democracia

Pesquisador do Ipea aponta “impactos de ordem moral” da pandemia da Covid

Em artigo na revista Política Democrática Online de abril, Mauro Oddo Nogueira diz que “ninguém se empanturra de arroz e feijão porque teve um aumento salarial”

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Tornar visíveis os invisíveis, admitir que parte da inflação é consequência de elevação do dólar e indefinições sobre o novo auxílio emergencial são impactos de ordem moral que rondam o Brasil.

A avaliação é do pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mauro Oddo Nogueira. Ele é autor de artigo para a revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e ligada ao Cidadania.

A revista tem acesso gratuito no site da fundação. Em relação ao primeiro impacto de ordem moral, segundo Nogueira, houve susto generalizado quando cerca de 60 milhões de pessoas se apresentaram para receber o auxílio emergencial após a eclosão da pandemia da Covid-19.

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

“A despeito desse contingente de concidadãos aparecer claramente nas bases estatísticas – como a Pnad Contínua do IBGE, por exemplo – e ser objeto de numerosos estudos e publicações científicas, parece que os gestores públicos e a mídia em geral os desconheciam”, afirma o pesquisador do Ipea.

O segundo impacto moral, acrescenta ele, está condicionado a se admitir como verdadeira a hipótese que muitos economistas têm defendido: “parte da inflação – especialmente dos gêneros alimentícios – é consequência da elevação do dólar”.

E parte disso, conforme analisa na revista da FAP, decorre da pressão de demanda sobre itens de consumo, como leite, arroz e feijão, entre outros, resultado dos efeitos positivos do auxílio emergencial sobre a renda das pessoas.

Trocando em miúdos

“Ocorre que tais produtos são classificados como bens com elasticidade-renda da demanda menor ou igual a zero”, diz. “Trocando em miúdos, trata-se daquelas coisas que as pessoas não compram mais porque estão ganhando mais. Trocando mais em miúdos ainda, ninguém se empanturra de arroz e feijão porque teve um aumento salarial”, explica. 

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Em alguns casos, segundo o artigo publicado na Política Democrática Online de abril, até se compra menos desses produtos porque os substitui por outros mais caros. “Esse comportamento da elasticidade só não se verifica na situação em que a renda anterior do indivíduo não era suficiente para que adquirisse esses tais alimentos ‘básicos’”.

De acordo com o doutor pela UFRJ, admitir a veracidade desse componente inflacionário é reconhecer o nível de miséria a que estão submetidos milhões de brasileiros e que se traduz em uma amarga palavra de quatro letras: fome.

“Comida no prato dos filhos”

O terceiro impacto moral, segundo o artigo da Política Democrática Online, tem origem nas indefinições que se arrastaram por semanas. Nas idas e vindas em relação à sua renovação, valores que serão concedidos, critérios de elegibilidade, data de início e duração.

“Esse impacto moral é bem mais simples de se compreender. Basta que a gente se coloque no lugar de quem depende desse dinheiro para colocar comida nos pratos de seus filhos”, afirma o pesquisador do Ipea.

Além da análise de Nogueira, a edição de abril da Revista Política Democrática Online também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigo de política nacional, política externa, cultura, entre outras, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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Em artigo na revista Política Democrática Online de abril, José Luis Oreiro cita patologia grave do país

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro diz que a diretoria do Banco Central parece ter sido “infectada com o vírus do ‘populismo cambial’, endêmico tanto entre os economistas ortodoxos, como em parte da heterodoxia brasileira”.

A avaliação dele está em artigo publicado na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A publicação tem acesso totalmente gratuito no site da entidade.

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

O chamado “populismo cambial”, de acordo com o economista, tem a seguinte ideia: “elevações da taxa Selic levam a uma apreciação do câmbio, que permite uma redução da inflação, a qual leva a um aumento do salário real e do consumo das famílias. Dessa forma, um aumento da Selic seria compatível com a recuperação do nível de renda e emprego”.

“Perda de dinamismo”

Essa política, segundo o economista, foi adotada durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (2003/2007 e 2007/2010). “O resultado foi desindustrialização e perda de dinamismo econômico”, afirma o autor do artigo na revista Política Democrática Online de abril.

Na avaliação de Oreiro, a decisão do Banco Central de aumentar a taxa Selic em 0,75% em março passado, no contexto da maior crise econômica da história do Brasil, foi a prova cabal de que o país ainda não se livrou da armadilha juros-câmbio. 

“Patologia grave”

A sociedade brasileira, de acordo com o professor da UnB, tem uma patologia grave. “Ela se mostra refratária a aprender com os inúmeros erros que vem cometendo nos últimos 40 anos”, observa.

“Trata-se da incapacidade de nossa sociedade, e particularmente dos economistas ditos ‘ortodoxos’, de reconhecer o estrago que a combinação entre juros altos e câmbio sobrevalorizado tem causado ao tecido produtivo da economia brasileira desde o início do Plano Real e mantido, quase incólume, durante as sucessivas administrações petistas”, diz.

Mais detalhes do artigo de Oreiro podem ser vistos, na íntegra, na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

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O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado. 

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Fabiana de Souza Fredigo: A história vai ao cinema

No Houaiss, transitar é verbo bitransitivo. Se percorro um caminho, se o atravesso como um visitante extasiado, há a disposição de observá-lo, de sorvê-lo, de examiná-lo, mas não de modificá-lo. Simplesmente, encontro-me de acordo com o que ele oferece. Numa paráfrase da percepção oriental, o caminho me modifica, antes que seja eu a intervir nele. É isso que parece dar significado ao ditado “o caminho se faz ao caminhar”. Curta e popular, a máxima abriga o desejo de liberdade e presença. Isso porque a concentração absoluta no caminho nos poupa da ansiedade e da expectativa. O caminho (se) sabe. Nessa forma de encarar o trânsito, concentro-me no ato de passar por uma experiência, de flanar. Noutro significado, transitar implicará a busca de uma mudança, que, além de constituir uma expectativa, é previamente valorada, sobretudo, para aqueles que a vivenciam no enquanto.

Seja a valoração capturada ou não, importa menos. Fato é que ela comporá a expectativa e a imagem da mudança. Por isso, nos idos dos anos noventa, ouvi de um chileno que a demora da transição em seu país se devia ao fato de que o processo não se preocupou apenas com o futuro da democracia, mas com o modelo de sociedade que implantaria, sobretudo, pela tradição da esquerda e porque o golpe fora contra a esquerda. Registrar a ligação entre valoração, expectativa e imaginação me parece fundamental porque a temporalidade chilena, que explica a permanente divisão política da sociedade civil, absorve e costura passados e futuros: o Chile allendista, o da ditadura, o da Concertación e, por fim, o dos novíssimos movimentos sociais, emergentes da capilaridade necessária a uma sociedade que teve o Estado sequestrado pela tecnocracia neoliberal. Com as ruas tomadas pela demanda de uma Assembleia Constituinte, o Chile pré-pandemia parecia fazer frente ao cidadão Credicard, o “sujeito” neoliberal despolitizado e desprovido de laços comunitários. Enfileirados, os passados e presentes manifestam uma constrangida certeza: a cultura política chilena, pese a mitologia envolvida, busca a fórmula da mudança, mesmo quando esbarra (ou resulta) na permanência. O caminho do país da Cordilheira é dado a extremos, da retórica revolucionária aos projetos fundacionais, numa acidentada busca pela sociedade moderna e civilizada que deslumbra seus cidadãos. É uma esfinge e um paradoxo, simultaneamente.  

