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse”, diz Vilas Bôas. Não diz que “coisa” era, nem como ela poderia se manifestar. Uma rebelião? Uma tentativa de golpe?
Mas como, se o Exército e as demais armas são apolíticos como diz e repete o general ao longo do seu depoimento? Como, se são fielmente cumpridoras do papel que lhes reserva a Constituição?
A primeira versão da mensagem foi escrita por seu estafe e sob sua orientação, sendo submetida depois aos integrantes do Alto Comando do Exército residentes em Brasília.
Em seguida, ela foi transmitida aos demais comandantes de área para que a endossassem ou sugerissem ajustes. Recebidas as sugestões, a mensagem ganhou sua redação definitiva.
Jair Bolsonaro respirou aliviado quando leu a mensagem no Twitter. Era deputado federal e há pelo menos dois anos estava em campanha como aspirante a candidato a presidente
Neste governo, Villas Bôas, general da reserva, é assessor do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. Ao empossá-lo, Bolsonaro emitiu todos os sinais de que lhe é grato.
Por quê? Talvez porque Villas Bôas respaldou sua candidatura à reboque de generais e de soldados que já o apoiavam. Cada quartel foi uma célula de Bolsonaro, e não será diferente em 2022.
O chefe das Forças Armadas, segundo a Constituição, é o presidente da República. É ele, e somente ele, quem em nome delas pode falar sobre temas políticos de repercussão geral.
Aos comandantes das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica -, cabe falar sobre assuntos administrativos e aqueles diretamente afeitos aos cargos que ocupam.
A fala de Villas Boas não foi a de um chefe que se dirige aos seus subordinados. Foi um pronunciamento em nome do Exército e a propósito do momento político que o país atravessava em 2018.
Não faltou provocação (“Quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras?”). Nem ameaça (O Exército “se mantém atento às suas missões institucionais”).
Militar não é igual a civil. O que os distingue não é só a farda que um veste e o outro não. Militar tem acesso a armas pesadas, pilota brucutu, maneja tanques e é treinado para matar.
O que um deles fala, soa diferente do civil que diga o mesmo. Porque um tem a força capaz de pulverizar literalmente quem quer que seja. O outro, só a força da palavra.
Não é apenas a saúde dos brasileiros que está ameaçada pelo vírus que o governo Bolsonaro ignorou o quanto pôde. A saúde da democracia segue sob ameaça.
Ranier Bragon: Avesso a jornalistas, Lira quer concretizar antigo projeto de encastelar presidentes da Câmara
Obra blinda políticos de passar pelo palco de marcantes acontecimentos históricos da política nacional
A decisão de Arthur Lira (PP-AL) de mudar de lugar o seu gabinete tem efeitos que vão além dos obstáculos ao trabalho diário de jornalistas. A obra-relâmpago materializa um antigo projeto de encastelar presidentes da Câmara em uma arquitetura distante dos olhos da imprensa e do escrutínio público.
Ao levar o gabinete para um local que fica ao lado e com acesso direto ao plenário —onde funciona hoje a sala usada por repórteres de vários veículos que fazem a cobertura jornalística da Câmara—, Lira e seus sucessores ficarão a salvo, em prejuízo da transparência, de uma rotina que está no centro de alguns dos acontecimentos mais marcantes da história do país.
Em suma, nem ele nem os vários políticos e outros integrantes da sociedade que orbitam ao redor dos presidentes da Câmara precisarão mais passar diante das câmeras, microfones, gravadores e perguntas de jornalistas ao transitar entre o gabinete e o plenário, durante as votações.
E a depender da obra —cujos custos e detalhes ainda permanecem sob sigilo—, nem mesmo quando entrar ou sair da Câmara.
Cheguei à Sucursal de Brasília da Folha em fevereiro de 2003, sendo deslocado diretamente para ser setorista da Câmara —no jargão jornalístico, o repórter responsável pela cobertura diária de determinada instituição.[ x ]
Com isso, em vez da Redação, o meu posto fixo de trabalho por vários anos seguintes foram os salões, corredores, gabinetes e plenários da Câmara, tendo no comitê de imprensa —o local que Lira quer transformar em seu gabinete— o ponto de apoio para escrever as reportagens.
Um local sem mesa ou cadeira, amplo e todo acarpetado em tom verde, porém, sempre foi mais especial e marcante, para o trabalho de jornalistas e para a história.
Situado no coração da Câmara, com de cerca de 2.000 metros quadrados, o Salão Verde é exatamente o local a ser evitado por quem quer se esconder do escrutínio público.
É um dos espaços de maior circulação da Casa, por onde passam deputados, assessores, funcionários, visitantes, lobistas, jornalistas, entre vários outros, e que se transforma em um formigueiro humano no dia de votações importantes.
O vaivém se explica porque no salão estão as entradas do plenário onde ocorrem as votações, além de ser ponto de passagem para quem entra e sai da Câmara.
Em uma das extremidades opostas à das entradas do plenário está o corredor que leva às salas da presidência da Câmara. Ou seja, o principal caminho para chegar ao gabinete pela manhã, para sair à noite, e para ir ao plenário e voltar durante as votações passa, necessariamente, pelo Salão Verde. E por jornalistas que lá fazem plantão em busca de informações.
Foi exatamente no Salão Verde que momentos cruciais da história do país se desenrolaram. Foi lá, por exemplo, que o então presidente da Casa Eduardo Cunha (MDB-RJ) anunciou à imprensa, em dezembro de 2015, a deflagração do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Foi lá também que, meses antes, Cunha foi alvo de protesto com uma chuva de notas falsas de dólar jogadas em sua direção quando ele dava entrevista à imprensa. E foi lá que, por diversas e diversas vezes, foi questionado por jornalistas, ao chegar ou sair da Câmara, ao transitar entre seu gabinete e o plenário, sobre as contas que tinha na Suíça —com a insistência e a firmeza que exigem o jornalismo independente e o interesse público.
Foi no Salão Verde, também, que Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente em 2005, teve que explicar por várias vezes as acusações de que recebeu um mensalinho de um fornecedor da Casa, escândalo que lhe custou o cargo.
Para além dos casos de corrupção, os presidentes da Câmara são abordados principalmente sobre assuntos que estão na ordem do dia no país, já que ocupam um dos cargos dos mais importantes —o que define a pauta de votações da Casa, sendo o segundo na linha sucessória da Presidência da República.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, teve que ali dar explicações e ouvir pressões em uma infinidade de ocasiões nos seus quatro anos e seis meses como presidente da Casa, em votações importantes que conduziu, como a da reforma da Previdência.
O desejo de se esconder dos holofotes e de só responder a perguntas em ambiente controlado, no momento em que julgar conveniente, é um desejo antigo na Câmara, que remonta, pelo menos, à gestão de João Paulo Cunha (PT), que comandou a Casa a partir do momento em que me tornei setorista da Folha no local, em 2003.
Sob o argumento da comodidade, de ter um espaço mais amplo para trabalhar e alocar assessores, de ter a rapidez de entrar e sair do gabinete durante as votações, e por alegadas questões de segurança, vários presidentes desde João Paulo acalentaram a proposta que, agora, Lira desengaveta.
Na hora H, porém, nenhum deles tocou o projeto pra frente, até pelas restrições históricas e legais, já que a área atualmente usada por profissionais da imprensa foi projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012).
Falei com alguns deles. "Eu aconselharia o presidente Arthur Lira a não fazer a mudança, a não alterar uma tradição da Casa. Poderia parecer retaliação contra a imprensa, o que não seria bom para o início de sua presidência em um momento tão difícil do país", afirmou Aldo Rebelo (SP), que comandou a Câmara pelo PC do B em 2005 e 2006.
Embora diga considerar essa uma decisão exclusiva do presidente da Casa e que veja como natural a reorganização de espaços, Marco Maia (PT-RS), que presidiu a Câmara em 2011 e 2012, afirmou ser contra qualquer encastelamento.
