democracia
Merval Pereira: Não há chance de dar certo
Além das mentiras já comprovadas do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que o noticiário em tempo real já explora desde ontem, e os jornais de hoje estão certamente aprofundando, os depoimentos à CPI da Covid até agora estão desvelando a maneira primitiva com que as decisões não são tomadas no governo Bolsonaro.
Juntando com a operação da Polícia Federal realizada ontem sobre a venda ilegal de madeira para os Estados Unidos, denunciada pelo próprio governo americano, temos a prova cabal de que não é apenas a questão ideológica que interfere na formação de um governo totalmente disfuncional.
O (ainda?) ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e diversos escalões do Ibama, inclusive seu presidente, foram apanhados por uma investigação sigilosa que incomodou Bolsonaro, que fez trocas no Ministério da Justiça e na Polícia Federal na tentativa de controlar as instituições do Estado brasileiro e viu-se surpreendido com a independência da PF.
Um exemplo típico, e fundamental, dessa disfuncionalidade é a crença de que as palavras de Bolsonaro nas redes sociais e nas lives fazem parte apenas do seu “etos político”, e não representam orientações do governo. Ao explicar a famosa frase “um manda, outro obedece”, Pazuello disse que era “uma frase de internet”, isto é, uma resposta para ajudar o político Bolsonaro, que estava sendo criticado por seus seguidores nas redes sociais porque o Ministério da Saúde havia anunciado a compra da CoronaVac, a “vacina chinesa” do Doria.Seria uma releitura abrutalhada de Maquiavel, que separava a ética política da ética moral, ou então de Max Weber, uma referência para os que querem ser servidores públicos conjugando a “ética da convicção”, dos princípios morais aceitos em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que prevalece na atividade política.
Se houvesse um lado B de Bolsonaro, que para fora do governo enviasse uma mensagem, e agisse com bom senso, não teríamos tido a tragédia sanitária de que Pazuello é cúmplice. Basta assistir ao vídeo da famosa reunião ministerial que precipitou a saída do ex-ministro Sergio Moro para ver que o Bolsonaro das redes sociais é o mesmo nas entranhas do governo.
Ao mentir na CPI, tentando livrar a cara do presidente, o ex-ministro da Saúde comete um “crime continuado”, mesmo fora do governo. Os fatos o desmentem. O caso do avião oferecido pelos Estados Unidos para levar oxigênio para Manaus, na crise sanitária ocorrida dentro da pandemia no Brasil, é exemplar da incapacidade de trabalho em equipe deste governo.
O ex-chanceler Ernesto Araújo não falou com o governo da Venezuela, nem com o dos Estados Unidos, por questões ideológicas. E também não encaminhou, segundo Pazuello, um pedido formal com as características dos cilindros que seriam apanhados na Venezuela para levar a Manaus. Já havia feito isso quando recebeu a carta da Pfizer oferecendo vacinas. Não comunicou ao presidente Bolsonaro porque supôs “que o governo tinha recebido a carta”.
Pazuello soube que havia um avião dos Estados Unidos pronto para trazer oxigênio, mas não fez nada, pois não lhe perguntaram nada, só informaram. Ernesto Araújo disse que cabia ao Ministério da Saúde dar as informações técnicas para o voo. Os dois não se falaram, demonstrando que as autoridades do governo tiveram comportamentos burocráticos durante a crise humanitária em Manaus.
Pazuello reafirmou uma visão provinciana das negociações internacionais sobre as vacinas. Disse que mostrou ao representante da Pfizer o tamanho do Brasil num mapa, assim como o presidente Bolsonaro dissera anteriormente que o mercado brasileiro era tão grande que poderíamos negociar o preço das doses. Deu tudo errado, e, ao final, compramos a vacina da Pfizer pelo preço definido no início das negociações, perdendo tempo e prioridade na distribuição das doses.
É um governo completamente disfuncional. Com esses depoimentos e declarações, não há a menor chance de dar certo.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/nao-ha-chance-de-dar-certo.html
DW Brasil: Esquerda e independentes dominam Constituinte do Chile
Direita, que governa o país e concorreu com chapa única, sai como a grande perdedora da eleição para representantes que redigirão a nova Constituição e deve ter pouca influência no processo
A esquerda e chapas independentes, formadas por cidadãos que não são ligados a partidos políticos, devem garantir a maioria dos 155 assentos na Assembleia Constituinte, que irá redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual, em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet.
Com mais de 96,2% dos votos apurados até a madrugada desta segunda-feira (17/05), os atuais resultados mostram que as duas listas que aglutinam os candidatos da esquerda devem ficar com 52 assentos, seguida pelos candidatos independentes, que alcançaram, juntos, 48 cadeiras. Já a lista unificada da direita obteve 38. Há ainda 17 assentos reservados a representantes de povos indígenas.
Analistas disseram que os partidos políticos tradicionais foram os grandes derrotados da eleição. Ao contrário do que as pesquisas previam e com um sistema de contagem proporcional que privilegia as grandes siglas políticas, os independentes alcançaram um resultado inédito.
Os independentes são sobretudo pessoas ligadas a diversas áreas sociais, como educação, justiça social, meio ambiente e feminismo. São figuras de fora da política que buscam canalizar as exigências dos cidadãos na crise social de 2019, e seu surgimento é visto por muitos especialistas como o início de um novo modelo de política cidadã e a certidão de óbito dos desacreditados partidos tradicionais. Muitos deles deverão se unir à esquerda para aprovar as leis da nova Constituição.
Essa foi a primeira vez que candidatos independentes puderam concorrer em eleições no Chile ao lado de partidos tradicionais. A votação da Constituinte também foi alvo inédito no país: em 200 anos de independência, o Chile teve três Cartas Magnas (1833, 1925 e 1980), mas nenhuma foi redigida por uma convenção de pessoas eleitas pelo voto popular.
“O desempenho das chapas independentes em termos de votos e cadeiras é uma grande surpresa, embora a maior surpresa seja o colapso absoluto da direita que, apesar de passar por uma chapa única, não chegaria nem a um terço das cadeiras”, disse à agência de notícias Efe Julieta Suárez-Cao, cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Derrota da direita
A direita, que se apresentava na chapa única “Chile Vamos” formada pelos partidos governistas, foi a grande perdedora nesta eleição ao conquistar menos de um terço das cadeiras, percentual necessário para influenciar o conteúdo da nova Carta Magna e vetar artigos.
“Nestas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizados adequadamente com as demandas e desejos dos cidadãos e estamos sendo desafiados por novas expressões e lideranças”, afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, na reta final da contagem dos votos.
Apesar de possivelmente ditarem o tom da nova Carta Magna, os independentes precisarão fazer acordos para passar suas propostas, que necessitam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Como a maioria delas está alinhada a posições progressistas, especialistas acreditam que haverá uma união entre o bloco e a esquerda, o que poderá promover mudanças profundas no país.