Atrelado à instabilidade transicional está o conflito entre a democratização desejada e a possívelPara a geração adulta dos anos de 1980, lidar com o déficit democrático dependeu de um recalque coletivo, que, no entanto, não produziu exatamente o esquecimento. É essencial notar a distância e a distinção: oque parecia esquecimento era latência à espera de elaboração; e, nesse caso, a prisão de Pinochet (1998) e, depois, sua morte (2006) expuseram a urgência da elaboração. Recalque espera o tempo de seu retorno, visto que não pode ser sublimado. Depois de vinte anos de Concertación, a pergunta era: por que denominar democracia uma ordem que resguardava o fundamento econômico (e, portanto, o custo social) do regime militar? O cansaço com a democracia tutelada e com a memória impedida tornou-se tema atualíssimo para a literatura e o cinema chilenos. A primeira e parcial conclusão é: outras gerações – cujas experiências com o golpe militar e com a ditadura estiveram marcadas pela infância e forjadas pelo incômodo com um não saber – tiveram de refazer caminhos para esclarecer a insidiosa relação temporal anunciada anteriormente.       

Estudantes de economia chilenos em Chicago: ficariam conhecidos como Chicago Boys na ditadura de Pinochet

O documentário intitulado Chicago Boys, dirigido pelos cineastas Carola Fuentes e Rafael Valdeavellano, foi lançado no Chile em 2015. No Brasil, o filme circulou graças ao Festival Internacional de Documentários, É tudo verdade. Numa das entrevistas de divulgação, Carola Fuentes declara: “para saber para onde queremos ir, é fundamental saber de onde viemos. Uma das coisas que a ditadura fez muito bem foi turvar o interesse dos chilenos por sua própria história”[1]. Ela e Valdeavellano documentaram a aventurosa narrativa dos então estudantes que, desde a década de 1950, apostavam em poder transformar profundamente seu país – que, antes de Pinochet, era “un pais de mierda”, segundo diz, entredentes, mais de uma vez, Ernesto Fontaine, economista da primeira geração dos Chicago Boys. Na mesma entrevista, Carola acrescenta que não dirigira um filme sobre economia, mas, sim, sobre pessoas e seus valores. E é essa a delicadeza, e a crueza, do cinema que leva a história para suas (hoje saudosas) salas de projeção: o documentário amplia nossos horizontes, visibiliza os atores históricos e faz desfilar tempos que também são os da memória. Ao documentário cabe “filmar o que não se vê”, na sugestão do reconhecidíssimo cineasta Patricio Guzmán. Embora nem todos tenhamos olhos de documentarista, nada nos impede de dialogar com as suas “realidades filmadas”.

Sigo então duas pistas. A primeira, o ano do lançamento do documentário em questão: 2015. As manifestações estudantis tomavam as ruas de Santiago, demandando o aprofundamento da reforma educacional encaminhada por Michelle Bachelet. É emblemático que o filme Chicago Boys recue no tempo para contar a história de outros estudantes que, fortuitamente, puderam ter à disposição valiosas oportunidades. Isso dito, não é casual que o filme comece e termine com a câmera filmando pés, depois de um sobrevoo pela metrópole moderníssima, Santiago. O nosso olhar é conduzido do firmamento ao chão, dos prédios de vidro que espelham a cidade aos pés em marcha, com calçados de todo tipo e gosto. O presente demarca a retrospectiva, a informa: a manifestação é colheita da aplicação da receita econômica dos Chicago Boys, mas também é epílogo porque a história permanece em aberto. Os diretores abrem a câmera às incertezas dos passos que tomam as alamedas.

Milton Friedman reunido com Augusto Pinochet em Santiago

A segunda indicação refere-se ao ponto de vista que ordena a realidade em movimento. No documentário, pequenos cortes suprimem imagens e nomeiam as partes que integrarão a narrativa, são elas: a semente, o tijolo (el Ladrillo, uma alusão ao plano econômico entregue à Junta Militar), a colheita, o epílogo. Como anunciado, o documentário franqueia a história, não se sabe por onde caminharão os manifestantes. Sabe-se, entretanto, que eles exigem “menos Friedman e mais Keynes”, como imperativamente conclama um dos cartazes que salta à vista.

O documentário vai deixando a cargo dos entrevistados a narrativa, assim nos parece, à primeira vista. As testemunhas que desfiam suas histórias, no governo e fora dele; riem, ficam saudosos das festas e das descobertas, comuns aos anos de formação. A trilha sonora que acompanha os primeiros tempos do grupo evoca entusiasmo e ambienta as décadas de 1950 e 1960. A escolha foi certeira. Não há dúvida de que as variadas edições cuidaram de estabelecer o ponto de vista dos cineastas. Contudo, para o espectador, o impacto é acrescido pela ausência de mediação visível, conforme se desenrolam as narrativas de Sergio de Castro, Ernesto Fontaine, Carlos Massad, Rolf Lüders, Ricardo Ffrench-Davis – e o mentor do grupo, “Alito”, o professor Arnold Harberger, que acolheu os chilenos na Universidade de Chicago.

Não se deve atribuir o impacto ao poder hipnótico das histórias, mas à rica imagem das testemunhas de um tempo – e de seu cotidiano, registrado em fotografias e filmes caseiros de oito milímetros – que nos obriga a enfrentar a crença tecnocrática. O dogma acossa o espectador, afinal, escandaliza ser confrontado pelo mantra the market knows. As imagens também provocam ebulição: ora vemos jovens alegres, ora senhores sisudos, raivosos e indiferentes, ora críticos moderados. Em todas as situações, no entanto, se experimenta um aturdimento com a orientação tecnocrática. Esse aturdimento alcança o clímax quando vídeos do programa televisivo comandado por Milton Friedman, o Free to choose, intercalam-se à narrativa dos economistas, por meio de cortes muito bem realizados.       

O famoso documento dos Chicago Boys que alicerçou a política econômica da ditadura de Pinochet

O documentário não escamoteia a heterogeneidade do grupo. A máfia, como alguns dos depoentes se intitulam, possui seus críticos. Não obstante, Sergio de Castro, Rolf Lüders e Ernesto Fontaine mostram-se absolutamente convictos, a despeito da passagem do tempo e das idiossincrasias testemunhais. Com estilos distintos, esse trio advoga (1) a despolitização e neutralidade da economia; (2) a incompreensão dos protestos em face de um Chile que, no presente, se credencia com a melhor taxa de investimento da América Latina; (3) o desconhecimento do abuso aos Direitos Humanos ou, ainda, a intenção de colaborar com o regime militar de igual maneira, havendo ciência dos atos à época, em nome de um ideal de país. Ressalvo: como cinema se trata de imagem em movimento, o impacto não advém só do que advogam, mas de como o advogam, ou seja, dos gestos que capturam nosso olhar.   

E qual é esse ideal de país? É Sergio de Castro quem responde: “o ideal do Ladrillo, liberdade, obviamente, a maior liberdade possível. O menor Estado possível”. Na parte um, a “semente”, os rapazes eram os alegres e estudiosos latino-americanos, extasiados pela modernidade estadunidense, com suas camisas villelas e seus bares abertos noite adentro. Na terceira parte, a “colheita”, o tema que surge é o da violação dos Direitos Humanos. Embora em nenhuma das narrativas houvesse justificativa explicita à prática de tortura, morte e desaparecimento, as respostas importam pela síntese que o documentário produz, em concordância com a historiografia: não há problema em admitir que o choque neoliberal não poderia, de modo algum, ser aplicado em democracia.