"O presidente da Câmara precisa falar, dizer o que ele está pensando e ouvir o que a sociedade está pensando sobre os mais variados temas, afinal de contas o Parlamento é uma representação da sociedade. Quanto mais contato, mais próximo, mais ouvir a sociedade, menos ele vai errar na condução do processo legislativo."
A Câmara afirma que a obra não irá afetar o tombamento histórico, a arquitetura e os conceitos elaborados por Niemayer porque, em suma, não serão feitas alterações estruturais de monta —serão movidas apenas divisórias, além de mudanças elétricas e hidráulicas e no sistema de ar-condicionado.
Apesar de possivelmente haver aquisição de mobiliário novo, pretende-se usar como mão de obra contratos atuais de manutenção predial. A expectativa é que o novo gabinete da presidência da Câmara esteja pronto em meados de 2021, afirmam assessores.
Lira sempre foi um político de bastidores, avesso não só a discursos em plenário como ao contato com jornalistas —até esta quarta-feira (10), por exemplo, o novo presidente da Câmara não deu nenhuma entrevista coletiva, fez apenas pronunciamentos em que perguntas não foram permitidas.
Um dos maiores símbolos históricos da necessidade de extrema transparência por parte dos detentores de cargo público se materializou nas palavras do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis (1856-1941), segundo quem a luz do sol é o melhor desinfetante.
Brasília tem um pôr do sol que inunda diariamente as redes sociais. Como esse abaixo, visto a partir do comitê de imprensa da Câmara. O exato lugar que Lira quer ocupar com objetivos que destoam da célebre frase do juiz norte-americano, dita há mais de cem anos.
O Estado de S. Paulo: Réu na linha sucessória não é 'o melhor para o País', afirma Fux
Presidente do Supremo Tribunal Federal fala sobre situação de Arthur Lira e diz que impeachment de Bolsonaro seria um 'desastre' para o Brasil
Rafael Moraes Moura e Andreza Matais, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, avalia que não é o "melhor quadro para o Brasil" ter um réu na linha sucessória da Presidência da República. Em entrevista ao Estadão, Fux foi questionado sobre a situação do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que responde a denúncias na Corte por corrupção passiva e organização criminosa – ainda em análise de recursos.
"Eu acho que realmente uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil", afirmou o ministro.
Segundo na linha sucessória, Lira pode ser impedido de substituir o presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão. Um precedente do tribunal já impediu o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), de ocupar interinamente a cadeira no Planalto por ser réu na época.
Em sua primeira entrevista após a abertura do Ano Judiciário, Fux disse que o impeachment de Bolsonaro seria "um desastre" para o País.
O deputado Arthur Lira pode, eventualmente, substituir Bolsonaro e Mourão, mesmo com denúncias já recebidas pelo STF?
Nessas questões limítrofes, você tem duas posições. Uma que entende que, se já teve a denúncia recebida, e a nossa Constituição elege a moralidade no âmbito da política e das eleições como um valor principal, ele não possa assumir. E tem outro aspecto importante, a ação penal não teve ainda a eficácia de torná-lo réu porque há (em análise) embargos de declaração (um tipo de recurso) que impedem que a decisão (de tornar Lira réu) seja considerada definitiva.
E qual a opinião do senhor?
Eu falo em geral, abstrato. Pelo princípio da moralidade, eu entendo que os partícipes da vida pública brasileira devem ter ficha limpa. Sou muito exigente com relação aos requisitos que um homem público deve cumprir para a assunção de cargos de relevância, como a substituição do presidente. Eu acho que, realmente, uma pessoa denunciada assumir a Presidência da República, seja ela qual for, é algo que até no plano internacional não é o melhor quadro para o Brasil.
O STF tem tido um papel fundamental no sistema de freios e contrapesos. Com dois aliados de Bolsonaro no comando do Congresso, o protagonismo da Corte vai ser ainda maior?
É preciso que o Parlamento se autovalorize e saiba exercer as suas competências, em vez de empurrar para o Supremo uma função que não é dele. O Parlamento tem de procurar resolver os seus problemas.
Mas um Congresso alinhado a Bolsonaro não pode obrigar o Supremo a exercer ainda mais esse papel de contraponto?
Bem ou mal, o presidente foi eleito com 60 milhões de votos. Por que não se permitiu a reeleição (na cúpula do Congresso) agora, muito embora tanto Davi Alcolumbre quanto Rodrigo Maia tenham sido bons na função que exerceram? Porque, se o STF abrir a brecha da violação da Constituição, realmente nós perdemos todos os critérios. Aquela ação não deveria nem ter chegado ao Supremo.
A atuação do governo na pandemia reforçou o discurso a favor do impeachment de Bolsonaro. Qual a opinião do senhor?
O impeachment é um processo político que o Supremo não pode nem se intrometer no mérito. Mas, em uma pós-pandemia, em que o País precisa se reerguer economicamente, atrair investidores e consolidar a nossa democracia, eu acho que seria um desastre para o País. O Brasil não aguenta três impeachments. O Brasil tem de ouvir o povo e o povo é ouvido através de seus representantes que estão no Parlamento. Acho que o impeachment seria desastroso.
O senhor vê mobilização popular para o impeachment?
Pela leitura acadêmica e histórica que a gente faz, você verifica que o impeachment é uma situação política que também depende muito da mobilização social.
Bolsonaro já disse que, sem voto impresso, “nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”, em referência à invasão do Capitólio. No Brasil, as instituições serão fortes para evitar qualquer tipo de golpe?
Não tenho a menor dúvida. Eu não acredito que ocorra 10% do que aconteceu nos Estados Unidos. Uma minoria inexpressiva não vai ter apoio. Absolutamente, não. Em conversas espontâneas, os generais têm uma posição muito firme de que a democracia brasileira não pode sofrer nenhum tipo de moléstia. Todos eles. Eu acho o voto impresso uma coisa muito antiquada, completamente desnecessária, porque as urnas são superseguras. E o voto impresso gera uma despesa bilionária para o Brasil. A palavra do Supremo está dada (contra o voto impresso). Uma despesa bilionária, depois da decisão do Supremo, é inaceitável. Não tem sentido.
Bolsonaro repete que não pode fazer nada para enfrentar a pandemia porque foi impedido pelo STF. Não é um equívoco?
O que o STF disse foi o seguinte: todas as Unidades da Federação têm responsabilidade em relação à pandemia. É uma gestão compartilhada, mas tem um aspecto maior, porque a Constituição atribui à União uma competência de coordenação nos casos de calamidade pública. O STF nunca eximiu o governo federal, absolutamente. Ninguém exonerou ninguém de responsabilidade.
O STF virou uma espécie de bode expiatório dos negacionistas, que tentam culpar a Corte pelos efeitos da pandemia?
Houve má interpretação da decisão judicial por parte do estafe do governo. O Supremo tem função precípua de esclarecer aquilo que efetivamente julgou. A decisão ficou tão clara que não houve embargos de declaração do aparato jurídico do governo, que é muito bom. Foi uma decisão claríssima.
O senhor enxerga má-fé ou uma tentativa de usar isso politicamente?
Enxergo como uma percepção alternativa de uma ciência que foi preconizada até alhures pelo (então) presidente dos Estados Unidos (Donald Trump), alguns líderes mundiais também. Em um primeiro momento, eram contra o lockdown, contra o isolamento, e pagaram preço caro por isso.
É preciso uma apuração rápida no inquérito que investiga se houve omissão do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso da rede pública de Manaus?
É preciso deixar bem claro que o Supremo absolve inocentes e condena culpados. Não se tem ainda elemento para se formar uma convicção. O que houve, no meu modo de ver, foi o fator-surpresa, porque alguns países também foram surpreendidos com falta de oxigênio.
Esse inquérito deveria ser prioridade?