A assembleia constituinte será ainda composta por igual número de homens e mulheres. Isso é algo inédito no mundo e, em poucos meses, fará do Chile o primeiro país a ter um texto fundamental escrito com paridade de gênero.
A participação eleitoral no pleito que decidiu a composição da constituinte, no entanto, ficou bem abaixo dos quase 80% alcançados no plesbicito em outubro de 2020, que decidiu a substituição da atual Constituição. Apenas cerca de 37% dos 14,9 milhões de eleitores chilenos foram às urnas no final de semana.
A nova Constituição
A constituinte foi convocada pelo Congresso chileno para esfriar os protestos que tomaram as ruas do Chile por quase um ano no final de 2019.
A assembleia constituinte, a primeira paritária do mundo e composta exclusivamente por membros eleitos, terá nove meses para redigir a nova Carta Magna, a primeira a nascer de um processo plenamente democrático e participativo em toda a história do país.
O prazo para a conclusão da nova Constituição é prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deve ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.
A Constituinte será o processo político mais importante em 31 anos da democracia chilena e abre um novo capítulo na história do país, que terá a oportunidade de estabelecer também as bases de um novo modelo socioeconômico.
O processo de elaboração da nova Constituição será concluído com um plebiscito para aprovar o texto que substituirá a atual Constituição, herdada do regime Pinochet (1973-1990) e criticada por parte da sociedade chilena por sua origem ditatorial e por privatizar alguns serviços básicos como água e aposentadorias.
Fonte:
DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/esquerda-e-independentes-dominam-constituinte-do-chile/a-57553680
Renata Giannini e Maria Eduarda Pessoa: Para construção de uma democracia sólida, uma limpa em entulhos autoritários
Uma espécie de entulho autoritário resistiu por anos esquecido em um canto, até voltar aos holofotes, em mais uma demonstração de que nossa democracia, em constante processo de construção, anda com as estruturas abaladas. Criada em 1983, a Lei de Segurança Nacional é problemática desde a sua concepção, pautada na lógica do inimigo interno. Apesar de sua raiz autoritária, ela continuou vigente no regime democrático, após a promulgação da Constituição de 1988.
Seus contornos de inconstitucionalidade, porém, só voltaram a chamar atenção com denúncias recentes de uso indiscriminado e as consequentes reações e debates protagonizados pela sociedade civil, Congresso e Supremo Tribunal Federal. As respostas das instituições e reações da sociedade civil já começaram a ser dadas, mas muitos pontos demandam a nossa atenção.
De acordo com levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos tipificados na Lei de Segurança Nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro. A segunda edição do monitoramento periódico GPS do Espaço Cívico, lançada esta semana pelo Instituto Igarapé, também indica uma intensificação nas notícias sobre a utilização abusiva da norma.
A legislação anacrônica passou a ser utilizada para fundamentar investigações contra vozes dissidentes e críticos ao governo, o que pode figurar, no mínimo, como intimidação e assédio. Neste cenário, a revisão da LSN tornou-se imperativa para a garantia do espaço cívico e da democracia brasileira.
O uso abusivo da LSN mobilizou o chamado sistema de freios e contrapesos. Antigos projetos de lei sobre o tema, que já tramitavam no Congresso, ganharam fôlego. Além disso, o Supremo Tribunal Federal foi acionado numa tentativa de revogar dispositivos específicos, ou derrubar a norma em sua integralidade. No dia 4 de maio, a Câmara, em regime de urgência, aprovou o Projeto de Lei 6.764 de 2002, que revoga a LSN e tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito.
O processo legislativo foi acelerado e prejudicou a realização de um amplo debate com a sociedade. Apesar disso, organizações da sociedade civil, juristas e acadêmicos conseguiram encontrar espaços para debater de forma intensa e transparente e, assim, contribuir com o texto-base. Foram realizadas duas audiências públicas e, parte relevante das recomendações e preocupações foram acatadas pela relatora, a deputada Margarete Coelho, com avanços relevantes alcançados.
Um exemplo foi a maior precisão em relação aos tipos penais, na tentativa de impedir que movimentos sociais sejam criminalizados e liberdades fundamentais dos cidadãos, cerceadas. Também passou-se a exigir a chamada “lesividade concreta das condutas”. Esse princípio da lesividade estabelece que só são passíveis de punição por parte do Estado as condutas que lesionem ou coloquem em perigo um bem jurídico penalmente tutelado, ou seja, um valor ou interesse protegido por lei em razão de sua relevância para a sociedade.
Outro componente importante incluído foi a previsão de elementos subjetivos, nos quais é analisada a intenção do agente praticar aquele delito determinado. Esses aspectos jurídicos são importantes para delimitar com clareza quem deve ou não ser alvo da lei. O crime de “sabotagem”, por exemplo, determina que as condutas previstas devem ser praticadas “com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito”, reduzindo as chances de a norma ser usada para criminalizar manifestações e protestos legítimos.
Por outro lado, ainda há pontos que preocupam. Um deles é o grau de subjetividade do que a lei chama de disseminação de “fatos que sabe inverídicos”, que pode dar margem a eventuais censuras. E, ainda, a referência à incitação à “animosidade” – expressão excessivamente ampla, que, a depender da interpretação, pode incluir restrições a eventuais críticas contra as Forças Armadas. Seria importante indicar expressamente que só é criminalizada a incitação das Forças Armadas contra a sociedade, e não o contrário.
O texto-base aprovado, portanto, não é um projeto ideal. Porém, há de se reconhecer que está consideravelmente à frente da atual legislação, que coloca em risco o debate crítico e a liberdade de expressão. O movimento na Câmara sinaliza um progresso, especialmente no momento histórico de ameaças à democracia que enfrentamos. O texto agora segue para o Senado, que deve zelar pelos avanços até agora conquistados, e aprimorar trechos que ainda despertam preocupação. Como demonstra esse processo, a sociedade civil brasileira continuará trabalhando arduamente, tijolo por tijolo, na construção de uma democracia sólida, segura e plural.
RENATA GIANNINI é pesquisadora sênior do Instituto Igarapé.
MARIA EDUARDA PESSOA de Assis é assessora jurídica do Instituto Igarapé.
Fonte:
El País
Correio Braziliense: ‘A ficha do brasileiro demorou a cair’, diz Marco Aurélio Mello
Por Ana Dubeux
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello enxerga uma espécie de delay coletivo do Brasil em relação à pandemia. “Custamos, em termos de Administração Pública, principalmente de poder central, a perceber a seriedade da pandemia… Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões”, diz, nesta entrevista.
