democracia

Revista online | Breve notícia da terra devastada

Luiz Sérgio Henriques*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)

Em Washington, mal começado o governo e já na primeira viagem internacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) cunhou a epígrafe definitiva da obra a que se dedicaria com afinco nos anos seguintes. Conservadores de variado coturno – ou melhor, reacionários do calibre de Olavo de Carvalho e Steve Bannon – ouviram-no proclamar o sentido da “missão divina” que se autoatribuía e que consistia em “desconstruir” e “desfazer” regras e valores, hábitos e instituições, antes de começar a pôr de pé a parte supostamente positiva da sua agenda. 

Livramo-nos há pouco da promessa bolsonarista da “construção” a ser cumprida em mais um mandato, mas é forçoso admitir que só quatro anos bastaram para legar um cenário de terra devastada. Em outras palavras, a metade inicial do projeto está realizada. A celebração grosseira do “politicamente incorreto” contaminou parte das elites e infiltrou-se por toda a sociedade, criando um reacionarismo de massas agressivo e destruidor. 

Juristas defenderam uma leitura golpista da Constituição – em particular, do artigo 142, simultaneamente curto e prolixo, que na aparência dá voz a quem numa democracia deve ser o “grande mudo”. Médicos militaram, e talvez militem ainda, no movimento antivacina, deixando um traço lastimável de retrocesso civilizatório. E a violência política tornou-se um recurso, quando não legítimo, ao menos aceitável para setores da sociedade contaminados pelo culto às armas e pela tentação de eliminar fisicamente o inimigo interno – se preciso for. 

Confira, a seguir, galeria de imagens:

Reprodução: Unisinos
Reprodução: Jornal da USP
Foto: Drazen Zigic/Shutterstock
Foto: Jesse33/Shutterstock
Reprodução: Proceso Digital
Foto: Day Of Victory Studio/Shutterstock
Foto: Wellphoto/Shutterstock
Foto: Jacob Lund/Shutterstock
Foto: Daniel Caballero/Valor Econômico
Foto: Vincenzo Lullo/Shutterstock
Reprodução: Unisinos
Reprodução: Jornal da USP
Young,African,American,Woman,Shouting,Through,Megaphones,While,Supporting,Anti-racism
Foto: Jesse33/Shutterstock
Reprodução: Proceso Digital
Raising,Hands,For,Participation.
Protest.,Public,Demonstration.,Microphone,In,Focus,Against,Blurred,Audience.
Female,Activist,Protesting,With,Megaphone,During,A,Strike,With,Group
foto07cul-601-respulica-d8
London,,United,Kingdom,,June,06,2020:,Thousandths,Of,People,Attended
previous arrow
next arrow
 
Reprodução: Unisinos
Reprodução: Jornal da USP
Young,African,American,Woman,Shouting,Through,Megaphones,While,Supporting,Anti-racism
Foto: Jesse33/Shutterstock
Reprodução: Proceso Digital
Raising,Hands,For,Participation.
Protest.,Public,Demonstration.,Microphone,In,Focus,Against,Blurred,Audience.
Female,Activist,Protesting,With,Megaphone,During,A,Strike,With,Group
foto07cul-601-respulica-d8
London,,United,Kingdom,,June,06,2020:,Thousandths,Of,People,Attended
previous arrow
next arrow

Na verdade, a contrarrevolução política e cultural a que fomos submetidos desde 2019 – e a que, em certa medida, assistimos “bestializados” – teve mais de uma vertente. Desde logo, vimo-nos arrastados pela grande crise das democracias contemporâneas, que está longe de ter se esgotado e parece renovar-se em cada eleição e em cada momento. 

Uma crise estrutural, certamente, com aspectos até bizarros. Não é comum que alguém como Viktor Orban, autocrata de um país distante e pequeno (ainda que culturalmente muito relevante), torne-se uma espécie de ídolo global dos “revolucionários” da extrema-direita, inclusive no país-chave do Ocidente, os Estados Unidos. Mais do que ídolo, um modelo para o programa de corrosão das democracias aplicado em várias realidades nacionais. Pois a Viktor Orban fomos também apresentados na posse mesma do presidente Bolsonaro, sinalizando uma aliança e uma afinidade que até então inocentemente ignorávamos.   

Há também uma dimensão propriamente interna – ou, mais do que isto, um emaranhado de contradições que são coisas nossas e nos levaram à beira do precipício. A exasperação do conflito político, especialmente a partir de 2013, teve efeitos desastrosos, cuja enumeração exaustiva não cabe aqui.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

Mencionemos só um exemplo. Não soubemos lidar nada bem com o instituto do impeachment. Todos os governos não petistas, sem exceção, foram alvo de insistentes pedidos de impedimento por parte do PT ou de figuras próximas. E, no entanto, o impeachment de Dilma Rousseff, num contexto de recessão brutal e perda de apoio parlamentar, teve como contrapartida a acusação inapelável de “golpe”, como se 2016 tivesse sido o marco zero da ruptura institucional – o que, a bem da verdade, não tivemos em momento algum, sequer em 2018 e menos ainda, obviamente, em 2022. Aliás, com seus sinais de nova esperança, a data mais recente reuniu numa só trincheira todos os personagens de vocação democrática, inclusive os que antes se contrapuseram duramente.

Coisa bem diferente é postular que o segundo mandato do aspirante a autocrata teria aprofundado a ação da toupeira ou, para usar termo militar, o trabalho de sapa contra as instituições consagradas na Constituição. Uma democracia fortemente tutelada e uma sociedade conflagrada poderiam, em conjunto, somar a repressão “tradicional” dos aparelhos de Estado e a violência nascida das entranhas do corpo social, violando todas as dimensões da liberdade duramente conquistadas após a ditadura. E assim terminariam por se desenhar as linhas de um pós-fascismo, ou de um fascismo do século XXI, encerrando tragicamente, com um grau maior ou menor de coerção, o mais longo período de vida democrática que tivemos sob a República.  

Há quem diga que construções intelectuais dizem pouco, quase nada, sobre as lutas cruas pelo poder a que se entregam de corpo e alma as forças políticas e que são sua razão única de ser. Afinal, o cinismo autoriza a dizer que programas convincentes sempre podem ser encomendados na primeira esquina e nunca falta gente para fornecer discursos altissonantes. 

A vantagem de conjunturas críticas, como esta que ainda não deixamos para trás, é que evidenciam a conexão mais íntima entre ideias e atitudes, ideólogos e políticos – mesmo que uns sejam farsantes e os outros toscos. Uma conexão que funciona para o bem e, como acabamos de ver, vezes sem conta para o mal, o que talvez seja uma das advertências mais poderosas sobre as possibilidades de degradação social e política sempre latentes em qualquer circunstância.    

Sobre o autor

*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta

* O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

Leia também

Revista online | Editorial: O caminho da democracia

Revista online | Um revolucionário cordial em revista

Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online


Palácio do Planalto diagonal ao entardecer | Foto: Shutterstock/Diego

Revista online | Editorial: O caminho da democracia

Como esperado, o segundo turno da eleição presidencial resultou na vitória do candidato do campo democrático sobre o candidato da situação, por uma margem consideravelmente inferior, contudo, à previsão inicial. Na verdade, o leque de recursos financeiros e políticos mobilizados pelo governo, de legalidade ao menos duvidosa, mostrou alguma eficácia, da liberação indiscriminada de verbas e créditos novos às operações de restrição da mobilidade dos eleitores no dia do pleito.

Em condições de normalidade democrática, a disputa estaria encerrada, e todos ficariam em situação de vencedores e vencidos, engajados, de forma aberta e cooperativa, no processo de transição. Ocorre que no último quadriênio, como sabemos, não houve normalidade democrática no país. Em consequência, o governo reconheceu sua derrota de forma ambígua e tardia, ao tempo em que encorajou a mobilização de partidários seus na frente dos quarteis, em protesto contra o resultado eleitoral, em favor de intervenção militar, com a finalidade declarada de inverter a vontade manifesta dos cidadãos e declarar a minoria como se maioria fosse.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

A permanência de militantes governistas nas ruas, com a complacência dos responsáveis pela manutenção da ordem e o apoio financeiro cotidiano de redes de empresários golpistas, constitui um desafio aberto à democracia brasileira, desafio que deverá ser enfrentado de forma permanente, por todos nós, a partir do primeiro dia do novo governo.

