democracia

STF e Congresso enterram tentativa de Bolsonaro de limitar combate às fake news

Devolução de Medida Provisória, como a do Senado, é ato contundente contra governos frágeis

Afonso Benites / El País

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional impuseram nesta terça-feira uma previsível derrota ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Exatamente às 19h47, a ministra do STF Rosa Weber publicou no sistema da corte a decisão em que suspendia a tramitação da Medida Provisória 1.068. A medida foi publicada por Bolsonaro um dia antes das manifestações em que seus apoiadores atacaram o STF, e alterava o Marco Civil da Internet para dificultar a remoção de conteúdos que disseminam desinformação e discurso de ódio nas redes sociais. No mesmo momento em que a decisão de Weber era registrada, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), iniciava a leitura do ato em que oficializou a devolução dessa mesma medida provisória para o Executivo. Na prática, as mudanças determinadas por Bolsonaro deixam de existir.

A devolução de uma MP não é um ato político banal. Pelo contrário, é algo considerado forte e excepcional. Ocorre quando os legisladores notam que não há urgência ou relevância para se debater um tema proposto pelo Palácio do Planalto —mas principalmente quando o presidente da República passa por um momento de fragilidade. Bolsonaro está em um dos piores períodos de seu Governo, com a popularidade em decadência e ainda sob o efeito do recuo que foi obrigado a fazer para se manter no cargo. O presidente do STF sugeriu que ele cometera crime de responsabilidade ao anunciar que não cumpriria mais decisões assinadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Em sua decisão, Weber disse que não havia urgência nem relevância na MP de Bolsonaro, que a edição da medida traria uma insegurança jurídica e que “estamos diante de hipótese na qual o abuso do poder normativo presidencial está, aparentemente, configurado”. “A propagação de fake news, de discursos de ódio, de ataques às instituições e à própria democracia, bem como a regulamentação da retirada de conteúdos de redes sociais consubstanciam um dos maiores desafios contemporâneos à conformação dos direitos fundamentais”, diz a ministra em sua decisão. A magistrada ainda ressaltou a responsabilidade do Estado brasileiro na garantia da liberdade de expressão. “A cidadania somente pode ser exercida de forma livre, desinibida e responsável quando asseguradas determinadas posições jurídicas aos cidadãos em face do Estado”.

O presidente do Senado também mencionou a insegurança jurídica ao devolver a MP. No entendimento dele, há um “prazo exíguo para adaptação e com previsão de imediata responsabilização pela inobservância de suas disposições, gera considerável insegurança jurídica aos agentes a ela sujeitos”. Segundo Pacheco, “a mera tramitação da Medida Provisória nº 1.068 de 2021 já constitui fator de abalo ao desempenho do mister constitucional do Congresso Nacional”.

A mudança no Marco Civil da Internet foi publicada no dia 6 de setembro, na véspera do ato radical promovido pelo presidente que, entre outras coisas, pedia o fechamento do Supremo. Naquela ocasião, em meio a um embate com a corte, Bolsonaro pretendia animar seus apoiadores radicais, que frequentemente divulgam fake news na internet.

Fake news faz parte da nossa vida”

O freio ao presidente ocorre no dia em que ele voltou a defender a disseminação de desinformação, desta vez em um discurso oficial no Palácio do Planalto. “Fake news faz parte da nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha pra namorada?”, afirmou em tom jocoso durante discurso na cerimônia de entrega do Prêmio Marechal Rondon de Comunicações.

Ao mesmo tempo, o presidente amenizou os ataques que tem feito aos outros Poderes. “O que seria do Executivo sem o Senado? Sem a Câmara? E também, por que não dizer, em muitos momentos, sem o nosso Supremo Tribunal Federal? Nós somos um só corpo. O nosso bom entendimento, alegria do nosso povo”, disse o presidente durante a cerimônia. O tom dava prosseguimento à Declaração à nação publicada no último dia 9, na qual recuou dos ataques que vinha fazendo ao STF.

Bolsonaro disse ainda nesta terça que seu tom antidemocrático, com o qual ameaçou descumprir decisões judiciais e xingou Alexandre de Moraes de canalha, foi um equívoco. “Quem nunca errou no palavreado? Às vezes, custa caro para a gente, mas é melhor viver. Assim como a imprensa, né? É melhor viver assim, em liberdade, do que não ter liberdade. Não tem como nós não acreditarmos no futuro dessa nação, tendo aí o Legislativo, tendo o Judiciário, cada vez se entendendo mais para o bem comum de todos nós”.

A aparente moderação de Bolsonaro tem uma razão. Após o 7 de Setembro, ele sentiu que crescia entre o Congresso e o Judiciário uma barreira aos seus atos. Em última instância, issopoderia resultar em seu impeachment. Neste momento, essa ainda é uma hipótese remota. Mas isso não significa que os outros poderes estejam dispostos a colaborar com as agendas do presidente, como ficou claro nesta terça-feira.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-15/stf-e-congresso-enterram-tentativa-de-bolsonaro-de-facilitar-desinformacao-nas-redes-sociais.html


É HOJE: Equidade, mercado de trabalho e democracia

A sociedade exige oportunidades igualitárias para a participação de todo e qualquer brasileiro no centro do processo democrático.

João Rodrigues, da equipe da FAP

As políticas públicas, o setor privado e a sociedade acirram um diálogo em torno das oportunidades igualitárias para possibilitar a participação de todo e qualquer brasileiro no centro do processo democrático.

📲Acompanhe nosso seminário, a partir das 18h30.

Expositor

Milton Seligman

Coordenador

João Rodrigues, da equipe da FAP

Moreira Franco – FUG – MDB

Debatedores

Gabriela Cruz Lima Ivanir dos Santos

Clique aqui e confira a programação.

https://www.youtube.com/embed/o4qlf64pVto

Evandro Milet: Lições da ressurreição do WP - A democracia morre na escuridão

Washington Post mostra que uma gestão moderna e a adaptação adequada ao mundo digital conseguem recolocar a imprensa no seu lugar

Em agosto de 2013, Jeff Bezos, CEO da Amazon, pagou à vista 250 milhões de dólares e comprou, como pessoa física, o jornal Washington Post, que vinha de sete anos seguidos de perda de receita. Bezos declarou seu firme compromisso com a independência editorial do jornal e parecia ter pouco interesse em utilizar o veículo para qualquer propósito político.