A ditadura, portanto, não foi uma conveniência, mas uma essência – Paulo Guedes devia assistir ao Chicago Boys, embora conheça muito bem essa história e seus resultados. A conclusão que fusiona regime autoritário e liberdade econômica (para que e para quem?) margeia o discurso dos críticos e dos convictos. A ausência de oposição política ou social e o apoio inconteste da Junta, especialmente de Merino e de um Pinochet convertido e disposto a usar a força, permitiram que a política econômica fosse radicalmente aplicada. Essa narrativa-síntese une as pontas do documentário: o regime militar chileno criou e estabeleceu a política monetária que lhe garantiu longeva sobrevivência, sendo os Direitos Humanos assunto secundário, em razão da ênfase no projeto de modernização do país. “A máfia, em matéria técnica, se sente sólida e se orgulha da contribuição ao desenvolvimento do país” – o grifo é meu, mas o comentário é de Álvaro Donoso, que discursou na cerimônia fúnebre a Ernesto Fontaine, em 2014. Na ocasião, não passam despercebidas presenças ilustres, como a de Sebastian Piñera. O documentário suscita outras polêmicas, mas seguem derradeiros e sucintos comentários.

Os caminhos traçados pelos Chicago Boys qualificaram uma (e não qualquer) intervenção política, a despeito da pretensa e mitológica neutralidade ortodoxa. Nessa rota, o custo social foi fato, como afirmaram eles próprios; orgulhosamente, inclusive. Ontem e hoje, os tecnocratas aceitam a desigualdade assim como rejeitam a dívida pública. Resta, por fim, convidar o leitor a uma sessão de cinema. Assim, em companhia da história, quem sabe, reorientemos nossas escolhas e apuremos o olhar, do firmamento ao chão, e vice-versa.   


[1] Essa entrevista, que conta com a presença dos dois diretores, está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=w6GlaTDQwIg&t=39s&ab_channel=CooperativaFM.


Eliane Cantanhêde: Rui o tripé ideológico

Bolsonaristas têm um trabalhão para seguir o salto triplo do ‘mito’ em saúde, política externa e ambiente

Depois de rasgar as bandeiras do combate à corrupção e do liberalismo econômico, o governo Jair Bolsonaro está desmoronando o seu tripé ideológico: saúde, política externa e ambiente. Isso, claro, cria um problemão para a sua seita, sobretudo na internet. Eles e elas terão de rever suas crenças e posições para seguir essa “inflexão”, ou salto triplo carpado, do presidente. Vão defender Joe Biden, França, Alemanha e Noruega? Cúpula de Paris, Fundo da Amazônia? Até China e vacina?

Não deve ter sido fácil para os bolsonaristas se alinharem com o PT no ataque ao ex-juiz Sérgio Moro, ícone do combate à corrupção, quando ele caiu acusando Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal. E não está fácil jogar Paulo Guedes ao mar, depois do blablablá de que Bolsonaro podia não ser lá essas coisas, mas o Guedes segurava as pontas.

E lá se vai também o tripé ideológico. O diplomata Ernesto Araújo está de volta à sua insignificância e ao limbo dos seus delírios contra o comunismo. O general da ativa Eduardo Pazuello vaga pelo Exército, olhado de esguelha pelos companheiros de farda depois de humilhado e desautorizado pelo presidente na compra de vacinas e de se sair com o indecente “um manda, outro obedece”. Ambos, Araújo e Pazuello, estão na mira da CPI da Covid.

Com o cerco se fechando contra Ricardo Salles, Bolsonaro repete o script: elogia, leva para lives e confraternizações, dá tapinha nas costas e planta notinhas sobre o quanto gosta do ministro. Quanto mais o torniquete aperta, mais Bolsonaro prestigia seu ministro. Mas... quanto mais prestigia, mais o ministro esfarela.

Então, vejam como é a dura a vida de bolsonarista. Esquece Ernesto Araújo e o que ele fazia e dizia, para enaltecer o sucessor, Carlos França, e fazer juras de amor para China, França, Alemanha, Noruega, até para a Argentina de Alberto Fernández? E Joe Biden, chamado de “gagá”, “sequelado” e “esquerdista”, virou um cara legal.

E, agora, com Pazuello fora e o médico Marcelo Queiroga tentando correr contra o tempo e contra os erros gravíssimos na pandemia? Os e as que papagaiavam Bolsonaro, trocavam ciência por ideologia e comparavam as vacinas à talidomida, que matou e mutilou na década de 1950, correm para oferecer o braço e salvar suas vidas. Não consta que nenhum deles tenha virado jacaré...

Com os “novos” política externa e Ministério da Saúde, quem tem estômago deveria entrar nas redes para ver os bolsominions conclamando todos a se imunizarem e defendendo “aquela vacina chinesa do Doria”, que, na verdade, é praticamente a única maciçamente disponível no Brasil. Vencem a realidade e a racionalidade. Viva a China! O Butantan! A vacina! E viva a vida!

Mesmo antes do “novo Ministério do Meio Ambiente”, vem aí o novo discurso de Bolsonaro sobre sustentabilidade: antecipar a neutralidade das emissões para 2050, acabar com desmatamento ilegal até 2030, dobrar a verba para fiscalização já. Dá-lhe racionalidade! Viva a Amazônia! As leis ambientais! E viva o Biden, líder da causa ambiental no mundo!

Faltam: um pedido de desculpas ao cientista Ricardo Galvão, demitido do Inpe por alertar para desmatamento da Amazônia; resgatar o Ibama e o ICMBio; reativar as multas ambientais; cobrar compromissos com os indígenas. Bolsonaro quer escancarar as reservas para mineração, agricultura, turismo... Mas não tocou nisso na cúpula do clima.

O Brasil não tem só governo, um governo rechaçado no mundo inteiro. Tem cidadania, instituições, entidades, atores das mais variadas frentes, na pandemia, na política externa e no ambiente. Salvar o planeta é aqui e agora! Goste ou não Bolsonaro, ele é obrigado a cair na real. Governos vêm, governos vão, o Brasil fica.


Sergio Fausto: Preservar a democracia e as Forças Armadas

Há uma relação de mútua dependência, seja o que for que os militares pensem do golpe de 64

A crise militar desencadeada por Bolsonaro deixou no ar um misto de alívio e apreensão. O pior não aconteceu. O presidente seguiu o critério de antiguidade na nomeação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A apreensão deriva do fato de que essa não foi a primeira nem será a última vez que Bolsonaro busca instrumentalizar as Forças Armadas em função do seu projeto político, sabidamente autoritário e destrutivo das instituições do Estado. O que está em jogo é a preservação da democracia e das Forças Armadas, como instituição republicana, impessoal, que não se confunde com governos e chefes de Estado transitórios. São dois objetivos inseparáveis.