Hoje, contudo, a tarefa imediata dos democratas é sua articulação firme e mobilização ampla contra as manifestações golpistas, que configuram um crime contra o estado democrático de direito, assim como contra a propaganda favorável a elas, que caracteriza uma atitude de apologia a esse crime. Urge assegurar, depois da vitória eleitoral, a diplomação e a posse dos eleitos, os degraus posteriores da sequência prevista na regra eleitoral.

Apenas a partir da posse poderá ter início o processo efetivo de metamorfose da frente ampla eleitoral que se formou entre o primeiro e o segundo turno das eleições em frente ampla política e programática. Esse não será, claro está, um processo simples. Seu sucesso dependerá em boa medida da capacidade de os participantes construírem as convergências necessárias e manter, simultaneamente, a manifestação aberta e transparente de suas diferenças para informação e julgamento da opinião pública.

As tarefas não são fáceis, mas o caminho a ser trilhado está claro: contra toda tentativa de subverter o resultado das urnas; todo apoio ao processo de transição; pela diplomação e posse dos eleitos; pela constituição de um governo de ampla frente democrática, com a participação de todas as forças contrárias ao projeto autoritário e retrógrado do governo que se encerra!

Veja, a baixo, galeria de imagens:

previous arrow
next arrow
previous arrow
next arrow

Leia Também

Revista online | Um revolucionário cordial em revista

Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online


Foto: Khaled Elfiqi/EFE

Lula 'toma posse' no exterior em meio a vácuo deixado por Bolsonaro

Laís Alegretti*, BCC News Brasil

Mais de 40 dias antes de assumir o Palácio do Planalto e com Jair Bolsonaro recolhido, Luiz Inácio Lula da Silva é tratado, na prática, como se já fosse presidente em compromissos no exterior e consegue atenção internacional com pauta ambiental.

Após participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), Lula tem encontros em Lisboa, nesta sexta-feira (18/11), com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa. Na manhã de sábado (19/11), Lula tem previsto encontro com a comunidade brasileira no Instituto Universitário de Lisboa

Na COP27, no Egito, Lula teve encontros com autoridades de outros países e foi aguardado por um grande público internacional - o que levou a imprensa francesa, por exemplo, a dizer que o brasileiro foi recebido "como uma estrela de rock" (jornal econômico Les Echos) e a descrever que foi "acolhido com um imenso fervor" (Le Monde).

O diplomata Rubens Ricupero avalia que Lula tem dominado a agenda "um pouco pelo acerto dele, um pouco pela omissão de Bolsonaro".

"Para todos os efeitos, é como se (Lula) já fosse presidente, até porque o outro esvaziou. Nunca vi isso antes, é como se não tivesse mais presidente, há não sei quantos dias. A agenda (de Bolsonaro) está completamente abandonada", disse o ex-embaixador e ex-ministro à BBC News Brasil ao comentar a viagem de Lula.

O silêncio de Bolsonaro e a escassez de compromissos oficiais vêm sendo destacados na imprensa brasileira. Além de poucos compromissos na agenda em Brasília e de um ritmo baixo de postagens no Twitter, Bolsonaro também não participou da cúpula do G20, na Indonésia.

'Legitimidade reforçada'

Ricupero diz que o fato de Lula ter conseguido imprimir um tratamento de presidente no exterior antes da posse "reforça a legitimidade em um momento em que aqui há um movimento muito grande de pessoas que contestam as eleições", em referência aos protestos de parte dos apoiadores de Bolsonaro.

Lula tira fotos com os presentes logo após o pronunciamento na COP27
Jornal francês Le Monde descreveu que Lula foi "acolhido com um imenso fervor" na COP27

O diplomata considera que Lula acertou no momento da viagem, no início do período de transição. Agora, ele diz, "o calendário tende a favorecer o Lula", já que há a Copa do Mundo e as festas de fim de ano até a posse.

"Com a Copa do Mundo, eu acho que boa parte desse sentimento de mobilização política (contra as eleições) vai abrandar. Terminando a Copa do Mundo, entra nas festas de Natal. Aí Ano Novo e posse, e é outra história", diz. "O momento mais crucial era agora."

Ao deixar o Brasil no início do governo de transição, Lula também se distancia, em certa medida, da disputa por espaço entre partidos aliados na formação do novo governo.

Ricupero, que já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda lembra, ao mencionar viagens de Tancredo Neves e de Juscelino Kubitschek em momentos semelhantes, que "esse período de transição no Brasil é sempre muito carregado de risco, porque há muita intriga, além da chateação dos pedidos de todo tipo, porque todo mundo cai em cima do presidente".

O destaque negativo ficou para a carona que Lula pegou, para chegar ao Egito, no jato do empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde, que chegou a ser preso em 2020 em operação que investigava supostas irregularidades na campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014.

"Eles deveriam ter calculado que cairia mal. Não creio que terá desdobramentos maiores, mas foi um descuido", diz Ricupero.

Ao lembrar que viagens de Tancredo foram feitas em aviões comerciais, Ricupero pondera que "naquela época não havia ameaça à segurança que há hoje" e diz que, no atual contexto, "também seria penoso pegar um avião comercial e ser vítima de manifestações de bolsonaristas, como essas contra os ministros do supremo em Nova York".

O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, diz que não há problema jurídico na carona de Lula no avião particular. "Há um problema ético aí, se você quiser. Um problema ético de você aceitar um oferecimento de um empresário para viajar num avião privado."

Barbosa destaca problemas de segurança em uma eventual viagem em voo comercial e diz que, idealmente, o presidente eleito teria se deslocado de carona em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que tivesse viajado para o Egito.

Lula em Portugal

Ao noticiar a previsão de visita de Lula a Portugal, a imprensa portuguesa destacou que Bolsonaro nunca esteve no país enquanto presidente e que, no Brasil, cancelou um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa em julho deste ano porque o português encontraria Lula.

O jornal Expresso escreveu que a visita de Lula "marca uma nova etapa das relações luso-brasileiras, que tinham sido objeto de um distanciamento institucional durante a Presidência de Jair Bolsonaro". O jornal Público disse que há "carga simbólica" na visita de Lula "por decorrer no ano do bicentenário da independência brasileira e por acontecer meses depois de Bolsonaro ter rejeitado receber o chefe de Estado português".

A visita do presidente português ao Brasil no 7 de setembro deste ano, que marcou o bicentenário, também é lembrada.

Rubens Barbosa diz que houve uma "desconsideração" com o presidente português no desfile. "Ele estava ao lado do presidente, o presidente não falava com ele, entrou o cara da Havan (Luciano Hang), ficou no meio... Isso foi uma coisa, diplomaticamente, muito ruim".

Bolsonaro, Luciano Hang e presidente de Portugal no centro da primeira fila da tribuna de honra do 7 de setembro
Bolsonaro, Luciano Hang e presidente de Portugal no centro da primeira fila da tribuna de honra do 7 de setembro

Ricupero já havia declarado que considera que o tratamento dado ao presidente de Portugal no governo Bolsonaro foi "inqualificável" e voltou a defender uma reparação.

"Os portugueses fizeram tudo o que nós pedimos, mandaram até aquela coisa do coração de Dom Pedro 1º, com aquele aspecto um pouco lúgubre... Colaboraram em tudo para que se pudesse comemorar o bicentenário, que acabou sendo um fracasso por culpa nossa, não deles".

Ricupero diz que "os portugueses foram maltratados". "Quando houve o 7 de Setembro, ele (Bolsonaro) deixou o presidente Portugal ao lado dele no palanque, mas não deu atenção nenhuma. E fez um tipo de discurso completamente fora do espírito da celebração", diz o diplomata.

E a falta de uma visita de Bolsonaro aos portugueses?

Para Rubens Barbosa, a ausência de uma visita de Bolsonaro a Portugal diz mais sobre a política externa do governo Bolsonaro em geral do que sobre a relação entre os dois países em si.

"Bolsonaro não visitou quase país nenhum, não tem nada de discriminação contra Portugal. Ele tem uma política externa muito complicada", disse. "A relação com Portugal é muito intensa e eu acho que o Lula, passando por lá, vai retomar essa tradição de contato estreito entre os dois países."

Presidente Jair Bolsonaro ao centro, com o braço apontado para o céu, acompanhado da primeira-dama e do presidente de Portugal
No 7 de Setembro, 'Bolsonaro deixou o presidente Portugal ao lado dele no palanque, mas não deu atenção nenhuma', diz Ricupero

Lula na COP27: meio ambiente e a atenção internacional

A atenção internacional que Lula conseguiu logo após sua eleição também tem a ver com o tema central da viagem, já que a pauta ambiental é o maior interesse internacional no Brasil, devido principalmente à Amazônia.