O editor da página de opinião ofereceu sua demissão dizendo que “é plenamente legítimo que o proprietário tenha uma página editorial que reflita sua visão de mundo”. Nessa frase está a resposta para críticas nas redes sociais, de pessoas certamente sem costume de ler jornais(e há milhões nas redes), de que a imprensa tem que apresentar os fatos e deixar para o leitor sua interpretação.

Jornais podem ter colunas de opinião, sim. Colunistas fazem associações dos fatos, trazem novas visões e enriquecem as informações oferecidas aos leitores. Além disso, fica claro que proprietários de jornais colocam sua visão de mundo e isso é absolutamente normal.

A crise do Washington Post, não é diferente da que atinge toda a imprensa, principalmente pela queda dos classificados que migraram em massa para a internet. Da mesma forma, a impressão física entrou em declínio estrutural, com os leitores se acostumando com os formatos digitais. É engano acreditar que jornais teriam perdido a credibilidade por supostas publicações de notícias falsas ou por emitir opinião além dos fatos. 

Perguntado porque teria comprado o jornal, Bezos respondeu: “É o jornal mais importante na capital mais importante do mundo ocidental. Eu seria louco se não o salvasse”. E acrescentou que achava fundamental ter uma imprensa forte e independente para garantir a saúde da sociedade e da democracia.

Bezos passou a usar toda sua experiência administrativa para transformar a gestão da empresa, principalmente no aspecto digital, sem interferir na independência editorial.

Entre 2014 e 2015, visitantes exclusivos dos sites e aplicativos do Washington Post cresceram 56%. Reduziu o tempo que as páginas da rede e gráficos complexos levavam para ser baixados e pediu uma métrica customizada capaz de medir o verdadeiro interesse do leitor pelas histórias, para saber se uma matéria era realmente instigante. Implantou uma cultura de experimentação, onde o erro por vontade de acertar não era penalizado.

Entre 2015 e 2018 a receita com anúncios saltou de 40 para 140 milhões de dólares e o número de assinantes digitais cresceu mais de 300%, ultrapassando 1,5 milhão pela primeira vez (em 2021 esse número chegou a 3 milhões).

De alguma forma, esse crescimento foi ajudado pelos níveis recordes de interesse político durante a caótica gestão Trump, que teve embates pesados com o jornal e com o próprio Bezos.

Uma atuação direta sua foi a criação do slogan que traduz, de forma enxuta, a missão do jornal: “A democracia morre na escuridão”. 
O caso do Washington Post  mostra que uma gestão moderna e a adaptação adequada ao mundo digital conseguem recolocar a imprensa no seu lugar. 

A imprensa livre e independente tem fornecido as informações que circulam na internet e são reproduzidas como se fossem originais por comentaristas de segunda mão que proliferam nas redes, sem acesso às fontes primárias e sem a formação jornalística ou moral que assegurem credibilidade. Essa é a escuridão que ameaça a democracia em muitos países.

(Informações sobre o Washington Post tiradas do livro “Amazon sem limites” de Brad Stone publicado pela Editora Intrínseca.)

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/licoes-da-ressurreicao-do-washington-post-a-democracia-morre-na-escuridao-0921


É HOJE: Desigualdade social, educação e democracia

Por um Brasil mais justo e inclusivo, precisamos debater sobre a educação e o acesso democrático às oportunidades.

João Rodrigues, da equipe da FAP

Paralelo à discussão de um país mais justo e inclusivo, são proeminentes os problemas políticos, sociais e econômicos que culminam na exclusão social e identitária, por meio de circunstâncias e contextos prejudiciais que assolam os mais carentes e excluídos.

Expositor

Ricardo Paes de Barros

Coordenador

José Mendonça Filho – ILEC – DEM

Debatedores

Ricardo Henriques

Cristovam Buarque




100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Confira vídeos, podcasts, textos, publicações e especiais sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB)

1922 é um ano emblemático da modernidade brasileira, nas artes e na política. Acontece a Semana de Arte Moderna, nasce o Partido Comunista. Quase sempre ilegal, o PCB cumpriu uma trajetória marcante e talvez tenha sido a grande escola da nossa política. Vídeos e depoimentos aqui recolhidos jogam luz sobre este agrupamento singularíssimo do século 20 entre nós.

Está página foi criada para agrupar os diversos eventos que ocorreram e ocorrerão para celebrar o centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Aqui, você encontra todas atividades do grupo "100 anos do PCB", idealizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) no segundo semestre 2020. Além disso, há sugestões de livros, filmes, podcast e outros arquivos relacionados ao Partidão.





26/03/2021
Podcast sobre a história do PCB com o jornalista Luiz Carlos Azedo




Astrojildo Pereira e os centenários da Semana de Arte Moderna e do PCB
Finalmente, as obras do Astrojildo Pereira serão lançadas neste ano de 2022 pela Editora Boitempo, com apoio da Fundação Astrojildo Pereira.

Seminário internacional destaca os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Em comemoração aos 100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Sérgio Besserman: Narrativa do comunismo caiu com o Muro de Berlim
Economista mediou debate em pré-celebração ao centenário do PCB, no dia 29 de julho

‘Passado maldito está presente no governo Bolsonaro’, diz Luiz Werneck Vianna
Doutor em Sociologia pela USP e presidente de honra da FAP, cientista social defende construção de ampla frente democrática para “derrubar” o presidente

‘Lutar pelo SUS é a tarefa imediata da esquerda democrática’, diz Luiz Sérgio Henriques
Ensaísta é um dos organizadores do lançamento da série de debates on-line sobre o centenário do PCB, a partir das 19h desta quinta-feira (25/3)

Lição de 1964 marca luta do PCB por ampla frente democrática no país

Especialistas começam a discutir centenário do partido, celebrado em março de 2022, em série de webinars da Fundação Astrojildo Pereira que será lançada no próximo dia 25/3

SÉRIE DE REPORTAGENS "NADA CONSTA" - METRÓPOLES


Livros referentes ao Partido Comunista Brasileiro (PCB)
ACERVO DA BIBLIOTECA SALOMÃO MALINA

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Senadores repercutem carta de recuo do presidente Bolsonaro

Por meio de suas redes sociais, Pacheco, afirmou que é necessário "respeito entre os Poderes e obediência à Constituição"

Agência Senado

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, defendeu nesta quinta-feira (9), pelo Twitter, “respeito entre os Poderes, obediência à Constituição e compromisso árduo no trabalho em favor do desenvolvimento do país”. Ele ressaltou que "é disso que o país precisa".