A prioridade no momento é decidirmos tudo que possa influir na questão da saúde. Saúde primeiro, e depois a verificação de fatos ilícitos que ocorreram de maneira despudorada. Na verdade, era inimaginável, num momento de pandemia, que os homens públicos ainda tivessem a ousadia de cometer ilícitos diante dessa dor e desse flagelo da população.
Um dos pontos destacados para investigar Pazuello é a distribuição de hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada. Isso não pode ser crime?
A grande verdade é que autoridades médicas do País, até médicos famosos, disseram que passaram pela doença e tomaram hidroxicloroquina. Eu fiquei doente e não tomei. Tive uma covid caprichada. Levei três, quatro meses para voltar a me exercitar, e ainda não estou no auge, não.
O senhor defende a volta do auxílio emergencial?
Tem de haver uma Justiça caridosa, e uma caridade justa. Nós hoje estamos pagando o preço de termos deixado 50 milhões de brasileiros à deriva. Isso era para ter sido visto há muito tempo. Não dá para ser feliz sem pensar no outro. Foi o consumo dessa gente que recebeu o auxílio emergencial que movimentou a economia. Se eu pudesse imaginar a possibilidade de o Brasil continuar com esse auxílio, eu seria superfavorável. É temerário nesse momento deixar essas pessoas à deriva. Nós já as deixamos há muito tempo.
Os escândalos de corrupção não cessam no País. Não é frustrante?
Quando terminou o julgamento do mensalão, eu dizia ‘o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Depois da Lava Jato, eu falei, ‘bom, agora realmente o Brasil nunca mais vai voltar a ser o que era’. Agora, esse flagelo da corrupção, que desmoraliza o Brasil, parece que está introjetado na cultura de determinadas pessoas, porque a falta de amor à coisa pública é aberrante. É inaceitável que uma pessoa queira maximizar suas rendas através do desvio de bens públicos.
A Lava Jato nunca foi tão atacada quanto agora. Teme pelos resultados obtidos na investigação?
A Lava Jato trouxe transformações sem precedentes para o Brasil, que passou a ser respeitado internacionalmente pela atuação contra desvio de dinheiro público. É verdade que, ao longo dos últimos anos, esse movimento teve perdas. Mas o País já mudou. E, na minha avaliação, o combate à corrupção não vai retroceder.
O Judiciário acaba sendo um grupo privilegiado perante o País. O senhor defende uma reforma administrativa que também envolva a magistratura?
Tem de haver uma reforma com relação ao tamanho do Estado. O Estado é muito grande e as despesas públicas são muito grandes. Eu acho que a reforma administrativa tem de obedecer ao princípio da igualdade, tem de obedecer ao princípio da isonomia. O que é ruim para o Brasil tem de afastar para todo mundo também.
O que o senhor acha da ideia do presidente Jair Bolsonaro de escolher um nome “terrivelmente evangélico” para o STF?
Isso é uma prerrogativa do presidente da República. Agora, o Supremo é um tribunal pluri-religioso, tem gente de todas as religiões aqui. O que faria um juiz, terrivelmente evangélico, num colegiado de dez não evangélicos? É preciso ter em mente que, depois da assunção ao cargo, a independência jurídica do membro do Supremo é absolutamente olímpica.
O Globo: Centrão investirá em projetos contra o legado da Lava-Jato
Fazem parte dessa agenda não propagandeada ainda a proibição de buscas em escritórios de advocacia
Bruno Góes e Natália Portinari, O Globo
BRASÍLIA - Fora da lista de projetos citados como prioritários pelo presidente Jair Bolsonaro, em um documento direcionado a deputados e senadores, uma pauta “oculta” deverá ganhar corpo no Congresso, impulsionada pela ascensão do centrão. Aliados do presidente da Câmara, Arhur Lira (PP-AL), e até integrantes da oposição enxergam o novo momento como propício para o avanço de propostas que afrouxam a punição para crimes associados ao mau uso de dinheiro público e à corrupção. Fazem parte dessa agenda não propagandeada a limitação da punição em casos de improbidade administrativa e lavagem de dinheiro, além da proibição de buscas em escritórios de advocacia.
Na outra ponta, duas Propostas de Emenda à Constituição — a da prisão após a condenação em segunda instância e a que extingue o foro privilegiado — seguirão a passos lentos, na mesma toada da gestão do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Uma das prioridades do centrão é um projeto que diminui o alcance da lei de improbidade administrativa e elimina a forma “culposa” — sem intenção — do ato. De acordo com o relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), já entregue, as violações que não gerassem prejuízos ao Erário ou enriquecimento ilícito deixariam de ser enquadradas como improbidade.
— Essas matérias não estão na lista de prioridades do governo, então podem entrar na pauta caso os líderes (partidários) queiram. Pessoalmente, sou a favor de mudar a lei de improbidade, para incluir só o que causa prejuízo ao Erário. Hoje, qualquer coisa é improbidade, e as penas são muito altas — diz o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Liberação das armas e escola em casa: veja quais são os projetos prioritários de Bolsonaro
Zarattini frisa que, com as mudanças, a lei vai continuar a permitir o bloqueio de bens e suspensão de direitos políticos daqueles que cometem improbidade:
— A lei não pode ser tão ampla. Há casos em que há condenações mesmo sem ter havido irregularidades.
No ano passado, a Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal classificou as alterações pretendidas como “um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e na defesa da moralidade administrativa”.
Em 2020, a Câmara criou ainda uma comissão de juristas para discutir a tipificação da lavagem de dinheiro. Nos primeiros debates, advogados fizeram sugestões para amenizar as punições previstas na lei e tornar mais difícil a condenação por lavagem, que passaria a exigir um crime antecedente.
Aliados de Lira ouvidos pelo GLOBO avaliam que esse tema deve caminhar mais lentamente — ainda não há previsão de quando o colegiado vai voltar a se reunir —, mas que há boas chances de avanço. Quando os encontros forem retomados, é provável que o número de pessoas envolvidas no debate seja reduzido, o que facilitaria o andamento.
Também no fim do ano passado, a Câmara aprovou a urgência da proposta que impõe obstáculos a mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia. O projeto, portanto, pode ir a plenário a qualquer momento.
O texto torna praticamente inviolável o escritório ou local de trabalho do advogado. Não poderão ser expedidas buscas com fundamento em indício, depoimento ou colaboração premiada, sem a presença de provas periciadas e validadas.
— Não agrada 100% a todos, mas tem espaço para consenso e votação. É preciso buscar o que a Constituição já estabelece para proteger o exercício da advocacia, mas não é respeitado — diz o deputado Paulo Abi Ackel (PSDB-MG).
Atuação anti-moro
Crítico da Lava-Jato e réu em duas ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF) — ele nega os crimes —, Lira sempre foi um dos parlamentares mais empenhados no Congresso a impor obstáculos à pauta do ex-ministro Sergio Moro. Em 2019, atuou para aprovar a Lei do Abuso de Autoridade e para modificar pontos do pacote anticrime, proposto por Moro. Agora, a avaliação no Congresso é que há consenso para a aprovação de uma quarentena eleitoral para juízes, integrantes do Ministério Público e policiais. Para o cientista político Carlos Pereira, professor da FGV, o pacote de intenções do centrão não necessariamente encontrará apoio majoritário entre os parlamentares.
— É fundamental lembrar que a situação do governo com o centrão não é majoritária, nada garante que a última vitória será reproduzida e convertida em políticas concretas no Parlamento. Acredito ser muito mais fácil a progressão de pautas econômicas, alinhadas à centro-direita, do que temas sobre costumes ou mesmo conectados com a Lava-Jato.
(Colaborou Filipe Vidon)
Fernado Pessôa: Reavaliação sobre o Minha Casa
Tese mostra que programa teve impactos positivos para as famílias
Na coluna de 22 de agosto de 2020, escrevi que o programa MCMV (Minha Casa Minha Vida) tinha desperdiçado muitas unidades. O motivo é que o enorme esforço de entrega de novas unidades habitacionais pouco contribuiu para reduzir o déficit habitacional.