O presidente é sistemático e incansável em seu intento de criar exércitos para chamar de seus. Na base da sociedade, fomenta o acesso a armas e uma cultura de violência, em nome da liberdade e da segurança individuais, mandando às favas quaisquer escrúpulos de civilidade. Usa seu poder presidencial para reforçar sua identidade com grupos de indivíduos que fazem da intimidação um modo de ser, quando não um modo de vida e um negócio, como no caso das milícias. Na base do Estado, estimula o antagonismo entre policiais militares e governadores. Visa ao menos a criar a impressão de que, no dia D e na hora H, exércitos de PMs obedecerão ao seu comando para, junto com milícias civis bolsonaristas, encostar governadores e prefeitos contra a parede. Na cúpula do Estado, Bolsonaro dedica-se a enredar as Forças Armadas nas malhas de seu governo, pois sabe, como Hugo Chávez sabia, que sem cooptação das forças regulares a ameaça de intimidação de facções armadas é menos plausível.

Nunca antes em regime democrático, nem mesmo durante o regime militar, tantos oficiais – da reserva e da ativa – ocuparam tantas e tão destacadas posições em ministérios e empresas estatais. O sentimento de missão a cumprir, a natural atração que o poder exerce e a ilusão de que poderiam controlar o presidente levaram os militares a acreditar que este governo era o seu governo. Bolsonaro sabe cultivar esse sentimento: abre espaços na administração, melhora salários e proventos, amplia o orçamento da Defesa, comparece a formaturas, etc.

Bolsonaro já deve ter-se dado conta de que as Forças Armadas não embarcarão numa aventura autoritária sob o seu comando. Basta, no entanto, que lhe deem suficiente margem de manobra para que ele possa seguir tagarelando sobre o alinhamento político entre o governo e os militares. Para a sua base fiel, o recado é claro: se a chapa esquentar, eu tenho a força. A parolagem irresponsável do presidente é instrumental para manter vivo o mito do homem forte, tão mais útil quanto mais a realidade o mostra politicamente enfraquecido.

A confusão propositada entre governo e instituição militar terá custos crescentes para as Forças Armadas. A reeleição do presidente se tornou mais difícil. Ele enfrentará a disputa do próximo ano em condições muito piores do que jamais imaginou, carregando as perdas humanas, sociais e econômicas de uma tragédia que se tornou ainda maior por seus atos e omissões. Se Lula vier a ser seu principal adversário, travará uma guerra de deslegitimação do candidato petista e, se necessário, do próprio processo eleitoral. Se as heterogêneas forças de centro-direita e centro-esquerda se aglutinarem em torno de um candidato que caia no gosto popular, sua situação se complicará mais ainda. Mas, num caso ou noutro, mobilizará suas milícias online e offline para o que der e vier e usará todos os instrumentos do Estado que puder utilizar em favor de sua campanha. Bolsonaro pouco distingue as fronteiras entre família, governo e Estado.

O presidente conhece a resistência que o PT enfrenta no meio militar (mais uma razão para sonhar com a polarização com Lula). Ela se formou ao longo do governo Dilma e se consolidou com a Lava Jato. Os militares não digeriram a Comissão da Verdade. Também não gostaram do que entenderam ser tentativas de interferir em assuntos internos das Forças Armadas. O ex-juiz Sergio Moro continua a contar com prestígio entre os militares e a decisão do STF de declará-lo suspeito é tida como um retrocesso inaceitável. Bem aceito em seu governo, depois o ex-presidente ganhou inimigos nas Forças Armadas.

Falemos em português claro: o presidente joga com a hipótese de os militares se mostrarem mais maleáveis a seus interesses num cenário eleitoral em que Lula desponte como seu principal adversário. Nesse quadro, aposta que pode haver coincidência de interesses e maior alinhamento político. Aposta perigosa, para a democracia e para as Forças Armadas.

Ante o risco que Bolsonaro representa, há uma relação de mútua dependência entre a preservação da democracia como regime político e das Forças Armadas como instituição de Estado, independentemente do que os militares pensem a respeito do golpe de 31 de março.

*Diretor-Geral da Fundação FHC, é membro do GACINT-USP


'Segurança jurídica é elemento de importância quase espiritual', diz advogada

Em artigo publicado na revista mensal Política Democrática Online, a também consultora legislativa do Senado avalia decisão envolvendo caso Lula

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

“Vivemos tempos difíceis e nossa democracia não caminha a passos largos, mas, sempre teremos no devido processo uma das mais importantes armas contra o arbítrio”. A declaração é da consultora legislativa do Senado Federal em direito penal e processo penal, Juliana Magalhães, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição).

Na avaliação dela, é preciso considerar que “a segurança jurídica é um elemento de importância quase espiritual para as nações, pois o homem toma decisões diuturnas com base no seu resultado futuro dessas decisões”.

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

Mestre em direito e políticas públicas, especialista em direito processual e sócia do escritório Trindade Câmara Advogados, Juliana analisou os aspectos processuais da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin no habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Com a decisão de Fachin, o ex-presidente Lula continua elegível. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF (18/02/2020)

Incompetência

Fachin declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o julgamento de ações penais (Triplex de Guarujá, sítio de Atibaia, sede do instituto Lula e doações ao mesmo instituto) em desfavor do ex-presidente, determinando a remessa daqueles autos ao Distrito Federal.  

No dia 15 de abril, o STF decidiu rejeitar o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) que buscava reverter a anulação das condenações de Lula impostas pela Justiça Federal do Paraná, na Operação Lava Jato.

Além de Fachin, sete ministros (Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso) votaram pela rejeição do recurso e três pela aceitação (Nunes Marques, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux).

Com a rejeição do recurso, as anulações das condenações foram mantidas, e Lula continua elegível.

“A decisão do ministro [Fachin], tal como se tornou comum na comunidade jurídica, causou estranhamento”, afirma Juliana. “Não em razão da matéria de fundo, isto é, se, de fato, não há correlação entre os fatos narrados naquelas ações e os diversos episódios de corrupção em desfavor da Petrobrás, cujo mérito não será objeto do artigo”, ressalta.

Menoscabo

No entanto, segundo ela, o problema da questão são as sucessivas manifestações de menoscabo em relação às normas processuais penais pela justiça brasileira, especialmente pelo STF.

Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online

“O Estado Democrático de Direito deve estar baseado no devido processo legal, conquista da civilização moderna que sabe, com razoável previsibilidade, a sequência dos atos processuais e suas consequências”, assevera a consultora legislativa.

A análise de Juliana pode ser vista, na íntegra, na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos

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FAP, em parceria com Cidadania, lança curso de capacitação Gestão Cidadã

Capacitação é destinada a filiados ao partido; inscrições foram abertas nesta quinta-feira em plataforma on-line

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) abriu, nesta quinta-feira (15/4), as inscrições para o curso Gestão Cidadã, com aulas telepresenciais exclusivas para filiados ao Cidadania, ao qual a entidade é vinculada. As vagas são limitadas. A aula magna do curso está marcada para o dia 3 de maio.

As inscrições poderão ser feitas, diretamente, na plataforma de educação a distância Somos Cidadania, que também foi lançada nesta quinta-feira, de forma totalmente interativa, moderna, com acesso gratuito para matriculados e design responsivo (veja mais detalhes ao final da reportagem).

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O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, diz que o curso reforça a tradição quase secular do partido, destinada a “políticas de formação de quadros”. “A diferença é que, mais do que anteriormente, a capacitação é bem mais fundamental neste mundo porque as transformações da sociedade e os processos de inovação se refletem também na gestão pública”, afirmou, em entrevista ao portal da FAP.