Pacheco publicou essas declarações após o presidente Jair Bolsonaro divulgar carta em que afirma não ter tido "nenhuma intenção de agredir quaisquer dos poderes" durante suas manifestações no dia 7 de setembro e que suas "palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento".

A mensagem de Bolsonaro repercutiu entre os senadores, que também se manifestaram nas redes sociais.

“Quantas horas vai durar o espírito pacífico e respeitador das leis de Bolsonaro? Talvez até a próxima live. Quem acredita nas intenções democráticas de Bolsonaro? Para a situação do Brasil só há uma saída segura: o impeachment do presidente”, publicou o senador Humberto Costa (PT-PE).

Para o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), Bolsonaro "é o barril de pólvora que está implodindo o país”. Ele disse ainda que o presidente da República é um “fabricador de crises, viúvo da ditadura, péssimo governante, tiranete desequilibrado. Sua nota de hoje [a carta divulgada nesta quinta-feira] é mais uma vergonha para a República. Impeachment para esse terrorista! Bolsonaro é um típico covarde manipulador. Faz da ameaça um método de governabilidade para conseguir o que quer. E tem funcionado! Avança e recua, afrouxando todos os limites do Estado Democrático de Direito. É só aguardar o próximo ataque: ele virá!”.

Já o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) avaliou que a reação de Bolsonaro após os protestos já era esperada. “Recuo previsto, acontece”, publicou o parlamentar.

Michel Temer

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também fez críticas à carta de Bolsonaro e à notícia de que o documento teria sido escrito sob orientação do ex-presidente Michel Temer. “Li a cartinha do Temer que o Bolsonaro assinou. Será que agora o Temer passa a governar também? Será que vai redigir cartinha explicando mansões e rachadinhas? Vai vendo, Brasil. Quem votou ‘para mudar tudo isso aí’ faz o quê? Espera cartinha para baixar o preço da gasolina? Desenhando para inocentes apaixonados. Bolsonaro é só mais uma peça no sistema, preocupado em esconder rachadinhas, mansões e incompetência. E o sistema adora presidentes fracos. Facilita demais o acesso a cargos, grana e impunidade. Basta ler a sequência de notinhas ensaiadas.”

O senador Rogério Carvalho (PT-SE), por sua vez, disse que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e não pode ficar impune. “Até o golpista Temer aconselhou o Bolsonaro a recuar da brava autoritária. As instituições precisam permanecer vigilantes aos arroubos antidemocráticos de Bolsonaro, que não irão parar. Os crimes de responsabilidade já cometidos não podem passar impunes!”

Diálogo

Outros senadores, no entanto, elogiaram a mensagem divulgada por Bolsonaro e defenderam o diálogo. Um deles foi o senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), atual ministro da Casa Civil. “A harmonia e o diálogo entre os poderes compõem as bases nas quais se sustenta nosso país. O gesto do presidente Jair Bolsonaro demonstra que estamos unidos no trabalho pelo que mais importa, a recuperação do nosso país e o cuidado com os brasileiros.”

O diálogo também foi defendido pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). “Sou um pacificador. Sempre defendi o diálogo, o entendimento e o respeito entre poderes, partidos e pessoas. É disso que o Brasil precisa, sobretudo neste momento de retomada.”

Para o senador Elmano Férrer (PP-PI), é oportuna a declaração de Bolsonaro sobre os Poderes ("Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição"). Elmano disse que “Executivo, Legislativo e Judiciário devem trabalhar juntos. Com diálogo e entendimento, é possível fortalecer a democracia brasileira. Esse é o caminho que vamos continuar defendendo”.

Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, o senador Omar Aziz (PSD-AM) também manifestou-se no Twitter. “O dia 9 de setembro é histórico. Dia em que Bolsonaro fez autocrítica sobre a China. E dia em que ele recuou na tensão com outros Poderes. Se for ato genuíno, é louvável. Se for jogada para liberação dos recursos de precatórios para programas eleitoreiros em 2022, é lastimável. Estaremos alerta!”

Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/09/09/senadores-repercutem-carta-divulgada-por-bolsonaro-apos-manifestacoes-em-7-de-setembro


Os recuos de Bolsonaro entre os dias 7 e 9/9

Confira quatro pontos claros de recuo do presidente em um comparativo de seu discurso no último dia 7 e na nota deste dia 9

Mariana Sanches / BBC News Brasil

Congressistas e integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), além de especialistas em direito e analistas políticos consideraram que as declarações de Bolsonaro tinham "teor golpista" e eram passíveis de ser enquadradas como crime de responsabilidade, punível com abertura de processo de impeachment.

Entre outras coisas, Bolsonaro afirmou que não mais cumpriria decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito das fake news do qual Bolsonaro é alvo, e ameaçou fechar o STF caso seu presidente, Luiz Fux, não "enquadrasse" Moraes.

Também afirmou que apenas Deus poderia retirá-lo da cadeira presidencial e afirmou: "quero dizer aos canalhas que nunca serei preso".

Diante da repercussão negativa das falas tanto no mundo político, que retomou as discussões de impedimento do presidente, como no mercado, que reagiu com alta do dólar e tombo da bolsa de valores, Bolsonaro deu um passo atrás. Na nota, justificou-se: "quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum".

