democracia
Murillo de Aragão: O momento pré-eleitoral
O ambiente é de total indefinição e surpresas devem acontecer
Uma das lições de 2018 foi tirada do início prematuro da pré-campanha e da curta duração da campanha presidencial em si. A campanha curta decorreu da imposição de limites de gastos por candidatura e do fim das doações milionárias de empresas, bem como da decisão do Congresso Nacional de reduzir pela metade o tempo da campanha.
As decisões do Legislativo e o ambiente polarizado por causa da Operação Lava-Jato e pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff aqueceram a pré-campanha. Ao mesmo tempo, a Lava-Jato, com seus acertos e excessos, devastou o mundo político.
Poucos, além de Jair Bolsonaro, perceberam o alcance das mudanças e o início prematuro da corrida eleitoral. No começo de 2017, ele já estava em plena atividade eleitoral. Aproveitava-se de três fatores: não ser levado a sério pelo mundo político como candidato, do desgaste do establishment político com o avanço das investigações de corrupção e o uso intensivo e eficiente das redes sociais.
Fato é que, às portas das eleições de 2018, remanesceram duas narrativas: Bolsonaro como o candidato anti-establishment e Fernando Haddad como o “procurador” do lulismo. O centro e as periferias não conseguiram se posicionar. Ficaram pelo meio do caminho.
“O espaço para candidaturas e alianças potencialmente improváveis ainda está em aberto”
Considerando o quadro atual, como estamos em termos de pré-campanha? Vale lembrar Juan Manuel Fangio, multicampeão argentino de Fórmula 1, que dizia: “Carreras son carreras, y terminan cuando se baja la bandera de cuadros”. A máxima é reforçada pelo fato de as circunstâncias de 2018 não mais estarem presentes. Temos um ambiente político muito diferente. Mas, como sempre, cheio de eventos inesperados.
Dois deles se destacam. O primeiro é a pandemia de Covid-19, tema que entrou na agenda no início de 2020 e que continuará a afetar a política e a economia até as vésperas das eleições. Tanto pelo aspecto sanitário quanto pela questão econômica. O outro é a entrada de Lula no rol de pré-candidatos.
A potencial polarização Bolsonaro versus Lula — que existiu em 2018 — e a desorganização política dos partidos de centro nos remetem a uma história conhecida. Mas, talvez, o cenário não seja tão óbvio.
A demora na queda da taxa de mortalidade e a lentidão no processo da vacinação terão reflexos sérios na construção de narrativas. E a CPI da Pandemia, mesmo que, eventualmente, seja tutelada por uma maioria governista, servirá de palanque para ataques ao governo. O governo, pelo seu lado, ainda enfrenta a indefinição sobre como a economia vai se comportar em 2022. No centro, a falta de um candidato natural e a desunião dos partidos são enigmas a ser resolvidos. A fragmentação da esquerda também é uma questão.
Todos os problemas hoje estão ocorrendo da porta para dentro nos arraiais políticos. Enquanto isso, o eleitor não polarizado assiste ao desenrolar da história e aguarda a passagem do tempo para tomar a sua decisão. O espaço para eventuais candidaturas surpreendentes e alianças potencialmente improváveis ainda está em aberto. Afinal, o Brasil não cansa de surpreender.
Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734
Eliane Brum: Biden ameaça sujar as mãos com Bolsonaro
Ao negociar com o extremista de direita que governa o Brasil, o presidente democrata se arrisca a cometer a maior interferência no destino do Brasil desde a ditadura
O apoio decisivo dos Estados Unidos às ditaduras da América Latina na segunda metade do século 20 é conhecido e bem documentado. O que não se esperava é que, justamente neste momento da história, em que os Estados Unidos acabaram de enfrentar o maior e mais traumático ataque à sua própria democracia, Joe Biden possa decidir fortalecer o autoritário Jair Bolsonaro. Os governos de Bolsonaro e de Biden conversam a portas fechadas sobre um bilionário investimento na Amazônia que poderá ser anunciado na Cúpula de Líderes sobre o Clima promovida na próxima semana, em 22 e 23 de abril, pelos Estados Unidos.
MAIS INFORMAÇÕES
- 'Governo Bolsonaro decreta a morte de um pedaço da Amazônia', por ELIANE BRUM
- Biden começa seu mandato com uma guinada na gestão da pandemia e do meio ambiente
- Às vésperas de Cúpula do Clima, Governadores preparam carta a Biden para driblar protagonismo negativo de Bolsonaro
Amplos setores da sociedade brasileira veem na negociação um movimento inaceitável para legitimar Bolsonaro no momento em que ele é tratado pelo mundo democrático como “ameaça global” e amarga uma queda na sua popularidade devido à media de mais de 3 mil mortes diárias por covid-19. Quem conhece Bolsonaro também tem certeza de que, se Biden botar dólares na conta do Governo brasileiro, o presidente e sua quadrilha encontrarão um jeito de abastecer os bolsos dos depredadores da Amazônia, uma importante base eleitoral para catapultar as chances de uma reeleição em 2022.
O impasse não é confortável para o Governo do democrata Joe Biden. Em seu discurso de posse, ele anunciou o combate à emergência climática como uma de suas maiores prioridades. Ainda na campanha eleitoral, já havia anunciado a intenção de investir 20 bilhões de dólares na proteção da Amazônia. Não há possibilidade de controlar o superaquecimento global, bandeira cara à ala mais progressista do Partido Democrata, sem a maior floresta tropical do mundo. Por outro lado, a deliberada inação do Congresso brasileiro, sentado sobre mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro, torna difícil qualquer ação por parte do líder americano: por um lado, a proteção da Amazônia já se tornou emergencial, dada a crescente savanização da floresta; por outro, a premência obriga o Governo americano a negociar com o principal responsável pela aceleração da destruição.
O que fazer, então? Certamente não negociar a portas fechadas com um Governo que, apenas entre agosto de 2019 e julho de 2020, desmatou mais de 11 mil quilômetros quadrados, o equivalente a riscar do mapa uma área de floresta do tamanho de sete cidades de São Paulo. Os índices de desmatamento de março de 2021, o último mês fechado, já são os maiores dos últimos seis anos, com a extinção de 367 quilômetros quadrados de mata. E, também, não negociar com um extremista de direita denunciado por povos indígenas e outros setores da sociedade brasileira e internacional como “genocida”, em comunicações ao Tribunal Penal Internacional. E, ainda, não negociar com um governante apontado por pesquisas internacionais como o pior gestor da pandemia, cujas ações para disseminar o novo coronavírus com o objetivo de atingir imunidade por contágio ameaçam hoje o controle global da covid-19, ao converter o Brasil num criadouro de novas variantes.
O primeiro a propagandear a surpreendente amizade com o Governo de Biden foi justamente o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, um fraudador ambiental condenado. Salles, que anunciou com orgulho num programa de TV que assumiu a pasta sem nunca ter visitado a Amazônia nem saber quem era Chico Mendes, tem entre suas credenciais uma condenação por fraudar documentos e mapas para beneficiar mineradoras quando era secretário do meio ambiente do Estado de São Paulo. Quando a covid-19 atingiu o Brasil, defendeu numa reunião do governo que deveriam aproveitar que a imprensa estava distraída com a pandemia “para passar a boiada”, o que significava afrouxar ainda mais a legislação ambiental sem se arriscar à reação da sociedade. Em sua gestão, o marco legal de proteção, assim como os órgãos de fiscalização, foram enfraquecidos.
Chamado no Brasil e em parte do mundo de antiministro do meio ambiente ou ministro contra o meio ambiente, Salles estava tão afoito para divulgar as negociações com os americanos que deu uma entrevista à jornalista Giovana Girardi, repórter do jornal O Estado de S. Paulo, na casa da sua mãe. Fez questão de alardear que estava pedindo aos americanos 1 bilhão de dólares a cada 12 meses para reduzir o desmatamento da Amazônia em 40%. A trucagem de Salles não agradou aos negociadores americanos, que foram propositalmente expostos, e moveu uma forte reação contrária de amplos setores da sociedade brasileira.