Minha colega recém-contratada pelo Ibre Laísa Rachter, em sua tese de doutoramento orientada por Cecilia Machado, que ocupa este espaço quinzenalmente às terças, mostrou que o programa teve impactos positivos sobre as famílias que adquiriram as casas. É necessário proceder a uma reavaliação do ponto de vista que defendi na coluna anterior.
Laísa usou características da implantação do programa que permitiram a identificação de relação de causa e efeito entre o acesso à casa própria e melhoras de bem-estar.
Um sorteio decidia o acesso ao MCMV para baixa renda. Algumas pessoas tinham acesso e outras não. Assim, há um experimento, como, por exemplo, o que ocorre com os testes das vacinas: parte da população recebe a vacina e parte o placebo, e as duas populações têm as mesmas características. Qualquer diferença que surge é causada pela vacina.
Laísa mostrou, com dados para o Rio, que no grupo sorteado o acesso à casa própria elevou a renda líquida da família: a redução do gasto com aluguel mais do que compensou o aumento do gasto com transporte —os conjuntos do MCMV ficam mais afastados— e com as contas de água e luz. Não se observou queda da jornada de trabalho pela maior distância do local de trabalho.
Em outro capítulo, Laísa usou do fato de o programa priorizar cidades acima de 50 mil habitantes. Cidades com um pouco menos do que 50 mil habitantes, em tudo iguais às de 50 mil habitantes, receberam muito menos unidades do programa. Entre 2011 e 2017 as cidades com 50 mil habitantes receberam, em média, 300 a 350 unidades habitacionais a mais do que cidades com 49,9 mil habitantes.
Foi possível observar que, em razão dessas unidades a mais, houve elevação do peso das crianças ao nascer de 12 a 16 gramas, em comparação às cidades com pouco menos de 50 mil habitantes.
Também ocorreu redução da mortalidade infantil em um por mil nascimentos nas cidades com 50 mil habitantes em comparação às cidades ligeiramente menores. A redução da mortalidade infantil foi observada somente no primeiro ano de vida e em doenças associadas às primeiras três semanas de vida, chamada de mortalidade perinatal, sugerindo que o canal é a melhora de saneamento básico.
A melhora da saúde no início da vida tem impactos permanentes sobre a aprendizagem e o desempenho no mercado de trabalho. Assim, é possível que os ganhos de longo prazo justifiquem os custos para o Tesouro com subsídios às unidades habitacionais.
Dessa reavaliação duas questões se apresentam. Primeiro, como conciliar essa análise microeconômica com o resultado de que o programa como um todo não concorreu para reduzir o déficit habitacional? É possível que haja problemas de mensuração na série da fundação João Pinheiro.
Ou ainda é possível —me parece uma hipótese mais plausível— que a maior oferta de habitações eleve a demanda. Por exemplo, pode haver antecipação na constituição de novas famílias. Afinal, quem casa quer casa. Se há mais casas, vamos casar! Tema para pesquisa.
A segunda questão é: se há impacto tão importante sobre o bem-estar e, provavelmente, o programa é rentável, por que ele foi pesadamente reduzido?
O programa é rentável para a sociedade. Não gera renda imediata para o Tesouro Nacional. Assim, se o Tesouro estiver muito endividado, com pressão inflacionária e/ou juros elevados, a política pública será desfeita mesmo se for de boa qualidade.
Como diz o ex-governador Paulo Hartung, o primeiro passo para cuidar as pessoas é cuidar das contas públicas.
*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.
Folha de S. Paulo: Acordo com centrão não é sólido, diz Santos Cruz
Para Santos Cruz, falta um plano de ação que dê sentido à aliança com o bloco no Congresso
Ricardo Balthazar, Folha de S. Paulo
Ex-ministro de Jair Bolsonaro, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz acha que a aliança construída pelo Palácio do Planalto com os partidos políticos que dão as cartas no Congresso terá vida breve se não houver mudanças no governo e no comportamento do presidente.
Para Santos Cruz, que chefiou a Secretaria de Governo por seis meses e foi demitido após sofrer críticas do escritor Olavo de Carvalho e dos filhos de Bolsonaro, falta um plano de ação que dê substância aos acertos feitos com os políticos do centrão que passaram a comandar a Câmara dos Deputados e o Senado.
"Se a motivação principal [do acordo com o centrão] é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil", diz o ex-ministro. "O governo precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país."
Santos Cruz tornou-se um crítico ácido do governo Bolsonaro após sua demissão, mas acha que não existem condições para viabilizar um processo de impeachment e afastá-lo do cargo. "O melhor para o país é o presidente eleito governar", afirma o general. "Mas ele também tem que entender isso."
Desde o início da pandemia do coronavírus, o ex-ministro tem passado a maior parte do tempo recolhido numa chácara a 40 quilômetros de Brasília, indo até a capital apenas para compromissos eventuais. Fez melhorias na estrada que leva à propriedade, na cerca e no galpão. "Trabalho não falta", diz.
Como o sr. viu a aliança do presidente Bolsonaro com o centrão?
Na época em que buscava cativar os eleitores, ele falava barbaridades do centrão. Tratava o grupo como uma aglomeração de pessoas que não tinham compromisso nenhum e só se preocupavam em preservar a própria impunidade. Agora, ele faz uma virada como essa aí. Há uma incoerência, e fica difícil estabelecer uma relação de confiança quando você faz esse tipo de coisa.
A verdade é que o governo não se preparou para fazer alianças. Negociação política não é crime. Mas você tem que negociar políticas públicas, não benefícios particulares. Na realidade, o que houve foi uma compra. Vão gastar bilhões de reais com as emendas dos parlamentares. Então não me parece uma coisa consistente, porque a influência do dinheiro é muito pesada. Uma negociação política desse tipo, para gerar confiança, precisa se sustentar em outros princípios, para produzir algo mais sólido.
O que acha que Bolsonaro fará com a base de apoio formada no Congresso?
Um alinhamento maior entre o Executivo e o Legislativo obviamente traz vantagens e pode viabilizar algumas coisas, mas vamos ter que esperar para ver. Falta pouco mais de um ano e dez meses para o governo acabar. Se a motivação principal é a reeleição do presidente, o pessoal vai ter que pensar mais no Brasil. Precisa mostrar uma capacidade de organização e planejamento que até hoje não demonstrou, e oferecer tranquilidade ao país.
A pandemia ainda não acabou. Há muita coisa a fazer, mas a gente fica até hoje escutando mensagens contra a vacinação, como se tudo se transformasse numa disputa política. Essas coisas têm que parar. [O presidente] tem que saber falar com a população, e não só com os extremistas à sua volta. Ele não soube conduzir o processo. Agora tem que ajustar tudo isso se quiser a reeleição.
O acordo com o centrão garante proteção contra o avanço dos pedidos de impeachment que se acumulam contra Bolsonaro?
Se o objetivo é esse, pode ser que tenha conseguido alguma proteção, temporariamente. Esse tipo de aliança, quando depende de um fluxo de recursos desse porte, como se falou nesses dias, não sei até onde é confiável. Infelizmente, tem gente que daqui a pouco vai querer mais e mais e mais. O modelo não é baseado em fidelidade e harmonia de objetivos, mas no dinheiro. Então, não sei até onde vai essa garantia.
Existem condições para abertura de um processo de impeachment agora? Precisa ter base jurídica, embasamento contra a autoridade. Há vários pedidos na Câmara dos Deputados. Não li, mas imagino que sejam sustentados por considerações nesse sentido. Você tem uma perda de apoio popular do presidente, mas não tão significativa que leve a essa situação. As condições não existem neste momento.
O afastamento do presidente seria desejável?