Bolsonaro também disse que "na vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de "esticar a corda", a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia". Sua manifestação do dia 7 levou à paralisação de caminhoneiros em mais de 15 Estados e provocou desabastecimento de combustíveis em alimentos em partes do país. Isso deve pressionar ainda mais a economia do país, em recuperação frágil da recessão causada pela pandemia de covid-19. O PIB do último trimestre teve resultado negativo e a inflação se aproximou dos dois dígitos no acumulado dos 12 meses.

Veja a seguir quatro pontos claros de recuo do presidente em um comparativo de seu discurso no último dia 7 e na nota deste dia 9.

1. Supremo Tribunal Federal

Bolsonaro em 7/9: "Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos."

Bolsonaro em 9/9: "Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes."

2. Ministro Alexandre de Moraes

Bolsonaro em 7/9: "Não vamos mais admitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa democracia."

Bolsonaro em 9/9: "Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes."

3. Respeito a decisões de outros poderes

Bolsonaro em 7/9: "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou."

Bolsonaro em 9/9: "Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país."

4. Democracia

Bolsonaro em 7/9: "Tinha que esperar um pouco mais de modo que a população aos poucos ou cada vez mais fosse se conscientizando do que é um regime ditatorial. Agora chegou o momento de nós dizermos a essas pessoas que abusam da força do poder para nos subjugar, dizer a esses poucos que agora tudo vai ser diferente".

Bolsonaro em 9/9: "Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição."

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58510022


'Game over': bolsonaristas se revoltam com recuo do presidente

Recuo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em nota divulgada nesta quinta (9/9) foi mal recebido por seus apoiadores

BBC Brasil

"Game Over", disse o blogueiro Allan Santos no Twitter — o termo em inglês pode ser traduzido como "fim do jogo" ou simplesmente "acabou".Pule Twitter post, 1

GAME OVER pic.twitter.com/EiEgzB5FPV— Allan Dos Santos  (@allanldsantos) September 9, 2021

Final de Twitter post, 1

Rodrigo Constantino usou a mesma expressão, mas foi mais enfático nas críticas ao presidente. Para ele, Bolsonaro demonstrou "fraqueza" e "levou um xeque-mate".

"Bolsonaro pode ter assinado sua derrota", afirmou no Twitter.

Se era xadrez 4D, parece que Bolsonaro tomou um xeque-mate de uma rainha tridimensional. Depois da demonstração de força do povo, o presidente demonstra fraqueza. Situação bem complicada para os patriotas. Bolsonaro pode ter assinado sua derrota hoje...— Rodrigo Constantino (@Rconstantino) September 9, 2021

O empresário Leandro Ruschel fez um prognóstico semelhante sobre o futuro político do presidente.

"Impressão inicial, ainda provisória: com o ato de hoje, Bolsonaro está abrindo mão da candidatura à reeleição. A conferir", disse ele.

Impressão inicial, ainda provisória: com o ato de hoje, Bolsonaro está abrindo mão da candidatura à reeleição.

A conferir.— Leandro Ruschel 🇧🇷🇺🇸🇮🇹🇩🇪 (@leandroruschel) September 9, 2021

O pastor Silas Malafaia deixou claro que não pretende seguir o presidente em sua recém-adquirida moderação e voltou a atacar Alexandre de Moraes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

"Continuo aliado, mas não alienado", tuitou. "Minhas convicções são inegociáveis."

CONTINUO ALIADO , MAS NÃO ALIENADO ! Bolsonaro pode colocar a nota que quiser , Alexandre de Moraes continua a ser um ditador da toga que rasgou a constituição e prendeu gente inocente . MINHAS CONVICÇÕES SÃO INEGOCIÁVEIS !— Silas Malafaia (@PastorMalafaia) September 9, 2021

'No calor do momento'

Bolsonaro divulgou a nota um dia após o presidente do STF, Luiz Fux, afirmar que suas ameaças poderiam culminar em um processo de impeachment.

O presidente participou de atos no 7 de setembro que pediram o fechamento do STF e do Congresso. Em seus discursos, ele atacou a Corte e seus ministros e disse que poderia não cumprir novas decisões de Moraes, a quem chamou de "canalha".

No comunicado divulgado pelo Planalto, Bolsonaro baixou o tom e afirmou que as declarações foram feitas no "calor do momento" e que "nunca teve intenção de agredir quaisquer dos poderes".

O presidente ainda disse que "não tem direito de esticar a corda a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia" e que suas divergências com o ministro Alexandre de Moraes — seu maior desafeto no STF e a quem chamou de "canalha" em sua fala nos protestos — deveriam ser resolvidas por meio da via judicial.

"Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país", afirmou Bolsonaro.

'Traidor'

Apoiadores do presidente em Brasília
Apoiadores de Bolsonaro em frente ao Congresso Nacional. Foto: EPA

Em grupos de apoio ao presidente no aplicativo Telegram, os bolsonaristas se dividiram entre a revolta, a incredulidade e a decepção com a reação do presidente.

"Traidor", disse uma integrante de um grupo com mais de 11 mil participantes.

"Eu vim para Brasília apoiar o presidente e ele faz isso", comentou outro membro.

Em outro grupo, com 2 mil pessoas, um apoiador disse: "O presidente se rendeu, se acovardou. Eu esperava muito mais".

"Também não acreditei!!! Será alguma estratégia?!?", respondeu outra participante.

"Será que o presidente vai renunciar à reeleição? Será que o sistema fez com Bolsonaro o mesmo que fez com Trump?", questionou uma terceira.

Em outro grupo, com 36 mil inscritos, um membro interpretou assim o comunicado: "Nosso capitão recuou".

"Infelizmente", respondeu outro.

"Alguém confirma", questionou um integrante, que ouviu em resposta: "Sim, é verdade. O presidente nos abandonou."

"Ele disse que não ia respeitar o STF e agora tá se desculpando por nota", comentou um apoiador.

Outra participantes disse que a atitude de Bolsonaro foi uma "falta de respeito com o povo que ele pediu para ir às ruas".

"Não vivia falando que tá com o povo aonde o povo estiver e agora??? Somos chacota da esquerda."

"Que decepção", escreveu um terceiro, "mas acredito que isso tenha sido só para pacificar as coisas apenas uma estratégia a mando de alguém;"

"Decepção total, o sistema venceu o nosso presidente", afirmou mais um

Mas nem todos perderam a confiança em Bolsonaro.