Na semana passada, 199 organizações, de indígenas a cientistas, de ambientalistas a jornalistas, assinaram uma carta na qual afirmam: “O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos”. Entre as várias surpresas da negociação entre os governos Biden e Bolsonaro está o fato de que nenhum dos protagonistas da sociedade civil, os que vêm lutando e morrendo pela Amazônia há décadas, foram chamados para participar.
Na segunda-feira, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou um vídeo em inglês direcionado ao presidente estadunidense: “Caro Joe, nós sabemos que a Casa Branca está fazendo um acordo climático secreto com Bolsonaro. Nós, brasileiros, precisamos te alertar: não confie em Bolsonaro. Não deixe esse homem negociar o futuro da Amazônia. Ele declarou guerra contra nós. Contra os povos indígenas. Contra a democracia. Ele está espalhando covid-19, mentiras e ódio”. E finaliza: “É a Amazônia ou Bolsonaro. Não dá para conciliar os dois. De que lado você está?”.
Diante da reação crítica, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, o texano Todd Chapman, se apressou a tentar virar a maré de constrangimento, afirmando, durante uma reunião virtual privada no domingo, da qual participaram políticos, diplomatas e empresários brasileiros convidados, que o Governo Bolsonaro vai precisar “mostrar preocupação ambiental para recuperar a confiança dos americanos e ampliar as relações com a Casa Branca”. Segundo a Folha de S. Paulo, o embaixador estadunidense classificou a cúpula do clima como “uma oportunidade” para o Brasil virar o jogo e resgatar a preocupação ambiental diante dos olhos do mundo. E aí vem a parte mais interessante. O embaixador afirmou que o país vai “se tornar herói” se fizer uma “declaração contundente”, retomando seu papel de protagonista no debate sobre o meio ambiente.
Como o Brasil hoje é governado e representado por Jair Bolsonaro, Chapman, uma escolha de Donald Trump para a embaixada brasileira, está acenando com um Bolsonaro herói da Amazônia. O problema é que nem na cabeça dos roteiristas mais imaginativos da HBO ou da Amazon essa transmutação soaria remotamente verossímil. O que está se desenhando, ao contrário, é mais um enredo no estilo de Al Capone. Bolsonaro e seu fiel lobista Salles desmontam a legislação ambiental e enfraquecem os órgãos de proteção, estimulam grileiros, madeireiros e garimpeiros a invadir as áreas públicas da floresta, deixam a covid-19 se alastrar pelos territórios indígenas e, quando a pressão internacional aperta, fazem um show pirotécnico com Exército e/ou Força Nacional, escanteando mais uma vez os fiscais do Ibama.
Os resultados estão aí para qualquer americano ver. Com a decisiva colaboração de Bolsonaro e de Salles, as pesquisas mais recentes mostram que áreas da floresta amazônica já começam a emitir mais carbono do que absorvem. Se a destruição da floresta que ainda está em pé continuar e se a floresta degradada não for recuperada, isso significa que em breve a Amazônia vai se tornar parte do problema e não mais parte da solução.
Bolsonaro e Salles destroem a Amazônia e atacam os povos da floresta em proporções só vistas na ditadura civil-militar (1964-1965) e depois pedem dinheiro para parar. Há ainda mais uma malandragem na proposta do também chamado “sinistro do meio ambiente”: apenas um terço dos recursos iriam diretamente para a proteção da floresta. Os outros dois terços seriam investidos em “desenvolvimento econômico” da região. Alguém já viu esse modus operandi em algum lugar? Pois é. Não para por aí o comportamento de gângster. Para alguns negociadores experientes, os Estados Unidos podem estar pagando também para que Bolsonaro não destrua qualquer possibilidade de acordo nas próximas cúpulas do clima.
Ricardo Salles, como alfineta um ambientalista, não levanta da cama pela manhã se não for para botar a mão em dinheiro que possa controlar. Esse foi justamente o problema dele com o Fundo Amazônia, que garantia ao Brasil um volume de recursos na casa dos bilhões da Noruega e também da Alemanha e que acabou sendo congelado porque Salles tentava desvirtuá-lo. Salles queria o que ele mesmo definiu como “uma mudança no modelo de gestão de recursos”. Os europeus desviaram da casca de banana.
Pode ser um tanto inusitado negociar com tal personagem. A repórter Marina Dias, da Folha de S. Paulo, conta que num dos slides apresentados por Salles em uma reunião com integrantes da equipe de John Kerry, Enviado Especial para o Clima do Governo Biden, havia a imagem do que os brasileiros chamam popularmente de “TV de Cachorro”: um vira-lata esfomeado olhando os frangos assando e girando numa máquina. As aves de Salles tinham cifrões estampados no corpo. Acima, estava escrito: “Payment Expectation” (expectativa de pagamento). É fácil imaginar quem é o cachorro e quem é o franguinho.
Poderia se cogitar que Biden e sua equipe não tenham aprendido o suficiente sobre como funciona a corja de populistas de extrema direita que corroem a democracia mundial, da qual Bolsonaro, depois da derrota sofrida por Trump, é o exemplo mais vistoso. Mas ninguém é ingênuo o suficiente para acreditar na ingenuidade de negociadores americanos. Nessa mesa há ainda muitas cartas nebulosas: entre elas, o temor da China avançando várias casinhas sobre a Amazônia brasileira e outras partes do planeta, o que já está acontecendo, os impasses em torno da tecnologia 5G e também a pressão das grandes corporações, que querem seguir lucrando sem sofrer boicotes por usar matérias-primas originadas no desmatamento. Nesse jogo, o mais lento voa.
É compreensível, necessário e desejável que Biden queira investir na proteção da Amazônia também pelas mais corretas e louváveis razões. É, porém, inacreditável, inaceitável e abjeto que Biden faça isso dando dinheiro ao maior inimigo da Amazônia e de seus povos. Em sua defesa, negociadores americanos têm dito que Bolsonaro foi eleito democraticamente e que é urgente proteger a Amazônia.
Sim, como Donald Trump, Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente. Bolsonaro, porém, assim como Trump, não é um democrata, em nenhum sentido que esse termo possa ter. Bolsonaro e sua quadrilha só permanecem no Governo depois de todas as atrocidades que cometeram porque o Congresso é dominado por um grupo de parlamentares de aluguel chamado de “Centrão”. Também porque a massa de pessoas que clama pelo impeachment não pode ir às ruas porque o país está tomado pela covid-19 e, graças à diligência de Bolsonaro, sem garantia de vacinas em número suficiente.
Os olhinhos ávidos de Bolsonaro sempre brilharam diante de Donald Trump. Junto com o ditador norte-coreano Kim Jong-un, o brasileiro foi um dos governantes do mundo que mais demorou para reconhecer a vitória de Joe Biden sobre seu ídolo do topete laranja. Também justificou a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, sustentando a mentira trumpista de “fraude” na eleição. Trump, porém, sempre afagou a cabeça do seu garoto, mas jamais cogitou dar o que os americanos chamam de “serious money” ―uma quantia decisiva de dinheiro―ao seu Governo. O investimento na Amazônia pretendido por Biden, nos moldes em que está sendo negociado, poderá significar um apoio ao governo Bolsonaro que nem o próprio sonhou.
Se a urgência de proteger a Amazônia não pode esperar o fim do governo predatório de Bolsonaro, é necessário garantir a participação nas negociações de quem realmente protege a floresta ―contra as agressões de Bolsonaro. Como as lideranças indígenas e as organizações socioambientais, essas que Bolsonaro chama de “câncer”. É também obrigatório condicionar a liberação do dinheiro a ações reais e resultados concretos. Fundamentalmente, nos campos da ética, da decência e dos direitos humanos, pouco populares em negociações internacionais, o desafio de Biden é dar uma resposta coerente à pergunta para lá de espinhosa: é possível negociar com um extremista de direita chamado de “genocida” por grande parte do seu povo, responsável por milhares de mortes evitáveis e pela aceleração do desmatamento da Amazônia?