Nunca é desejável. Até pode ser, se você tiver uma pessoa desequilibrada no cargo. Aí tem que impedir que prossiga, por uma questão de saúde mental. Mas no geral não. Temos eleições a cada quatro anos, e dá para corrigir qualquer coisa no voto.
O melhor para o país é o presidente eleito governar. Mas ele também tem que entender isso. Se está fazendo alguma coisa errada, dá uma corrigida. Se está falando demais, fala menos. Se está se comunicando de forma belicosa, baixa a bola.
Agora, se [o presidente] faltar, não tem segredo. A linha sucessória está prevista em lei, tem gente responsável por tocar para frente. Não vejo problema nenhum se ele ficar, ou se ele sair. O país não vai parar por causa disso. Passa por aquele trauma e vai em frente. Já tivemos duas vezes essa situação, e o Brasil andou.
O general Luiz Eduardo Ramos, que assumiu a Secretaria de Governo após sua saída, teve papel destacado nas articulações com o centrão. Que consequências terá para o país a volta dos militares à política?
A população vê os ministros que são generais como generais, não como ministros. Isso não é bom, porque compromete a imagem institucional das Forças Armadas. No Exército, a gente sabe que não tem ninguém envolvido com a negociação com o centrão. Mas, para a população, parece que tem. A quantidade de militares no governo é muito grande e alimenta essa percepção.
O Ramos fazer essa articulação está na função dele. Eu não gosto desse tipo de articulação. Gosto de articulação política, mas não dessa qualidade, baseada em recursos financeiros, e principalmente com um grupo que o próprio governo criminalizava. Seria desconfortável para mim.
Quando a imagem da instituição é comprometida, ela se torna responsável pelos erros e pelos acertos, e muito mais pelos erros. As Forças Armadas são instituições de Estado. Podem dar suporte a políticas públicas, levar oxigênio para Manaus, completar a estrada onde a ponte caiu, mas não participam da rotina política. Ainda mais essa, baseada em bate-boca, extremismo, discursos na churrascaria.
Acha que o prestígio das Forças Armadas junto à população será abalado?
Não. A queda de popularidade do presidente resulta do seu comportamento político e do mau desempenho. Pode haver algum reflexo, mas a instituição militar é tão sólida que acho que não foi arranhada.
Nem pelo mau desempenho do general Eduardo Pazuello como ministro da Saúde?
Ele deve ser avaliado como ministro, não como general. Ele não exerce função militar. Pegou o bonde andando, assumindo uma estrutura que já vinha funcionando mal. A administração da pandemia é falha desde o início, porque o governo não assumiu a liderança do processo.
De vez em quando o pessoal fala que está cumprindo uma missão. Missão coisa nenhuma. Você só está cumprindo uma missão quando as Forças Armadas te dão uma tarefa. Quando é como foi no meu caso, ou no dele, ou qualquer outro que foi convidado para participar do governo e aceitou, o problema é seu. Não tem nada a ver com a instituição.
Quando Pazuello assumiu o cargo e foi criticado por sua inexperiência na área, seus defensores justificaram a escolha apontando a formação militar e sua especialidade, logística.
É verdade, mas a logística militar é completamente diferente da logística civil. E ali o problema não era esse. A questão é de política pública de saúde. Ele podia ter segurado a parte logística se continuasse como secretário executivo do ministério, mas ao se tornar ministro passou a ser o responsável pela política de saúde. Aí é que a coisa dá zebra.
O que justificou a reaproximação da cúpula das Forças Armadas com Bolsonaro durante a campanha eleitoral, após décadas de desconfiança por causa do seu histórico de indisciplina?
O presidente Bolsonaro percebeu ali que estávamos no fim de um ciclo iniciado pelos governos do PT e investiu nisso. A aproximação não foi só com as Forças Armadas. Foi com os eleitores, a sociedade. Ele falou tudo que a população queria ouvir, trouxe esperança, criou boa expectativa. Mas seu comportamento no governo tem sido lastimável. Ele não tinha ideia de como fazer, e por isso a prática é diferente do discurso.
Foi mesmo uma surpresa? Na campanha eleitoral, ele nunca escondeu o que era.
Sem dúvida. Mas uma coisa é levar as coisas na brincadeira e fazer grosserias para capturar a atenção do eleitor numa campanha. Quando você ganha e assume a função, você tem responsabilidade num nível muito maior e tem que dar o exemplo.
Você pode emocionar uma parte do eleitorado quando diz que bandido bom é bandido morto. Quando assume, tem que ter um plano de segurança pública. Tem que seguir a lei, verificar o orçamento, aperfeiçoar as instituições, mesmo que sua política seja para valorizar o policial e aumentar sua proteção.
Por que, apesar de tudo isso, a oposição continua tão desarticulada?
O PT se manteve na liderança por muito tempo e só tinha um líder, o ex-presidente Lula. Na hora que ele caiu, ficou sem liderança. Quem ainda fala no PT e em Lula todo dia são os bolsonaristas. O PT tem até que agradecer a propaganda. Mas o partido perdeu a eleição e não consegue mais se organizar como centro da oposição. O que não é bom, porque precisamos de uma oposição ativa, que faça o contraponto [ao governo]. Sem isso, e com todo esse dinheiro, vão passar o trator por cima. Foi o que ocorreu agora na Câmara e no Senado.
No início da pandemia, quando Bolsonaro fez ameaças aos outros Poderes e disse que tinha os militares a seu lado, havia algum risco de ruptura institucional?
De jeito nenhum. Alguns parlamentares, o pessoal civil, a imprensa e parte da população podem ter essa sensação, vendo que tentaram arrastar o Exército como arma para ameaçar. Mas foi puro blefe. Não tem nada disso.
Teve até jurista defendendo a tese de que o Exército podia ser o moderador dos Poderes. Invenção pura. O que existe é a Constituição, e a obrigação que os Poderes têm de se ajustar. Fechem a porta e discutam até chegar a um acordo. As Forças Armadas não têm nada a ver com isso.
RAIO-X
Carlos Alberto dos Santos Cruz, 68
General da reserva do Exército, foi ministro da Secretaria de Governo de janeiro a junho de 2019. No governo Michel Temer, foi secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Comandou tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) em missões para estabilização do Haiti e do Congo
Correio Braziliense: 'Vacina imediatamente para todos os brasileiros', defende Pacheco
Adepto da melhor tradição política mineira, o senador do DEM confia no diálogo para superar entraves nacionais como o acesso a vacinas, a definição de um auxílio aos desassistidos e as medidas para estimular o crescimento econômico
Denise Rothenburg, Guilherme Peixoto, Bertha Maakaroun e Carlos Marcelo, Correio Braziliense
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) nunca viveu dias tão intensos. Eleito presidente do Senado Federal com amplo leque de apoios circunstanciais em 1º de fevereiro, acumulou compromissos ao longo da semana. Em Brasília, reuniu-se com o também recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o minisro da Economia, Paulo Guedes. Na sexta-feira, de volta a Belo Horizonte, “peregrinou” por diversas instituições: esteve com o governador Romeu Zema (Novo) e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD). Foi à Assembleia Legislativa e passou pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Depois, visitou a seccional estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No fim do dia, no seu escritório em BH, respondeu perguntas de jornalistas do Correio Braziliense e do Estado de Minas. Na visão dele, o tripé de prioridades para o próximo biênio já está traçado: saúde, assistência social e crescimento econômico.
Pacheco quer imunização imediata contra covid-19 a todos os brasileiros. Ele reconhece a necessidade de dar apoio aos vulneráveis e crê que a definição dos termos da transferência de renda precisa ocorrer de modo ágil. “Se isso se dará em um novo programa análogo ao auxílio emergencial ou em incremento do Bolsa Família, é uma decisão que será tomada o mais rapidamente possível pelo Congresso, junto à equipe econômica do governo”, disse. Uma das reformas econômicas em pauta é a tributária, que o comandante do Congresso estima entregar em outubro. “A distribuição de renda precisa existir no país, mas passa por um protocolo fiscal e por um sistema tributário mais justo”, explicou. O pacote de mudanças, que engloba alterações na máquina pública e Propostas de Emenda à Constituição (PECs), é visto por Pacheco com olhos esperançosos. “Temos que ter compromisso com as futuras gerações. Medidas amargas e antipáticas precisam ser tomadas para corrigir distorções”, acredita Pacheco.