"Não recuou não, estão malucos? Ele tem razão em fazer, tenham certeza, é uma demonstração de bom senso e autoproteção. Parem para pensar caramba", disse um membro desse mesmo grupo.

Outro afirmou que "recuar não é derrota".

"Temos que ter paciência, galera", pediu um outro apoiador.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58510232


Bolsonaro agora diz que não teve "intenção de agredir" STF

Nota em tom de recuo diz que "divergências" com Moraes serão resolvidas na Justiça. Texto foi redigido com auxílio de Michel Temer

DW Brasil

Depois de ameaçar abertamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e pregar desobediência a decisões da Corte durante discursos nos atos de 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro divulgou nesta quinta-feira (09/09) uma "Declaração à Nação", em tom de recuo tático após a má repercussão de suas falas, que tiveram consequências negativas até mesmo na economia.

No texto, o presidente afirma agora que nunca teve "intenção de agredir quaisquer dos poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar".

Bolsonaro decidiu divulgar a declaração após aconselhamento do ex-presidente Michel Temer. O presidente enviou um avião para buscar Temer em São Paulo, para que ambos pudessem discutir a crise institucional, que nas últimas horas foi agravada por bloqueios em estradas organizados por caminhoneiros bolsonaristas.

Segundo apurou a emissora CNN Brasil, o ex-presidente teria inclusive redigido ele próprio o texto, assinado por Bolsonaro. Temer teria promovido um contato telefônico entre Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes do STF, que nomeado para o tribunal durante o governo do emedebista.

Bolsonaro utilizou o termo "divergências" para expressar sua posição em relação a decisões de Moraes, mas ressalvou que essas questões devem ser resolvidas "por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Artigo 5º da Constituição Federal".

"Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news”, observou. "Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de ‘esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia.”

No ato pró-governo em São Paulo, Bolsonaro chegou a chamar Moraes de "canalha" e disse que não cumpriria mais as decisões do magistrado.

"Dizer a vocês que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais", disse o presidente.

"Calor do momento"

Entretanto, no texto divulgado nesta quinta-feira, o presidente afirma que suas palavras, "por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum", relativizou.

Bolsonaro encerrou a nota com o lema "Deus, Pátria, Família", originalmente um slogan da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de viés fascista que atuou no Brasil na década de 1930. Recentemente, Bolsonaro e membros da sua família também usaram o slogan em publicações relacionadas à natimorta Aliança pelo Brasil, o partido que o presidente tentou criar em 2019 e que nunca saiu do papel.

A nota de Bolsonaro foi divulgada após reações enérgicas do presidente do STF, Luiz Fux, e do ministro Luís Roberto Barroso. Fux advertiu na quarta-feira que o desrespeito a decisões da Corte "configura crime de responsabilidade". Ele também afirmou que a população deve estar atenta aos "falsos profetas do patriotismo" e que o Tribunal não aceitará ameaças. Já Barroso chamou Bolsonaro de "farsante" e disse que o Brasil é "alvo de chacota" no exterior por causa da falta de compostura de Bolsonaro.

Não é a primeira vez que Bolsonaro recua de uma ofensiva contra outros Poderes. Em maio de 2020, ele já havia dito "ordens absurdas [do STF] não se cumprem" durante outro episódio de tensão com o STF, quando o Tribunal apertava o cerco contra bolsonaristas suspeitos de atuarem como divulgadores e financiadores de fake news. Na ocasião, ele adotou um tom mais ameno no dia seguinte, diante da má repercussão das sua falas. O roteiro foi o mesmo em ofensivas contra o STF e governadores nos mais de dois anos de governo Bolsonaro, num padrão repetitivo de ataque e recuo tático, que mobilizou regularmente a base radical bolsonarista no decorrer das crises.

Desta vez, porém, a publicação do texto gerou má repercussão em redes sociais da base extremista do presidente, que esperava que Bolsonaro continuasse a manter a ofensiva contra o STF sem qualquer recuo. Após a publicação da nota, o comentarista bolsonarista Rodrigo Constantino escreveu em seu Twitter: "O sistema declarou guerra ao povo. O presidente sucumbiu ao sistema". "Bandeira branca", escreveu o influencer bolsonarista Leandro Ruschel. O mesmo tom se repetiu em publicações de outros ativistas bolsonaristas.

A nota também não convenceu membros da oposição. "Ou Jair Bolsonaro mentiu para seus seguidores no 7 de Setembro ou ele está mentindo para todos os brasileiros com a nota divulgada hoje. O fato é que o presidente não tem palavra, o Brasil não tem governo e Bolsonaro não pode continuar no Palácio do Planalto", escreveu o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ).

Enfrentando queda constante de aprovação, economia em crise, pandemia, o fantasma de um apagão energético, insatisfação crescente entre o empresariado e denúncias de corrupção, Jair Bolsonaro usou o 7 de Setembro como uma tenativa de demonstração de força, convocando sua base radical a tomar as ruas contra o STF.

O foco das falas do presidente durante os atos foi especialmente dirigido aos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso – este também presidente do TSE –, que são com frequência tratados como inimigos pelo presidente e sua base.

Moraes é responsável por diversos inquéritos que afetam bolsonaristas e determinou a prisão de aliados do presidente, como o deputado Daniel Silveira e o presidente do PTB, Roberto Jefferson, que incitaram violência contra ministros do Supremo.

Já Barroso, na condição de presidente do TSE, se opõe à adoção do voto impresso, uma bandeira bolsonarista, encarada como uma forma de minar a confiança no processo eleitoral e tumultuar as eleições de 2022, que se desenham extremamente desfavoráveis para Bolsonaro, segundo pesquisas.

Fonte: DW Brasil


A crise, as instituições e os "diálogos institucionais"

Jair Bolsonaro afronta reiteradamente as instituições do Estado democrático de Direito, disseminando insegurança jurídica

José Eduardo Faria / Horizontes Democráticos / O Estado de S. Paulo

Autocrata, ignaro e incapaz de agir politicamente dentro das regras democráticas estabelecidas pela Constituição, como está sendo evidenciado neste feriado de 7 de setembro, desde que ascendeu ao poder o presidente Jair Bolsonaro afronta reiteradamente as instituições do Estado democrático de Direito, disseminando insegurança jurídica, levando a economia a se deteriorar e deflagrando uma crise de governabilidade permanente.