Se as negociações seguirem na toada atual, Biden poderá sujar as mãos logo na arrancada de sua pretensão a liderar o mundo democrático no enfrentamento da crise climática. E, com a justificativa de proteger a Amazônia, realizar a mais decisiva interferência no destino do Brasil por um governo americano desde a ditadura. A Amazônia, cada vez mais perto do ponto de não retorno, precisa ser protegida pela sociedade global com urgência. Mas não se fará isso dando bilhões de dólares para seu maior predador e sua quadrilha de destruidores ambientais.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de ‘Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro’ (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum
BBC Brasil: Brasil é 4º país que mais se afastou da democracia em 2020, diz relatório
O Brasil é o quarto país que mais se afastou da democracia em 2020 em um ranking de 202 países analisados. A conclusão é do relatório Variações da Democracia (V-Dem), do instituto de mesmo nome ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia
Mariana Sanches, Da BBC News Brasil em Washington
Publicado em março de 2021, o documento é um importante instrumento usado por investidores e pesquisadores do mundo todo e do Brasil para definir prioridades de ações globalmente.
- CPI da Pandemia: qual pode ser o resultado de comissão que vai investigar ‘ações e omissões’ do governo Bolsonaro
- Militares foram 'sábios' ao escolher Constituição em vez de Bolsonaro, diz Financial Times
De acordo com o índice, no qual 0 representa um regime ditatorial completo e 1, a democracia plena, o Brasil hoje registra pontuação de 0,51, uma queda de 0,28 em relação à medição de 2010, que ficou em 0,79.
A queda do país só não foi maior do que as de Polônia, Hungria e Turquia. Os dois últimos, um sob regime do direitista Viktor Orban e outro sob comando do conservador Recep Erdogan, se tornaram oficialmente autocracias, na classificação do V-Dem.
"Quase todos os indicadores que usamos mostram uma drástica queda do Brasil a partir de 2015. O único ponto em que o país não perdeu de lá pra cá foi em liberdade de associação", disse à BBC News Brasil o cientista político Staffan Lindberg, diretor do Instituto Variações da Democracia.
O índice é formulado a partir da contribuição de 3,5 mil pesquisadores e analistas, 85% deles vinculados a universidades ao redor do mundo.
O resultado de cada país advém da agregação estatística dos dados para 450 indicadores diferentes, que medem aspectos como o grau de liberdade do Judiciário e do Legislativo em relação ao Executivo, a liberdade de expressão da população, a disseminação de informações falsas por fontes oficiais, a repressão a manifestações da sociedade civil, a liberdade e independência de imprensa e a liberdade de oposição política.
Onda autocrática global
De acordo com o relatório, o mundo vive o que os pesquisadores consideram uma onda de expansão das autocracias iniciada em 1994.
Essa seria a terceira onda desde 1900 (as duas primeiras aconteceram entre os anos 1920-1940 e entre o começo dos anos 1960 e o final dos anos 1970).
Se, em 2010, 48% da população mundial vivia sob regimes considerados não democráticos, em 2020 esse percentual subiu para 68% e retornou ao patamar observado no início dos anos 1990.
No grupo do G-20 - que agrega as maiores economias do mundo -, além de Brasil e Turquia, a Índia também apresentou uma queda nos parâmetros democráticos tão significativa que deixou de ser considerada a maior democracia do mundo e passou a ser classificada como autocracia com eleições pelo V-Dem.
Segundo os pesquisadores, os processos de Índia, Turquia e Brasil, apesar de estarem em estágios diferentes, seguem um mesmo roteiro. "Primeiro, um ataque à mídia e à sociedade civil, depois o incentivo à polarização da sociedade, desrespeitando os opositores e espalhando informações falsas, para então minar as instituições formais", diz o relatório.
"Estamos muito preocupados porque percebemos que Bolsonaro tem dado claros sinais que condizem com os padrões de comportamento de outros líderes autocráticos que vimos atuar antes, como Viktor Orban. São movimentos preocupantes para a sobrevivência da democracia brasileira", afirma Lindberg.
Ainda longe da autocracia
O índice V-Dem de 2021 foi finalizado antes da recente crise do presidente brasileiro com as Forças Armadas.
Em março, foi anunciada a saída do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o que desencadeou também a troca dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Em sua carta de demissão, Azevedo e Silva afirmou que "neste período (à frente da pasta), preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", o que provocou questionamentos sobre uma possível tentativa de politização do Exército Brasileiro por Bolsonaro, que tem usado corriqueiramente a expressão "meu Exército" para se referir às Forças Armadas do país.
Antes disso, porém, o atual presidente brasileiro já atacou reiteradas vezes a imprensa, se mostrou elogioso à ditadura militar instaurada nos anos 1960 e endossou uma manifestação de apoiadores seus que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal.
Pouco antes de ser empossado, Bolsonaro chegou a afirmar que mandaria seus opositores para a "ponta da praia", uma aparente referência à base da Marinha na Restinga da Marambaia, no Rio, onde presos foram torturados e mortos durante o regime ditatorial brasileiro.
"Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Vocês não terão mais ONGs para saciar a fome de mortadela. Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil", disse o então presidente eleito em 2018.
Esses aspectos contribuem para os atuais resultados do país. Outros índices também apontam para um retrocesso da democracia brasileira nos últimos anos, embora a queda seja mais branda.
A ONG Freedom House avaliou que a democracia brasileira atingia 79 pontos, em uma escala de 0 a 100, em 2017. Atualmente, o índice recuou para 74.
Para Lindberg, embora os dados sobre Brasil sejam preocupantes, o país ainda está longe de ser enquadrado como uma autocracia, como aconteceu com Turquia e Índia, e isso se deve à qualidade do sistema eleitoral brasileiro.
"Embora ainda haja algumas irregularidades de votação, um pouco de intimidação eleitoral ou de compra de voto, as eleições no Brasil seguem sendo livres e justas, e é possível trocar o comando do país por meio delas", diz Lindberg.
Segundo ele, o sistema de voto eletrônico, como o usado no Brasil, tem se mostrado seguro e confiável. Bolsonaro, no entanto, tem feito uma campanha pelo voto impresso no Brasil e dito que o país pode repetir a história das últimas eleições americanas, quando Trump alegou fraude sem provas, se não mudar o sistema eleitoral.
E se a guinada autocrática atinge grandes populações ao redor do mundo, de outro lado, os processos de democratização, embora aconteçam, se concentram em países menores, como o Sri Lanka, Tunísia e Armênia.
Para os pesquisadores, isso se deve ao fato de que esses países estão relativamente mais distantes da influência de potências autocráticas, como Rússia e China, e parecem ter conseguido encaminhar suas dinâmicas políticas internas para um sistema mais livre.
Podcast homenageia 80 anos do poeta Capinan
Artista baiano sempre defendeu a democracia e a justiça social em sua carreira
O poeta, escritor e compositor baiano José Carlos Capinan completou 80 anos, com grandes contribuições para a cultura brasileira. Médico, publicitário e jornalista, fez parcerias com Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Roberto Mendes, Paulinho da Viola, Geraldo Azevedo e João Bosco, entre outros.
Ouça o podcast!
Para homenagear esse importante artista brasileiro, o terceiro episódio do podcast da Rádio FAP debate temas como a história da música popular brasileira, tropicalismo, cultura afro-brasileira, direitos autorais e o cenário da pandemia no Brasil. O programa conta com áudios dos canais Vevo e BeAreYou, no Youtube, além de participações especiais da ativista social Raquel Dias e do músico Armandinho.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz, gerente de Comunicação da FAP.
Antônio Fausto: Gorbachev e a democracia
Há trinta anos era extinta a URSS e caía seu presidente, Mikhail Gorbachev, qualificado estadista soviético, que iniciou uma era de mudança reformadora, a partir de 1985. Precedida por quase setenta anos, desde a Primeira Guerra Mundial e tomada do poder por via revolucionária, uma guerra civil devastadora, intervenção estrangeira, desordem econômica, desemprego e fome. Uma ditadura pessoal de trinta anos, implacável e facinorosa, que militarizou a vida social e criminalizou a atividade política.