"Lula foi para uma conferência que é, nesse momento, a mais importante da agenda internacional e na qual o Brasil é relevante", destaca Ricupero.

Na COP27, Lula disse que "não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030" e afirmou que todos os crimes ambientais vão ser combatidos "sem trégua". Ele também propôs que a COP de 2025 ocorra na Amazônia.

Ricupero, que conta ter se filiado à Rede Sustentabilidade, diz que a pauta ambiental "deveria dominar grande parte da política externa" do novo governo Lula. "Tem outros aspectos da política externa do PT que são mais controversos - por exemplo, ele vai ter em algum momento que se posicionar em relação à Nicarágua, Cuba e Venezuela. No passado, sempre teve simpatia ideológica do PT (a governos desses países) e eu não sei o que ele vai fazer", disse.

"(A pauta ambiental) é um assunto que pode render enormes retornos ao Brasil a curto prazo, sem muito custo. O custo que tem é interno, de enfrentar os grileiros, mineradores, garimpeiros ou os madeireiros. De qualquer forma, ele é obrigado a enfrentar, porque são todas atividades criminosas, ilegais", diz.

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


Coleção Astrojildo Pereira lançamento em Brasília | Foto: Cleomar Almeida/FAP

Revista online | Um revolucionário cordial em revista

Daniel Costa*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)

Entre as efemérides lembradas em 2022 está a criação do Partido Comunista do Brasil, e no bojo deste acontecimento a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em parceria com a Boitempo, promoveu a reedição da obra do militante, que, animado pelos ecos da Revolução Russa, fundaria em 1922 o PCB. Astrojildo Pereira publicou cinco livros - esgotados há anos -, são eles: Crítica Impura; Formação do PCB; Interpretações; Machado de Assis e URSS Itália Brasil. Ele foi, segundo Dainis Karepovs, "um homem de paixões e convicções inquebrantáveis e duradouras". A reedição de sua obra possibilita às novas gerações desvendar os caminhos trilhados por aquele que pode ser considerado o pioneiro na defesa da construção de uma esquerda democrática.

O professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni classifica Astrojildo como um homem "antidogmático e antissectário por essência”. “Astrojildo bateu-se sempre por uma política radical e ampla para os comunistas", acrescentou. A tarefa a qual se impôs pode ser vista como uma das hipóteses para o apagamento, por parte de setores da esquerda, de sua produção intelectual e relevância para a construção do movimento comunista no país.

Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras

Crítica Impura, o último trabalho publicado por Astrojildo, foi editado em 1963. Como afirma o jornalista Paulo Roberto Pires, a obra "é um livro  datado - e nisso está sua qualidade -", reunindo 49 ensaios publicados entre as décadas de 1930 e 1960. Além de trazer questões candentes a seu tempo, oferece ao leitor reflexões acerca da obra de autores como Eça de Queiroz e José Lins do Rego. Dividida em três partes: ensaios e notas de leitura; testemunhos sobre a nova China e cultura e sociedade, a publicação mostra a versatilidade daquele que foi muito além de um dirigente político. A edição conta com o prefácio assinado pela jornalista Josélia Aguiar e ensaio escrito pelo filósofo Leandro Konder, em anexo.

Formação do PCB, lançado originalmente em razão da comemoração dos 40 anos de fundação do partido, foi seu penúltimo livro. Procurando criar uma narrativa histórica das origens do comunismo no país, é o trabalho do autor que mais ganhou reedições. Partindo de artigos e notas publicadas na imprensa, documentos pessoais e a própria memória, Astrojildo aborda as lutas operárias ocorridas nos últimos anos do século XIX e a criação das bases que culminaram na fundação do PCB. Segundo José Antonio Segatto, a reedição do livro, "no momento em que se comemora o centenário de fundação do partido do qual Astrojildo Pereira foi o principal protagonista de sua criação, além de ser uma homenagem mais que justificável, recoloca a questão histórico-política da luta pela emancipação das classes subalternas, num país iníquo ao extremo, com os direitos de cidadania constantemente aviltados e com uma democracia contingente e restrita". 

Sem medo de cometer o pecado capital dos historiadores, ou seja, ser anacrônico, podemos constatar que boa parte das batalhas travadas por Astrojildo no alvorecer do século XX seguem atuais. Além do prefácio assinado por Segatto, a edição conta com importante escrito de Astrojildo em anexo, publicado em 1918. O texto A Revolução Russa e a imprensa questiona o tratamento dado pela imprensa aos acontecimentos referentes à Revolução Russa.

Confira, a seguir, galeria de imagens:

Coleção Astrojildo Pereira lançamento em Brasília | Foto: Cleomar Almeida/FAP
Interpretações | Arte: FAP
Machado de Assis | Arte: FAP
Formação do PCB | Arte: FAP
Crítica impura | Arte: FAP
O revolucionário cordial | Arte: FAP
Coleção Astrojildo Pereira
colecao astrojildo_box
colecao_astrojildo_
Evento-de-lancmento-da-colecao-Astrojildo-Pereira-em-Brasilia-no-dia
Interpretações
Machado de Assis
Formação do PCB
Crítica impura
O revolucionário cordial
previous arrow
next arrow
 
Coleção Astrojildo Pereira
colecao astrojildo_box
colecao_astrojildo_
Evento-de-lancmento-da-colecao-Astrojildo-Pereira-em-Brasilia-no-dia
Interpretações
Machado de Assis
Formação do PCB
Crítica impura
O revolucionário cordial
previous arrow
next arrow

Interpretações, talvez, seja o trabalho menos conhecido de Astrojildo, mesmo com alguns dos textos aparecendo em outras coletâneas ao longo dos anos. Dividido em três partes, Romances brasileiros; História política e social e Guerra e após-guerra, o livro traz, nas palavras de Pedro Meira Monteiro, "a sensibilidade aguda de um crítico que mergulha nos textos, buscando a malha tensa do social, em suas contradições mais fundamentais". 

Percorrendo a obra de Machado de Assis, Lima Barreto e Graciliano Ramos, Astrojildo ainda discutirá o papel desempenhado por Rui Barbosa no processo que culminaria na abolição da escravidão.  O prefácio da edição é assinado pelo professor Flávio Aguiar, e apresenta, como anexo, o ensaio intitulado "Meu amigo Astrojildo Pereira", escrito por Nelson Werneck Sodré e publicado em 1990, e "As tarefas da inteligência", de Florestan Fernandes, publicado em 1945, ainda sob o calor da publicação da primeira edição do livro.

Machado de Assis, um dos trabalhos mais conhecidos de Astrojildo, teve sua primeira edição em 1959. Desde então, ganhou nova edição em 1990 e outra, em 2008, quando foi comemorado o centenário do bruxo do Cosme Velho. Reunindo estudos publicados em revistas e jornais, o livro pode ser colocado na prateleira dedicada às grandes obras que procuraram discutir a formação da nossa identidade. A riqueza está no pioneirismo de sua análise, pois, por meio da lente do intelectual comunista, Machado de Assis deixou de ser visto como alguém indiferente ao Brasil do século XIX, e sim um escritor que realizou pertinente críticas às desigualdades e contradições da sociedade em sua época. A edição traz  prefácio de José Paulo Netto e, como anexos, textos de Euclides da Cunha, Rui Facó e Otto Maria Carpeaux, além de Machado de Assis é nosso, é do povo, de Astrojildo, publicado em 1938, por ocasião dos 30 anos do falecimento de Machado de Assis.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

URSS Itália Brasil, seu livro de estréia, foi lançado em 1935. Reunindo textos publicados entre 1929 e 1934, a obra buscava difundir o ideário comunista pelo país. É dividido em três partes, cada uma dedicada aos países que dão título à publicação. A edição conta com prefácio de Marly Vianna e apresentação de Heitor Ferreira Lima.

Por fim, destaco a reedição da biografia escrita pelo historiador Martin Cezar Feijó, O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural mostra as várias faces de Astrojildo, do militante político ao intelectual amante dos livros e da literatura. Segundo Feijó, sua obra pode ser vista como uma "reflexão sobre um revolucionário que soube ser cordial num contexto de brutalidade".

Com a publicação das obras de Astrojildo Pereira e da biografia escrita por Feijó, o público passa a ter acesso ao pensamento daquele que foi "um revolucionário cordial à frente de seu tempo, tempo este sombrio, pouco dado a cordialidades". No momento em que a sociedade passa a ter esperança na reconstrução da democracia, pensar como e com Astrojildo pavimenta o caminho para a construção de uma esquerda plural e democrática.