Em seu primeiro ano de gestão, ele afirmou que devia lealdade apenas ao “povo brasileiro”, desprezando a mediação parlamentar e, por conse’quência, o perfil liberal da democracia brasileira. Já no segundo ano, ao participar de agressões dominicais ao Supremo Tribunal Federal, defendendo o uso da violência contra alguns de seus ministros, passou a testar os limites da Constituição. E agora, em seu terceiro ano de mandato, quando praticamente todas as iniciativas de seu governo tiveram sua constitucionalidade questionada na corte, o presidente da República se apropriou dos festejos da Independência para promover uma manifestação por ele classificada como um “ultimato” a dois ministros. Ele se esquece — ou melhor, não aceita — que a Constituição promulgada após a redemocratização do País tenha conferido ao STF o poder de rever a constitucionalidade dos atos dos demais poderes.

Diante dessa escalada, dois fatos passaram a ocupar as manchetes dos jornais nos últimos tempos. De um lado, lideranças políticas, governadores e entidades empresariais começaram a propor sucessivos diálogos entre os presidentes dos três Poderes, e até um pacto interinstitucional, com o objetivo de preservar a ordem jurídica e a democracia. De outro lado, em decorrência das diatribes autoritárias presidenciais e de projetos de lei e propostas de emenda constitucional sem mínima consistência jurídica, bem como da aprovação pelo Legislativo de várias leis economicamente insensatas, a vida política do país tornou-se cada vez mais dependente das posições da cúpula do Poder Judiciário.

Esses dois fatos dão a medida da profunda crise institucional que o País atravessa. No primeiro caso, como a judicialização da vida política ocorreu somente porque o Executivo não soube e/ou não quis formar uma coalização majoritária para governar e porque as lideranças do Legislativo necessitaram de uma arbitragem externa por não conseguir resolver seus impasses internos, o que uma corte suprema pode oferecer nesses diálogos a não ser fazer cumprir o que a Constituição determina?

Mas não é só. O STF é um órgão colegiado e seu presidente tem uma ação basicamente administrativa. Nos julgamentos, pode sugerir ou orientar seus pares nos julgamentos. Contudo, não pode não impor sua vontade. Desse modo, como firmar um pacto com o chefe do Executivo, comprometendo-se em nome da corte e se responsabilizando por seus resultados? Ao agir assim, não estaria entregando a outros Poderes a última palavra quanto a certas matérias decididas por uma corte suprema? Em suma, de que modo o STF pode abrir mão de sua atribuição funcional de julgar como inconstitucional uma iniciativa do inquilino do Palácio do Planalto só porque ela foi politicamente negociada em troca de uma promessa do presidente da República de que passará a respeitar o Judiciário? Além de paradoxal, esse cenário seria a negação da democracia, sob a justificativa de preservá-la.

Já o segundo fato aponta uma outra importante faceta da crise institucional. Ainda que Bolsonaro e seu entorno militar insistam em afirmar que a Constituição não os deixa governar, eles se esquecem de que, se há de uma trava constitucional limitando a discricionaridade dos governantes na gestão pública, ela é uma decorrência da ditadura militar que até hoje justificam, defendem e canonizam. Ainda que Bolsonaro e seu entorno militar insinuem que a Constituição de 1988 não os deixa governar, eles se esquecem de que, se há uma trava constitucional, ela se justifica historicamente, ainda que de maneira indireta, como proteção contra práticas tornadas rotineiras na ditadura militar que até hoje eles justificam, defendem e canonizam.

Os abusos e absurdos cometidos pelos militares entre março de 1964 e 14 de março de 1985 foram tantos que não restou aos constituintes de 1988 outra saída a não ser incluir no texto constitucional – e assegurar sua preservação por meio da figura jurídica das cláusulas pétreas, em alguns casos — uma série de dispositivos não só no campo das liberdades fundamentais e das garantias públicas, mas, igualmente, em matérias econômicas e sociais. A ordem constitucional daí resultante foi de caráter aspiracional, não só no sentido de assegurar direitos básicos, mas, também, de caminhar rumo a uma sociedade menos desigual e iníqua e mais justa e igualitária.

Resultante de uma circunstância histórica, essa ordem constitucional foi concebida de modo deliberadamente abrangente, transferindo questões do campo da política para o âmbito do direito positivo. Foi uma estratégia pensada para tentar impedir que, nas eleições futuras, as novas configurações do Legislativo revogassem esses direitos e essas orientações programáticas.

Ato de promulgação da Constituição Federal de 1988. Foto: Reprodução

Dessa maneira, conforme lembra o historiador J. Reinaldo de Lima Lopes, como nem mesmo as propostas de emendas constitucionais poderiam reduzi-los, a saída que restou aos governos das chamada Nova República foi recorrer à judicialização e à hermenêutica jurídica. Mais precisamente, à tentativa de fazer com que o STF, devidamente demandado por ações de controle de constitucionalidade, interpretasse os dispositivos da Carta conforme as respectivas agendas de cada governo. Isso ocorreu em todas as gestões presidenciais após a redemocratização, desde a primeira eleição de Fernando Collor pelo voto direto, em 1989, até a de Bolsonaro, em 2018, o que levou as ações de constitucionalidade a judiciais a se multiplicarem no STF. Só nas duas primeiras décadas após a promulgação da Constituição, por exemplo, foram propostas perante o STF mais de 4 mil Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Na mesma corte, o número de novos processos por exercício passou de 18,5 mil em 1990, para 160,4 mil em 2002, segundo as estatísticas do Conselho Nacional de Justiça.

Foi a partir daí que surgiu um conceito equivocado, o de ativismo judicial, utilizado por quem tinha a expectativa de que os ministros da corte alterassem o alcance dos direitos e das orientações programáticas da Constituição por vias hermenêuticas. Também foi a partir daí que começaram as pressões contra os magistrados “ativistas” — o que se exacerbou quando o atual governo autocrata, assessorado por advogados públicos medíocres e por juristas oportunistas, passou a afrontar o Supremo e a convocar manifestações de protesto sob a justificativa de dar “um ultimato” a dois de seus onze ministros.