Na década de vinte, a Nova Política Econômica-NEP foi uma oportunidade perdida de recuperação, com a introdução de mecanismos de mercado. A par da construção forçada de uma grande economia industrial capaz de enfrentar a invasão nazista e de ganhar a guerra contra a Alemanha, ao lado das potências ocidentais.
A sucessão de Stálin, após 1953, dividiu o círculo próximo do ditador e teve um desfecho sangrento, com a execução do chefe da polícia, famoso por sua crueldade e ambição de poder.
O novo governo, liderado por Nikita Kruschev, antigo comissário político do Exército, em Stalingrado, teve o mérito histórico da denúncia dos crimes e do culto à personalidade do ditador, de uma anistia parcial de presos e perseguidos políticos e de outras medidas liberalizantes do regime.
Abrandamento dos “gulagui” (campos de prisioneiros e trabalho forçado) e da censura da imprensa, da literatura e das artes. Escritores até então perseguidos, puderam publicar seus livros. Kruschev lançou a política de coexistência pacífica com os antigos aliados da Segunda Guerra Mundial e conteve os impulsos belicistas e autoritários do Maoismo, na China.
Mísseis em Cuba
Seu maior erro político, no campo internacional, foi a colocação de mísseis em Cuba, que por pouco não levou a uma guerra nuclear com os Estados Unidos, implicando em queda do governo e restauração mitigada da Nomenclatura, a casta dirigente da URSS, desde os tempos de Stálin, a cujos integrantes o povo chamava, sarcasticamente, de “magnatas”. O governo Kruschev foi a primeira tentativa, embora malograda, de reforma democrática e modernização do sistema soviético.
Atraso e dependência de importações na Agricultura, baixa produtividade da Indústria e dos Serviços, ganhos imerecidos e burocracia, conjugados ao retorno do autoritarismo e da censura, repressão de dissidentes, estendidos aos países do Leste europeu, com intervenções militares na Hungria, Tchecoslováquia, Polônia e até mesmo no Afeganistão. Construção do Muro de Berlim. Foi o chamado período de estagnação, que levou inquietação às elites dirigentes internas e divisão do movimento socialista e democrático internacional.
O historiador I. Afanassiev escreveu: “Nosso sistema gerou uma categoria de indivíduos sustentados pela sociedade, mais interessados em receber do que dar. Consequência de uma política de igualitarismo que invadiu totalmente a sociedade soviética. O Homo soviéticos é ao mesmo tempo lastro e freio. De um lado se opõe à reforma, por outro, constitui a base de apoio para o sistema existente”. Nesse aspecto, muito parecido com as corporações do serviço público brasileiro.
Gorbachev
Em meio às perdas na competição com o Ocidente, assume o governo e a liderança política da URSS, Mikhail Gorbachev, que passou a representar os anseios reformistas de parcela significativa da Sociedade e dos próprios grupos dirigentes. Pela primeira vez, em sete décadas de sistema soviético, é colocada a questão da legalidade, do Estado de direito e da construção socialista com democracia, racionalidade econômica, sem o igualitarismo improdutivo vigente até então.
Segue-se ampla anistia, com extensão póstuma, o desmantelamento dos “gulagui”, abolição da censura aos meios de comunicação e uma reforma constitucional democratizante e modernizadora.
Na Economia e Administração Pública, a Perestroika (reestruturação), a busca da produtividade e eficiência aproximadas do capitalismo desenvolvido. Mecanismos de mercado, redução gradual do planejamento centralizado e dos subsídios fiscais e monetários.
Suspensão do financiamento e da tutela política das chamadas democracias populares do Leste europeu, da Alemanha Oriental e de Cuba. Retirada de tropas do Afeganistão e demais países.
A tentativa de golpe militar da ala conservadora da Nomenclatura, a debandada das repúblicas soviéticas e outros eventos políticos levaram à queda de Gorbachev e à dissolução da URSS. Mas a contribuição de seu governo ao socialismo com democracia, legalidade e racionalidade econômica lhe confere um protagonismo histórico vitorioso ante o futuro da luta dos trabalhadores e demais classes avançadas por liberdades políticas, justiça social, paz e cooperação entre os povos e defesa do meio-ambiente.
*Antonio Fausto é administrador
FAP realiza evento on-line com escritor e compositor José Carlos Capinan
Letrista receberá homenagem da fundação, no dia 7 de abril, às 17 horas
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O poeta, escritor e compositor José Carlos Capinan mantém a celebração de seus 80 anos, completados em 19 de fevereiro, marcando a trajetória aliada à força das palavras para mover a cultura, a poesia, a música e a literatura brasileiras. Sempre defendeu a democracia e a justiça social.
Nascido em 1941 em arraial de Três Rios (BA), mas registrado na vizinha cidade litorânea da Esplanada, Capinan ganhou notoriedade pelas letras de músicas que escreveu para compositores nacionalmente conhecidos.
Confira o vídeo!
Entre eles estão Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Jards Macalé, Paulinho da Viola, Geraldo Azevedo, João Bosco, Roberto Mendes, entre outros destacados nomes.
Por causa de sua grande contribuição para o país, Capinan, que também é jornalista, vai receber homenagem da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em evento on-line, no dia 7 de abril (quarta-feira), a partir das 17 horas.
Com o nome “Capinan 80 anos: Vida e poesia. Uma conversa com o poeta, compositor e escritor José Carlos Capinan”, o encontro virtual será transmitido pelo site e canal da FAP no Youtube, assim como no perfil da entidade no Facebook, simultaneamente.
Resistência à ditadura militar
Mais do que qualquer descrição, a palavra resistência é a que mais bem resume Capinan. Em 1964, ano de início da ditadura militar, Capinan chegou a São Paulo (SP), a partir de Salvador (BA), onde já havia se envolvido com teatro e política estudantil.
Em meio à repressão política, colheu sua ascensão como letrista da MPB, criada e projetada a partir de 1965 em festivais. Capinan teve formação ideológica em CPCs (Centros Populares de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes) de Salvador (BA), cidade para a qual, em 1960, ele havia ido estudar direito em universidade da capital baiana. Também foi militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro).
Capinan participou, desde a década de 1960, de todos os eventos culturais mais importantes do país, do movimento tropicalista até os dias de hoje. Ele é do Conselho Editorial da Revista Política Democrática.
A seguir, veja os participantes do evento on-line em homenagem a Capinan.
George Gurgel de Oliveira: da UFBA, da cátedra da Unesco em Sustentabilidade. Conselheiro da FAP e do Museu da Cultura Afro-brasileira da Bahia.
Ivan Alves Filho: historiador, jornalista e documentarista brasileiro.
Luiz Sergio Henriques: ensaísta e tradutor
Martim Cesar Feijó: doutor em comunicação pela ECA-USP e professor de comunicação comparada na FAAP. É autor, entre outros, de O que é política cultural (1983), Formação política de Astrojildo Pereira (1985) e 1932: a guerra civil paulista (1998, em parceria com Noé Gertel).
Raquel Nascimento: Gestora pública, ativista social, gerente de suporte técnico no Projeto Awurê e conselheira da FAP.
Serviço
Capinan 80 anos: Vida e poesia. Uma conversa com o poeta, compositor e escritor José Carlos Capinan
Onde assistir:
Site da FAP: www.fundacaoastrojildo.com.br
Facebook: https://www.facebook.com/facefap
Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCg6pgx07PmKFCNLK5K1HubA
FAP cria grupos de trabalho para discutir temas relevantes para sociedade
Diretor-geral da entidade, Caetano Araújo destaca compromisso da fundação em defesa da democracia
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Comprometida com a visão de ser referência para a cultura e a política democrática no Brasil, a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) começou a criar grupos de trabalho para manter debates aprofundados sobre assuntos relevantes e de interesse público que promovam reflexão crítica da sociedade, como raça, gênero, educação e meio ambiente.
A orientação do diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, é fortalecer a missão da entidade de maneira a construir referências teóricas e culturais imprescindíveis para reforma, defesa e consolidação do Estado Democrático de Direito. Fundada em 2000, a fundação é vinculada ao Cidadania e mantém sua função social, inclusive, durante a pandemia.