Defensor do isolamento, ele acredita que a pandemia alerta sobre a necessidade de restabelecer valores caros à vida em sociedade. E preocupa-se: “A ficha do brasileiro demorou muito a cair. Constatamos, nessa fase difícil, que às vezes é preciso haver, inclusive, a atuação da polícia repressiva — a militar — para terminar com aglomerações de toda ordem. Isso é preocupante”.
Após mais de três décadas como ministro do STF e 42 anos de magistratura, Marco Aurélio está na antessala da aposentadoria, marcada para julho próximo. Mas avisa: “Não morrerei de tédio”. Não morre, nem nunca deixou ninguém morrer, é fato.
Ministro que nunca se furtou a declarações fortes e posicionamentos, ele afirma não ter arrependimentos e se declara um “estivador do direito”, referindo-se à carga de processos que hoje um ministro acumula. “Sou homem realizado e sempre me senti um servidor de meus semelhantes”. Pretende se dedicar agora à vida acadêmica.
Ser ministro do Supremo durante mais de 30 anos cansa? Do que se arrepende? Do que se orgulha?
Orgulho-me do Supremo que encontrei em 1990, quando, na gestão do ministro Néri da Silveira, tomei posse. Havia integrado o Ministério Público do Trabalho, o Tribunal Regional do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho. Sempre decidi segundo ciência e consciência possuídas. Daí não haver qualquer arrependimento. Magistratura é opção de vida, e é preciso atuar sempre buscando o melhor, procurando conciliar o trinômio lei, direito e justiça, visando a entrega da prestação jurisdicional a tempo e modo. Sou homem realizado e sempre me senti um servidor de meus semelhantes. Atuo em colegiado julgador há 42 anos e completarei, em 13 de junho próximo, 31 no Supremo, com o sentimento do dever cívico cumprido. Continuarei na área acadêmica, na presidência do Instituto UniCeub de Altos Estudos. Estejam certos: não morrerei de tédio. O crescimento é infindável.
O senhor foi professor na Universidade de Brasília e no Ceub. Que lembranças tem desse contato com novas gerações?
A melhor lembrança possível, e sigo no mundo acadêmico. Estive ontem na Universidade de Brasília, continuo no UniCeub e palestrei diversas vezes nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo. O contato com as novas gerações é enriquecedor, no que se percebe mentes abertas.
Quais mudanças o senhor destacaria na Justiça brasileira desde 1990, quando foi escolhido para o Supremo?
Houve o aprimoramento da atuação da Justiça. O que ocorre, no Brasil, é que não se caminha, por exemplo, para solucionar conflito de interesse na mesa de negociações. O País conta com lei moderníssima sobre arbitragem, mas dificilmente se tem descompasso solucionado mediante a atuação de árbitros. O brasileiro somente acredita em uma solução, a solução ditada pelo Estado-juiz. Então, há a judicialização em massa, que acaba emperrando a máquina judiciária.
As demandas da sociedade ampliaram a necessidade de o Judiciário modernizar-se, principalmente diante da pandemia. Como o STF pode contribuir no esforço para reduzir os impactos sociais da covid-19?
O Supremo somente atua mediante provocação, buscando, no âmbito de competência inimaginável, muito grande, conciliar celeridade e conteúdo. O Tribunal, não me canso de repetir, é o guarda maior da Constituição Federal. A segurança jurídica pressupõe a observância irrestrita, por todos, do arcabouço normativo.
Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
É preciso haver avanço cultural. De qualquer forma, a pandemia implicou alerta quanto à necessidade de preservar valores caros à convivência. A sociedade sairá mais fortalecida dessa quadra.
É possível ter um olhar poético diante desse momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Em primeiro lugar, julgo, integrando o Supremo, destinos e não papéis. Sempre busco – sei que é utopia – a perfeição. Não há tensão propriamente dita. Sou um juiz à antiga, trazendo processos para a residência. Vou ao Tribunal apenas nos dias de sessão. Aliás, ia ao Tribunal, porque, agora, quando se tem reunião de integrantes, ocorre mediante videoconferência. Como julgador, cuido muito da parte humanística. Por isso tenho sempre aberto um romance. Estou lendo obra de Hilary Mantel, sobre a Inglaterra da época de Henrique VIII, O Espelho e a Luz. Admiro muito essa escritora.
O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Tenho presente, há mais de um ano, que a vacina maior é a revelada pelo isolamento. Então o mantenho, desde março de 2020, e vou tocando a vida, buscando deixar, no gabinete, o menor resíduo possível para o sucessor, considerada a aposentadoria que se avizinha, em 5 de julho do corrente ano.
Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?
Os homens públicos devem ter os olhos voltados ao bem-estar social. No caso do Brasil, precisa haver atenção ímpar com os menos afortunados, proporcionando-se educação, saúde e segurança pública.
O momento exige resiliência e ativismo solidário. Engajou-se pessoalmente em alguma atividade coletiva a distância?
Exige dedicação e a busca do resgate desse predicado que é a solidariedade. Não me sobra tempo para estar engajado em outra atividade, além da acadêmica e judicante. Costumo dizer que hoje não sou, ante a carga de processos, um operador do Direito, mas sim um estivador.
Que ensinamento este momento nos deixa?
O relativo à necessidade de respeito à natureza. Em pleno século XXI, o homem veio a perceber, com essa pandemia, a fragilidade e que deve cuidar da mãe terra.
O senhor vive em Brasília há mais de 30 anos, como “sentiu” a cidade neste ano de pandemia?
Aqui cheguei, em 1981. A ficha do brasileiro demorou muito a cair quanto ao momento vivenciado, quanto aos efeitos da pandemia. Constatamos, nessa fase difícil, que às vezes é preciso haver, inclusive, a atuação da polícia repressiva – a militar – para terminar com aglomerações de toda ordem. Isso é preocupante. A conscientização passa, de qualquer forma, por uma mudança na percepção da vida gregária, da vida em sociedade.
Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
Custamos, em termos de Administração Pública, principalmente de poder central, a perceber a seriedade da pandemia, os efeitos que poderia causar. Sempre é tempo de tomar decisões visando o melhor, considerados os brasileiros. Sim, os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões. Observa-se o que ocorreu em outros países, como a Inglaterra, em que medidas foram adotadas.
A importância da união em torno de um projeto suprapartidário, para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos, é possível?
É possível desde que haja, como disse, conscientização, sobretudo dos homens públicos, e que não prevaleçam interesses isolados, momentâneos e que não levam ao bem-estar geral.
Fonte:
Correio Braziliense
Luiz Sérgio Henriques: Autocracia ou democracia
Difícil recusar o diagnóstico de que ainda pior que um primeiro governo nacional-populista será sempre o segundo, ocasião em que o aspirante a autocrata, reeleito, tentará levar a cabo a obra de deliberada destruição institucional encaminhada antes. Com força e ambição dobrada, no segundo mandato a estratégia de concentração de poder seguirá sua “ascensão irresistível”, ainda que em meio ao caos que todo político autoritário necessariamente fomenta e de que não por casualidade se nutre.