Com isso, o círculo se fecha. Caso ceda às pressões, aceitando as propostas de um diálogo entre os três Poderes e de um pacto interinstitucional, ou, então, curvando-se a manifestações populares organizadas com explícito viés golpista, os ministros do STF perderão sua independência, que está na essência de sua razão de existir. Por consequência, teriam sua credibilidade e legitimidade comprometidas, na medida em que estariam negando a Constituição que juraram cumprir. Resistir às diferentes estratégias antidemocráticas, é claro, tem um custo. Mas ele nunca será mais alto do que o preço a ser pago por aquele que, entre os onze ministros da corte, acabar com sua imagem enxovalhada pela subserviência, deixando-se dobrar à ofensiva antidemocrática bolsonarista.

Fonte: Estado da Arte, 07 de setembro de 2021 / Blogo Horizontes Democráticos
https://estadodaarte.estadao.com.br/jef-07-setembro-dialogos-stf/
https://horizontesdemocraticos.com.br/a-crise-as-instituicoes-e-os-dialogos-institucionais/


O que esperar do Brasil após o 7 de Setembro?

Com intenção de não mais cumprir decisões do STF, Bolsonaro escala a crise institucional. Defesa da democracia entra na ordem do dia

Jornal da USP

O 7 de Setembro galvanizou as atenções do País, acelerando o processo político em direção a um horizonte incerto. No lugar dos tradicionais desfiles militares em Brasília e outras capitais, o cenário foi tomado tanto pelas manifestações orquestradas pelo presidente Jair Bolsonaro quanto pelas convocadas pelas oposições. Em Brasília e na Avenida Paulista, em São Paulo, o presidente Bolsonaro, após dois meses de pregação preparatória dos eventos por todo o País, discursou para públicos expressivos, mas bem menores do que o esperado pelos organizadores. Nem uma palavra sobre os problemas reais que afligem o País, muito menos sobre como resolvê-los.

Suas falas se concentraram em críticas ao uso das urnas eletrônicas nas eleições, sistema recentemente confirmado e mantido por votação na Câmara dos Deputados. E em ataques ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que comanda inquéritos que o envolvem e podem atingir filhos e correligionários — e será presidente do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2022.

Em meio ao seu discurso em São Paulo, Bolsonaro disse que não mais acatará qualquer decisão emanada do ministro Moraes, apontando para uma possível futura postura de desrespeito à Constituição.

As manifestações das oposições, também por todo o País, concentraram-se em fortes críticas a problemas como o desemprego, fome, inflação, que estão dificultando a vida das camadas mais pobres da população, e as confusões na campanha de vacinação contra a pandemia do coronavírus, que se desenvolve mais lentamente do que o necessário.

Os discursos de Bolsonaro já estão gerando repercussões e reações no mundo jurídico e político e na sociedade. Abaixo, o Jornal da USP publica a opinião e a análise de especialistas da Universidade de São Paulo.

Renato Janine Ribeiro – Foto: Reprodução/Vermelho

Renato Janine Ribeiro
Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

“O presidente manteve seu discurso habitual, inclusive ameaçando o Judiciário […] Faltou a menção aos quase 600 mil brasileiros mortos por covid […] Faltou menção à crise econômica que estamos vivendo […]. Faltou uma menção à educação, ciência e pesquisa […]. Faltou preocupação com a vida das pessoas […]. É uma pena que o presidente não se preocupe com essas questões.”


José Álvaro Moisés – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

José Álvaro Moisés

Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

“As manifestações se constituíram, de certo modo, num ato de campanha eleitoral do presidente para concorrer à eleição – campanha fora de tempo é crime, e isso é mais grave se envolve o uso de recursos públicos, como parece ter ocorrido nesse caso […]. Mas o ponto mais controverso constitui o fato de Bolsonaro ter dado elementos para a atualização das propostas do seu próprio impeachment. Ao propor, em nome da Constituição, medidas que burlam a autonomia e a independência de alguns dos Poderes republicanos mais importantes, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, o presidente pode ter oferecido precisamente a base para a abertura de um processo de seu impedimento.”Tocador de áudio00:0000:00Use as setas para cima ou para baixo para aumentar ou diminuir o volume.


Simão Silber – Foto: Reprodução

Simão Silber

Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP

“Sem os discursos, a situação da economia brasileira já era ruim […]. Com os dois discursos pregando rupturas com as instituições, trazendo uma incerteza muito grande, mexeu com as expectativas dos agentes econômicos […]. O resultado veio hoje na abertura dos mercados, com a bolsa caindo mais que 1% […] e uma pressão sobre o dólar que se desvalorizou e tem uma tendência a se desvalorizar mais ainda […]. Foi um beijo na morte que estava faltando.”Tocador de áudio00:0000:00Use as setas para cima ou para baixo para aumentar ou diminuir o volume.


Marcos Fava Neves – Foto: Arquivo pessoal

Marcos Fava Neves

Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP

“Este 7 de Setembro me deixou com sensações mistas […]. As manifestações foram muito bem organizadas, pacíficas, bonitas de se ver […]. As pautas contra o ambiente democrático não têm o meu apoio, isso custa muito caro para um país […]. Para a economia, esse ambiente belicista que o Brasil vive, não bastasse a crise sanitária […] A crise da economia melhorou um pouco, mas poderia estar mais forte [ainda mais com] a crise hídrica brutal no País […]. Para o ambiente econômico isso não é bom, o Brasil precisa passar por um processo de pacificação.”Tocador de áudio00:0000:00Use as setas para cima ou para baixo para aumentar ou diminuir o volume.