“A fundação existe há duas décadas, e estamos em contínua progressão. Nos últimos tempos, tentamos aprofundar a discussão sobre temas importantes na perspectiva do partido mantenedor, que é o Cidadania”, afirma Araújo, em entrevista ao portal da FAP.
Doutor em Sociologia e consultor legislativo do Senado, o diretor-geral destaca que a fundação criou grupos temáticos em diversas áreas que estão se reunindo para produzir conteúdo e reflexão crítica, para divulgá-los à sociedade.
Valores inegociáveis
“Há temas que são caros a nós, como democracia, transparência, equidade, sustentabilidade, solidariedade, ética, reformismo, solidariedade e cosmopolitismo”, ressalta, referindo-se aos valores da FAP. “Equidade inclui o combate a toda forma de exclusão e discriminação social”, explica.
Conselheiro da fundação, o doutor em Sociologia Ivair Augusto Alves dos Santos diz que, ao aprofundar debate de assuntos como raça e gênero, a entidade acompanha a tendência mundial. “O objetivo é que a FAP seja protagonista nesse processo e, para isso, tudo passa pela questão da informação”, ressalta.
Ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Santos ressalta que a ideia é fortalecer a discussão sobre os grandes desafios impostos a quem trabalha na política hoje.
Para isso, segundo ele, os atores políticos devem considerar debate sobre necessidade de diversidade nas empresas; estratégia de avaliação delas por meio de governança ambiental, social e corporativa (ESG, por sua sigla em inglês), e discutir reforma eleitoral e democracia, para se garantir inclusão na política e acesso de maneira equitativa e igualitária a recursos de fundos eleitorais.
Risco de retrocesso
“Na Câmara, a reforma política eleitoral busca retrocesso, retirando direitos importantes tanto na questão da mulher, como cotas de 30%, e os recursos”, destaca Santos. “A maior parte dos partidos políticos tem burlado a legislação e não tem feito empenho mais sério na eleição de mulheres e negros”, critica.
Na avaliação de Santos, a pandemia escancarou a desigualdade social. “O fundo da pandemia, para além do sofrimento e da dor, aflorou a desigualdade. Se aprofundou junto à comunidade negra. Não se pode falar de Brasil hoje sem falar de desigualdade social”, assevera ele.
Divulgada em março, pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelou que O desemprego recorde provocado pela pandemia do novo coronavírus teve efeitos mais devastadores sobre os mais jovens, os negros e a região Nordeste.
Outra pesquisa, divulgada pela Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), mostrou que homens negros são os que mais morrem pela covid-19 no país: são 250 óbitos pela doença a cada 100 mil habitantes. Entre os brancos, são 157 mortes a cada 100 mil.
Os dados são do levantamento da ONG Instituto Polis, que analisou casos da cidade de São Paulo entre 01 de março e 31 de julho de 2020. Entre as mulheres, as que têm a pele preta também morreram mais: foram a 140 mortes por 100 mil habitantes, contra 85 por 100 mil entre as brancas.
Serviços de saúde
Além disso, a cada 5 brasileiros que possuem somente o SUS como serviço de saúde, 4 são negras. Segundo a mais recente Pesquisa Nacional de Saúde, de 2015, das pessoas que já se sentiram discriminadas nos serviços, por médicos ou outros profissionais de saúde, 13,6% destacam o viés racial da discriminação.
De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), a população negra apresenta os piores indicadores de saúde se comparada aos brancos. Além disso, 37,8% da população adulta e negra brasileira considera a própria saúde entre regular e muito ruim. Entre os brancos, a taxa é de 29,7%.
Os dados são do Ministério da Saúde e apontam também que a proporção de pretos e pardos que fizeram consultas médicas em um ano é menor que a média nacional.
Com informações das principais áreas de interesse da sociedade, a diretoria da FAP informa que pretende contribuir com debates e ações que ajudem a superar o que já é visível, sobretudo, em regiões mais vulneráveis: um país marcado por profundas cicatrizes de desigualdade e exclusão social.
FAP conclama defesa da democracia e mostra preocupação com avanço da pandemia
Em nota pública, Fundação Astrojildo Pereira lamenta perda de milhares de vidas para a Covid-19
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O presidente do Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Luciano Rezende, e o diretor-geral da entidade, Caetano Araújo, divulgaram nota, nesta quarta-feira (31/3), em defesa da democracia e para reforçar preocupação com o avanço da Covid-19. A data marca os 57 anos da instalação da ditadura militar no país, que durou de 1964 a 1985.
Na nota, os representantes da entidade, que é vinculada ao Cidadania, criticam o negacionismo da pandemia, assumido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A doença já matou quase 320 mil pessoas no Brasil, que, segundo a nota, está estagnado economicamente e deixa desamparadas pessoas que precisam de auxílio emergencial.
“A recuperação sustentável tem como condição o equacionamento da crise sanitária, e o auxílio emergencial, fundamental para a sobrevivência dos brasileiros e a manutenção de alguma atividade econômica no ano que passou, pode ser reduzido nos próximos meses, nos seus valores e no seu alcance”, afirma um trecho.
Com o país tomado por intranquilidade, segundo a nota, a FAP manifesta, publicamente, sua grande aflição com o avanço da pandemia e critica a criação de um ambiente hostil no país, “em que, diariamente, se estimula confrontos entre poderes, instituições e sociedade, colocando em risco a ordem democrática”.
A seguir, leia a nota na íntegra.
Nota pública em defesa da vida e da democracia
Assistimos nos últimos dias ao acúmulo de péssimas notícias para todos nós, cidadãos brasileiros. No que respeita à crise sanitária, o número de novos casos da pandemia e de óbitos dela decorrente aumenta assustadoramente.
Há poucos dias oscilávamos em torno da marca, já inaceitável, de duas mil mortes ao dia. Hoje estamos perto de dobrar esse número e não temos sinal algum de reversão dessa tendência.
O negacionismo assumido pelo Presidente da República, devido a sua função de liderança da nação, agrava a má gestão da pandemia, que cobra seu preço.
Tampouco são animadoras as notícias vindas da economia. A estagnação prossegue, a recuperação sustentável tem como condição o equacionamento da crise sanitária, e o auxílio emergencial, fundamental para a sobrevivência dos brasileiros e a manutenção de alguma atividade econômica no ano que passou, pode ser reduzido nos próximos meses, nos seus valores e no seu alcance.
Finalmente, no que se refere à política, vimos uma série de episódios de confronto e instabilidade entre instituições.
Como exemplo, o discurso que estimula a convocação reiterada para a ocupação das ruas, em várias cidades, de manifestantes contra as ações tomadas para combater o avanço do vírus e suas consequências.
Nesse clima de confronto, houve ainda a provocação racista, no recinto do Senado Federal, feita por um influente personagem palaciano.
Finalmente, a mudança repentina do ministério, a partir da demissão do Ministro da Defesa, seguida pela substituição dos três comandantes das Forças Armadas.
Fatos que colocam em risco o equilíbrio das três Forças, no desempenho de suas importantes funções constitucionais.
Neste quadro de complexidade e intranquilidade, a Fundação Astrojildo Pereira vem manifestar de público sua grande preocupação com o avanço da pandemia, a perda de centenas de milhares de vidas, dor, sofrimento nas famílias brasileiras e as graves consequências sociais e econômicas que já se consolidam, em um ambiente em que diariamente se estimulam confrontos entre poderes, instituições e sociedade, colocando em risco a ordem democrática.
Conclamamos também o conjunto dos cidadãos, os partidos políticos, os mandatários eleitos, as organizações da sociedade civil a cerrar fileiras em defesa da democracia no Brasil.
Brasília, 31 de março de 2021
Luciano Rezende
Presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira
Caetano Araújo
Diretor da Fundação Astrojildo Pereira
Marcelo Godoy: Bolsonarismo faz Pazuello permanecer ministro e milícia marchar no Rio
Oficiais assistem incomodados à novela do colega; coronéis repudiam uso de boinas e botas da Brigada Paraquedista em manifestação política, o que seria crime militar
Caro leitor,
o 'ex-ministro' Eduardo Pazuello foi receber um lote de 1 milhão de vacinas importadas que chegou ao Brasil no domingo, dia 21. Há sete dias, o Ministério da Saúde tem um ministro demitido à frente da pasta no momento mais dramático da história recente do País. A presença de Pazuello continua a assombrar generais da ativa e da reserva, assim como a maioria da população, que repudia o negacionista e a obediência cega ao capitão do Planalto. O Estadão mostrou as preocupações de governadores e dirigentes da Saúde com a inação do ministro em meio à ameaça da falta de oxigênio e de remédios para UTIs em hospitais de todo o País.