É de tal ordem a nossa circunstância que, mesmo quando não se reelege, o potencial autocrata consegue mobilizar forças que a ele cegamente obedecem e lhe permitem sobrevida. Não importa que esteja fora do poder, ainda será capaz de suscitar paixões coletivas e insuflar ações que nem com muita boa vontade podemos qualificar como minimamente razoáveis. É o caso do ex-presidente Donald Trump, um dos “autores” mais em evidência do manual populista de exercício do poder e esvaziamento das formas civilizadas de mando, a demonstrar que hoje o risco está por toda parte, e não apenas nas sociedades em que a democracia continua a ser uma “plantinha tenra”.
Trump, como é notório, não reconhece a derrota. Volta a ocupar insolentemente a cena, reiterando, como mantra, que triunfou duas vezes sobre os adversários, em 2016 e em 2020, e haverá de vencer uma terceira, em 2024. Em circunstâncias normais, o riso corroeria a “grande mentira” trumpista, deixando a nu o caráter golpista das suas proclamações, de resto não atestadas por nenhuma autoridade eleitoral, seja em que nível for. Mas, como dissemos, temos estado bem longe da normalidade, o que recomenda cuidadosa atenção sobre os perigos que nos circundam.
Negar a evidente derrota é algo muito grave. Valer-se de ambientes e recursos “virtuais” para montar uma realidade paralela em que vivem aprisionados milhões de fanatizados é um desafio inédito para as democracias. Equivale a assumir uma atitude subversiva em face do governante legítimo, questionar o mecanismo da alternância e, em perspectiva, transformar o adversário político em inimigo interno. Numa palavra, equivale a postular para si, assim que possível, já na próxima rodada eleitoral, o poder que se atribui a déspotas ou, antes, que eles mesmos se atribuem, expropriando a cidadania.
O manual do nacional-populismo, assim rascunhado até na tradicional democracia norte-americana, ainda não chegou à página final e conhece outras modulações. Há versões de esquerda, como, bem perto de nós, a venezuelana, com resultados práticos que talvez superem os produzidos a seu tempo pela atroz ditadura de Pinochet. Nayib Bukele, em El Salvador, consegue fervorosos admiradores na direita verde-amarela ao lançar o povo – o “seu” povo – contra a Suprema Corte. Na memorável República Francesa, de trajetória conturbada, mas, de todo modo, altamente representativa do Ocidente democrático, militares extremistas seguem a cartilha da islamofobia e agitam a ameaça, temida entre todas, de “guerra civil”.
Nosso próprio presidente nacional-populista contabiliza, já na metade final do mandato obtido em 2018, atropelos consideráveis à democracia – alguns de demorada e custosa reversão. Seria impróprio atribuir-lhe a paternidade da tática primária e manipuladora do “nós contra eles”, mas havemos de convir que a elevou ao estado da arte. A “utopia” de Jair Bolsonaro – para usar a imagem cunhada por Javier Cercas sobre o tenente-coronel Tejero Molina, que certa vez ocupou a tiros o Parlamento espanhol – é a de um País reduzido a quartel, com todo o pessoal uniformemente treinado para combater uma guerra absurda, por anacrônica, contra “eles”, os “comunistas”, que nem existem mais como força antissistema.
Pulsões antiestablishment, ao contrário, estão disseminadas mundialmente entre os diferentes nacionalismos autoritários. A demagogia trumpista explora insuficiências do sistema eleitoral para, como vimos, construir uma “narrativa” recheada de eleitores fantasmas, mortos e imigrantes ilegais que lhe teriam roubado a vitória. A demagogia bolsonarista, em face de um sistema de votação muito diverso e muitíssimo mais seguro, vai pelo mesmo caminho, porque o que interessa não é o fundamento ou a verossimilhança deste ou de qualquer outro argumento, mas a “desconstrução” das instituições e a difusão de um clima generalizado de sombras e suspeitas. Num caso como no outro, o triunfo do oponente nunca é legítimo. Não pode ser. Não pode haver adversários de boa-fé.
É iluminadora a afirmação, recentemente feita pelo presidente Joe Biden, de que o conflito central da nossa época opõe democracias e autocracias. Populistas podem ser eleitoralmente competitivos e nada impede que, apelando a recursos retóricos duvidosos e valendo-se sem cerimônia das alavancas do poder, vençam uma vez e voltem a vencer mais vezes. Sempre que o desfecho for esse, nenhum sentido terá a fanfarra “libertária” das suas performances histriônicas, pois os países que controlam não mais estarão no rol das grandes democracias.
*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,autocracia-ou-democracia,70003716350
Vera Magalhães: Tudo errado para Bolsonaro, tudo certo para Lula, e o centro tá como? Pondo fogo no parquinho
Na última quarta-feira entrevistei o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Às vésperas de completar 90 anos, ele não demonstra muita fé na possibilidade de seu partido, o PSDB, ou mesmo de outras forças de centro se contraporem à disputa entre Jair Bolsonaro e Lula em 2022. E, sem tergiversar, declara voto no petista em caso de segundo turno com o presidente (em 2018, diz ter anulado o voto na disputa entre Bolsonaro e Fernando Haddad).
A entrevista foi publicada no GLOBO desta sexta, e a declaração de voto em Lula foi o que mais repercutiu. FH só lembrou do PSDB quando foi questionado, e tratou logo de ir dizendo que, no seu entender, o candidato alternativo a Lula e Bolsonaro não precisa ser tucano.
A sinceridade reflete o momento avacalhado pelo qual passa o PSDB. Aliás, não é um momento: a fase avacalhada vem, pelo menos, desde 2017, quando foi revelado o diálogo de Aécio Neves, então o principal líder tucano, com Joesley Batista. Desde então tem sido ladeira abaixo, com os partidos que sempre foram satélites do PSDB mais ou menos a reboque.
Tucanos, democratas e adjacências colheram alguns bons resultados estaduais em 18 e municipais em 20, mas até aqui não conseguem vocalizar um projeto alternativo para o país que, como diz FC, dialogue com o povo, tenha um “sentido da História”, entenda o que está em jogo no Brasil depois da nuvem de gafanhotos do bolsonarismo.
Pelo contrário: as lideranças do PSDB, do DEM e de outros partidos hoje apenas médios parecem ter resolvido praticar autofagia.
João Doria Jr. tenta colocar em pé seu projeto presidencial, com enormes dificuldades partidárias e eleitorais. O lance mais recente dessa estratégia se deu nesta sexta-feira, com a filiação do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, ao PSDB.