Em tempos em que os limites da democracia são testados e pressionados por narrativas da extrema direita, Rodrigo Pacheco é enfático ao assinalar o modo que conduzirá a presidência do Congresso Nacional, em “defesa intransigente do estado democrático de direito”. Este foi um dos temas centrais em seu discurso de posse. Apesar disso, contudo, ele considera não haver, neste momento, ameaça concreta contra a estabilidade democrática. “Pelo menos assim considero. As instituições estão fortalecidas e em funcionamento. A democracia está na essência do Brasil hoje”, pontuou, garantindo reação imediata do Congresso caso se configurem situações em contrário. Ele promete buscar a “pacificação” da sociedade, entre instituições e da classe política, adotando, para isso, os fundamentos da ciência, os fundamentos econômicos, sociais e os princípios da Constituição Federal. “Não há muito segredo nisso: é obedecer a Constituição, fazer com que as instituições cumpram seus papéis sem interferir no papel das outras e que respeitemos as posições de cada qual”, afirmou.
Admirador confesso de Juscelino Kubitschek, Pacheco elegeu-se deputado federal em 2014, assumindo pela primeira vez um cargo de representação popular. Quatro anos depois, conquistou a cadeira do Senado Federal. Obteve apoio pluripartidário e circunstancial de partidos da esquerda à extrema direita para dirigir o Congresso Nacional, interlocução esta que pretende manter na condução dos trabalhos legislativos. Nesse sentido, é cuidadoso ao abordar temas que polarizam o debate, como, por exemplo, a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), para investigar as ações do governo federal ante a pandemia. “Randolfe apresentou um requerimento com 31 assinaturas, cumprindo as exigências constitucionais e regimentais. Há a necessidade de se avaliar o fato determinado do requerimento, algo que, como presidente do Senado, ainda não fiz”, afirmou, assinalando que foi aprovado pelo plenário requerimento de Rose de Freitas (MDB-ES) convidando o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, a ir ao Senado nos próximos dias para dar explicações necessárias sobre as políticas do Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia.
Em seus últimos pronunciamentos, o senhor destacou a necessidade de pacificação na política, chegando a fazer uma intervenção do tipo na abertura dos trabalhos do Congresso, diante de manifestações de deputados contra e a favor do presidente Bolsonaro, que estava ao seu lado. Qual a origem dessa guerra? O que há para ser pacificado?
O que precisa ser pacificado é o Brasil, a sociedade, as instituições e a classe política. Há um nível de acirramento, que deveria ser normal da democracia — atrito, divergência —, mas, infelizmente, isso se potencializou. Um atrito de rispidez, de intolerância, de desrespeito à divergência e de não compreender as diferenças. O caminho para a solução de muitos problemas é a ciência, os fundamentos econômicos, sociais, os princípios e a Constituição Federal. O que faz com que isso esteja interligado é um ambiente de pacificação, compreensão e respeito às divergências. Não consigo atribuir, exatamente, a gênese disso. A primeira eleição que tive, em 2014, já foi muito acirrada e polarizada, à beira do desrespeito. De lá para cá, o que acontece na política brasileira é muito esse desrespeito. Mas não é só essa intolerância e disputa muito acirrada da classe política.
Tem algo mais?
É, também, a dificuldade de compreensão dos poderes, de que cada um tem o seu papel — e que têm de ser cumpridos, (pois são) constitucional e legalmente previstos, sem interferir no poder do outro. O ambiente de pacificação deve ser buscado dentro da compreensão de que os poderes são autônomos, livres, e têm que conviver harmoniosamente. Não há muito segredo nisso: é obedecer a Constituição, fazer com que as instituições cumpram seus papéis sem interferir nas outras e que respeitemos as posições de cada qual. Sempre haverá caminhos para solucionar quando não há consenso. Vamos buscar sempre o consenso. Se não há consenso, há os caminhos para estabelecer a vontade da maioria.
Em seu discurso aos senadores, antes da eleição para a Mesa, há ênfase aos princípios constitucionais, à soberania, à cidadania e ao pluralismo, além de defesa intransigente do estado democrático de direito. Há, em sua avaliação, risco às instituições democráticas para que sua defesa intransigente volte à pauta?
Não há ameaça concreta ao estado democrático de direito no Brasil. Pelo menos assim considero. As instituições estão fortalecidas e em funcionamento. A democracia está na essência do Brasil hoje. Se houvesse riscos concretos à democracia, o Congresso Nacional reagiria prontamente. A defesa do estado democrático de direito tem que ser falada insistentemente, justamente para que não surjam riscos concretos. É uma tecla em que temos que bater constantemente. No dia a dia do Senado, temos que incutir, nos projetos, a lógica de defesa da Constituição, que é fundamental
Há previsão para a conclusão da reforma administrativa?
A reforma administrativa está na Câmara dos Deputados. Houve uma opção, entre as casas legislativas, de que a Câmara deveria iniciar essa discussão. Um ponto muito importante: não se pode ter um discurso demonizando servidores públicos ou achando que eles são os problemas do Brasil. Não são. Na verdade, os servidores públicos são a solução dos problemas do Brasil. Quem está fazendo o enfrentamento no dia a dia da pandemia, especialmente àqueles que não têm condições de pagar médicos e hospitais particulares, são os servidores do Sistema Único de Saúde (SUS). Não podemos achar que o funcionalismo é a causa do problema. É preciso ter respeito ao funcionalismo, mas, por outro lado, é preciso exigir produtividade, que o serviço público seja ambiente de competitividade, busca por resultados e jornadas de trabalho efetivas.
O que é preciso mudar então?
A reforma administrativa busca corrigir algumas distorções que existem no sistema brasileiro, que é muito inchado em termos de serviço público, e buscar otimizar para que o servidor seja bem valorizado, mas dentro de uma estrutura em que o país não tenha, a partir de sua arrecadação, uma carga de despesas com pessoal além do possível. Um outro ponto que deve ser discutido na Câmara é se isso deve alcançar quem já está no serviço público. É um caminho para entender a reforma administrativa no Brasil, com efeito doravante. Essa é só uma percepção. O que vai valer é a decisão da maioria do plenário da Câmara e, depois, do Senado.
A reforma vai atingir todos os setores ou certas castas não serão atingidas, como nas mudanças previdenciárias?
A lógica é que isso alcance o funcionalismo em geral. Essa é uma decisão que deve ser amadurecida em ambiente próprio: as comissões e os plenários de Câmara e Senado. Por mais que eu tenha percepções e entendimentos pessoais sobre diversos temas do Brasil, o presidente do Senado não pode impor suas vontades à maioria. Há um colégio de líderes, escolhidos pelos integrantes dos partidos, o plenário e as comissões temáticas. O presidente do Senado tem que cuidar muito para não impor sua vontade e interferir no processo legislativo.
O senhor crê que a reforma administrativa pode impulsionar a criação de um programa de transferência de renda?
Temos que ter compromisso com as futuras gerações. Medidas amargas e antipáticas precisam ser tomadas para corrigir distorções. Não que as distorções únicas estejam passíveis de correções apenas na reforma administrativa. Há a reforma tributária, o aprimoramento de reformas já feitas, outros projetos, as PECs Emergencial, dos Fundos Públicos e do Pacto Federativo, além da relação entre os entes federados. O destravamento da pauta do Senado e da Câmara e o amadurecimento servirão para ter equilíbrio fiscal — não gastar mais que o arrecadado —, ter um sistema tributário transparente, desburocratizado e simplificado, um serviço público eficiente, baseado em meritocracia, e que não seja demonizado, mas valorizado, e encontrar soluções para o Brasil. A distribuição de renda precisa existir no país, mas passa por um protocolo fiscal e por um sistema tributário mais justo.