Há três meses, esta coluna revelou que um pequeno grupo de militares da reserva pedia a saída do especialista em logística da pasta, depois do prejuízo ao erário causado pelos testes que foram esquecidos em um depósito até quase vencer a validade de todos. Desde então, o coro só aumentou. E foi com alívio que muitos militares da ativa e da reserva receberam, na semana passada, a notícia de que Bolsonaro, finalmente, resolvera retirar Pazuello, um general da ativa, de seu ministério.
Desde janeiro, o apoio a Pazuello despencava. Naquele mês, um tenente-brigadeiro até recentemente na ativa disse à coluna, diante da crise de oxigênio em Manaus, que tudo seria mais fácil se o governo não tivesse desistido, em 2019, da compra de um Boeing 767, por cerca de US$ 14,47 milhões – fora os gastos com o suporte da aeronave. O avião teria ajudado a salvar vidas, pois podia fazer “viagens com 250 passageiros ou, no caso, tubos de oxigênio para abastecer Manaus”.
Na semana passada, a indústria química cobrou do ministério a falta de planejamento logístico para o País em meio à crise dos remédios do chamado kit intubação. Quer dizer que, passado um ano de pandemia, o governo não tem ainda um plano? O que fizeram os coronéis levados por Pazuello para o ministério, além de lacrar em entrevistas? Um general alertou logo no começo dessa aventura: cada um assume o cargo com seu CPF. O problema é que muitos queriam fazê-lo em nome do Exército, como se o cargo fosse “missão”.
O constrangimento só aumentou. Pazuello não larga o osso – dizem seus colegas – porque pretendem apaziguá-lo com outro cargo, talvez um ministério ou uma secretária com o mesmo status. Como Jason, aquela personagem de filmes de terror que não desencarna, Pazuello foi demitido, mas não deixa de ser ministro. A situação já não espanta os colegas da ativa. Ninguém entende mais nada. Ou pior. Entende. Mas finge não saber o que se passa. Enquanto mais de 2,2 mil pessoas continuam morrendo em média todo dia no País, o governo gasta tempo discutindo a salvação de um único brasileiro: o general Pazuello.
Não deveria ser tratado como letra morta o que escreveu o cientista político Oliveiros S. Ferreira. “Na Força Armada não há essa distinção entre o 'legal' e o 'moral'. A conduta ajusta-se ou não aos padrões militares.” No Planalto, o imbróglio é colocado na conta do civil escolhido para substituir Pazuello: Marcelo Queiroga. O leitor viu aqui que Queiroga é sócio de uma empresa e, por isso, não pode assumir o cargo. Quer dizer que o presidente resolveu nomeá-lo, mas nenhum Heleno nem ninguém do Gabinete de Segurança Institucional verificou se havia algum óbice para que Queiroga assumisse? Alguém pode perguntar: Mas porque seria importante ter um ministro se quem manda na Saúde é o presidente que manda nebulizar cloroquina em pacientes na UTI? E ainda imita pessoas com falta de ar... E assim o pesadelo continua.
Uma das origens dessa baderna no Planalto é a mistura entre a instituição militar e o bolsonarismo, fenômeno patrocinado pelos próceres do movimento liderado por Jair Bolsonaro. Foram eles que nomearam oficiais generais da ativa para cargos civis no governo. Foram eles que entraram em organizações militares e fizeram discursos políticos para cadetes e alunos. Eles deram o exemplo de indisciplina e desprezo pela gravidade da pandemia, comparecendo a lugares sem tomar cuidado algum. E ainda hoje acreditam em tratamento precoce sem comprovação científica. Eles nunca foram visitar os doentes nos hospitais para levar conforto e apoio e constatar o resultado de sua guerra à ciência.
Enquanto hospitais de todo País alertam há dias para o colapso, Bolsonaro desconfia de tudo, como se as pessoas morressem só para impedir sua reeleição. Seus apoiadores chegam a distribuir áudios negando que o senador Major Olímpio foi vítima da covid-19. Ao Estadão, o ex-ministro e general Carlos Alberto Santos Cruz escreveu: “Houve perda de tempo com banalidades e estamos absurdamente atrasados. É inaceitável que a pandemia tenha sido conduzida sem liderança, com falta de considerações técnicas, com constantes tentativas de desmoralização dos procedimentos apropriados, politização completa de todo o processo e até de medicamentos”. Santos Cruz apoiou Bolsonaro em 2018. Outros como ele se afastam do presidente.
E o que faz o bolsonarismo diante desse quadro? Dobra a aposta. Há uma semana grupos de Whatsapp do movimento foram de novo inundados com manifestações golpistas pedindo “intervenção militar”, um movimento planejado, que deseja a decretação de estado de sítio. Um bando em forma de milícia marchou no domingo, no Rio, usando a boina da Brigada Paraquedista – com o símbolo do Exército – e o "bute marrom". Divulgaram vídeos ameaçando “os esquerdas” – todos os brasileiros que se opõem aos arruaceiros. O uso indevido de uniforme, distintivo e insígnia de posto ou graduação é crime tipificado nos artigos 171 e 172 do Código Penal Militar. No primeiro, são punidos os militares transgressores com 6 meses a 1 ano de detenção. No segundo, os civis, cuja pena cai pela metade.
A milícia dos valentões se aglomerou em frente à casa do presidente para lhe render apoio. E assim degradou um dos símbolos da Brigada em uma manifestação político-partidária. Para um coronel engenheiro militar ouvido pela coluna, o Comando do Exército e o Ministério Público Militar devem uma reposta à impostura. Têm de mostrar que os comportamentos em conflito com a lei e com os valores castrenses não ficarão impunes. Mais do que usar o símbolo paraquedista, a milícia queria amedrontar, ameaçar e intranquilizar os brasileiros que discordam do presidente. Sonhava em reduzir as Forças Armadas à mera Guarda Pretoriana de Bolsonaro – o próprio presidente usa o lema da Brigada.
Mas o Exército deve pertencer à Nação e não a Bolsonaro nem a qualquer outro presidente que se ponha fora da Lei e ameace o País pelas armas. Cada vez que renova suas aldrabices, Bolsonaro pretende que o País acredite que os ponteiros do relógio da legalidade se aproximam da hora em que as Forças Armadas terão de enfrentar a prova final. Desconhece o aumento do número de generais que o tratam agora como “o louco da aldeia”, aquele sujeito que grita e gesticula no chafariz, mas ninguém se detém para ouvi-lo. Nem o levam a sério. Outros que há muito o conhecem se resignam. É que as perspectivas de poder de Bolsonaro diminuem a cada dia, a cada morto da pandemia. E ele não percebe que o turfe não é o único lugar em que não se aposta em cavalo perdedor.
*Marcelo Godoy é jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Oposição compara Bolsonaro ao general argentino Leopoldo Galtieri
- Coronel do Exército representa empresa trumpista em Brasília
- Apesar da gestão Pazuello, pandemia não derruba confiança nas Forças Armadas
O Estado de S. Paulo: Crise abre caminho para diálogo entre PSDB e PT
Emissários do PT e PSDB querem reunir os ex-presidentes Lula e FHC, que apoia a iniciativa; governadores Rui Costa e Wellington Dias elogiam Doria
Pedro Venceslau e Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
Antagonistas na política nacional desde os anos 1990, o PT e o PSDB selaram uma trégua e estão pela primeira vez alinhados em várias frentes contra o presidente Jair Bolsonaro. A principal delas é o Fórum dos Governadores, onde tucanos e petistas têm se apoiado mutuamente e até trocado elogios.