Por quê? Porque Doria não confia que terá o DEM em seu palanque, e precisa honrar o compromisso de fazer de Garcia o candidato à sua sucessão. O risco é que ele tampouco tem a garantia de que conseguirá ser candidato a presidente pelo PSDB, abrindo espaço para Garcia disputar o Palácio dos Bandeirantes.
Aécio Neves é hoje o verdadeiro dono do PSDB. É combinado com o deputado que age o presidente da sigla, Bruno Araújo, que Doria um dia achou que seria seu aliado. Aécio prefere que o PSDB não lance candidato à Presidência. Quer se tornar um Gilberto Kassab tucano, fazendo do PSDB um partido de deputados, e, portanto, de lauto fundo partidário. Mais: não quer que o partido gaste com candidato a presidente o fundo que tem hoje, para que sobre mais para os candidatos ao Legislativo.
Coisa de partido provinciano, não de uma sigla que já levou a Presidência duas vezes em primeiro turno. Coisa de político que se contentou em ser eminência parda depois de queimar o filme da própria trajetória política.
Doria não conseguiu convencer as demais seções tucanas da viabilidade de sua candidatura. Prova disso é o surgimento de nomes como o do governador Eduardo Leite e o do senador Tasso Jereissati para prévias que hoje são apenas conversa mole para boi dormir e para enrolar o próprio Doria.
No plano paulista, a chegada de Garcia pode levar à saída da legenda de Geraldo Alckmin, que mesmo depois da derrota acachapante em 2018 quer voltar ao jogo político, disputando de novo o governo paulista. Se não conseguir que haja prévias, ele pode migrar para outro partido — na lista de opções estão o PSD de seu ex-inimigo Gilberto Kassab e o Podemos.
E o DEM? Depois de uma campanha brilhante em 2020, ACM Neto achou por bem agir como um coronel e empenhar o futuro do partido no altar do bolsonarismo, traindo Rodrigo Maia e o empurrando porta afora do partido. Agora, vendo que a debandada será maior e que não só Bolsonaro derrete nas pesquisas como a volta de Lula leva vatapá para o acarajé do PT na sua Bahia, se desespera e fica bravinho com a saída de Rodrigo Garcia. Foi ele quem plantou essa lambança.
É vexaminoso ver uma geleia geral de siglas que não têm nada de relevante para dizer a uma população vitimada pelo vírus, pela fome, pela economia em frangalhos, pelo esgarçamento dos valores e das instituições, pela barbárie na segurança pública, pelas ameaças autoritárias diárias do presidente, pela falta de perspectiva.
Lideranças políticas que passam os dias com brigas patéticas em que se xingam de baixinho ou de gordo ou de feio, bobo e chato enquanto deixam se consolidar a polarização entre Bolsonaro e Lula.
De nada adianta lançar mão de clichês sem substância como a procura do “Biden brasileiro” quando o que se tem são nomes que não conseguem sequer reunir uma tropa mínima e dizer a que vieram, quanto mais operar uma estratégia como a do Partido Democrata para unir suas alas e vencer o trumpismo.
Fonte:
O Globo
Marcus Pestana: O labirinto da reforma tributária
No confuso quadro gerado pelo turbilhão da pandemia é preciso ficar com um olho na saúde pública e outro na economia. Só é possível redistribuir renda se houver geração de riqueza. O Brasil, que já ocupou a sexta posição no ranking dos PIBs dos diversos países, caiu recentemente para o décimo segundo lugar.
Há muito nos debatemos com a armadilha do baixo crescimento. Do pós-guerra até 1980, o Brasil foi o país que teve o mais acelerado desenvolvimento. Já de 2011 a 2020, assistimos a mais uma década perdida. O PIB per capita médio por ano caiu 0,6% no período, desempenho inferior a 156 países no mundo. O pior desempenho em 120 anos. Enquanto isto, a China teve crescimento de 6,3%, a Índia, 3,6%, a Colômbia, 1,2%, os EUA, 1,0%, Rússia, Peru e Chile, 0,8%, Alemanha e Japão, 0,5%. Alguma coisa deu muito errado. E não é repetindo os erros que chegaremos ao acerto. E preciso mudar o rumo.
Muitos fatores contribuem para nos roubar o horizonte de geração de riqueza: Custo Brasil elevado; ambiente de negócios hostil; falta de soluções para uma educação de qualidade e para induzir inovação e avanços tecnológicos; baixa produtividade; instabilidade legal e regulatória; juros altos; quebra de contratos e regras do jogo, alto fechamento da economia brasileira.
A questão fiscal aparece também como um dos gargalos. Pelo lado da despesa, temos um orçamento federal engessado com 82% dos gastos concentrados em transferências a pessoas (aposentadorias, salários, auxílios sociais, seguro desemprego). Resta muito pouco para investir em infraestrutura, ciência e tecnologia, saúde, educação, segurança. Por outro lado, temos renúncias fiscais, carga tributária e endividamento altos para um país em desenvolvimento. Também estados e municípios têm baixo nível de investimento. Isto, evidentemente, inibe o crescimento, a geração de empregos e renda.
Do lado das receitas, temos um sistema tributário injusto, ineficiente, burocrático, pesado, confuso e quase ininteligível. Segundo relatório do Banco Mundial, um dos dez piores do mundo. É urgente a reforma tributária.
Não é tarefa fácil. Uma reforma profunda é complexa e mexe com muitos interesses. O assunto está em discussão no Congresso Nacional. A Comissão Mista Especial produziu um bom relatório, que poderá servir de ponto de partida para as discussões e a deliberação.
Agora se colocou a polêmica reforma fatiada ou reforma ampla. O Ministro Paulo Guedes tem defendido a apreciação fragmentada, iniciando pelo projeto que unifica apenas o PIS e a COFINS. É claramente insuficiente e produzirá efeitos limitados. O Brasil chegou aqui no campo tributário exatamente pelas múltiplas intervenções parciais e isoladas.
Necessitamos de uma reforma ampla que simplifique a tributação; inverta a atual regressividade, onde os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos; inicie a migração da tributação do consumo para a renda e o patrimônio; desonere os investimentos e a criação de empregos; elimine progressivamente o excesso de incentivos e renúncias; ponha fim à irracional guerra fiscal; diminua o Custo Brasil.
Esperamos que, apesar de toda a instabilidade política atual e da pandemia, o Congresso Nacional abrace de corpo e alma o desafio de produzir a reforma tributária tão necessária para a retomada do desenvolvimento brasileiro.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Fonte:
O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2485296
João Gabriel de Lima: O rio turvo dos crimes de lesa-democracia
Existem pelo menos duas coisas em comum entre a propina paga por empresas de ônibus no caso Celso Daniel, o acerto de R$ 2 milhões entre Joesley Batista e Aécio Neves e as verbas que Jair Bolsonaro usou para comprar parlamentares do Centrão, no caso revelado em furo de reportagem do Estadão.