Para Freire, a Fundação Astrojildo Pereira tem se revelado, nesses últimos anos, um grande instrumento para formação de quadros do Cidadania. Foto: Lula Marques / AGPT

“Grande instrumento”

“O partido, se quiser ser atual e capaz de governar cidades, estados e o próprio país, precisa formar aqueles que serão responsáveis por essa gestão”, disse Freire. “O Cidadania tem grande instrumento para isso, a Fundação Astrojildo Pereira, que tem se revelado, nesses últimos anos, para a grande formação de quadros do partido”.

Presidente do Conselho Curador da FAP, coordenador do curso e ex-prefeito de Vitória (ES), o médico Luciano Rezende destacou que a atividade de formação é a base da construção do que chamou de “boa política”.

“O Brasil precisa da boa política. A nova política é uma expressão que embute dois preconceitos de que tudo que é novo é bom e tudo que é velho é ruim. O termo correto é boa política”, explicou Rezende. Ele foi prefeito da capital do Espírito Santo por dois mandatos, de 2013 a 2020, e deixou o governo com alta aprovação.

Valores da boa política

A boa política, de acordo com o coordenador do curso, se faz preservando virtudes. “São valores como ética, integridade, lealdade, comprometimento, mas também capacidade de gestão e de compreender o processo de gestão pública, como funciona o arcabouço legal de municípios, estados e país”, destacou.

Rezende: "A atividade de formação é a base da construção do que chamou de “boa política”. Foto: Ana Volpe/Agência Senado

É exatamente por isso que o curso ganha ainda mais relevância nesse momento, logo nos primeiros meses de mandatos de prefeitos, vices e vereadores eleitos, no final do ano passado, em todo o país. “Esse curso da FAP vai tratar de temas que preparam as lideranças para a boa política através da capitação”, disse.

Ouça o podcast da Rádio FAP

https://open.spotify.com/episode/3aZwAxD4z9njpXZ0Chmofr?si=EU2y2VwYToC1eJMV6cBtOQ

Ele citou que os participantes vão aprender como lidar com orçamento, gerenciar crise e usar adequadamente rede sociais, por exemplo, além de entenderem e executarem outras habilidades essenciais para a gestão pública de excelência.

“A agenda diária do cotidiano envolve a movimentação política, e a formação técnica é esquecida. Esse curso lembra que a formação técnica é fundamental”, destacou o ex-prefeito de Vitória.

Gestão pública com eficácia

Diretor-geral da FAP e consultor do Senado, o sociólogo Caetano Araújo ressaltou que o curso vai fornecer o conjunto de informações necessárias para a gestão pública ser eficiente, a fim de os serviços públicos serem realizados com a maior eficácia possível.

Caetano: "A fundação, desde que foi criada, em 2000, tem uma atuação bastante forte na parte de formação política". Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

“A fundação, desde que foi criada, em 2000, tem uma atuação bastante forte na parte de formação política, primeiro com cursos exclusivamente presenciais. Depois no segmento de cursos a distância, no qual temos experiência de sucesso”, disse, referindo-se aos cursos Jornada da Cidadania e Jornada da Vitória realizados no ano passado.

De acordo com o diretor-geral da FAP, o curso será realizado por profissionais altamente competentes em suas respectivas áreas. “São pessoas que têm competência acadêmico-gerencial, conhecidas pelos seus pares e com larga experiência nesses temas”, asseverou.

Araújo disse, ainda, que o curso, certamente, oferecerá um grande arcabouço de conhecimento ao público ao qual se destina. “É certo que os profissionais vão poder passar bastante conhecimento para os nossos alunos. O curso tem tudo para ser um sucesso e vai ter impacto muito positivo na gestão pública dos municípios, sobretudo”, acentuou.

Plataforma Somos Cidadania

Com design responsivo, que se adapta a diferentes dispositivos de acesso (celular, computador e tablet), a plataforma Somos Cidadania é um projeto ousado e robusto de integração partidária e de divulgação de ações do partido e da FAP.

Ao acessar a plataforma, o internauta vai visualizar uma mensagem com o seguinte aviso: “Este é um espaço democrático e amplo que conecta filiados e simpatizantes para promover o debate em torno dos principais temas de relevância nacional”.

Em seguida, para ter melhor experiência de utilização da plataforma, o internauta terá de responder se é filiado ao Cidadania ou simpatizante do partido. Se for filiado, terá de informar número do título de eleitor e do CPF, para confirmação da resposta.

Além de ser o canal de realização do curso, a plataforma servirá também um canal de comunicação e funcionará, ainda, como ponte entre os seus integrantes e todas as lideranças políticas do Cidadania em todo o país.

Nela, os internautas terão a opção de participar de diversos grupos temáticos. Abaixo, veja lista de alguns exemplos, por ordem alfabética:

Além dos grupos temáticos, há uma parte destinada ao perfil de cada uma das pessoas cadastradas na plataforma, assim como espaço para fóruns de discussão e informação sobre eventos do partido e da fundação.

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Vinícius Müller mostra passos fundamentais à criação da “pedagogia do centro”

Em seu artigo na Política Democrática Online de abril, doutor em história e professor do Insper e CLP sugere como não cair na polarização entre Bolsonaro e Lula

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Possíveis candidatos de centro à presidência da República (Ciro, Doria, Amoedo, Huck, Mandetta e Leite) devem superar, primordialmente, duas barreiras e criarem “uma pedagogia” da ala, se quiserem vencer nas eleições de 2022. A avaliação é do doutor em história Vinícius Müller e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

Em artigo de sua autoria produzido para a revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ele explica, basicamente, o que os possíveis presidenciáveis devem fazer: “encontrar um passado que os una ou que, no mínimo, justifique este ensaio de aproximação” e não ter laços frágeis.

Veja a versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Também professor do Centro de Liderança Pública (CLP), Müller diz que a primeira lacuna a ser vencida “é a fragilidade da proposição que vê o problema apenas na inexistência de um projeto comum entre eles”. “Não é o futuro que conta, e sim o passado”, alerta o historiador.

Aceno de aproximação

Por isso, de acordo com o artigo de Müller, os possíveis candidatos de centro precisam encontrar, antes de um projeto comum, um passado que os una ou que, no mínimo, justifique este ensaio de aproximação.

A segunda lacuna, segundo o articulista da Política Democrática Online de abril, é encontrar uma solução para não se apresentarem com “laços frágeis”. Nessa hipótese, avalia, “consequentemente, o fortalecimento do centro não significará nada de muito diferente do que é para os candidatos polares, Lula (PT) e Bolsonaro (sem partido).

Se não houver um passado que dê substância à formação de um centro político, este espaço será ocupado por aqueles que o usam apenas de modo instrumental, na avaliação do historiador do Insper.

Em seu artigo na revista da FAP, o autor diz ser necessária a criação de uma pedagogia do centro, “que não só repudie a narrativa histórica da ‘luta’ – característica daqueles que atiçam a polarização e usam o centro apenas como ferramenta -, mas também identifique os valores que são vistos no passado e transferíveis ao futuro”.

Negativo vs positivo

É por isso que, na Política Democrática Online de abril, ele apresenta quatro passos fundamentais à criação de um ambiente favorável para que o centro deixe de se posicionar como o “negativo’ à polarização e seja o “positivo” de nossa trajetória e de nosso futuro. (todos os detalhes podem ser conferidos diretamente na publicação).