Sobre o autor

*Daniel Costa é historiador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e desenvolve pesquisa acerca da corrupção na América portuguesa ao longo do século XVIII.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

Leia mais

Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online


Democracia corinthiana contra o golpe | Foto: Flickr

Nas entrelinhas: A transição de Lula parece a Democracia Corinthiana

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Uma das páginas mais interessantes da história do futebol brasileiro foi o surgimento da Democracia Corinthiana na década de 1980, um movimento que marcou a história do Timão paulista e representou, àquela época, o engajamento de um clube de futebol na luta pela redemocratização do país, com a participação dos craques do time, principalmente Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon, na campanha das Diretas, Já.

Internamente, o futebol do Corinthians passou a ser administrado de forma revolucionária, num modelo de autogestão no qual todas as decisões importantes do dia a dia, inclusive contratações e escalações, eram tomadas por toda a equipe, na base do “cada cabeça um voto”, do roupeiro do time ao técnico Mário Travaglini. O sociólogo Adilson Monteiro Alves, diretor de futebol do clube na época, foi o pai dessa criança. O filho dele, Duílio Monteiro Alves, ocupa o mesmo cargo atualmente e pode ser candidato à Presidência do clube.

Em sintonia com a conjuntura política, com um time muito competitivo, a Democracia Corinthiana conquistou as simpatias dos torcedores em todo o país e empolgou a “Fiel”, sua grande torcida, principalmente por ter conquistado o Paulistão, em 1982 e 1983. Entretanto, quando Sócrates se transferiu para o Fiorentina, na Itália, começou a se esvaziar. O craque cumprira a promessa de que deixaria o país se a Emenda Dante de Oliveira, que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República, não fosse aprovada.

O nome “Democracia Corinthiana” foi cunhado pelo publicitário Washington Olivetto, que também criou uma marca inspirada na tipologia da Coca-Cola. Ela foi estampada na camisa alvinegra em algumas partidas, assim como as frases “Diretas, Já” e “Eu quero votar para presidente”. Com a perda de seu principal líder dentro e fora do campo, os fracassos em campo e a derrota de Adilson Monteiro nas eleições para a Presidência do clube em 1985, a Democracia Corinthiana deixou de existir.

A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, coordenada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, parece a Democracia Corinthiana. A impressão é de que ainda não existe um estado-maior do futuro governo Lula, que deveria ser o núcleo central da transição. Tem muita gente falando e agindo de forma descoordenada, o que passa a má impressão de a equipe estar mergulhada numa disputa interna pelos ministérios, o que gera insegurança no mercado e frustra expectativas dos agentes econômicos.

Bumba meu boi

A bagunça maior é na equipe de transição na área econômica, na qual já está evidente uma disputa entre seus integrantes. Ontem, houve uma manifestação pública dos economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que advertiram Lula de que a responsabilidade fiscal será avalista do sucesso de seu terceiro mandato. A síntese da carta aberta dos três economistas é essa. Na sequência, no final da tarde de ontem, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega renunciou à participação na equipe.

Legalmente, a equipe de transição coordenada por Geraldo Alckmin tem 14 pessoas nomeadas, de um total de 50 cargos previstos em lei, com remuneração. Entretanto, a equipe já conta com 31 grupos temáticos, cada um empenhado em ter o seu o próprio ministério, e mais de 300 pessoas indicadas para esses grupos de trabalho, a maioria por representação política dos partidos que apoiaram Lula no primeiro e no segundo turnos da eleição, e não necessariamente pela qualificação e experiência técnica de cada um. O critério para formação desse time não parece ser construir a passagem segura de comando na administração, sem interrupção de seu funcionamento, principalmente nas atividades-fim. Tem muita gente falando e jogando para a arquibancada, e não para a equipe.

É preciso um freio de arrumação na transição, não somente na área econômica, na qual o próprio presidente Lula vem dando declarações que miram seus eleitores, mas confronta os agentes econômicos, o que provoca alta do dólar, queda do valor de ações na Bovespa e expectativas negativas de investidores. É quase uma autossabotagem. Ao mesmo tempo em que manda sinais positivos para os parceiros internacionais na questão ambiental, anula seu próprio desempenho com declarações desastrosas sobre a economia.

Não tem para onde correr. Se não quer tumultuar o começo de seu mandato, fazendo o jogo que o presidente Jair Bolsonaro gostaria que fizesse, para melar a transição, Lula precisa anunciar o nome do seu ministro da Fazenda e começar a tratar da montagem de seu ministério, porque a administração pública é uma estrutura complexa e hierarquizada, que não funciona na base do bumba meu boi, com todo respeito pelas nossas tradições populares.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-transicao-de-lula-parece-a-democracia-corinthiana/

Trump anuncia pré-candidatura à Presidência dos EUA em 2024

Made for minds*

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou nesta terça-feira (16/11) que vai se candidatar mais uma vez à Casa Branca em 2024, abrindo a corrida pela nomeação republicana.

"A fim de tornar a América grande e gloriosa novamente, anuncio nesta noite a minha candidatura à Presidência dos Estados Unidos", disse o bilionário de 76 anos, aplaudido por uma multidão na sua mansão em Mar-a-Lago, na Flórida.

Diante de centenas de apoiadores e rodeado de bandeiras americanas e faixas com o seu icônico slogan de campanha Make America Great Again (Tornar a América Grande Novamente, em português), o magnata recordou o primeiro mandato de forma idílica, descrevendo esse período como um país em paz, próspero e respeitado no cenário internacional, e exagerando na descrição das suas conquistas enquanto presidente.

"Vou concorrer porque acredito que o mundo ainda não viu a verdadeira glória que esta nação pode ter. Vamos novamente colocar a América em primeiro lugar", disse.

Ao mesmo tempo que falou em unidade, Trump indicou que derrotará "os democratas radicais de esquerda que estão tentando destruir o país por dentro", criticando o atual presidente. "Joe Biden personifica os fracassos da esquerda e a corrupção de Washington", acusou.

"Eu não precisava disto, tenho uma vida boa e tranquila, mas amamos o nosso país e temos de salvá-lo", afirmou, referindo-se à sua candidatura.

O magnata pediu a eliminação de todas as votações antecipadas, votações à distância e o uso de urnas eletrônicas. "Apenas cédulas de papel", defendeu.

Em seu discurso de mais de uma hora, transmitido ao vivo pela televisão, também não faltaram ataques à imprensa.

Trump aproveitou ainda para acenar ao "fantástico" povo latino e hispânico, de quem disse esperar conseguir mais votos, apesar da polêmica construção de um muro na fronteira com o México.

Relutância republicana

Momentos antes do anúncio público, Trump já havia formalizado sua pré-candidatura à Presidência por meio de um documento enviado à Comissão Eleitoral Federal americana. Ele é o primeiro político a oficializar a pré-candidatura às eleições presidenciais de 2024.

O anúncio de Trump ocorreu num momento em que crescem sinais de relutância dentro do Partido Republicano em vê-lo regressar a uma corrida presidencial, já que muitos candidatos que o magnata apoiou nas eleições de meio mandato (midterms) saíram derrotados das disputas com os democratas.

Os republicanos esperavam uma "onda vermelha" (referência à cor do partido), com grandes vitórias nas corridas para governadores e para o Congresso. Em vez disso, perderam a oportunidade de conquistar a maioria no Senado. Ainda não está claro quem terá o controle sobre a Câmara, mas os republicanos estão a caminho de conquistar uma maioria por margem apertada.

Em seu discurso, Trump afirmou que, de todos os candidatos que ele apoiou, "somente 22" não foram eleitos.

Ainda há um longo caminho pela frente antes que o pré-candidato republicano possa eventualmente ser nomeado candidato do partido em meados de 2024. Outros possíveis postulantes republicanos à Presidência já surgem no horizonte, como o governador reeleito da Flórida, Ron DeSantis, e o ex-vice-presidente americano Mike Pence, ambos ex-aliados de Trump.

Pesquisas de intenção de voto indicam que DeSantis, que ainda não revelou se se candidatará, teria uma vantagem significativa frente a Trump se houvesse um duelo entre eles nas primárias republicanas.

"Donald Trump decepcionou os EUA"

Do lado democrata, Biden, que derrotou Trump em 2020, afirmou que pretende se recandidatar em 2024, mas que isso depende de uma "decisão familiar" que deverá ser tomada no início do próximo ano.

Em reação ao anúncio da pré-candidatura de Trump, Biden divulgou no Twitter um vídeo crítico ao republicano e seu governo, acompanhado da frase: "Donald Trump decepcionou os EUA."