A primeira é que nos três episódios – que diferem no tipo de enquadramento em categorias jurídicas – representantes escolhidos pelo povo agiram às escondidas. A democracia, por definição, é o império da transparência. Ela se alimenta da confiança entre eleitores e eleitos. Sem isso, se deteriora. Um político que age por baixo do pano comete um crime de lesa-democracia.
Para repassar verbas aos parlamentares dispostos a vender apoio, o governo federal usou a “emenda do relator”. Trata-se de uma figura jurídica que havia sido abolida em 1993, por estar na raiz do escândalo dos “anões do Orçamento”, e que foi recriada no ano passado. Em entrevista ao Estadão, o economista Gil Castello Branco, especialista em contas públicas, explicou por que tal dispositivo é nocivo à democracia. Ele possibilita, segundo Castello Branco, que emendas parlamentares sejam colocadas numa espécie de caixa-preta, dificultando seu acompanhamento e rastreamento.
Democracia não é só cumprir regimentos. Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, ela vai muito além. Implica, como se disse acima, transparência obsessiva. É preciso também que as verbas governamentais sejam destinadas a obras que cumpram função pública. Janine foi ministro da Educação, é professor de Ética e autor do livro A Boa Política, lançado pela Companhia das Letras. Ele fala sobre democracia no minipodcast da semana.
A segunda coisa em comum entre os malfeitos petista, tucano e bolsonarista é que, mesmo agindo no escurinho da má política, seus protagonistas deixaram rastros – e foram apanhados.
Parte da propina paga à prefeitura de Santo André foi depositada no extinto Banespa, num caso curioso de corrupção com extrato bancário. Joesley gravou sua conversa com Aécio, e entregou depois o áudio às autoridades. Já os “anões” do “bolsolão”, nome com o qual o episódio se popularizou nas redes sociais, solicitaram o dinheiro por ofício.
Nos textos, pouco se fala sobre a natureza das obras, sua função pública ou justificativas técnicas. Em vez disso, leem-se expressões que revelam a combinação por baixo do pano: “minha cota”, “fui contemplado”, “recursos a mim destinados”.
A série de reportagens, de autoria de Breno Pires, mostrou que alguns parlamentares se negaram a apresentar os ofícios solicitados pela Lei da Transparência. Houve quem alegasse “razões de segurança de Estado”. Como se pretendessem defender o Brasil de uma suposta invasão externa usando um exército Brancaleone de tratores superfaturados.
As reportagens mostraram também que um dos maiores beneficiários das verbas destinadas via Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, foi o Amapá do senador Davi Alcolumbre. O Amapá é famoso pelo rio Oiapoque, um dos marcos do norte geográfico brasileiro. O rio São Francisco, no entanto, não passa por lá.
Exaltado por Cartola e Carlos Cachaça num samba-enredo antológico, o São Francisco cumpre funções essenciais de transporte e fornecimento de energia. Já o rio dos crimes de lesa-democracia, como um esgoto, é sempre subterrâneo. A missão do jornalismo é trazer luz às suas águas turvas.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-rio-turvo-dos-crimes-de-lesa-democracia,70003715728
Monica de Bolle: Biden brasileiro?
Nas últimas semanas tenho escrito sobre o que ocorre nos Estados Unidos sob a liderança de Joe Biden. Para quem vive aqui, vê e sente as mudanças, inclusive no cotidiano, a transformação é extraordinária. Em poucos meses, os Estados Unidos deixaram de ser o país com a pandemia mais descontrolada no mundo para estar entre aqueles que, em breve, deixarão para trás os piores temores em relação à saúde pública e à economia. Alguns estados já atingiram a marca de mais de 70% de vacinados com ao menos uma dose dos imunizantes em uso; outros logo alcançarão esse patamar. Em Washington D.C., há uma sensação palpável de alívio: escolas estão reabrindo, as restrições mais duras estão sendo gradualmente removidas, as pessoas sentem que podem voltar a viver. É claro que há hesitação vacinal, um dos motivos que explica a falácia de se pensar em imunidade de rebanho. Mas, apesar desse grupo, em poucos meses o país estará em condições de deixar para trás o pior da pandemia.
Além de ter conseguido entregar esse resultado no tempo prometido, o governo Biden também montou uma agenda notável de reconstrução da economia e do investimento no país. Como expliquei em artigos anteriores, a agenda Biden não rompe com o passado dos EUA, com a tradição do envolvimento do Estado no desenvolvimento de longo prazo do país. Ao contrário, os planos anunciados e parcialmente aprovados resgatam essa tradição, com a novidade de orientá-la para as pessoas, sobretudo as mais pobres e vulneráveis. Como também já escrevi por aqui, não tem sentido afirmar que, por isso, Biden se tornou um radical de esquerda. Na coluna publicada na edição passada apresentei uma reflexão sobre como Biden está reposicionando as disputas políticas em uma democracia madura e fazendo algo que poucos no Brasil conseguem compreender: removendo o protagonismo da economia como definidora do que é ou não democrático e entregando esse papel novamente à política. Enquanto Biden articula sua agenda reconhecendo os conflitos como centrais para o bom funcionamento de qualquer democracia, o partido Republicano se aproxima rapidamente de uma fratura possivelmente irreversível. A expulsão da deputada Liz Cheney — ferrenha opositora de Trump e filha do ex-presidente Dick Cheney — da posição de liderança e prestígio que teve no partido revela aquilo que já se sabia: Trump foi um golpe de misericórdia para os Republicanos.
Em 2022, haverá eleições legislativas. Com o Partido Republicano rachado e a agenda de Biden a pleno vapor, para não falar do sucesso no controle da pandemia e de todas as suas repercussões — notavelmente, a recuperação econômica —, o campo parece aberto aos democratas. Ainda que existam desavenças intrapartidárias sobre várias questões, elas em nada se comparam à crise existencial dos republicanos. E aí está a razão de ser de Biden ter se tornado o 46º presidente americano: as fraturas, o desarranjo, os desmandos de quatro anos de Trump. Mas Trump não é comparável a Bolsonaro, a não ser de forma extremamente superficial. O dano que causou ao Partido Republicano não tem equivalente no sistema político brasileiro. As origens das disputas entre republicanos de diferentes linhagens e democratas não tem paralelos no Brasil.
Não há um “Biden brasileiro”. Insistir nesse raciocínio, com a apresentação de nomes supostamente mais centristas à direita, à esquerda e mesmo ao que, no Brasil, entende-se por centro é uma perda de tempo tremenda.
Esse tempo deveria estar sendo empregado para buscar soluções imediatas, de médio e de longo prazo para um país destroçado.