“Ou seja, aquele que carrega – porque identifica, valoriza e comunica – “os avanços que tivemos em nossa história quando conseguimos anular a retórica da ‘luta’; e não o refúgio daqueles que só querem reproduzir nossos males”, analisa Müller, em seu artigo.

A edição de abril da Revista Política Democrática Online também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, análises de política nacional, política externa, cultura, entre outras, além da reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

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O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

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RPD || Hussein Kalout: O rastilho de destruição da diplomacia brasileira

Ainda é cedo para prever o grau de normalização que será possível alcançar com a saída do ex-Ernesto e a posse do novo chanceler, o embaixador Carlos França, avalia Hussein Kalout, sobretudo se a influência olavista seguir pairando sobre a cabeça no novo ministro

Ernesto Araújo, o sombrio ex-chanceler do governo Bolsonaro, também conhecido como “ex-Ernesto” nas mais do que inspiradas palavras da Senadora Katia Abreu, foi finalmente defenestrado. A experiência de misturar religião com política externa e a intentona de condicionar o futuro do Brasil a um governo estrangeiro, impingiu ao país severos danos. O rotundo fracasso e a consequente derrocada da finda gestão de Araújo, é bom ressaltar, somente teve ponto final após o levante coordenado pelo Senado da República que, altivamente, decidiu dizer: basta!  

Setores do estamento estatal acreditaram ou quiseram acreditar que o tempo iria, paulatinamente, moldar a política externa em consonância com a realidade, de tal modo que a distopia em andamento na nossa diplomacia fosse naturalmente corrigida. Já o empresariado, por sua vez, acreditou que, com uma pressão aqui, outra acolá, poderia insular as insanidades ideológicas do governo, para imunizar os interesses político-comerciais brasileiros das diatribes dos “condutores” das relações exteriores do país. Nada se encaminhou como imaginado, e ambos os espectros se equivocaram regiamente.  

Pressionado com a reação do Senado, o presidente da República encontrou, no embaixador Carlos França, os predicados para comandar a diplomacia nacional no mais grave período da história recente do país. Muito se argumentou que o novo chanceler não assumiu o cargo em virtude de experiência comprovada no campo da política externa, mas fruto de uma lealdade já demonstrada no Palácio do Planalto – isso sem falar que a indicação foi subscrita pelos cônsules da ideologização bolsolavista. Essa circunstância, na visão de vários parlamentares, não deixa de lançar dúvida sobre a capacidade do novo ministro de moldar decisões e moderar o ímpeto do próprio presidente.  

Uma percepção não foge ao olhar daqueles que acompanham pari passu a política externa brasileira. O método que comandou a escolha do novo chanceler obedeceu ao mesmo réquiem da primeira experiência: diplomata recém-promovido à posição de embaixador, de trajetória discreta, sem nunca ter exercido funções de mais alta responsabilidade e chefia no Brasil e no exterior, desprovido de amplitude política e de denso arco de apoio no espectro nacional. A inferência natural que se fez dentro e fora da chancelaria – ainda que de forma talvez apressada – é a de que a escolha se encaixa naquilo que a ala ideológica do governo buscava assegurar: o controle sobre a diplomacia brasileira.  

 Apesar da lógica do método, contudo, cumpre ressaltar que a temperança e o bom senso do novo ministro da Relações Exteriores, Carlos França, são inversamente proporcionais aos de seu antecessor, o ex-Ernesto. Não obstante, é importante por ora não elevar as expectativas em demasia sobre quaisquer mudanças essenciais nas linhas da política externa. Apesar do estilo sóbrio e profissional do embaixador Carlos França, ainda é cedo para prever o grau de normalização que será possível alcançar, sobretudo se a espada de Dâmocles olavista seguir pairando sobre a cabeça no novo ministro.    

Aliás, o discurso de posse do ministro França centrou-se em ilustrar como a diplomacia poderá contribuir na solução dos principais problemas do país e, especialmente, naqueles que o governo vem fragorosamente falhando em endereçar como: combate à pandemia, preservação do meio ambiente e crescimento da economia. A efetividade e o possível sucesso do trabalho do Itamaraty na solução de tais problemas, à par da boa intenção do discurso, dependem da moderação de uma única autoridade: o presidente da República. E é justamente aí que reside o perigo. 

Profundas mudanças nas linhas da política externa somente devem ser aguardadas, portanto, a partir do dia 1 de janeiro de 2023 – se o Brasil eleger, obviamente, um novo presidente. Porém, até lá, é preciso ficar atento aos temas que são – e sempre serão – vitais ao interesse nacional.  

Nesse sentido, China e EUA não deveriam seguir sendo opções excludentes no mapa geoestratégico da política externa do atual governo. Um país com vocação universalista como é a do Brasil, definidamente, não pode se condenar a escolher entre um ou outro lado. O pragmatismo e o bom senso recomendam extrair de ambos, chineses e americanos, os maiores benefícios para a sociedade brasileira e para os nossos interesses estratégicos – seja nas áreas comercial, tecnológica, ambiental, sanitária ou política.  

Não menos importante, a América do Sul é um imperativo estratégico. O Brasil precisa com urgência redimensionar seu papel como um indutor do processo de desenvolvimento da região e país promotor da paz. Uma “liderança natural” não sobrevive por inércia quando há vácuo de poder. É preciso retomar o diálogo com os países sul-americanos, e cabe ao Itamaraty articular, liderar e impulsionar boas políticas de cooperação regional – saúde e meio ambiente são os fios condutores no momento. 

A África, lamentavelmente, inexiste no mapa cartesiano da política externa bolsonarista. É um grave equívoco de avaliação achar que contaremos sempre com apoio dos países africanos mesmo estando ausentes do teatro diplomático e dos principais temas do continente. Aparições esporádicas e ações pontuais não ajudarão a consolidar as relações com a África. De maneira geral, o crescimento econômico dos países africanos, nos últimos anos, tem sido consistente, e as oportunidades econômicas e comerciais têm-se aberto àqueles países que estão sendo capazes de mensurar o valor estratégico do continente africano tais como: China, Turquia, Índia e Alemanha.  

O sistema multilateral, por sua vez, sempre foi a melhor raia em que a política externa navegou. É onde construímos nosso prestígio e ampliamos nossa influência desde os tempos de Oswaldo Aranha ou até antes, com a participação marcante de Rui Barbosa na segunda Conferência de Paz na Haia, em 1907. É preciso evitar mais desgaste e recobrar a capacidade do país de evitar o isolamento que se auto impôs nos mais variados foros. É preciso repensar alguns posicionamentos, especialmente, em matérias concernentes ao meio ambiente e aos direitos humanos.  

Se conseguir recolocar a política externa minimamente nos trilhos, na linha do que sinalizou em seu discurso de posse, o novo ministro das Relações Exteriores já estaria contribuindo para amainar o rastilho de destruição e minorar os graves prejuízos impostos ao país. A força do Brasil nas relações internacionais sempre foi sedimentada em sua dedicada capacidade de articular e de participar dos grandes palcos globais. Construído a duras penas, esse capital diplomático foi dilapidado nos últimos dois anos. Esperamos que o novo chanceler estanque a hemorragia e estabilize o doente. Diante da crise que nos acomete e das inclinações do presidente da República, isso seria sem dúvida um grande êxito e, quem sabe, um primeiro passo para a recuperação futura de nossa capacidade de defender nossos interesses no cenário internacional. Ao novo chanceler, desejamos boa sorte. Ele vai precisar. 