Trump já sofreu dois impeachments na Câmara e continua envolvido em múltiplas investigações políticas e criminais, relacionadas a finanças de sua empresa familiardocumentos confidenciais que mantinha na sua mansão em Mar-a-Lago e à invasão do Capitólio por uma turba de apoiadores dele após o republicano contestar a vitória eleitoral de Biden.

lf (Reuters, Efe, Lusa)

Texto publicado originalmente em Made for minds.


O presidente Jair Bolsonaro (PL) participa de cerimônia do Dia do Exército ao lado do general Villas Bôas | Foto: Gabriela Bilo /Folhapress

Villas Bôas adota tom golpista e diz que atos antidemocráticos são contra atentados à democracia

Folha UOL*

O general da reserva Eduardo Villas Bôas defendeu nesta terça-feira (15) as manifestações antidemocráticas promovidas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que rejeitam a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em publicação feita no Twitter, o militar disse que os atos são contra "atentados à democracia" e que também tratam das "dúvidas sobre o processo eleitoral", repetindo um tom golpista adotado por parte dos apoiadores de Bolsonaro.

Em 2018, quando era comandante do Exército, Villas Bôas usou as redes sociais para ameaçar o STF (Supremo Tribunal Federal) na véspera da votação de pedido para evitar a prisão de Lula. Esse episódio se tornou um marco da intromissão de militares em assuntos civis desde a redemocratização de 1985.

Apoiadores de Bolsonaro realizam manifestações em diversas cidades pedindo que as Forças Armadas impeçam a posse de Lula. Em Brasília, o ato com pedido de golpe ocorre em frente ao quartel-general do Exército. Os ministros do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também são alvos frequentes dos manifestantes.

Villas Bôas disse na publicação desta terça-feira (15) que esses apoiadores de Bolsonaro estão aglomerados nas portas de quartéis "pedindo socorro às Forças Armadas".

"Com incrível persistência, mas com ânimo absolutamente pacífico, pessoas de todas as idades, identificadas com o verde e o amarelo que orgulhosamente ostentam, protestam contra os atentados à democracia, à independência dos Poderes, ameaças à liberdade e as dúvidas sobre o processo eleitoral", afirmou o militar no Twitter.

O general também elogiou a fiscalização feita pelos militares no processo eleitoral. Apesar de não ter encontrado nenhum indício de fraude nas eleições, o Ministério da Defesa afirmou que não descarta a possibilidade de fraudes no pleito.

Villas Bôas disse que os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica ainda demonstraram "apego aos princípios e valores militares, bem como ao texto constitucional" ao assinarem uma nota conjunta que apresenta recados indiretos ao Judiciário em meio aos protestos antidemocráticos.

"Não pode deixar de ser destacada a liderança, o equilíbrio, a serenidade e a autoridade dos atuais comandantes e do Ministro, condições com as quais asseguram a disciplina e a coesão de seus subordinados", afirmou ainda Villas Bôas nessa terça.

O general foi comandante do Exército de 2015 ao começo de 2019. Bolsonaro chegou a afirmar, em 2019, que ele foi "um dos responsáveis" pela sua chegada ao Palácio do Planalto.

Villas Bôas também ocupou cargo no governo Bolsonaro até junho de 2022, quando deixou o posto de assessor especial do ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Na publicação desta terça, o general também disse que a imprensa tenta esconder as manifestações bolsonaristas.

"Talvez nossos jornalistas acreditem que ignorando a movimentação de milhões de pessoas elas desaparecerão", escreveu Villas Bôas. No protesto feito em Brasília nesta terça, uma equipe da rádio Jovem Pan precisou ser escoltada por soldados depois de ser hostilizada e ameaçada por bolsonaristas.

Os atos antidemocráticos em Brasília chegaram nesta terça ao 15º dia. Caravanas gratuitas de pelo menos oito cidades foram anunciadas pelas redes sociais.

As manifestações na capital federal têm contado com caminhoneiros convocados por empresários do agronegócio para permanecerem em Brasília.

Nesta sexta-feira (11), o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e as Polícias Militares dos estados adotem medidas imediatas para a desobstrução de vias públicas bloqueadas por manifestantes bolsonaristas em protestos antidemocráticos.

Manifestantes fazem atos antidemocráticos em frente a quartéis pelo país após derrota de Bolsonaro

Texto publicado originalmente no Folha UOL.


Magistrada avalia que intolerância cresce a olhos nus no DF e no país

 Arthur de Souza*, Correio Braziliense

Juíza substituta do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), Paula Ramalho foi a entrevistada de ontem do programa CB.Poder, parceria entre Correio e TV Brasília. À jornalista Ana Maria Campos, ela destacou o aumento nos casos de racismo e de injúria racial no Distrito Federal, além de comentar sobre uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou com a prescrição para o segundo tipo de crime.

Questionada sobre sobre a atitude agressiva de um policial militar com um negro, durante uma abordagem ocorrida neste fim de semana, em Planaltina, a magistrada disse que existe "uma ideologia disseminada e muito enraizada, não só no ambiente policial, mas na sociedade como um todo, que construiu a imagem do 'negro perigoso'."  

A gente publicou uma reportagem na semana passada mostrando que o número de casos de injúria racial e de racismo tem crescido no Distrito Federal. A senhora consegue constatar isso no dia a dia do seu trabalho?

Sim. Na verdade, tenho atuação predominante na área criminal e, ao longo desses oito anos em que desempenho a função de juíza no TJDFT, a gente tem se deparado com processos que chegam até nós envolvendo denúncias, seja relativas ao crime de injúria racial, seja relativo ao crime de racismo. Nos últimos tempos, a reportagem demonstra bem que houve um aumento do número de casos. E isso não é só no DF. Embora os números daqui causem um certo espanto, me parece ser um cenário nacional. Recentemente, foi publicado no Anuário de Segurança Pública, dados de 2021 e 2022 — consolidados em agosto — indicando que, no Brasil como um todo, houve um aumento expressivo dos casos de racismo.

Primeiro explique, por favor, qual é a diferença entre a injúria racial e o crime de racismo?

A injúria racial é um crime em que o que é atingido é a honra de alguém, é aquela apreciação subjetiva que a pessoa tem a respeito de si mesma perante a coletividade. Então, na injúria racial existe uma ofensa a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas e, nessa ofensa, são utilizados termos e/ou palavras que digam respeito a sua cor, a sua raça, a sua etnia. Enquanto que os crimes de racismo têm previsão em uma lei específica, que é a Lei nº 7.716/1989. Essa lei traz vários tipos de crime de racismo que envolvem, na maioria das vezes, negar ou dificultar acesso a determinado bem, serviço ou produto. Por exemplo, há uma previsão de que se você negar matrícula ou dificultar a matrícula de alguém em estabelecimento de ensino por conta de cor, raça, etnia ou procedência nacional, isso configura um crime de racismo. A gente tem um passado de praticamente mais de três séculos de comércio escravagista. O Brasil foi o país que mais recebeu pessoas escravizadas vindas do continente africano e, mesmo após a abolição, a gente teve uma abolição formal, mas, do ponto de vista material, não foram dadas às pessoas negras as condições para que elas tivessem sua cidadania e sua dignidade garantidas pelo estado brasileiro.

A decisão do STF (sobre os crimes de injúria racial) foi importante. Explica para gente como foi isso?

Foi uma decisão dada em um habeas corpus, que é um processo que busca proteger a liberdade de locomoção de uma pessoa, e o ministro relator foi o Edson Fachin. É um caso que veio do DF, inclusive. A pessoa estava sendo acusada de injúria racial e o que ela dizia, em sua defesa, era que tinha passado o tempo do estado apurar e punir essa conduta ou, em termos jurídicos, houve a prescrição. O Ministério Público falou que não houve prescrição, porque a injúria racial, assim como o racismo, deve ser tida por imprescritível, já que a nossa constituição repudia o racismo e ela mandou que a lei considerasse o racismo crime inafiançável e imprescritível. Essa tese do Ministério Público acabou sendo acolhida pelo ministro Fachin quando ele diz que, tanto os crimes de racismo previstos na lei especial quanto a injúria racial prevista no código penal, são espécies de um mesmo fenômeno que é repudiado pela constituição, que é o fenômeno do racismo. Então, existe uma vinculação muito próxima entre essas duas figuras e, para que o racismo seja extirpado, ambas as figuras devem ser tratadas com rigor, e foi esse o entendimento que acabou acolhido por maioria no Supremo Tribunal Federal.

Essa decisão tem efeito de repercussão geral?