De acordo com as pesquisas de opinião, Bolsonaro se mantém com cerca de 40% de aprovação. Nas disputas simuladas com outros candidatos presumidos, Bolsonaro mantém a liderança. A exceção? A exceção é aquilo que parte do Brasil se recusa a reconhecer: Lula. Lula, goste-se ou não, não é Bolsonaro. Podem ser polos opostos, porque Lula não é Bolsonaro, e por isso mesmo não se equivalem: insistir em sua equivalência é uma fantasia besta, outra perda de tempo. Por outro lado, se foi o antilulismo que pariu o bolsonarismo, não deixa de ser interessante que a única via que se apresenta como viável hoje seja o caminho contrário.
Antes que cause terror e espanto entre os leitores, explico: o que escrevi é mera constatação daquilo que vejo com o benefício da distância. Não é apoio ou rejeição. É tão somente uma tentativa de eliminar as fantasias que impedem que se veja com clareza em que o Brasil se transformou. Biden brasileiro? Balela.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
Fonte:
Época
https://epoca.globo.com/monica-de-bolle/biden-brasileiro-1-25016297
Ricardo Noblat: CPI da Covid vai desgastar o governo, mas não irá muito além
O presidente Jair Bolsonaro e seus asseclas acertam ao dizer que a CPI da Covid-19 no Senado não os derrubará de onde estão antes da eleição do ano que vem. Mas erram quando dizem que ela simplesmente “vai dar em nada”.
Se não vai dar em nada, por que tudo fizeram, embora mal feito, para impedir sua criação, depois sua instalação e tentaram indicar uma maioria de senadores que lhes fosse favorável? Conversa para boi dormir, ou para enganar os bolsonaristas de raiz.
O relatório final da CPI vai apontar todos os pecados mortais e veniais cometidos por Bolsonaro na luta que ele não lutou contra a pandemia. Deliberadamente, deixou-a correr solta e concedeu passe livre para que o vírus matasse.
A construção da narrativa para sustentar a acusação de que houve um genocídio será uma poderosa arma de campanha para dificultar a reeleição de Bolsonaro. Só isso bastaria para justificar a existência da CPI – e o presidente está cansado de saber.
Mas para além disso, o relatório não servirá. Manda a lei que ele seja enviado à Procuradoria-Geral da República que o arquivará ou oferecerá denúncia contra os acusados. Será arquivado porque Augusto Aras, o procurador, é amigão de Bolsonaro.
É mais do que amigão: Aras deve o cargo a Bolsonaro e espera que ele retribua seus favores nomeando-o para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal a ser aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Melhor que espere deitado.
O relatório poderia servir para a abertura de mais um processo de impeachment contra Bolsonaro, mas nesse caso, os interessados deverão esperar dormindo. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, jamais fará uma coisa dessas.
De resto, nem a oposição quer que ele faça. A ordem é deixar Bolsonaro sangrando até 2022. Corre o risco de Bolsonaro receber uma transfusão de apoio popular e se reeleger.
Aspirantes a candidato à vaga de Bolsonaro batem em retirada
Tudo pode acontecer na eleição do ano que vem, inclusive o que se desenha hoje – Bolsonaro x Lula
O ex-juiz Sergio Moro saltou fora. Ou melhor: foi desclassificado da corrida preliminar para a vaga de presidente da República no ano que vem. Primeiro, foi empurrado para fora do páreo por Jair Bolsonaro, e teve que se demitir do Ministério da Justiça.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerá-lo suspeito no caso da Lava Jato e de anular as condenações de Lula acabou por selar o destino de Moro – atuar em um grande escritório de advocacia nos Estados Unidos, onde é sempre bem-acolhido.
Luciano Huck está mais para suceder Faustão nas tardes de domingo da Rede Globo do que para enfrentar a aventura de perder dinheiro e sair da campanha com sua fama de bom moço seriamente chamuscada.
Eleição é parada dura, e só os cascudos escapam de morrer, mesmo assim com graves escoriações. Huck voltou recentemente a repetir para um amigo: só seria candidato se Bolsonaro chegasse ao final deste ano com a língua de fora. Não será, portanto.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ainda sonha em ser o candidato dessa indefinida entidade chamada de centro (não confundir com o Centrão, de identidade mais do que conhecida). Mas, por via das dúvidas, admite disputar o governo ou o Senado.
Seu domicílio eleitoral é em Mato Grosso do Sul, onde se elegeu deputado federal duas vezes. Planeja transferi-lo para o Rio de Janeiro, de olho no governo ou em uma vaga no Senado. Para isso conta com o apoio do seu partido, o combalido DEM.
E assim vai se desidratando o contingente de nomes que ambicionavam concorrer à eleição presidencial de 2022. As prévias do PSDB deverão ser ganhas por João Doria, governador de São Paulo, que se apresenta como o pai da vacina anti-Covid.
Doria tem apetite, dinheiro e uma poderosa máquina governamental em suas mãos. Até lá, ou Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, ou Tasso Jereissati, senador pelo Ceará, desiste de disputar as prévias, ou Doria os esmagará.
Candidatos a presidente irremovíveis e com chances de ir para o segundo turno restarão Doria, Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e Bolsonaro, por enquanto sem partido. Os demais serão figurantes. Aqui, de todo modo, cabe uma ressalva.
O Brasil é a pátria do aleatório. O acaso costuma surpreender contrariando o previsível. Lula, por exemplo, foi o presidente mais popular da história. Acabou preso e Bolsonaro, eleito. Agora, recuperou seus direitos políticos e poderá se eleger. Quem diria?
Fonte:
Metrópoles
El País: Bolsonaro tem alta na popularidade e só Lula o venceria no 2º turno em 2022, mostra pesquisa Atlas
Flávia Marreiros, El País
O presidente Jair Bolsonaro obteve uma melhora em seu nível de popularidade neste mês de maio em relação a março, revela pesquisa Atlas divulgada nesta segunda-feira. De acordo com os números, 40% da população aprova o desempenho do ultradireitista, contra 35% em março. A desaprovação também teve leve queda e foi de 60%, há dois meses, para 57% agora. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Para Andrei Roman, CEO do Atlas, a melhora de Bolsonaro tem relação direta com a volta do pagamento do auxílio emergencial, a partir de abril, apesar de ter valores mais baixos do que os do benefício pago em 2020. Na visão de Roman, há ainda “um alívio relativo em relação a situação da pandemia no país”, destaca. “A pesquisa anterior, de março, foi feita no ponto de maior estresse”, pondera ele. Março e abril foram os meses mais letais da pandemia até agora no Brasil. A média de mortes caiu nas últimas semanas, mas especialistas apontam que ainda é cedo para qualquer comemoração e alertam para risco de uma nova onda de contágios com os encontros do Dia das Mães neste fim de semana. Como esperado, os índices de avaliação do Governo Bolsonaro também exibiram melhora: 31% (contra 25% em março) consideram a gestão ótima e boa, contra 53% que a consideram ruim ou péssima (eram 57% em março).