* Hussein Kalout é cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018).  

  • ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
  • *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

RPD || José Luís Oreiro: O retorno do dilema Juros-Câmbio?

Decisão do Banco Central de aumentar a taxa Selic em 0,75% em março passado, no contexto da maior crise econômica da história do Brasil, foi a prova cabal que o país ainda não se livrou da armadilha juros-câmbio, avalia José Luís Oreiro  

A sociedade brasileira tem uma patologia grave. Ela se mostra refratária a aprender com os inúmeros erros que vem cometendo nos últimos 40 anos. Trata-se da incapacidade de nossa sociedade, e particularmente dos economistas ditos “ortodoxos”, de reconhecer o estrago que a combinação entre juros altos e câmbio sobrevalorizado tem causado ao tecido produtivo da economia brasileira desde o início do Plano Real e mantido, quase incólume, durante as sucessivas administrações petistas. 

 A partir de 2017, com o nível de atividade econômica no fundo do poço devido à grande recessão de 2014-2016, o Banco Central do Brasil iniciou processo de (sic) redução lenta, gradual e segura da taxa Selic. Com a pandemia do covid-19, em 2020, a taxa Selic chegou à mínima histórica de 2% a.a em termos nominais, ao passo que a taxa de câmbio apresentava desvalorização de mais de 40% ao longo do ano.  

Finalmente, o Brasil parecia ter-se livrado da combinação maldita entre juros altos e câmbio baixo, causa principal da desindustrialização prematura da economia brasileira, conforme mostro no livro Macroeconomia da Estagnação Brasileira, escrito em coautoria com Luiz Fernando de Paula e lançado neste mês pela Alta Books.  

A decisão do Banco Central do Brasil em meados de março de aumentar a taxa Selic em 0,75 p.p  - no contexto da maior crise econômica da história do Brasil e com contração fiscal já contratada para o ano de 2021 em função de redução de 75% do valor do auxílio emergencial – foi a prova cabal que o país ainda não se livrou da armadilha juros-câmbio.  

A decisão “técnica” para o ajuste da taxa de juros – a qual deverá prosseguir nas próximas reuniões do Copom – era que a elevação do IPCA, acumulado nos últimos 12 meses de um patamar abaixo de 2% em junho de 2020 para mais de 5% em fevereiro de 2021, colocava em risco a obtenção da meta de inflação para o ano de 2021, definida em 3,75% a.a pelo Conselho Monetário Nacional, com um intervalo de tolerância de +/- 1,5 p.p. A autoridade monetária reconhece, contudo, que a elevação da inflação se deveu a um choque de oferta adverso – basicamente a elevação dos preços dos alimentos e combustíveis, devido à combinação de aumento dos preços internacionais das commodities e desvalorização da taxa de câmbio – que deverá ser revertido no segundo semestre de 2021. Tanto é assim que a previsão de inflação do mercado financeiro no início de março para o ano de 2021 se encontrava em 3,98%, ligeiramente acima da meta de inflação para o ano, mas confortavelmente dentro do intervalo de tolerância do regime de metas de inflação.  

A teoria econômica e a prática da política monetária mostram que elevações da taxa de juros não devem ser usadas para conter uma aceleração inflacionária produzida por um choque de oferta, pois (i) a aceleração da inflação será de caráter temporário e (ii) uma elevação da taxa de juros irá amplificar, ao invés de amortecer, o efeito negativo do choque de oferta sobre o nível de atividade econômica. Nesse caso, a melhor política é acomodar o aumento temporário da inflação no intervalo de tolerância definido no regime de metas de inflação.  

Essa não foi a decisão do Banco Central. Preferiu aumentar a Selic e já deixou claro que deverá continuar aumentando a taxa básica de juros até que a política monetária apresente (sic) o grau de estímulo compatível (sic) com o que é exigido pela situação atual da atividade econômica.  

Essa explicação parece basear-se na premissa de que existe relação positiva entre a taxa de juros e o nível de atividade econômica, ou seja, de que por algum mecanismo que só existe na economia brasileira, um aperto na política monetária poderia levar a um aumento, ao invés de redução, do nível de atividade econômica.  

Parece que a atual diretoria do Banco Central foi infectada com o vírus do “populismo cambial”, endêmico tanto entre os economistas ortodoxos, como em parte da heterodoxia brasileira. A ideia é a seguinte: elevações da taxa Selic levam a uma apreciação do câmbio, que permite uma redução da inflação, a qual leva a um aumento do salário real e do consumo das famílias. Dessa forma, um aumento da Selic seria compatível com a recuperação do nível de renda e emprego. 

Essa política foi adotada ad-nauseam durante os dois mandatos do Presidente Lula e o resultado foi desindustrialização e perda de dinamismo econômico. Campos Neto quer repetir o mesmo experimento fracassado, na esperança de que agora ele finalmente vai funcionar. Irá colher os resultados de sempre.  

* José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB

  • ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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RPD || Leandro Consentino: O ideologismo irresponsável

Brasil corre o risco de ficar de fora das principais mesas de negociações por conta da política externa do Governo Bolsonaro, isolando-se da futura governança global. Estados devem reconstruir os organismos internacionais  quando a pandemia tiver fim

O breve governo de Jânio Quadros, inaugurado e concluído em 1961, não costuma trazer grandes lembranças sobre suas iniciativas políticas internas para além das folclóricas proibições do uso de biquinis, lança-perfumes e rinhas de galos. No flanco externo, contudo, o legado é evidente, com a emergência da chamada Política Externa Independente. 

Buscando diversificar os contatos externos e não se alinhar a nenhum dos dois lados da Guerra Fria, evitando a bipolaridade reinante por meio de princípios como a não-intervenção e a auto-determinação dos povos, o novo paradigma de política externa brasileira foi conduzido brilhantemente por nomes como Afonso Arinos de Melo Franco e San Tiago Dantas, durante os governos de Quadros e de seu vice, João Goulart.    

Com a ruptura democrática e a ascensão do Regime Militar, a Política Externa Independente foi brevemente substituída por um alinhamento automático aos Estados Unidos e, consequentemente, ao bloco capitalista. O interesse nacional acabou, então, subordinado ao interesse norte-americano, o que ficou patente pelas palavras do então embaixador brasileiro em Washington, Juraci Magalhães: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.  

O alinhamento, contudo, não durou muito tempo e, na década seguinte, esta postura subserviente cedeu espaço, paulatinamente, para uma espécie de reedição da Política Externa Independente, cujo ápice ocorreria em pleno governo do general Ernesto Geisel. Sob a batuta do então chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira, o novo modelo foi batizado de Pragmatismo Ecumênico e Responsável, apontando exatamente para uma política exterior pautada em uma postura realista e pouco afeita a constrangimentos de natureza ideológica, sobretudo no que diz respeito às negociações econômicas e comerciais. 

O pragmatismo responsável, como ficou mais conhecido, orientava-se pelo significado semântico de seu título e buscava assegurar, sem maiores preocupações com a orientação política dos governos com quem travava acordos, a primazia de nosso interesse, sobretudo em um ambiente internacional desfavorável, atingido pela escalada da Guerra Fria e pelo primeiro choque do petróleo. Os resultados não tardaram e aprofundaram nossos laços com regiões e países bastante diversos, com especial destaque para a África, o Leste Europeu e o Oriente Médio, além de nos garantir importante participação e até protagonismo em organismos internacionais. 