Eleito em São Paulo com um forte discurso antipetista, João Doria abriu mão do protagonismo e defendeu a escolha do governador Wellington Dias (PT), do Piauí, como coordenador das discussões sobre vacinas contra covid no Fórum de Governadores.
Interlocutores do Palácio dos Bandeirantes – sede do governo paulista – falam em um “pacto de não agressão”, enquanto lideranças dos dois partidos até admitem estar juntos no segundo turno da eleição presidencial de 2022, a depender de quem disputar a rodada decisiva.
A relação entre os governadores se estreitou ainda mais após o governo federal acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação de inconstitucionalidade para tentar derrubar os decretos de restrição de locomoção de pessoas adotados pelos governadores do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul para combater o coronavírus. Emissários do PT e PSDB querem ainda reunir os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso, que vê com entusiasmo a iniciativa.
“Da minha parte estou aberto a conversar. É necessário. Na minha concepção, é preciso definir quem é o inimigo principal. Se é o Bolsonaro, como a gente ganha dele? E ganhar para fazer o quê? Essas são as duas questões postas”, disse FHC ao Estadão.
Os petistas pretendem usar o combate à pandemia para abrir o diálogo. Apontado como um dos “presidenciáveis” do PT antes de o ex-presidente Lula restabelecer seus direitos políticos, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), atua agora para que o partido estabeleça diálogos com as legendas do centro para a disputa presidencial de 2022 e prega a aproximação com o PSDB. Alinhado com Wellington Dias, Costa quer abrir um canal de diálogo de Lula até com Doria.
O governador baiano disse ao Estadão que considera “possível” uma aproximação entre PSDB e PT para 2022. “Se depender de mim, vamos trabalhar para isso. Sou a favor de que a gente coloque o Brasil acima das nossas divergências políticas secundárias. Estamos tratando de um projeto de salvação nacional. A lógica da disputa da eleição no Brasil será semelhante à dos Estados Unidos. É a democracia contra a barbárie e o ódio. A sociedade do bem vai prevalecer contra a lógica miliciana de condução do País.”
Assim como o governador do Piauí, que chamou de “importantíssimo” o papel de Doria na crise sanitária, Rui Costa também elogiou o tucano. “Quero prestar toda solidariedade ao Doria. Ele é um dos governadores que têm sofrido ataques sistemáticos do governo federal. Doria tem se esforçado para reduzir o número de óbitos. Justiça seja feita: não fosse a iniciativa do governo de São Paulo e do Instituto Butantan, 80% das pessoas que receberam a vacina não estariam hoje vacinadas.”
Líderes tucanos ligados a Doria abraçaram o mesmo discurso de união de esforços durante a pandemia. “Em tempos de crise sanitária e institucional com o governo Bolsonaro de tamanha gravidade, é fundamental que deixemos a política em segundo plano. Não é momento de agressão, mas de trabalho conjunto”, disse Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional de São Paulo e presidente do PSDB paulista.
Na semana passada, o Estadão revelou que Wellington Dias será o emissário de Lula nas conversas com o PSDB. A estratégia do PT é encontrar “um lugar para Lula na crise sanitária”. A intenção é que o petista se junte a outros ex-presidentes – Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer – na busca por uma influência internacional que possa ajudar o País a obter vacinas e insumos para a produção de imunizantes. “Tudo aponta para um momento de reconciliação, que é o que os governadores estão fazendo. A realidade obriga a fazer isso”, afirmou ao Estadão o ex-governador de Minas, Fernando Pimentel (PT).
Nascidos nos anos 1980, PT e PSDB estiveram juntos uma única vez em eleições presidenciais. Foi no 2.º turno de 1989, quando o candidato tucano Mário Covas declarou apoio a Lula, que enfrentava Fernando Collor. Os desentendimentos cresceram em 1992, quando parte do PSDB paulistano apoiou a candidatura à Prefeitura de Paulo Maluf contra Eduardo Suplicy (PT). A rivalidade se consolidou nas campanhas vitoriosas de FHC à Presidência e nas dos petistas Lula e Dilma Rousseff, que tiveram tucanos como adversários.
Nesses anos, porém, acordos importantes ocorreram entre petistas e tucanos: entre Marta Suplicy e Covas contra Maluf, em 1998 e em 2000, e o apoio dos partidos à eleição de Márcio Lacerda (PSB) à prefeitura de Belo Horizonte, em 2008. Um dos artífices do último, o ex-governador Pimentel defende agora a tese de que o candidato que derrotar Bolsonaro terá a necessidade de fazer um governo de união nacional. Seja Lula, Ciro Gomes ou qualquer outro. “Antes a polarização era saudável, democrática, com projetos diferentes, mas no campo da democracia. Agora, temos claramente um projeto autoritário e excludente e, do outro lado, todos nós, até o Centrão, que pode ser acusado de tudo, menos de não ser democrático. Quem está ficando isolado é Bolsonaro e a direita radical.”
Esquerda do PT e parte da bancada tucana resistem
A aproximação entre PT e PSDB enfrenta resistência da parte “governista” da bancada tucana na Câmara, que é liderada pelo deputado Aécio Neves (MG), mas o diálogo entre deputados dos dois partidos nunca foi tão intenso. “É a primeira vez que temos esse diálogo tão fluido. O objetivo é barrar a escalada autoritária. Precisamos de todos os esforços para impedir a violência que o Bolsonaro tem praticado”, afirmou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
A aproximação entre os partidos enfrenta ainda a desconfiança mútua entre tucano e petistas. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, disse, recentemente, que votaria em branco em caso de segundo turno entre Lula e Jair Bolsonaro em 2022, indicando as dificuldades para um acordo mais amplo entre os partidos, além da atuação na pandemia. Há resistência também no PT. Setores da esquerda do partido consideram difícil um acordo em razão de diferenças de visão nas áreas econômica e trabalhista. O que facilitaria as conversas entre os partidos é a centralidade que assumiram temas como o combate a desigualdades e a defesa do meio ambiente no discurso de formuladores de política dos tucanos – como o prefeito Bruno Covas.
No ambiente jurídico, petistas e tucanos também nunca estiveram tão alinhados. “Lideranças do PT e PSDB começam a ensaiar uma aproximação no mundo jurídico em cima de uma agenda comum: a defesa da democracia e das instituições e o reconhecimento da parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro”, disse o advogado Marco Aurélio Carvalho, que integra o setorial jurídico do PT e coordena o Grupo Prerrogativas, que reúne advogados progressistas.
Carvalho lembra que juristas ligados ao PSDB, como os ex-ministros da Justiça de FHC José Carlos Dias e José Gregori e o advogado Belisário dos Santos Jr, ex-secretário da Justiça do governo de Mário Covas, assinaram manifesto que pedia a anulação das condenações do ex-presidente Lula.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
- Em vez de ‘frentes amplas’, alianças locais moldam articulações para eleições de 2022
- 'Luciano Huck foi ideia do FHC, que tem o direito de errar', diz Arthur Virgílio
- À imprensa internacional, Lula volta a dizer que pode ser candidato em 2022
- 'Bolsonaro deve admitir erro e propor um pacto', diz Michel Temer
Ricardo Noblat: Engrossa o caldo dos que querem ver Bolsonaro pelas costas
O mau uso que ele faz do apoio militar
Qual o sonho de consumo do brasileiro ameaçado pelo vírus que bate à sua porta? Se for inevitável contraí-lo, quer uma vaga de UTI no melhor hospital que existir, medicamentos em profusão, cilindros de oxigênio à farta e uma equipe de sábios doutores e de experientes enfermeiros que cuidem dele em tempo integral.
A isso a pandemia nos reduziu. A isso que nos reduziu um presidente da República genocida por natureza que parece ter forte compulsão pela morte, sabe-se lá por quê. Freud explica, certamente. Assunto para estimular discussões intermináveis entre psicanalistas das mais diversas escolas.
Seria o caso também de eles se debruçar, junto com sociólogos, antropólogos e historiadores, sobre o comportamento até aqui indiferente ou resignado da maioria dos brasileiros diante do número de mortos pela doença que em breve superará a marca dos 300 mil. Por que procedemos assim? O que nos move?