Ela foi dada em um processo que a gente chama de processo subjetivo ou individual, que é o habeas corpus. Mas, como foi uma decisão do plenário que, inclusive, faz referências a outros processos que o STF decidiu em sede de controle concentrado, ela tem uma força persuasiva muito grande, embora ainda não conte com esse efeito vinculativo.

A senhora considera essa decisão um avanço, em termos da legislação?

Com certeza. Aqui no DF, a gente tem, de certa forma, uma vantagem, porque o nosso tribunal é reconhecido pela sua celeridade. Dificilmente, casos de injúria racial, ainda que se considere prescritível, dificilmente prescrevem, porque a atuação da Justiça aqui é relativamente célere. Mas, infelizmente, essa não é a realidade do país como um todo. Assim, considerar a injúria racial prescritível, significa dizer que muitos casos deixarão de ser apurados e punidos porque passou muito tempo e a justiça não agiu de modo célere e, com essa decisão, isso não acontece mais, a qualquer tempo, essa prática poderá ser punida.

A senhora acha que algumas pessoas cometem esse tipo de crime por acreditarem que elas vão ficar impunes, que isso não acarreta uma pena ou uma punição?

Acredito que a incerteza ou a garantia da impunidade, sem dúvida alguma, atua como fator que serve como estímulo ou, pelo menos, deixa de inibir as pessoas que tenham esse tipo de conduta ou esse tipo de pensamento. Nos tempos atuais, temos visto uma compreensão muito "elástica" da liberdade de expressão, como se fosse um direito absoluto. Então, sem dúvida alguma, a falta de punição em relação a esse tipo de situação, pode servir como estímulo para que essa prática se perpetue, e que as pessoas se vejam no mínimo não desestimuladas a expressar esse tipo de pensamento.

Qual é a pena para esses tipos de crimes?

Para a injúria racial, que tem previsão no código penal, a pena mínima é de um ano, e a máxima é de três anos de reclusão, que é um tipo de pena privativa de liberdade. Já na 7.716/1989, que tipifica os crimes de discriminação racial, a gente tem pena variáveis, porque são cerca de 17 figuras criminais. Aí tem penas que variam de um a três anos, assim como a injúria racial, e tem umas que vão de dois a cinco anos, que é a maior das penas previstas nessa lei específica. Mas, pela quantidade de penas, a verdade é que, muito dificilmente, alguém iria cumprir essa pena presa. Muitas vezes, quando a pena não supera os quatro anos, pela nossa lei, o autor tem o direito de cumprir penas alternativas. Então, quando há a condenação, muitas vezes a pena é: prestar serviços para a comunidade, fazer o pagamento de prestação pecuniária para algum tipo de entidade que a justiça indique ou assinale. Então, a rigor, muito dificilmente a prisão vai ser a resposta do estado, que vai se dar por meio de outras penas, na maioria das vezes.

Por que a sociedade não avança no sentido de reduzir esse tipo de crime?

Essa é uma pergunta muito complexa e a resposta para ela, evidentemente, não é das mais simples. Vários pensadores intelectuais destacam que o racismo é um fenômeno estrutural na sociedade brasileira, que não se revela apenas nessas condutas individuais, em que alguém ofende a outra pessoa ou alguém, por exemplo, num restaurante, deixa de atender ou atende mal um cliente por conta de sua cor. O racismo, na verdade, é uma ideologia que está tão arraigada na sociedade brasileira, que faz com que as pessoas vinculem características da população negra a coisas negativas, não desejáveis ou não valorosas. Desarticular todo esse sistema e estrutura racista, em que se funda o estado brasileiro, é algo que demanda realmente muito tempo. Se a gente parar para ver, voltando rapidamente para a questão histórica, faz pouco tempo que o estado brasileiro começou a se movimentar para poder desarticular essa estrutura. A gente tem, por exemplo, uma lei de política afirmativa de cotas, tanto na parte educacional quanto no serviço público, que veio a completar 10 anos recentemente. A própria lei que criminaliza essas condutas de descriminação racial é de 1989, ou seja, completou pouco mais de 30 anos anos de vigência. A injúria racial mesmo, foi incluída no código penal em 1997, pouco mais de 20 anos. Então, se a gente pega três séculos em que o discurso racista foi incutido na sociedade brasileira e pega o período de tempo em que isso vem sendo desmontado ou desarticulado, acho que isso nos ajuda a entender o porquê de não ter havido ainda tantos avanços em relação a isso. E, de fato, a impressão que a gente tem no momento é que realmente há retrocesso, e acho que esse retrocesso está um pouco ligado ao tensionamento que há no tecido social brasileiro. A gente, nos últimos tempos, tem visto a olhos nus um crescimento da intolerância. E aí, os grupos mais vulneráveis são justamente, negros, mulheres, população LGBTQIA .

Como é que a senhora avalia essa política de cotas e de ações afirmativas para colocar e dar oportunidade para as pessoas de evoluírem, estudarem e crescerem?

Sou nordestina, minha família é de Alagoas. Quando tomei posse na magistratura, meus pais vieram e, à época, na cerimônia em si a gente tinha um desembargador negro. Aí eu lembro que um outro dia, conversando com meu pai, ele falando sobre esse tema de polícia de cotas, ele falou sobre esse desembargador e disse: "tá vendo? quem quer e se esforça, consegue!". Então, existe dentro da população, de um modo geral, esse senso comum de que com o esforço e com dedicação, as pessoas conseguiriam romper esses obstáculos causados por uma estrutura racista. Só que o ponto é que não é justo que pessoas por conta de sua cor, da sua raça, de sua procedência nacional e de sua etnia, tenham que enfrentar tantos obstáculos partindo de condições desiguais se comparadas às pessoas de pele branca, por exemplo. Assim, vejo a política de cotas como política de compensação, o estado brasileiro está compensando todos os danos que causou à população negra, historicamente falando, e também está buscando criar condições de igualdade de partida. Por mais que a gente encontre figuras que furam esse bloqueio, digamos assim, são poucas ainda.

A senhora acha que esse momento de embate eleitoral, muito pela polarização política, também pode incentivar esse atrito de racismo e descriminação?

Sim e, nesse caso, não se trata de uma mera opinião. A gente tem dados que confirmam aumento expressivo dos chamados crimes de ódio, que envolvem racismo, xenofobia e misoginia, nesse período eleitoral. Existe uma associação civil que recebe denúncias, digamos assim, de fatos ocorridos no ambiente virtual. E essa associação, em matéria divulgada até no site do Senado, indicou que neste ano de 2022 houve um aumento de cerca de 65% nas denúncias de situações, no ambiente virtual, envolvendo racismo, intolerância, preconceito, racismo contra as religiões de matriz africana e ofensas dirigidas às mulheres. Tudo isso cresceu bastante, até porque, se olharmos o cenário eleitoral como foi delineado, a gente viu que um determinado candidato — o que se sagrou vencedor — tinha um voto majoritariamente de pessoas negras e de mulheres. Isso acabou fazendo com que, no embate eleitoral, muitas vezes houvesse ofensas pautadas nesses marcadores: raça, gênero e procedência nacional, como no caso dos nordestinos. E tudo isso realmente ficou muito intensificado, dada a violência verbal que marcou todo esse período eleitoral, infelizmente.

A gente teve um caso nesse fim de semana (no DF), de um policial militar que foi agressivo com uma pessoa negra durante uma abordagem. Como se pune um caso como esse?

Existe uma ideologia disseminada e muito enraizada, não só no ambiente policial, mas na sociedade como um todo, que construiu a imagem do negro perigoso. A pessoa suspeita e que recebe as abordagens mais truculentas da polícia, em geral, tem cor, tem um perfil, e esse perfil é justamente da população negra, em especial do homem negro, que é muito vitimado por essas ações e abordagens ilegais, da maneira como são feitas, pelo menos, por parte da polícia. É claro que a gente não pode dizer que isso é um problema desse policial, em específico. Na verdade, o problema é estrutural e o combate a ele demanda atuação enérgica, não só dos órgãos de controle da polícia, como o Ministério Público — que tem por função também controlar e exercer a fiscalização da atividade policial —, como também um trabalho interno de educação antirracista dentro das próprias polícias, fazendo com que esses policiais, desde o seu ingresso na polícia, compreendam que existem protocolos a serem seguidos durante a abordagem, e que o motivo da abordagem jamais pode ser simplesmente essa fundada suspeita baseada na cor, no jeito de vestir, no jeito de andar e no local onde a pessoa está, de maneira isolada.