Com o fim do governo Geisel e posteriormente do próprio regime ditatorial, o advento da Nova República não abandonou tais princípios universalistas e legitimou, ao longo dos sucessivos governos democráticos, a inserção do país nos regimes internacionais, sempre pautado pela autonomia quanto às superpotências, em especial os Estados Unidos da América. 

Não obstante seus diversos problemas internos, o Brasil logrou posição de destaque na esfera multilateral, principalmente marcada pela continuidade de sua política externa, independente da disputa entre as forças políticas. As conquistas consolidadas por um governo – seja na esfera econômica, comercial, ambiental ou de direitos humanos - alicerçariam as bases para as conquistas posteriores, ainda que o presidente seguinte fosse de oposição ao anterior.  

Este círculo virtuoso foi bruscamente interrompido com a vitória de Jair Messias Bolsonaro, em outubro de 2018, e a subsequente nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de Ministro das Relações Exteriores. Com uma visão que preconizava completo alinhamento com os Estados Unidos, à época governados por Donald Trump, e outros países governados por populistas conservadores, a política externa brasileira esposou a antítese do paradigma de Azeredo da Silveira, pautando-se por um ideologismo irresponsável.  

De maneira cada vez mais alheia aos anseios brasileiros, o governo de turno prefere privilegiar suas convicções políticas e ideológicas em detrimento do interesse nacional, colocando em risco os esforços de política externa, conquistados nas últimas décadas e prejudicando a economia e a sociedade brasileira em um momento tão grave como o atual. Foi dessa forma que ficamos para trás na corrida pelas vacinas e que tivemos os insumos atrasados por algumas semanas, perdendo centenas de vidas pelo caminho. 

Assim sendo, quando a pandemia tiver fim e os Estados decidirem a reconstrução de organismos internacionais pautados na questão sanitária e na recuperação da economia, o Brasil pode não ser convidado às principais mesas de negociações, isolando-se da futura governança global. Eis o risco que ora enfrentamos e que precisamos evitar a todo custo.  

Como disse o próprio Azeredo da Silveira: “a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”. Ainda que sem grandes esperanças para o curto prazo, esperemos que essa renovação venha em breve, retirando a viseira ideológica que nos tolda a visão para buscar os reais interesses de nosso país.  

* Leandro Consetino é bacharel em Relações Internacionais, Mestre e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é professor no Insper e na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 

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RPD || Mauro Oddo Nogueira: Auxílio Emergencial - A boia no meio da tormenta

Benefício manteve acesa parte da demanda, evitando uma queda ainda maior do PIB em 2020 e permitiu que mais de 50 milhões de brasileiros e seus familiares não se vissem privados de qualquer fonte de renda

O cenário brasileiro das últimas semanas foi marcado por tal quantidade de fatos relevantes que chega a ser difícil acompanhá-los, digeri-los, analisá-los. Dentre eles, sublinho a renovação do Auxílio Emergencial, com início programado para a primeira semana de abril. Acredito, porém, que o destaque não tenha sido o merecido. Digo isso por conta da dimensão dos impactos do programa na economia nacional. A rigor, não há como se fazerem avaliações precisas desses impactos, uma vez que ainda não se produziram os dados estatísticos que o permitirão. Uma dose de bom senso, contudo, somada a um olhar atencioso para a realidade, permite uma estimativa razoável. 

O número mais esclarecedor é o do PIB. As estimativas para o PIB de 2020 quando do início da pandemia variavam, dependendo do otimismo de quem as fazia, entre uma queda de 6% até mais de 9%. Mas o resultado final foi de “apenas” 4,1%. E, por óbvio, isso não se deveu à pandemia ter sido menos virulenta ou duradoura do que se supunha. Muito pelo contrário. 

O que impediu, então, que o PIB desmoronasse em um grau ainda maior do que o dessas previsões? A explicação que parece fazer sentido – principalmente cotejando-se o PIB com os índices de desemprego e desalento – é a de que o Auxílio Emergencial manteve acesa parte da demanda. Lembremo-nos de que os principais atingidos pelos fakedowns(modalidade tupiniquim de lockdown) são exatamente os autônomos e os informais. Ou seja, os que não têm reserva de capital, não conseguem mecanismos outros para se manterem de algum modo operando e atuam majoritariamente nos segmentos mais impactados. O Auxílio permitiu que mais de 50 milhões de brasileiros e seus familiares não se vissem privados de qualquer fonte de renda. Isso certamente evitou uma convulsão social – inclusive com a possibilidade de distúrbios de massa e saques – que se chegou a ver desenhada no horizonte. 

Para a felicidade de quase todos, a pífia proposta de Auxílio inicialmente elaborada pelo governo foi ampliada pelo Congresso por pressão da sociedade. Não fosse isso, por render graças à Sua Majestade o Equilíbrio Fiscal (dogma abandonado desde o início da pandemia pelas economias mais liberais do planeta, como os EUA, Alemanha e Reino Unido), suas condições não teriam evitado a catástrofe. 

Acontece que, para além dos impactos econômicos, há ainda três impactos de ordem moral. 

O primeiro foi tornar visíveis os invisíveis. Houve susto generalizado quando cerca de 60 milhões de pessoas se apresentaram para receber o Auxílio. A despeito desse contingente de concidadãos aparecer claramente nas bases estatísticas – como a Pnad Contínua do IBGE, por exemplo – e ser objeto de numerosos estudos e publicações científicas, parece que os gestores públicos e a mídia em geral os desconheciam. 

O segundo está condicionado a se admitir como verdadeira a hipótese que muitos economistas têm defendido, a de que parte da inflação – especialmente dos gêneros alimentícios – é consequência da elevação do dólar. E que parte decorre da pressão de demanda sobre esses itens de consumo (leite, arroz, feijão etc.), resultado dos efeitos positivos do auxílio emergencial sobre a renda das pessoas.  Ocorre que tais produtos são classificados como bens com elasticidade-renda da demanda menor ou igual a zero. Trocando em miúdos, trata-se daquelas coisas que as pessoas não compram mais porque estão ganhando mais. Trocando mais em miúdos ainda, ninguém se empanturra de arroz e feijão porque teve um aumento salarial.  Em alguns casos, até se compra menos desses produtos porque os substitui por outros mais caros. Esse comportamento da elasticidade só não se verifica em uma situação: quando a renda anterior do indivíduo não era suficiente para que adquirisse esses tais alimentos “básicos”. Portanto, admitir a veracidade desse componente inflacionário é reconhecer o nível de miséria a que estão submetidos milhões de brasileiros e que se traduz em uma amarga palavra de quatro letras: fome. 

O terceiro, por fim, tem origem nas indefinições que se arrastaram por semanas. Nas idas e vindas em relação à sua renovação, valores que serão concedidos, critérios de elegibilidade, data de início e duração. Esse impacto moral é bem mais simples de se compreender. Basta que a gente se coloque no lugar de quem depende desse dinheiro para colocar comida nos pratos de seus filhos. 

*Doutor pela Coppe/UFRJ e pesquisador do Ipea. É autor do livro Um pirilampo no porão: um pouco de luz nos dilemas da produtividade das pequenas empresas e da informalidade no Brasil. 

  • ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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