Rafael Mafei – Foto: Reprodução

Rafael Mafei

Faculdade de Direito da USP

“As manifestações do 7 de Setembro de que o presidente participou foram marcadas por pautas declaradamente antidemocráticas, a principal das quais a retaliação e ameaça contra o Supremo Tribunal Federal, em especial a dois de seus ministros […]. A Constituição é taxativa em dizer que o Judiciário tem poder para rever atos da Presidência da República e de ministros de Estado […]. Quando toma qualquer medida que porventura invalide uma política do presidente, o Judiciário está cumprindo o seu papel de fazer com que a Constituição seja observada […]. O presidente não tem o direito constitucional de não ser contrariado por juízes […]. A Constituição e as leis estabelecem que o presidente tem o dever de acatar decisões judiciais e tem o dever de não ameaçar ou incitar a população.”Tocador de áudio00:0000:00Use as setas para cima ou para baixo para aumentar ou diminuir o volume.

Maria Hermínia Tavares – Foto: IEA

Maria Hermínia Tavares

Professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e do Instituto de Relações Internacionais, ambos da USP

“As manifestações promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro ontem são mais um passo na escalada que ele tem promovido de ataque às instituições brasileiras. Embora fale de liberdade, o presidente frequentemente assedia jornalistas e ameaça opositores […], embora fale de democracia, o seu entendimento é aquele sistema no qual as eleições entregam para quem teve a maioria dos votos um mandato ilimitado […]. Isso não é democracia, é um autoritarismo de base eleitoral […]. A democracia verdadeira é aquela na qual o poder legítimo dos mandatários eleitos é limitado pelas leis e instituições do sistema democrático […]. O presidente é um autoritário que foi eleito pela regra democrática […]. Ontem, nas ruas, vimos a extensão e a limitação do seu poder […]. Ele divide o País, um País que precisa estar unido.”Tocador de áudio00:0000:00Use as setas para cima ou para baixo para aumentar ou diminuir o volume.


Deisy Ventura – Foto: Arquivo pessoal

Deisy Ventura

Professora da Faculdade de Saúde Pública da USP

“O que estamos vendo acontecer no Brasil não é novidade nem em relação ao que o presidente da República, que é um agitador extremista, vem anunciando e prometendo […], mas também não é novidade histórica nenhuma […]. Os movimentos totalitaristas agem exatamente dessa forma […], muitas vezes chegam ao poder pela via eleitoral, como no Brasil, e depois utilizam o aparelho do Estado contra a população […]. Quem está hipnotizado por esse movimento […] realmente não o vê como o perigo que é […]. Essa é a hora de surgirem os estadistas […] esta é a hora de surgirem as lideranças sociais […]. Este é um momento de enorme gravidade que precisa ser tratado como tal.”Tocador de áudio00:0000:00Use as setas para cima ou para baixo para aumentar ou diminuir o volume.

Fonte: Jornal da USP
https://jornal.usp.br/atualidades/o-que-esperar-do-brasil-apos-o-7-de-setembro/


Presidente do TSE critica ameaças à democracia brasileira

Barroso ressaltou que a 'democracia tem lugar para conservadores e progressistas, só não tem lugar para quem pretenda destruí-la'

Ascom / TSE

Ao abrir a sessão plenária na manhã desta quinta-feira (9), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, mais uma vez defendeu a Justiça Eleitoral e os servidores que nela atuam com verdadeiro patriotismo, trabalho duro e dedicado. Segundo ele, essas pessoas não podem ficar indefesas diante da linguagem abusiva e da mentira, ao se referir aos eventos e pronunciamentos do último dia 7 de setembro em que novas acusações foram feitas em relação à credibilidade da Justiça Eleitoral.

O presidente do TSE defendeu enfaticamente a democracia e criticou a polarização. “A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la”, disse.

O ministro respondeu objetivamente às acusações feitas à Justiça Eleitoral e, na oportunidade, afirmou que o debate público permanente e de qualidade é o que permite que todos os cidadãos recebam informações corretas, formem sua opinião e apresentem seus argumentos. Portanto, esse debate não pode ser contaminado por discursos de ódio, campanhas de desinformação e teorias conspiratórias infundadas, sob pena de afronta à democracia.

“O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: “conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará”, destacou.

Em relação às críticas à segurança do sistema eleitoral, Barroso detalhou novamente todas as fases de transparência, segurança e auditabildiade da urna eletrônica e afirmou que “o sistema é certamente inseguro para quem acha que o único resultado possível é a própria vitória”. Acrescentou ainda que “para maus perdedores não há remédio na farmacologia jurídica”.

Ele ainda reafirmou que as eleições brasileiras são totalmente limpas, democráticas e auditáveis e lembrou novamente que nunca se documentou fraude e que por esse sistema foram eleitos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro.

Ministro Luís Roberto Barroso - STF


Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Luís Roberto Barroso. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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“Depois de quase três anos de campanha diuturna e insidiosa contra as urnas eletrônicas, por parte de ninguém menos do que o presidente da República, uma minoria de eleitores passou a ter dúvida sobre a segurança do processo eleitoral. Dúvida criada artificialmente por uma máquina governamental de propaganda. Assim que pararem de circular as mentiras, as dúvidas se dissiparão”, afirmou.

Conforme destacou o presidente do TSE, são retóricas vazias. “Hoje em dia, salvo os fanáticos (que são cegos pelo radicalismo) e os mercenários (que são cegos pela monetização da mentira), todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história”.

Por fim, Barroso destacou que “insulto não é argumento e ofensa não é coragem”. Acrescentou ainda que a falta de compostura nos envergonha perante o mundo e a marca Brasil sofre, atualmente, uma desvalorização global.

“Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial”, afirmou, ao destacar que vivemos um desprestígio maior do que a inflação, do que o desemprego, do que a queda de renda, do que a alta do dólar, do que a queda da bolsa, do que o desmatamento da Amazônia, do que o número de mortos pela pandemia, do que a fuga de cérebros e de investimentos. “Não podemos permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral que estamos vivendo”, enfatizou.

 “Com a bênção de Deus – o Deus do bem, do amor e do respeito ao próximo – e a proteção das instituições, um presidente eleito democraticamente pelo voto popular tomará posse no dia 1º de janeiro de 2023”, finalizou.

Confira a íntegra do pronunciamento.

Fonte: TSE
https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Setembro/presidente-do-tse-critica-ameacas-a-democracia-brasileira