Lula também tem melhora e 2022
A pesquisa Atlas também mostra que a melhora da popularidade de Bolsonaro se refletiu em uma melhor performance nas simulações eleitorais para a corrida pela sucessão presidencial em 2022. O presidente lidera numericamente a corrida no primeiro turno, quer com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou não. Com Lula, aparece em empate técnico. Tanto o mandatário como o petista tiveram melhor desempenho em maio em relação a março. Bolsonaro foi de 32,7% de intenção de votos há dois meses para 37%. O petista, que conseguiu reaver seus direitos políticos após decisões do Supremo Tribunal Federal que eliminaram o veto da Lei da Ficha Limpa, também surfou na nova conjuntura. No período, o ex-presidente foi de 27,4% em março para 33,2% em maio na simulação de intenções de voto no primeiro turno.
Lula, inclusive, é o único que continua vencendo o atual ocupante do Planalto em 2022 em um eventual segundo turno, fora da margem de erro da pesquisa. O ex-presidente aparece com 45,7% contra 41% de Jair Bolsonaro, uma diferença de quase cinco pontos percentuais, quando a margem de erro da pesquisa é de dois pontos. Ciro Gomes (PDT) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) aparecem numericamente à frente de Bolsonaro, mas em ambos os casos estão tecnicamente empatados.
Para Andrei Roman, Bolsonaro se beneficia da fraqueza cada vez maior de seus antigos rivais diretos no espectro de direita e centro-direita, com a redução da figura o ex-juiz Sergio Moro (aparece com 4,9% quando tinha 9,7% em março). “Há ainda a canibalização deste espaço com a entrada do Danilo Gentili”, aponta. O humorista e apresentador de TV vem sendo ventilado como um candidato da direita ―pelo mundo, vários comediantes já tentaram a sorte nas urnas como nomes antissistema, alguns com sucesso. Na pesquisa, Gentili aparece com 2%. Veja os demais nomes na simulação de primeiro turno.O levantamento também mediu a imagem positiva e negativa dos líderes. Nesse quesito, Lula e Bolsonaro aparecem quase numericamente empatados em termos de rejeição.PUBLICIDADE
A pesquisa Atlas foi realizada com 3.828 entrevistas entre os dias 6 e 9 de maio, todas feitas por meio de questionários aleatórios via internet. As respostas são calibradas por um algoritmo de acordo com as características da população brasileira.
Fonte:
El País
Míriam Leitão: As boas notícias e o estraga cenário
Há notícias boas na economia, mas a incerteza permanece. O real zerou as perdas do ano em relação ao dólar, em parte isso é resultado do forte saldo comercial derivado da alta de produtos exportados pelo Brasil. O mais espantoso aumento é o do minério de ferro, que é de 47% este ano no mercado chinês e só ontem teve alta de 10%. O saldo da balança é de US$ 20 bilhões até a primeira semana de maio, 50% a mais do que no mesmo período do ano passado. Ouvi economistas e uma cientista política sobre esses dados e seus efeitos na economia e na política. A conclusão é que apesar do vento a favor, o ambiente de crise permanece.
Quando há alta de commodities, as moedas dos países fornecedores, como o Brasil, se valorizam. Mas no ano passado aconteceu o oposto. O real despencou. Isso se deve à incerteza. Vacinação atrasada, os conflitos criados pelo presidente e seus ataques às medidas de proteção fortaleceram o descontrole da pandemia. A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, explica o que mais está alterando o fenômeno.
— O efeito das commodities nas moedas sempre existiu nos modelos, mas apesar dos ventos externos favoráveis, questões domésticas como confusões fiscais e políticas estão jogando contra. Medidas populistas, como a intervenção na Petrobras, também. O câmbio estaria muito mais apreciado se não fossem nossos problemas internos — diz Silvia.
Os cientistas políticos Daniela Campello e Cesar Zucco, da FGV, estudaram a relação entre o boom de commodities e o fortalecimento político dos governos. A pergunta que fiz à Daniela, ontem, foi se esse boom poderia favorecer a reeleição de Bolsonaro.
— Em tese, poderia favorecer, mas não acho esse o cenário mais provável. O que conecta o boom externo ao bem-estar das pessoas — que pode aumentar o apoio ao governo — é o câmbio. Até agora, não estava ocorrendo esse fenômeno. A subida dos preços foi forte, mas o dólar continuava alto. Acho que precisa ser um boom realmente duradouro — que segure até 2022 — e, ainda assim, que ele não seja enfraquecido pelo caos da pandemia. Não acho o cenário favorável de forma alguma para o presidente — disse Campelo.
Todos os economistas dizem que o primeiro trimestre está com dados melhores do que o previsto. É o que diz, por exemplo, a economista-chefe para Brasil e Argentina da Bloomberg Economics, Adriana Dupita. Ela ressalta que principalmente o mês de março foi melhor do que o esperado. Mas o alto grau de incerteza vem impedindo os investidores de terem uma visão mais otimista sobre o futuro do país:
— O auxílio emergencial chegou ao fim, e agora haverá uma reposição parcial. Na política monetária, há aumento de juros. No câmbio, mesmo com a queda, permanece a volatilidade. Na política fiscal, começa a pesar o calendário eleitoral do ano que vem.
O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, que acompanha de perto o agronegócio, diz que o interior está crescendo, por força da alta das commodities, porém o cenário é de estagnação na economia.
— O efeito das commodities é aumentar a renda nos segmentos respectivos. A renda do minério é injetada na Vale. É localizada. A do setor agrícola é bem espalhada, e o interior, onde o setor agrícola comanda, está vivendo um boom. Isso se traduz em construções e investimentos industriais ligados ao agronegócio. Entretanto, o atraso da vacinação leva ao risco de uma terceira onda, o que em alguns lugares acontecerá mesmo.
O melhor cenário para este ano é de crescimento de 3%, menos do que caiu no ano passado. E para 2022 as projeções em média dão 2%. É muito pouco. Outra coisa que afeta o cenário é o risco inflacionário. O custo da alimentação vai subir, uma nova rodada, por causa do custo global de grãos e commodities. E isso é péssimo para a atividade e para o poder de compra da população que está na pior da pior. Esse é um cenário de estagnação — diz o economista.
O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acha que o IPCA de abril, a ser divulgado hoje, será de 0,30%, pela queda dos combustíveis, mas o acumulado em 12 meses vai a 6,75%. Em maio, vai para 7,5%. No segundo semestre, ele acha que o dólar não vai atrapalhar, mas não vai cair muito como poderia.
Conclusão minha depois dessa rodada de conversas. O governo Bolsonaro é tão incompetente que estraga até notícia boa.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/boas-noticias-e-o-estraga-cenario.html