Eduardo Bolsonaro divulgou que o presidente vai anunciar, esta semana, três decretos sobre porte e posse de armas. Essa pauta é urgente no Senado? Qual é a prioridade dos senadores ante os 35 itens enviados pelo Planalto?
A pauta prioritária do Senado haverá de ser definida pelos líderes partidários na primeira reunião, que acontecerá na terça-feira, às 10h. Minha percepção é de que a prioridade da pauta do Senado deve ser baseada no trinômio saúde pública, desenvolvimento social e crescimento econômico. Ou seja: vacina imediatamente para todos os brasileiros, e todos os procedimentos para permitir que as vacinas cheguem aos brasileiros. O desenvolvimento social é a preocupação que temos com a camada muito vulnerabilizada, que precisa de assistência social. Se isso se dará em um novo programa análogo ao auxílio emergencial ou em incremento do Bolsa Família, é uma decisão que será tomada o mais rapidamente possível pelo Congresso, junto à equipe econômica do governo. O crescimento econômico são as pautas que precisam ser estabelecidas para que o Brasil seja um ambiente seguro de investimentos, com segurança jurídica e estabilidade econômica, social e política.
Por que o senhor menciona estabilidade política?
Neste momento, a estabilidade política é muito importante. A eleição das duas Mesas do Congresso alinhadas entre si e colaborativas reciprocamente com o governo e o Supremo Tribunal Federal (STF), obviamente resguardando a independência dos poderes, é algo muito importante para um caminho de crescimento econômico, gerando o mais importante para uma nação civilizada: emprego e renda por meio da força de trabalho. Esse trinômio deve ser foco imediato de atuação. As outras pautas, legitimamente defendidas por partidos, blocos e senadores — e o Poder Executivo e Bolsonaro também têm suas prioridades —, mas o sentimento do Senado é avaliar cada item e proposta vinda dos senadores, da Câmara, do Executivo e do STF. (As armas de fogo) já foram discutidas no primeiro biênio da legislatura no Senado, em relação ao decreto que acabou sendo revogado. É uma pauta do presidente e dos senadores. Ela deve ser discutida no colégio de líderes para avaliar se deve ser pautada ou não, mas se eu disser que isso é prioridade em momento de pandemia, estaria mentindo. Ela pode ser prioritária em algum momento para senadores, e vamos ter toda a receptividade em pautá-la se for o caso, mas neste momento o foco é o enfrentamento à pandemia.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) colheu assinaturas em prol da criação de CPI para investigar as ações do governo federal ante a pandemia. Se a comissão for aberta, como será a postura do Senado?
Randolfe apresentou um requerimento com 31 assinaturas, cumprindo as exigências constitucionais e regimentais. Há a necessidade de se avaliar o fato determinado do requerimento, algo que, como presidente do Senado, ainda não fiz. Não examinei o requerimento de instalação dessa CPI específica. Na sessão de quinta-feira, um requerimento de Rose de Freitas (MDB-ES) foi aprovado em plenário convidando o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, a ir ao Senado nos próximos dias, em data a ser definida brevemente, para que possa, ele, dar as explicações necessárias sobre as políticas do Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia. Esse é um primeiro ato importante.
O senhor, se fosse contaminado pela covid-19, se trataria com ivermectina e cloroquina?
Se contraísse a covid-19, e nós todos, infelizmente, estamos suscetíveis a isso, obedeceria ao médico que eu procurasse e me receitasse o procedimento adequado. Sou advogado. Se fosse médico, poderia me automedicar. Como não sou, confiaria plenamente no médico que procurasse.
Os mais recentes pedidos de impeachment de Bolsonaro consideram a omissão do governo no combate à pandemia e o receituário de medidas preventivas desqualificadas pela ciência. Há elementos para que esses pedidos prosperem?
Impeachment é algo muito grave, sério e um instituto que não pode ser banalizado. Temos dois episódios de impeachment na história recente do Brasil que foram tristes. (O impedimento) demonstra fragilidade da democracia e da República. É algo que tem que ser analisado com muita responsabilidade. Tem o apelo político, mas também o apelo jurídico. Não me permitiria apreciar nenhum pedido de impeachment, que definitivamente não os conheço em suas inteirezas, por uma razão muito simples: o presidente do Senado e do Congresso tem que ter muita responsabilidade nessa apreciação, haja vista que a análise de admissibilidade do impeachment cabe à Câmara dos Deputados e a seu presidente. Portanto, não opinarei sobre hipóteses de impeachment.
A gravidade da pandemia foi então uma fatalidade?
Independentemente desses pedidos, a pandemia atingiu o Brasil e o mundo de maneira surpreendente, muito severa e trágica. Não há um país ou um estado da federação brasileira que tenha só acertado. Sinceramente, não há qualquer comprovação científica do que deveria ser tomado há um ano sobre a pandemia. Há um estado de incertezas que nos faz ter compreensão de que a sanha de achar culpados a qualquer custo deve dar lugar a um ambiente em que a ciência prevaleça e amadureça, e que façamos um enfrentamento mais inteligente ao que nos exige o momento: facilitar, o máximo possível, o acesso à vacina. É uma obrigação do Estado e um direito do cidadão ter acesso às vacinas. De onde quer que venham, certificadas pela Anvisa, que sejam colocadas à disposição da sociedade.
O DEM, partido ao qual o senhor pertence, está em crise. Enquanto ACM Neto é cotado para ser vice de Bolsonaro em 2022, Rodrigo Maia pensa em deixar a legenda. Qual é a sua posição?
Não me permito discutir projetos eleitorais de 2022, nacional ou estadual, sentando na cadeira de presidente do Congresso. Não vou apreciar essa questão (candidatura no próximo pleito) neste momento. O foco é o mandato de presidente do Senado. Serei o mais colaborativo possível em relação aos outros poderes, obviamente resguardando a independência do Senado, além de buscar ajudar o governo a executar políticas públicas.
Arthur Lira disse que não tem protagonismo de uma Casa nas reformas e afirmou que a Câmara vai tocar a reforma administrativa, e o Senado, a PEC Emergencial. Pareceu, a alguns políticos, que ele tentou marcar uma posição. O senhor, por seu turno, estima oito meses como prazo de entrega da tributária. Qual reforma sai primeiro?
A reforma administrativa está na Câmara. Lira se comprometeu a dar andamento a ela. No Senado, há a PEC Emergencial, a PEC dos Fundos Públicos, recursos bilionários que podem ser alocados no Tesouro para pagar a dívida pública e, eventualmente, sustentar a assistência social que o Brasil precisa. E (também) a PEC do Pacto Federativo, que busca desvincular e descentralizar a política pública e orçamentos para estados e municípios, para facilitar o emprego dos recursos diretamente ao cidadão. Estamos chamando isso, junto com a equipe econômica do governo, de protocolo fiscal. (O pacote) demonstra que o Brasil tem responsabilidade fiscal, vai buscar corrigir as distorções do orçamento e combater o déficit público. Elas tramitarão concomitantemente na Câmara e no Senado.
E a reforma tributária?
A reforma tributária está em uma Comissão Mista. O que estipulamos, na reunião com Lira, foi um cronograma possível. A comissão entrega o parecer até o final de fevereiro, ele é apreciado, e se inicia por uma das casas legislativas, que terá entre três e quatro meses para deliberar, vai à outra Casa e a gente, então, amadurece uma reforma tributária no Brasil. Não é algo simples. A reforma tributária talvez seja a reforma mais complexa que temos para fazer, mas a política é a arte de escolher. Temos que, à luz da técnica, de fundamentos econômicos e ouvindo especialistas, escolher uma opção para arrecadação tributária do Brasil, de modo que o sistema que queiramos adotar seja o melhor possível.