*Matéria publicada originalmente no Correio Braziliense


O general e a gênese do golpismo castrense | Foto: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: O general e a gênese do golpismo castrense

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Desde de 1964, nunca houve tanta agitação a favor de um golpe militar como a que estamos assistindo desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ontem, Dia da Proclamação da República, seria apenas mais um dia em que gente muito fanática, defensora de uma intervenção militar, protestasse à porta dos principais comandos militares do país, entre os quais os do Planalto, em Brasília — onde reside a maioria dos generais de quatro estrelas —, e no Rio de Janeiro, que abriga o maior contingente militar do país. Seria apenas mais um dia de vigília bolsonarista, não fosse o Twitter do general Eduardo Villas Boas, uma indiscutível liderança militar, endossando as manifestações golpistas e pondo mais lenha na fogueira.

O ex-comandante do Exército poderia ter ficado na dele, mas não: decidiu surfar os protestos para reafirmar sua liderança junto aos descontentes com a derrota do presidente Jair Bolsonaro e, talvez, na tropa que está na ativa. “A população segue aglomerada junto às portas dos quarteis pedindo socorro às Forças Armadas. Com incrível persistência, mas com ânimo absolutamente pacífico, pessoas de todas as idades, identificadas com o verde e o amarelo que orgulhosamente ostentam, protestam contra os atentados à democracia, à independência dos poderes, ameças à liberdade e as dúvidas sobre o processo eleitoral”, afirma.

Com isso, o velho general alimentou ainda mais as infundadas críticas e maliciosas suspeitas ao resultado das urnas, com a mesma ambiguidade com que Bolsonaro silencia diante do resultado oficial da eleição, e não reconhece publicamente a inequívoca vitória de Lula. Pelo custo e envergadura da mobilização, que ontem completou duas semanas, é evidente a existência de um forte movimento de extrema-direita, organizado com o propósito de melar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Villas Boas critica a imprensa por não dar aos manifestantes a importância que gostaria: “Talvez nossos jornalistas acreditem que ignorando a movimentação de milhões de pessoas elas desaparecerão. Não se apercebem eles que ao tentar isolar as manifestações podem estar criando mais um fator de insatisfação. A mídia totalmente controlada nos países na Cortina de Ferro não impediu a queda do Muro de Berlim. A História ensina que pessoas que lutam pela liberdade jamais serão vencidas”, afirma.
Com fina ironia, inverteu o significado histórico de um velho bordão das esquerdas contra as ditaduras: “O povo unido jamais será vencido!”. No dia 29 de outubro, véspera da eleição, Villas Boas havia publicado um tuíter no qual traçou um cenário catastrófico em caso da vitória de Lula, o quem tudo a ver com a sua manifestação de ontem.

O golpe de 1889

Não poderia haver data mais simbólica para a manifestação e a posicionamento de Villas Boas. A Proclamação da República foi um golpe militar, que se apropriou do movimento republicano com o propósito de implantar uma ditadura, como acabou ocorrendo por duas vezes, na Revolução de 1930 e no golpe militar de 1964. O Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), principal chefe do Exército brasileiro, foi praticamente arrancado da cama, em 15 de novembro de 1889, para destituir a Monarquia.

Fora escolhido para liderar o levante militar pelos jovens oficiais liderados por Benjamin Constant (1836-1891), professor da Escola Militar da Praia Vermelha e expoente do Positivismo no Brasil, a doutrina que impregnou de tal forma a política brasileira que sua síntese até está bordada na bandeira nacional: “Ordem e Progresso”.

Democracia não é um valor universal no ideário positivista. O golpe foi rocambolesco. Reunidas as tropas no Campo de Santana, onde hoje está localizada a Praça da República e o Quartel General do Comando do Leste, Deodoro derrubou o gabinete do Visconde Ouro Preto e voltou para casa. Somante mais tarde, o velho e adoentado marechal foi convencido a assinar o documento que extinguiu a monarquia, que durava já 70 anos.

O imperador Dom Pedro II foi banido do Brasil com a família, e embarcou rumo à Europa na madrugada do dia 17 de novembro, sem entender direito as razões de sua queda. A população somente soube mais tarde desses acontecimentos. Para evitar uma guerra civil, dom Pedro II não quis resistir, após 49 anos de reinado. Sabia que elite brasileira estava insatisfeita desde o fim da escravidão, em 1888.

Entretanto, não acreditava que os militares (irritados com os salários e desprestígio desde a Guerra do Paraguai) e os cafeicultores (que exigiam indenizações pela abolição da escravatura) o destituíssem. Muito menos a Igreja Católica, apesar de insatisfeita com o padroado (sua prerrogativa de preencher os cargos eclesiásticos mais importantes) e o seu beneplácito (aprovação das ordens e bulas papais para que fossem cumpridas, ou não, em território nacional), que já haviam provocado uma crise com o Vaticano, de 1872 a 1875. É que os sacerdotes eram tratados como funcionários públicos, recebendo salários da Coroa — teoricamente não apoiaram um Estado laico, republicano.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nass-entrelinhas-o-general-e-a-genese-do-golpismo-castrense/

Nas entrelinhas: Transição não será um passeio pelo Eixo Monumental

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Engana-se quem pensa que este período de transição para o novo governo será fácil para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No plano político, a sinalização está sendo boa: Lula estabeleceu as relações cordiais com os demais Poderes e opera a montagem de um governo de ampla coalizão democrática. Também mostrou que não pretende deixar no sereno os eleitores de mais baixa renda que o elegeram, ao anunciar que os recursos do Bolsa Família vão extrapolar o teto de gastos.

Entretanto, o dólar disparou depois da divulgação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos. Ontem, o câmbio já passou dos R$ 5,30. O preço do fechamento do dia foi de R$ 5,396, alta de 4,14% no dia. Por volta das 15h30, o dólar estava a R$ 5,341, alta de 3,09%. Logo na abertura do mercado, a moeda americana chegou a subir quase 3%. Na quarta-feira, o dólar já havia fechado o dia em alta, de 0,74%, fechando a R$ 5,18. Desde o início do mês, a alta é de 2,96%. É óbvio que existe muita especulação no mercado, com divulgação de fake news que mexem com a Bovespa, em razão da insegurança dos investidores.

Lula já disse que não tem pressa para indicar o novo ministro da Fazenda, mas é aí que está o xis da questão no mercado financeiro. A rigor, ninguém sabe quais serão as medidas de impacto dos 100 primeiros dias de governo, exceto aquelas que estão sendo negociadas no Congresso, que sinalizam uma certa continuidade da farra fiscal que marcou a gestão do ministro Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Esse problema somente se resolverá quando for anunciado o nome do novo ministro da Economia ou da Fazenda, se houver desmembramento.

Havia uma expectativa positiva de que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin viesse a ocupar esse cargo, mas isso nunca foi cogitado de verdade por Lula. O próprio Alckmin já havia dito isso, o que fora interpretado como dissimulação, porém, ontem, Lula jogou uma pá de cal nessa possibilidade, ao afirmar que o ex-governador paulista não ocupará nenhum ministério. Esse também não foi o problema maior para o mercado financeiro, o que gerou instabilidade foi a própria fala de Lula e o fato de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ter sido confirmado como um dos integrantes do governo de transição.

Coalizão

Até agora, a principal ancoragem da transição de governo no mercado financeiro era a presença dos economistas Pérsio Arida, André Lara Resende e Guilherme Mello na equipe econômica da transição. A confirmação de Guido Mantega, ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff, sinaliza noutra direção. Mantega tem uma velha relação com Lula, que começou quando dava aulas de economia para o então líder metalúrgico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

Arida, Resende e Mello têm evitado declarações à imprensa; imagina-se que a mesma coisa acontecerá com Guido Mantega. Enquanto não se define o nome do futuro ministro, porém, as especulações no mercado financeiro vão continuar, até porque existe um ambiente internacional que também favorece isso. A guerra da Ucrânia se prolonga, o inverno se aproxima na Europa e há sinais de que poderemos ter um ambiente de recessão na economia mundial. Esse cenário acaba alimentando as teses de políticas anticíclicas, como as adotadas por Lula após crise de 2008, que se prolongaram no governo Dilma, levando-a ao impeachment.

A transição vai bem no plano político. Lula está prestigiando todos os políticos que o apoiaram desde o primeiro turno e ampliou a equipe de transição para incorporar os partidos e lideranças que o fizeram no segundo turno, principalmente Simone Tebet. O risco que corre, porém, é o novo ministério ficar com cara de governo velho, no qual antigos caciques políticos e a atual cúpula petista pontificariam. Com a PEC da Transição, do ponto de vista de sua base eleitoral, e o bom relacionamento com os líderes do Centrão, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, Lula garante a estabilidade do governo na sua largada para o novo mandato. Mas isso não basta para satisfazer os setores da classe média e da elite econômica do país que fazem restrições ao presidente eleito.