Bolsonaro, que tantas vezes desafiou a morte como paraquedista do Exército antes de ser afastado de lá, acusado de conduta antiética, é movido pela falta de compaixão e pelo firme propósito de tirar vantagem de tudo, até de um banho nas águas frias do rio Jordão. Ele, acima de tudo! Os filhos, acima de todos!
Só muda quando o desespero toma conta de sua alma. Sempre que se vê acuado, apela às Forças Armadas e finge contar com o seu apoio para governar e, em situação extrema, ir além – se der, via adoção de medidas capazes de instalar no país um regime autoritário. Seu compromisso com a democracia é zero.
Se não a sabota mais do que já faz é porque lhe falta respaldo. Nas eleições de 2018, ele de fato foi o candidato dos militares, preocupados em impedir um eventual retorno da esquerda ao poder. Nas eleições de 2022, tudo indica que continuará sendo. Mas se for derrotado, lhe baterão continência à saída, tchau, e só.
Por formação, militar é de direita, aprecia armas, trata os subordinados aos berros e cobra obediência. Mas muitos nos escalões superiores são estudiosos e bons analistas. Sabem ler o mundo e o país. Sabem que a supressão da democracia faria do Brasil um pária internacional. E isso eles não querem.
Pária já é. A nova cepa brasileira do vírus aterroriza os governos da região. Peru e Colômbia proibiram voos do Brasil. O Uruguai mandou mais doses de vacinas para a fronteira com o Rio Grande do Sul. Quem vai do Brasil para o Chile fica em quarentena. Os argentinos impuseram restrições à entrada de brasileiros.
Insensível ao que se passa ao redor, Bolsonaro usa os militares como espantalho doméstico, e eles se deixam usar, encantados, como estão, com a volta ao poder, desta vez pelo voto. Não ligam quando o presidente fala em seu nome como fez, ontem, outra vez. É coisa de político, desculpam. Bolsonaro proclamou:
“Pode ter certeza, o nosso exército é verde-oliva e vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade. Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir.”
E ao concluir uma das peças mais demagógicas do seu pobre repertório, prometeu: “Enquanto for vivo, enquanto for presidente, porque só Deus me tira daqui, eu estarei com vocês”. Estará para quê? Para associar-se ao vírus e dar passagem à morte? Para destruir a Amazônia? Para pôr a educação ao rés-do-chão?
Engrossa o caldo dos que à esquerda e à direita querem ver Bolsonaro pelas costas, se possível antes do fim do mandato. Já foi melhor negócio para o Centrão apoiá-lo em troca de benefícios. A companhia dele começa a tornar-se tóxica. Um deputado federal pernambucano, bolsonarista convicto, disse a este blog:
– Poderemos ir com ele até a porta do cemitério, mas não entraremos.
As muitas pedras no caminho de Lula até a eleição de 2022
Para 57% dos brasileiros, a condenação dele foi justa
Ora, dirão os petistas de quatro costados: é natural que uma pequena maioria dos brasileiros desaprove a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu as condenações de Lula e o tornou elegível – afinal, nos últimos anos, Lula foi alvo de um massacre midiático.
Houve um massacre. Mas é bom esclarecer que Lula não foi inocentado por Fachin. Depois de 4 anos, o ministro finalmente concluiu que a Vara Federal de Curitiba, à época comandada pelo então juiz Sérgio Moro, não era o juízo natural para julgar Lula. Caberá à Vara Federal de Brasília julgá-lo outra vez.
A reclamação dos petistas advém da descoberta feita pelo Datafolha em pesquisa aplicada na semana passada e só revelada hoje: para 57% dos entrevistados, foi justa a condenação de Lula por Moro, que o sentenciou a 9 anos e 6 meses de cadeia, pena reduzida a 8 anos e 10 meses pelo Superior Tribunal de Justiça.
Para 38%, a condenação foi injusta, e 5% não souberam responder. Em abril de 2018, o Datafolha quis saber o que os brasileiros pensavam sobre essa mesma questão. Os resultados foram semelhantes: 54% viram justiça, 40%, injustiça, e 6% disseram não saber. Lula quer enfrentar Bolsonaro na eleição do ano que vem.
Não terá vida fácil se a opinião a seu respeito permanecer a mesma. Será alvo de ataques dos adversários, mas poderá se defender usando os mesmos meios dos quais se queixa. Bolsonaro o chamará de ladrão. Lula o chamará de genocida. Um candidato do centro se apresentará como alternativa ao genocida e ao ladrão.
Ainda faltam 19 meses para as próximas eleições. Só torcedor se arrisca a prever o resultado.
Carlos Pereira: A culpa é do juiz?
O legislador constituinte escolheu juízes e procuradores para controlar o presidente
Tem havido uma crescente insatisfação com uma suposta atuação excessivamente política do sistema de justiça brasileiro, em especial da sua Suprema Corte e do Ministério Público. É como se essas organizações de controle estivessem extrapolando suas funções estabelecidas pela Constituição. O descontentamento é tamanho que já voltam a aparecer movimentos de pedidos de impeachment de ministros do STF ou processos disciplinares contra procuradores da República. Juízes e procuradores nunca estiveram tanto em evidência ou foram tão criticados...
Mas, é imprescindível lembrar que juízes e membros do Ministério Público se tornaram influentes na vida política não por consequência de usurpações unilaterais de poderes.
Esses poderes foram estrategicamente delegados pelo próprio legislador constituinte. A Constituição de 1988 consolidou a visão de que a atuação de juízes e promotores deveria ser autônoma e independente da vontade política.
Legisladores constituintes poderiam ter escrito regras e procedimentos específicos e detalhados com o objetivo de gerenciar os microfundamentos da atuação de juízes e promotores, diminuindo assim a sua autonomia e discricionariedade. Ao invés disso, preferiram escrever regras vagas e princípios gerais, deixando procedimentos sem uma clara especificação, delegando grande autoridade de ação e decisão para esses atores.
Ao transferir ampla discricionariedade a juízes/promotores, os legisladores sabiam que estavam correndo riscos de que esse poder pudesse reverter contra os interesses dos próprios parlamentares. Mas, naquele momento, valia a pena à sociedade, ainda traumatizada pelo recente regime autoritário, pagar esse preço, pois existia um risco muito maior a ser enfrentado: a possibilidade de mau uso, e indiscriminado, de poderes pelo Executivo.
A saída encontrada para esse dilema foi proteger os cidadãos, com o máximo de garantias possíveis, contra um presidente dotado de uma “caixa de ferramentas” de governo capaz de fazer valer suas preferências. Políticos são mais propensos a preferir estatutos de baixa discricionariedade para juízes e promotores quando o ambiente de monitoramento legislativo é suficientemente forte, já que eles preferem confiar em mecanismos ex post menos onerosos. Uma espécie de efeito substitutivo.
Portanto, quando o Executivo se torna constitucionalmente poderoso através de um processo de delegação do próprio Legislativo, é de se esperar o desenvolvimento de sofisticadas redes de instituições de controle com a capacidade de restringir potenciais condutas desviantes do chefe do Executivo.
A última barreira para a ampla dominância do presidente passaram a ser as instituições judiciais, que assim assumiram um papel de protagonismo na política. A Lava Jato, a investigação de familiares do atual presidente, ou mesmo a atuação individual e, em muitos casos, inconsistente de juízes da Suprema Corte representa a parte visível e mais impactante dessa escolha legislativa.
Como tudo na vida, os sistemas políticos são moldados a partir de escolhas. É sempre um cálculo de perdas e ganhos que a sociedade está disposta a pagar e pretende auferir. Não existe solução ótima. O que muda com o tempo é a avaliação dos prós e contras e o entendimento dos riscos.
Os movimentos e tentativas recentes de redução da discricionariedade política de juízes e procuradores podem ter o efeito de não apenas restringir a atuação destes, mas também o de potencialmente colocar a sociedade em situação pior que a atual, definida a partir da escolha do legislador constituinte de 1988. Afinal, com uma coleira fraca o “cachorro grande” pode causar estragos ainda maiores.
*PROFESSOR TITULAR DA, FGV EBAPE (RIO)