Então não há como cravar quando todo o protocolo fiscal ficará pronto?
Ele será trabalhado como prioridade, mas, obviamente, depende do sentimento. Não é uma vontade pessoal do presidente do Senado. Deve ser trabalhado com o colégio de líderes, que se reunirá na terça-feira, às 10h.
Especialistas creem que a criação de um imposto único tende a concentrar, ainda mais, a renda na União. Qual a sua opinião?
Sobre o mérito dessas propostas, é responsável da minha parte, como presidente do Senado, reservar as instâncias de comissões, Câmara e Senado. A proposta prevê o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) ou o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS). Em uma proposta, há a lógica de unificar impostos federais. Na outra, também ICMS e ISS — aí, tem que identificar a forma de repartição. A opção tem que ser dentro de uma lógica que não sacrifique mais o contribuinte e que se busque fazer, no Brasil, a simplificação, a desburocratização e o combate à sonegação. Há instrumentos próprios para isso. Temos que simplificar o sistema tributário. Não necessariamente haverá redução de encargos, mas pode haver substituição de tributos. São hipóteses que vão ser trabalhadas por técnicos. É uma reforma em que vai haver divergências. Não há como não haver divergências. Só não pode haver algo que signifique quebras de setores inteiros ou prejuízos muito acentuados a um estado em favor de outro.
Os parlamentares bolsonaristas contarão com o seu apoio para colocar em pauta a redução de poderes do STF? O que acha dessa política de enfrentamento de poderes, que mobiliza as redes sociais?
A oposição de ideias é válida e faz parte da democracia. O enfrentamento por si só, sem ideias consistentes, é só um acirramento absolutamente desnecessário que vai contra tudo o que prego: a pacificação das instituições. Não serei defensor, necessariamente, de um grupo ‘A’ ou ‘B’ de deputados. Como presidente do Congresso, vou atender todos os 513 deputados nas boas ideias que tenham. Assim como os outros 80 senadores nos bons propósitos que tenham. Não há adesão ideológica ao grupo ‘A’ ou ‘B’. Penso sempre no bem do Brasil.
O senhor citou duas vezes, em seu discurso de posse e na abertura dos trabalhos do Congresso, o nome de Juscelino Kubitschek. Por que a evocação de Juscelino?
Na minha opinião, foi o maior político da história brasileira. E, orgulhosamente, um mineiro. Pautou-se pela ética, pela decência e pela ideia de desenvolvimento do Brasil. Trouxe a interiorização, industrializou o país e abriu o Brasil para o mundo com uma lógica muito inteligente. Ele fez o que fez como prefeito de BH e presidente da República: a Pampulha e, depois, Brasília. Juscelino Kubitschek deve ser sempre lembrado, cultuado, e seu exemplo sempre sentido pelos que estão na política. Temos que ter um guia. Nosso guia político, em Minas Gerais, na minha opinião, deve ser Juscelino Kubitschek.
Como deseja ser lembrado quando deixar a presidência do Senado?
Pretendo deixar o legado de alguém que honrou suas tradições, suas origens e o estado de Minas Gerais. Que buscou dar soluções ao Brasil em um momento de crise sem precedentes, com uma pandemia que será histórica e lembrada por séculos mundo afora. E estávamos ali a defender a república, o federalismo e o estado democrático de direito, com amor à divergência, buscando encontrar soluções por meio da conciliação das diferenças. (Colaborou Luiza Rocha)
Míriam Leitão: O diplomata que virou pária
No Itamaraty, a expectativa é a de que Ernesto Araújo deixe de ser ministro em março. Seria um alívio para várias gerações de diplomatas, porque ele feriu normas essenciais da boa diplomacia. Um dos problemas para tirá-lo é saber para onde ele pode ser removido. Ele gostaria de ir para Paris, mas o risco é o governo de Emmanuel Macron não dar o agrément, que é o consentimento do país que recebe. Outro risco é o de constrangimento em sessão do Senado, que recentemente rejeitou o nome do embaixador indicado para Genebra, num recado para Araújo. Por isso, uma das possibilidades aventadas é a OCDE, posto que não exige sabatina, já que é uma espécie de embaixador alterno.
Há uma maioria sólida de adversários de Araújo dentro da carreira, mas os últimos acontecimentos aumentaram a indignação. Os olhos dos diplomatas brasileiros acompanharam com estupefação a atitude de Ernesto Araújo na cena em que Jair Bolsonaro berrou palavras sórdidas contra jornalistas numa churrascaria. O ministro aplaudiu, deu gargalhadas, gritou “mito”. Isso provocou repulsa generalizada. Não é nem mais uma questão de gostar ou não do governo, disse uma fonte diplomática, aquilo aviltou a própria Casa, até porque houve matérias no exterior descrevendo a baixeza da cena.
Ernesto Araújo tem também adversários fora do Itamaraty. O vice-presidente Hamilton Mourão recentemente falou que ele sairia, mas com isso lhe deu uma sobrevida. Na entrevista ao “Valor”, publicada na edição de sexta-feira, o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, define o centrão como “estabilizador do governo” e diz que “a condução do Itamaraty hoje prejudica o Brasil” e por isso “tem que mudar”.
Os críticos de Ernesto podem ter motivos diversos, mas existem fatos concretos contra ele. Na área científica do governo, a convicção é que o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que acaba de chegar da China para a Fiocruz, demorou semanas a mais pelos atritos criados pelo ministro com os chineses. No caso da Índia, a trapalhada de anunciar a ida do avião antes de conversar com as autoridades indianas causou o maior ruído no país fornecedor. A diplomacia existe para aplainar terrenos, desatar nós, dissolver conflitos. O pior problema não são os delírios persecutórios de Ernesto Araújo, mas o prejuízo que ele dá aos cofres públicos, anulando o empenho de servidores qualificados para o trabalho diplomático.
— A grande maioria dos nossos colegas acha que ele não tem o direito de destruir o Itamaraty como tem feito. O problema não é ideológico. O caso dele é clínico. Já há claros sinais precursores de que o tempo dele está terminando. O problema é achar um posto que o aceite. Ele queria que o Brasil fosse um pária, ele se tornou um pária — resumiu uma fonte diplomática.
Naquela série de tuítes sobre o assalto ao Capitólio, Ernesto Araújo fez um raciocínio tortuoso, quase justificando a violência com a hipótese, nunca confirmada, de “infiltrados”. Definiu os invasores do Congresso como “cidadãos de bem” e ainda disse, num comentário descabido, que “grande parte do povo americano se sente agredida e traída pela classe política”. Queria, claro, transpor para o Brasil. Esse episódio, o reiterado embate com a China, as trapalhadas frequentes com vários parceiros obrigam muita gente a consertar seus estragos. Suas ações têm um amadorismo que envergonha uma diplomacia outrora orgulhosa do seu profissionalismo.
Quem poderia ir para o lugar de Ernesto Araújo? Há quem fale na ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se a escolha for de fora da carreira. Ela impressiona os diplomatas pela sua habilidade em negociação, apesar da incapacidade de entender o cerne do problema ambiental, que será mais importante durante o governo Biden. Se for da carreira, há pelo menos um que faz campanha com bajulações explícitas, e há os que têm chances de reequilibrar o Itamaraty. Existem muitos que preferem distância do atual governo.
Ernesto Araújo tem levado doutrinadores extremistas para falar para os diplomatas jovens e estudantes do Instituto Rio Branco. Não tem tido sucesso nessa tentativa de lavagem cerebral, como se viu pela última turma, que escolheu o poeta João Cabral de Melo Neto como patrono. Ernesto Araújo, ao violentar tanto as normas da boa diplomacia, tem produzido sua antítese. Está aumentando no Itamaraty a defesa da diplomacia como carreira de Estado.