De qualquer forma, o novo governo será o que Lula conseguir articular em termos de forças democráticas. O primeiro turno das eleições mostrou que o projeto original era viabilizar nas urnas, de forma inequívoca, um governo de esquerda, ainda que sua coalizão eleitoral se autointitulasse “frente ampla”. A correlação de forças políticas e eleitorais, porém, obrigou Lula a ampliar suas alianças em direção ao centro político; a vitória por estreita margem, a realizar uma articulação ampla das forças democráticas para dar sustentação ao seu governo. Essa articulação não passa apenas pelos acordos no Congresso, passa também, e sobretudo, pela formação do governo e sua composição.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-transicao-nao-sera-um-passeio-pelo-eixo-monumental/

Nas entrelinhas: Lula distensiona relação entre Poderes

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Brasiliense

Antes mesmo de tomar posse, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao restabelecer o diálogo político como método para resolução de conflitos, numa maratona de reuniões, ontem, distensionou as relações entre os Poderes da República. Ele se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Depois, deu entrevista à imprensa sem incidentes. Pôs um ponto final no choque entre os Poderes, principalmente entre o Executivo e o Supremo, ao defender a harmonia entre eles. O vice-presidente Geraldo Alckmin também participou dos encontros.

O caminho crítico era principalmente a relação com Lira, em razão de duas agendas: a PEC da Transição, que envolve a questão do orçamento secreto, e a eleição para o comando da Casa. Ficou acertado que a emenda constitucional será apresentada até 15 de novembro, com objetivo de permitir que os recursos do Bolsa Família, incluindo os R$ 150 a mais para cada filho, extrapolem o teto de gastos. Essa autorização servirá para destinar recursos aos programas da Educação e da Saúde.

A proposta em elaboração pela equipe de transição deve ser encaminhada não somente a Lira, mas também ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que será o responsável por dar inicio à tramitação da PEC. Na Câmara, o projeto será apensado a outra Proposta de Emenda Constitucional que já esteja em condições de votação.

Na entrevista coletiva, Lula disse que se candidatou “com o compromisso de que é possível resgatar a cidadania do povo brasileiro, de que é possível a gente recuperar a harmonia entre os poderes, de que é plenamente possível recuperar a normalidade da convivência entre as instituições brasileiras”. Sem citar o presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente eleito destacou: “Instituições que foram atacadas, que foram violentadas pela linguagem nem sempre recomendável de algumas autoridades ligadas ao governo”.

Lula disse, também, que não pretende interferir nas eleições do Congresso, em fevereiro, quando Lira, aliado de Bolsonaro, e Pacheco disputarão a reeleição, na Câmara e no Senado, respectivamente. “Não cabe ao presidente da República interferir em quem será o presidente do Senado ou da Câmara. Ou seja, quem vai decidir quem será o presidente das casas serão senadores e deputados. O papel do presidente da República não é gostar ou não de presidente, é conversar com quem dirija a instituição”.

O presidente eleito aproveitou para mandar um recado aos bolsonaristas que estão fechando rodovias e protestando à porta dos quarteis, porque não aceitam o resultado das eleições. “Essas pessoas que estão protestando, sinceramente, não têm por que protestar. Deviam dar graças a Deus pela diferença ter sido menor do que aquilo que nós merecíamos ter de votos. E eu acho que é preciso detectar quem é que está financiando esses protestos, que não têm pé nem cabeça. Ofensas a autoridades, ameaças de fechamento, agressão verbal”, disse.

Urnas eletrônicas

Ontem, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas. Os militares realizaram uma auditoria do pleito, diante de questionamentos de Bolsonaro e de seus apoiadores sobre a lisura do processo eleitoral. Eles haviam sido convidados pelo então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, para integrar a Comissão de Transparência das Eleições, criada em setembro de 2021. Além de integrantes das Forças Armadas e de representantes da Corte Eleitoral, participam do grupo especialistas em tecnologia da informação e membros da sociedade civil.

O Ministério da Defesa destacou que “o documento foi produzido por uma equipe composta por oficiais de carreira especialistas em gestão e operação de sistemas de tecnologia da informação; em engenharia de computação e de telecomunicações; em defesa cibernética; entre outras; e seguiu rigorosamente os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 23.673, de 14 de dezembro de 2021, do TSE”. É um ponto final nas especulações sobre o envolvimento das Forças Armadas no questionamento dos resultados eleitorais.

O relatório fora mantido em sigilo por exigência de Bolsonaro, mas Alexandre de Moraes havia determinado que fosse entregue e divulgado até ontem. Segundo a Defesa, o relatório também apresenta “observações, conclusões e sugestões relacionadas, especificamente, ao sistema eletrônico de votação, conforme as atribuições definidas pelo Tribunal às entidades fiscalizadoras”.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-distensiona-relacao-entre-poderes/

TSE recebe "com satisfação" relatório da Defesa que não aponta fraudes nas eleições

Rodrigo Durão*, Brasil de Fato

O Tribunal Superior Eleitoral celebrou o fato de o relatório das Forças Armadas sobre as eleições deste ano, divulgado na noite desta quarta-feira (9), não identificar fraudes no pleito. 

"O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que, assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022", disse a nota do TSE, assinada pelo presidente do órgão, Alexandre de Moraes. 

O relatório é fruto de um acordo realizado entre as Forças Armadas e o TSE. Após intensa pressão dos militares, Moraes cedeu a uma parte dos pedidos da categoria para fiscalizarem a votação, concordando com testes biométricos. 

De fato, o relatório da Defesa não aponta fraudes, mas os militares evitaram endossar categoricamente o pleito, preferindo usar linguagem ambígua. 

Sugestões

No documento de 62 páginas, eles especulam sobre possíveis vulnerabilidades das urnas, dizendo que "não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento".

O relatório sugere que seja criada com urgência uma comissão, integrada por "técnicos renomados da sociedade e por técnicos representantes das entidades fiscalizadoras", para investigar possíveis vulnerabilidades. 

Moraes reconheceu o pedido, dizendo que "as sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas".

"O TSE reafirma que as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional, e que as Eleições de 2022 comprovam a eficácia, a lisura e a total transparência da apuração e da totalização dos votos", finaliza o comunicado de Alexandre de Moraes. 

Relatórios de outras entidades que fiscalizaram o pleito já haviam respaldado as eleições brasileiras. Tanto o TCU (Tribunal de Contas da União), a OEA (Organização dos Estados Americanos) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) destacaram a ausência de irregularidades. 

Reações

Ao Brasil de Fato, André Nicolitt, professor da Universidade Federal Fluminense e juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ressalta que nosso sistema de voto é historicamente confiável e aceito universalmente. Os questionamentos fazem parte da inversão atual de valores - muitas delas patrocinadas pelo atual governo - que põe em xeque até vacinas e a ciência. 

O principal no relatório militar, segundo Nicollit, é o que ele não traz: evidências de crimes.

"O mais importante foi não ter conseguido apontar nenhum dado que indicasse uma fraude, uma manipulação ou uma incorreção nos resultados das eleições", disse Nicolitt, que já integrou a Justiça Eleitoral.

A pesquisadora Ana Penido, doutora em Relações Internacionais, diz que esperava a ausência de evidências, acompanhada por linguajar dúbio, que pode alimentar as suspeitas de quem já tinha predisposição a acreditar em teorias conspiratórias. 

"Mas há dois problemas concretos no documento, o primeiro é os militares se colocarem como parte do sistema eleitoral, quase um poder moderador, fiéis da balança que atestam sua credibilidade", diz ela. 

"O segundo é pautar e dar rumo ao debate ao vir com demandas que possam alimentar mais a insegurança quanto ao pleito." 

"Esses grupos não poderiam vir com a reivindicação de golpe de Estado, mas o relatório, em alguma medida, oferece um roteiro de demandas, como a criação de uma comissão", diz ela. 

O ataque às urnas foi uma das bandeiras de Bolsonaro durante todo o seu mandato, afirmando que mesmo sua eleição em 2018 foi fraudada. O candidato derrotado à reeleição alega, sem provas, que deveria ter vencido no primeiro turno. 

Na segunda-feira, o candidato derrotado este ano sugeriu que o relatório da Defesa poderia apresentar novidades capazes de alterar o resultado eleitoral. 

"Brevemente teremos as consequências do que está acontecendo", disse ele.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato