democracia
Gaudêncio Torquato: Brasil vegeta sob o reino da mentira
Hoje, o Brasil vive sob o Estado de Direito, mas vegeta sob o Estado da ética e da moral, com um mandatário-mor que nega a ciência
Gaudêncio Torquato / Blog do Noblat / Metrópoles
Há 44 anos, o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., falecido no dia 27 de junho de 2009, dando vazão ao sentimento da sociedade brasileira, foi convidado para ler a Carta aos Brasileiros69. O País abria as portas da redemocratização. Hoje, o Brasil vive sob o Estado de Direito, mas vegeta sob o Estado da ética e da moral, com um mandatário-mor que nega a ciência, é responsável pela pior gestão da pandemia de coronavírus 19 do planeta, e faz um vergonhoso discurso na abertura da ONU, privilégio que, historicamente, cabe ao Brasil desde 1947.
Em quatro décadas, o País eliminou o chumbo que cobria os muros de suas instituições sociais e políticas, resgatou o ideário libertário que inspira as democracias, instalou as bases de um moderno sistema produtivo e, apesar de esforços de idealistas que lutam para pôr um pouco de ordem na casa, não alcançou o estágio de Nação próspera, justa e solidária. O país faz vergonha ao mundo. O baú do retrocesso continua lotado. Temos uma estrutura política caótica, incapaz de promover as reformas fundamentais para acender a chama ética, e um governo que prometeu acabar com a corrupção, amarrado às mais intricadas cordas da velha política, usando a extraordinária força de verbas e cargos para cooptar legisladores e partidos, principalmente do Centrão, transformando-se, ele próprio em muralha que barra os caminhos da mudança.
Não por acaso, anos depois o professor Goffredo confessava ter vontade de ler uma segunda carta, desta feita para conclamar pela reforma política e por uma democracia participativa, em que os cidadãos votem em ideários, não em fulanos, beltranos e sicranos. O velho mestre das Arcadas, que formou uma geração de advogados, tentava resistir à Lei de Gresham, pela qual o dinheiro falso expulsa a moeda boa – princípio que, na política, aponta a vitória da mediocridade sobre a virtude.
No Brasil, especialmente, os freios do atraso impedem os avanços. Vivemos com a sensação de que há imensa distância entre as locomotivas econômica e política, a primeira abrindo fronteiras, a segunda fechando porteiras. Olhe-se para os Poderes Executivo e Legislativo. Parecem carcaças do passado, fincadas sobre as estacas do patrimonialismo, da competitividade e do fisiologismo. Em seus corredores, o poder da barganha suplanta o poder das ideias.
Em setembro de 1993, na segunda Carta aos Brasileiros, o mestre Goffredo escolheria como núcleo a reforma política, eixo da democracia participativa com que sonha. Mas falta disposição aos congressistas para fazê-la. Em 2002, Lula da Silva também leu sua Carta aos Brasileiros, onde pregava uma nova prática política e a instalação de uma base moral. Nada disso foi cumprido. O país continuou a ser um deserto de ideias.
Sem uma base eleitoral forte, os entes partidários caíram na indigência, poluindo o ambiente de miasmas. Até hoje, os eleitores esperam que as grandes questões nacionais recebam diagnósticos apropriados e propostas de solução para nosso pedaço de chão. Infelizmente, o voto continua a ser dado a oportunistas, operadores de promessas, poucos com ideários claros e correspondentes aos anseios sociais.
A utopia nacional resvala pelo terreno da desilusão. Nesses tempos da CPI da Covid, o Reino da Mentira, descrito pelo senador Rui Barbosa, nos idos de 1919, volta à ordem do dia: “Mentira por tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu. Nos inquéritos. Nas promessas. Nos projetos. Nas reformas. Nos progressos. Nas convicções. Nas transmutações. Nas soluções. Nos homens, nos atos, nas coisas. No rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Nas responsabilidades. Nos desmentidos”.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-reino-da-mentira-por-gaudencio-torquato
Alon Feuerwerker: Um Bolsonaro para Bolsonaro? E Moro
Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB
Alon Feuerwerker / Blog do Noblat / Metrópoles
Toda previsão no Brasil deveria trazer junto um seguro-imprevisibilidade, mas é razoável supor que entramos num período algo estável, no qual a guerra de movimento vem sendo substituída por uma guerra de posição, e de baixa ou média intensidade. Por uma razão: nem o presidente da República reuniu até o momento força para suplantar os demais poderes nem os opositores acumularam por enquanto massa crítica para depô-lo.
Daí que as atenções comecem a se voltar cada vez mais para a próxima janela de oportunidade na disputa do poder: a eleição. Com uma competição particular entre os candidatos a ser o “Bolsonaro do Bolsonaro”. Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB na corrida de 2018. Um PSDB que nas seis disputas anteriores ou ganhara ou pelo menos fora ao segundo turno…
Os dois pré-candidatos tucanos afiaram as lanças esta semana, exibindo suas impecáveis credenciais antipetistas, pouquíssimo tempo após a vaga de opiniões e emocionados apelos pela “frente ampla”. Faz sentido. Para a legenda, a vaga em disputa no segundo turno não é a de Luiz Inácio Lula das Silva, mas a do adversário dele. E os governadores paulista e gaúcho estão num momento de “ciscar para dentro”.
Enquanto isso, o presidente busca um certo reposicionamento, mostrando que a carta redigida em conjunto com o ex Michel Temer não foi raio em céu azul. Tem lógica, pois Jair Bolsonaro não enfrenta concorrência séria no campo da direita. Se mantiver os traços estruturais do discurso, pode tranquilamente fazer movimentos táticos ao “centro”, inclusive por não ter maiores antagonismos com o centrismo. Corre pouco risco de perder substância.
Quanto vai durar a (quase) calmaria? Um palpite é que dure enquanto os dois blocos que hoje travam a disputa mais acalorada, o bolsonarismo e o centrismo, acreditarem reunir potencial de voto para prevalecer em outubro de 2022. Por isso mesmo, seria imprudente apostar todas as fichas num processo eleitoral no padrão dos anteriores, absolutamente estável. Pois alguma hora um desses dois blocos notará que a vaca está indo para o brejo.
A não ser que Lula derreta no caminho. O que por enquanto não está no horizonte.
E os imprevistos? Como dito amiúde, é imprudente desprezá-los. Especialmente diante de um Judiciário fortemente inclinado ao ativismo. Mas eventuais decisões que removam algum contendor manu militari não garantem vida fácil a quem sobrar na corrida. Pois pode perfeitamente acontecer como em 2018: o removido apoiar alguém e manter ocupado o espaço político que se pretendeu deixar vago.
E há outra variável, que ensaia alguns passos, costeando o alambrado: Sergio Moro. As ofertas para ele estão feitas. Com o pulverizado cenário da “terceira via”, a possibilidade de ocupar esse espaço não deixa de ser atraente para o ex-juiz e ex-ministro.
Sobre isso, escrevi em janeiro do ano passado (E se Moro virar o “candidato do centro”?).
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/um-bolsonaro-para-bolsonaro-e-moro-por-alon-feuerwerker
Ciclo de debates destaca defesa da democracia. Confira todos os vídeos
On-line e gratuito, ciclo de debates organizado por quatro fundações e institutos buscou promover reencontro do país consigo mesmo
João Rodrigues, da equipe da FAP
Foi por acreditar no diálogo, no entendimento e na necessidade de uma ampla união de forças democráticas, capazes de sustentar um programa de mudanças, que as Fundações e Institutos do MDB, PSDB, DEM e CIDADANIA organizaram um ciclo de debates para pensar como promover o rumo do reencontro do país consigo mesmo.
27/09 - GLOBALIZAÇÃO E BRASIL
24/09 - IDENTIDADE DE GÊNERO, DIVERSIDADE
23/09 - CRISE SANITÁRIA E SUS
22/09 - EQUIDADE E MERCADO DE TRABALHO
21/09 - MEIO-AMBIENTE
20/09 - SEGURANÇA PÚBLICA
17/09 - EDUCAÇÃO
16/09 - ECONOMIA
15/09 - ABERTURA
Ao longo de oito dias, especialistas debateram temas relevantes para colocar o Brasil em movimento e retomar o crescimento.
➡️ Evento teve transmissão aberta ao vivo nas redes sociais, por plataforma digital (Facebook e Youtube).
Confira a programação do evento
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ORGANIZAÇÃO
- FUG – Fundação Ulisses Guimarães – MDB
- ITV- Instituto Teotônio Vilela – PSDB
- ILEC – Instituto Liberdade e Cidadania – DEM
- FAP- Fundação Astrojildo Pereira – CIDADANIA
Cristovam Buarque: Centralismo e Desigualdade
O risco de a Federalização provocar a ineficiência do centralismo se 200.000 escolas forem administradas desde Brasília
Blog do Noblat / Metrópoles
Na parede de meu gabinete no Senado coloquei fotos com pessoas a quem admiro. Uma delas, com o economista Ricardo Paes de Barros, porque representa uma nova geração de economistas que se dedicam a entender como reduzir a pobreza, no lugar da orientação tradicional de que a riqueza se espalha automaticamente e elimina a pobreza. Minha admiração vem também do fato que ele faz parte do reduzido grupo de economistas que veem a educação, não a produção, como o vetor do progresso econômico e da distribuição de renda. Ainda mais porque ele é um economista que constrói soluções. Por tudo isto, levo à sério sua crítica ao risco da centralização, se a ideia do Sistema Único de Educação de Base, uma Federalização, for adotada no Brasil.
Pela admiração ao Ricardo Paes de Barros, nosso PB, não poderia deixar de responder aos seus argumentos, com o propósito de aperfeiçoar a ideia.
Seu primeiro argumento é a lista de 10 a 15 municípios que nos últimos anos melhoraram a educação local sem necessidade do Sistema Federal. Sobre isto, é preciso dizer que: 1) isto representa apenas 0,3% dos municípios, muito menos ainda se calcularmos a porcentagem de seus alunos sobre o total dos 50 milhões de alunos na educação de base; 2) os bons prefeitos destes municípios só conseguiram melhorar a educação de suas cidades com o apoio do governo federal, usando Fundeb, merenda, livros didáticos, e com o apoio nacional de entidades como Fundação Lemann, Todos Pela Educação, Fundação Roberto Marinho, Fundação Ayrton Senna, e com a assessoria de pessoas nacionais como o próprio Paes de Barros, Ricardo Enriques, Priscila Crus, Mozart Neves Ramos; 3) mais preocupante é que apesar do avanço destes municípios, quando comparados com os demais, e deles no presente com o próprio passado, nenhum deu o necessário salto para se aproximarem da qualidade dos melhores países do mundo; 4) mesmo melhorando suas escolas públicas, a brecha entre estas e as boas particulares continuam abismais.
Paes de Barros tem razão quando levanta o risco de a Federalização provocar a ineficiência do centralismo, se 200.000 escolas forem administradas desde Brasília. Mas no lugar de negar a ideia sua crítica deve provocar o debate sobre como criar um Sistema Único que promova a equidade em rede nacional, garantindo a necessária descentralização gerencial por escola e a liberdade pedagógica em cada sala de aula. Nada impede que a rede permita gestão descentralizada: a) adotar-se uma carreira nacional federal para o professor, mas deixando a cada escola a escolha do professor que deseja, entre aqueles da carreira nacional, e podendo substituí-los por avaliação local; b) definir padrões nacionais para as edificações escolares, mas cada cidade definindo os padrões arquitetônicos que melhor se adaptem à sua realidade e sua cultura; c) dispor de um currículo nacional, aceitando os necessários ajustes para incluir temas regionais.
Da mesma maneira que devemos considerar o alerta do PB para encontrar um Sistema Único Nacional sem centralismo, devemos analisar sem preconceito, se um Sistema Único Nacional é o melhor caminho para o Brasil ter sua escola com a qualidade das melhores do mundo, e todas elas com a mesma qualidade, independente da renda e do endereço de cada aluno. Precisamos analisar sem preconceito qual é a melhor estratégia, mas todos com o mesmo propósito nacional de qualidade máxima pelos padrões internacionais, e equidade plena entre as escolas independente da renda e do endereço dos 50 milhões de alunos.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/centralismo-e-desigualdade-por-cristovam-buarque
Radicalismo e democracia: em busca do equilíbrio e de um novo rumo
Democracia exige legislação transparente e eficaz para que seja consolidada — e que tudo isso resulte na consciência de que estas leis sejam para todos
Raimundo Benoni / Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
O radicalismo é aventureiro e implacável. Metade dos brasileiros, segundo pesquisas recentes e variadas, não quer que o país se mantenha dividido. Embora, vale frisar, admitam estar menos tolerantes, há indivíduos de pontos de vista diferentes. O intransigente, o inflexível, o agitador e o provocador — mesmo aquele de plantão, movido por interesses pessoais ou grupais — não são aceitos ou mesmo bem-vindos. Como exercer racionalidade num momento quase irracional? E quem deve liderar essa capacidade? Nós, dirigentes partidários, líderes nacionais e regionais, gestores públicos movidos da boa-fé.
A história nos ensina que não se pode agir politicamente com os nervos à flor da pele. Ulysses Guimarães, o patrono da Constituinte de 1988, dizia que política não se faz com o fígado, conservando o rancor e ressentimentos na geladeira. E ele não falava apenas da política uterina, como se vê agora, em benefício de parentes. Pensava sobre o global, no qual a política é um conjunto de valores para, diz a eterna blague, servir ao conjunto da população.
Neste caso, eis a razão que motivou a reunião pública de fundações e institutos públicos ligados ao Cidadania, DEM, MDB e PSDB — no qual as lideranças promovem até o fim deste mês um ciclo de debates para pensar algo básico, mas relevantíssimo: como promover o rumo do reencontro do país consigo mesmo? Não se trata apenas da busca por uma terceira via para as eleições do ano que vem. É uma procura por um novo rumo.
O seminário, de forma virtual no site www.seminárionovorumo.com.br e redes sociais Facebook e YouTube, é gratuito e vai até o próximo dia 27. Nele, vamos oferecer o que até parece óbvio: argumentos que sustentem a necessidade de criarmos alternativas para combater a desigualdade social e fortalecer a democracia. Que devemos buscar o caminho do equilíbrio. Democracia forte é como um fruto: precisa de algum tempo para amadurecer. E nesse ínterim, ele exige, por exemplo, condições de temperatura e umidade para consolidar esse processo.
No nosso caso específico, a democracia exige legislação transparente e eficaz para que seja consolidada — e que tudo isso resulte na consciência de que estas leis sejam para todos. Exige-se, também, prática: não chegamos sequer a quatro décadas consecutivas exercendo nosso direito (e dever) de votar. Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente, o brasileiro adora votar — e faz até festa em dias de eleições. Mas é preciso que as regras e os processos eleitorais sejam respeitados. Por isso, o debate nacional não pode se limitar a pautas simbólicas, visando interesses pessoais ou de grupos – e muito menos dissociadas da realidade das pessoas.
Dados mais recentes do IBGE mostram que 14,4 milhões de brasileiros estão desempregados. Os chamados “bicos”, trabalho por conta própria que alguns insistem em classificar como empreendedorismo, sustentam 24,8 milhões — um recorde que corresponde a 28% da população ocupada. E quanto à segurança pública? O tradicional Atlas da Violência, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que o número de mortes violentas por causas indeterminadas registrou um crescimento de 35,2% — sendo que o Rio de Janeiro (232%) é o recordista.
No seminário organizado por essas instituições, vai-se além. Que tal discutirmos o sistema educacional? A questão da segurança pública passa por quais variantes: casa própria para PMs ou formação adequada nas academias? E quanto às constantes ameaças a interferências indevidas de um Poder sobre outro? Até quando somos obrigados a viver não em um Estado de Direito, mas em um “estado de incerteza”?
*Raimundo Benoni é engenheiro, com formação na área de energia pela Fundação Getulio Vargas (FGV), vice-prefeito de Salinas (MG) e diretor da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Ampla frente democrática será discutida pela FAP como alternativa a Bolsonaro
Conselheiros e diretoria executiva da entidade se reunirão de forma online, com transmissão em tempo real, no próximo dia 25/9, a partir das 10h
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Ações para fortalecer a democracia e alternativas ao nome do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas eleições de 2022 serão abordadas em reunião conjunta da Diretoria Executiva e dos Conselhos Curador, Fiscal e Consultivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. O evento será realizado, de forma online, no próximo sábado (25/9), a partir das 10 horas.
ASSISTA!
A transmissão da reunião conjunta da FAP ocorrerá, em tempo real, pelo portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da fundação, para todos os internautas interessados. Os conselheiros e integrantes da diretoria se reunirão por meio da sala virtual do zoom. O link de acesso será enviado com antecedência, pela entidade, também aos integrantes do Diretório Nacional do Cidadania.
Conselheiros destacam a necessidade de entender “o fenômeno Bolsonaro”, para lançar uma alternativa apoiada por uma ampla frente democrática que resgate direitos violados no atual governo e avance na busca de uma sociedade que exerça a cidadania plena e seja menos desigual, menos injusta e menos excludente.
Conselheiro da FAP e professor da Universidade de Brasília (UnB), o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento destaca a importância de compreender as características que moldam o governo Bolsonaro, que protagoniza a figura do populismo de extrema direita.
“Vou tentar mostrar a natureza do populismo de extrema direita de Bolsonaro, vertente internacional que não vai ameaçar a democracia como no passado, na ditadura, mas que tem o discurso de defender a refundação da democracia, no sentido de uma democracia iliberal”, analisa Nascimento.
DEMOCRACIA BRASILEIRA
De acordo com o professor da UnB, a democracia iliberal é “despida de direitos humanos, do controle da mídia”. “Tem a supremacia do Poder Executivo e submissão dos outros poderes”, assevera Nascimento. “Se não soubermos desmontá-lo, ele vai persistir com ou sem eleição. Ele se adapta do ponto de vista tático, ora ataca ora recua, mas o princípio é o mesmo: desmontar a democracia liberal, destruí-la”, observa.
Conselheiro da FAP, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía diz que o principal ponto da conjuntura política é “a questão democrática”. “Temos que reagir a qualquer ataque, mesmo que verbal, às instituições democráticas e, com essa reação, finalizaremos um projeto para 2022”, acentua ele.
Na avaliação de Baía, o Brasil enfrentou muitos retrocessos no atual governo. “Perdemos muita coisa em função da desregulamentação que aconteceu, principalmente, nas áreas de proteção social, ambiental e educação. Nós temos um retrocesso regulatório nessas áreas”, afirmou o cientista político.
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“As pesquisas todas apresentam Jair Bolsonaro e Lula muito bem colocados, mas temos alternativas a eles. Essas alternativas vão ter que se firmar em uma candidatura, até abril do ano que vem, que possa reunir essa perspectiva, senão vamos ter risco de reproduzir Bolsonaro em 2023. Bolsonaro não está tão desgastado assim como alguns falam”, alerta.
O professor da UFRJ acredita que o ex-presidente Lula poderia ser incluído na ampla frente democrática. “Creio que o país está muito traumatizado no momento e que outro nome seria melhor, mas, evidentemente, é difícil convencer Lula disso. Eu, particularmente, não aposto nem em Bolsonaro nem em Lula”, disse ele.
Baía elenca, na sua lista de alternativas a Bolsonaro, os nomes da senadora Simone Tebet (MDB-MS); do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), e o de Ciro Gomes (PDT). “Outros nomes vão surgir”, afirma Baía.
Reunião conjunta da Diretoria Executiva e dos Conselhos Curador, Fiscal e Consultivo da FAP
Data: 25/9/2021
Transmissão: 10 horas
Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da FAP
Realização: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Raul Jungmann: “Sistema prisional é o home office do crime organizado
Com o tema “Segurança pública e democracia”, seminário virtual foi coordenador pelo presidente do Conselho Curador da FAP, Luciano Rezende
João Rodrigues, da equipe da FAP
Na noite desta terça-feira (20), foi realizado mais um encontro virtual do seminário “Um novo Rumo para o Brasil”, organizado pelas fundações e institutos ligados ao MDB, PSDB, DEM e Cidadania. O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann alertou que o sistema prisional é o “home office do crime organizado”, pois dá às facções a possibilidade de recrutamento de novos integrantes. “Há uma funcionalidade entre violência, criminalidade e o sistema prisional brasileiro. Estamos gastando dinheiro para jogar jovens dentro da criminalidade organizada”, destacou Jungmann.
O evento on-line também contou com os debatedores Murilo Cavalcanti e Coronel Julio Cezar Costa, além da presença do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE). A coordenação foi do presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Luciano Resende.
Clique aqui e confira o vídeo na íntegra.
Artigo: A juventude na política
Participar da política não é só votar nas eleições. É preciso engajamento e protagonismo dos jovens para que possamos mudar o Brasil.
RAIMUNDO BENONI*
Celebramos neste 22 de setembro o Dia da Juventude do Brasil, data que homenageia a história de lutas nas mudanças políticas no cenário nacional. Com a proximidade do Bicentenário da Independência, em setembro de 2022, devemos refletirmos sobre a importância da mobilização política do público jovem, que representa o futuro da nação. Os desafios para os próximos 200 anos do nosso país precisam ser pensados desde já e é indispensável que o jovem assuma o papel de protagonismo para as mudanças que o Brasil tanto necessita.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a juventude – entre os 15 e 30 anos – representa 16,5% da população. Esse público convive com desemprego, educação precária e acirramento da violência, entre outros problemas estruturais. A juventude deve compreender essas e muitas outras dificuldades que afetam o país. E se atentar que a política não se pode restringir ao voto. É preciso entender os mecanismos políticos e institucionais para usá-los em prol de um Brasil economicamente desenvolvido, sustentável e com mais justiça social.
A juventude brasileira tem um histórico de grandes batalhas e é percursora de importantes mudanças no cenário nacional. As Diretas Já (1983-1984), o Movimento Caras Pintadas (1992) e a Jornada de Junho (2013) foram alguns movimentos sociais, liderados por jovens, que marcaram a história do Brasil. Essa consciência política necessita ser cada vez mais pulsante para a garantia dos direitos sociais e coletivos, abrindo novos horizontes para compreender como a própria política pode ser reinventada. Só com cidadania política e jovens politicamente engajados teremos um Brasil melhor e a esperança de um futuro promissor. Afinal, a juventude é o pilar transformação política brasileira.
(*) Raimundo Benoni é engenheiro com formação na área de energia pela Fundação Getulio Vargas (FGV), vice-prefeito de Salinas (MG) e diretor da Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
Luciano Rezende: É preciso unir forças em defesa da democracia
"MDB, PSDB, DEM e Cidadania promovem seminário virtual para debater “Um novo rumo para o Brasil”
Luciano Rezende / Fundação Astrojildo Pereira
A maior demanda nesse momento é por alguém que aponte o caminho, alguém que lidere o nosso povo. As lideranças políticas nacionais precisam exercitar a racionalidade para poder atender as reais necessidades do povo brasileiro. A história nos ensina que radicalismos e extremos são incompatíveis com a boa gestão.
Atualmente, no Brasil, as pessoas fazem o debate político com os nervos à flor da pele. Nesse ambiente, não há espaço para um bom e generoso diálogo. Já passou da hora de acalmar os ânimos! Por isso, as fundações e institutos ligados ao Cidadania, DEM, MDB e PSDB, organizam um ciclo de debates para pensar como promover o rumo do reencontro do país consigo mesmo. O seminário virtual ocorrerá até 27 de setembro, por meio do Facebook e Youtube .
É importantíssima essa reflexão sobre os novos rumos para o nosso país. Precisamos criar alternativas para combater a desigualdade social e fortalecer a democracia. O Brasil precisa priorizar o caminho do equilíbrio. As pautas do debate nacional não podem ser simbólicas e descoladas da realidade do dia-a-dia das pessoas.
CONFIRA OS WEBINÁRIOS JÁ REALIZADOS
QUINTO DIA - TEMA: MEIO-AMBIENTE
QUARTO DIA - SEGURANÇA PÚBLICA
TERCEIRO DIA - EDUCAÇÃO
SEGUNDO DIA - ECONOMIA
PRIMEIRO DIA - ABERTURA
Temos desafios que são muito relevantes como, por exemplo, a volta da inflação, o empobrecimento da população, as consequências da pandemia, o nosso sistema educacional que não consegue melhorar a sua qualidade, a crise na segurança pública, desemprego… Enfim, todos esses relevantes temas serão tratados no seminário virtual “Um novo rumo para o Brasil”, que começou com palestras dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e José Sarney.
Veja toda a rica programação no site www.seminarionovorumo.com.br. Sem falar de gestores experientes, ex-ministros e líderes políticos que vivenciaram, cada um a seu tempo, inúmeros desafios e podem nos ajudar a fazermos uma reflexão ampla! O Brasil só vai superar seus desafios com diálogo.
Precisamos muito da boa política! E, a boa política se faz com comprometimento, valores e capacitação técnica. Da união de todos, nessa direção é que teremos a superação dos inúmeros desafios que o nosso país ainda enfrenta, 200 anos após a sua Independência. Então? Bora participar?!
(*) Luciano Rezende é médico, professor e foi prefeito de Vitoria (ES), de 2013 a 2020. Atualmente, é presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
Confira a programação do Seminário
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Brasil sob Bolsonaro é sinal de história que deve ser decifrada, diz historiador
Professor da Unesp, Alberto Aggio cita que presidente não foi percebido antes “em sua barbárie”
Cleomar Almeida, da equipe FAP
O professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e historiador Alberto Aggio diz que “o Brasil sob Bolsonaro é sintoma evidente de uma história que precisa ser decifrada”. “Não pode ser visto como um parêntesis”, afirma, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática online de setembro, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
“Ele já estava aí, mas não foi percebido em sua barbárie e no seu espantoso espelhismo antiglobalista. Não será possível superá-lo, verdadeiramente, apenas apertando os botões da urna eletrônica, embora esse seja um passo necessário e imprescindível”, afirma o historiador, na publicação. O conteúdo dela pode ser acessado, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de setembro (35ª edição)
De acordo com o artigo, publicado com o título Que país é esse, as interpretações sobre o Brasil compõem tradição de enorme multiplicidade em suas abordagens, a qual, segundo o autor, é nada uniforme e harmônica, produzida em diversos momentos da sua história.
“Uma tradição que ensejou embates inclinados tanto à conciliação quanto ao rechaço a ela. Um paradoxo nem sempre percebido nas disputas políticas e culturais que se desenrolam no presente. Pensar no Brasil nunca foi apenas um exercício acadêmico ou intelectual”, escreve o professor da Unesp, na revista Política Democrática onhttp://fundacaoastrojildo.org.br/revista-pd35/line de setembro.
Na avaliação de Aggio, o Brasil, seguramente, não é para principiantes. “Contudo, não seria absurdo pensar, ultrapassando o senso comum, que tal asseveração poderia ser aplicada a inúmeros países, dos EUA à Rússia, da China ao México, do Afeganistão à Bolívia, apenas para mencionar alguns exemplos. Em todos eles, há incógnitas a serem decifradas, e seus problemas atuais não são nada simples, como temos visto”, diz.
O historiador afirma, ainda, que é preciso estabelecer um questionamento a respeito do exagero de que o Brasil guarda uma excepcionalidade superlativamente distinta de outras experiências históricas, com seus maneirismos típicos dos quais o “jeitinho” ou a “gambiarra” são incensados.
“Além de um ar de troça e menosprezo, há nesse tipo de leitura soberba que visa desacreditar a tarefa do pensamento na compreensão do país bem como do seu lugar no mundo”, observa. “Essa forma de conceber o país é inútil e improdutiva diante dos desafios civilizatórios que temos diante de uma mundialização que se impõe a cada dia. Se o Brasil for apenas isso, estamos fritos”, continua.
A íntegra do artigo de Aggio pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.
Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e entrevista exclusiva concedida pelo cientista político Jairo Nicolau, que critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e o processo eleitoral brasileiro.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Eliane Brum: Como funciona o golpe de Bolsonaro
Não é necessário fechar nada, basta esvaziar as instituições e tornar a democracia irrelevante
Eliane Brum / El País
No golpe de Jair Bolsonaro, as instituições seguem funcionando sem funcionar contra ele. Uma Suprema Corte que, em vez de cumprir a Constituição quando o presidente a afronta em praça pública, faz mais um discurso. Uma Câmara de Deputados cujo presidente, Arthur Lira, está sentado sobre 130 pedidos de impeachment porque Bolsonaro garante a ele e a sua turma dinheiro público à vontade. Uma Procuradoria-Geral da República cujo procurador-geral, Augusto Aras, é um colaboracionista que espera ser premiado por Bolsonaro com uma cadeira no Supremo. Para que ter o trabalho de promover cenas de golpe clássico, que chamam a atenção do mundo, se é mais efetivo contar com a covardia de uns e a corrupção de outros?
O golpe usado por Bolsonaro desde que assumiu o poder, em 2019, é o da corrosão por dentro. Bem semelhante ao que sua base na Amazônia fazia ao desmatar a floresta quando ainda havia fiscalização. Em vez de fazer o que se chama de corte raso, aquele em que tudo é derrubado e vira terra arrasada —um similar aos tanques nas ruas ou aos caminhões arrebentando as portas do Supremo Tribunal Federal—, a opção é derrubar apenas as árvores nobres e manter a cobertura florestal intacta na aparência. Quem olha por cima, de um helicóptero, por exemplo, ou de uma aeronave pequena, só enxerga verde, mas por baixo a floresta está totalmente degradada. Ou, usando um exemplo urbano, mais familiar à maioria, Bolsonaro está fazendo da democracia o mesmo que acontece com alguns prédios antigos, em que a fachada neoclássica é mantida, mas o miolo foi colocado abaixo.
Bolsonaro já tinha aplicado estratégia semelhante com o Ministério do Meio Ambiente. Antes de assumir o poder, em 2018, lançou a notícia de que seu Governo não teria Ministério do Meio Ambiente. Era uma espécie de boi de piranha. Protestos surgiram de todos os lados. Ele então manteve o ministério, simulando acatar o clamor global, e colocou como ministro Ricardo Salles, um condenado por crime ambiental que promoveu a maior devassa da história da pasta, responsável pelo aumento do desmatamento e dos fogos na Amazônia. O mesmo acontece agora. Bolsonaro incita seus seguidores a se insurgir contra as instituições e especialmente contra o Supremo, mas descobre que vale mais a pena deixar funcionando o que não funciona contra ele.
Se em plena avenida Paulista, em manifestação convocada por ele no feriado de 7 de Setembro, Bolsonaro afirmou que não cumpriria decisões do Supremo Tribunal Federal e saiu impune, as instituições já dobraram os joelhos. Discurso “duro”, como fez Luiz Fux, o presidente do Supremo que depois andou por aí confraternizando com empresários golpistas, qualquer um faz. Eu mesma faço facilmente. Do Supremo se espera que faça valer a Constituição. Se não faz, já era. Bolsonaro testou e venceu. Rasgou a Constituição na Paulista e nada aconteceu. Mais uma vez, Bolsonaro pôde contar com a impunidade que o tornou presidente apesar de sua longa sequência de crimes contra o país.
Tem muita gente empenhada em dar uma aparência decente ao que aconteceu no pós-7 de Setembro. Mas o que aconteceu foi um golpe na democracia e uma vergonha do tipo vexame máximo. De uma Câmara de Deputados liderada por Arthur Lira, que vai chantagear Bolsonaro com o impeachment até não sobrar um real nos cofres públicos, nada se esperava. De Augusto Aras, o envergonhador-geral da República, também já nada se espera. Pelo menos não enquanto ele achar que tem chance de ser recompensado com uma cadeira no STF por sua traição aos princípios que criaram o Ministério Público Federal.
A tragédia que conta a destruição de uma democracia que nunca chegou aos mais pobres ganhou tons de comédia com a carta assinada por Bolsonaro dias depois, mas escrita pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), aquele que, por sua vez, deu o golpe em Dilma Rousseff (PT). Na carta, Bolsonaro-Temer, a nova criatura missivista, dizia mais ou menos o seguinte: “Desculpa aí, pessoal. Me empolguei”.
Ávidos por seguir lucrando com Bolsonaro, políticos e empresários concluíram ao ler a carta que o presidente tinha subitamente se convertido em estadista. A maior parte dessa gente que chamam de “PIB do Brasil” são uns cretinos tão sem caráter que não consegui encontrar nenhuma palavra disponível no dicionário capaz de abarcar a grandiosidade de sua decadência. E, assim, no último domingo, uma manifestação de oposição botou apenas 6.000 pessoas na mesma avenida em que Bolsonaro tinha colocado 125.000 dias antes. Organizada pela direita e por aqueles que decidiram que agora são centro, grandes responsáveis pela ascensão de Bolsonaro ao poder, o protesto foi boicotado pelo PT, partido de Lula, e pela maior parte da esquerda. Resultado: não vingou, e os bolsonaristas rolaram de rir, no que não lhes tiro a razão. O presidente rasga a Constituição e toda a oposição que o Brasil consegue colocar nas ruas na primeira manifestação de oposição que se segue, e isso na maior cidade do país, são 6.000 gatos pingados.
É duro para a esquerda apoiar movimentos de direita que lideraram as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff . No caso da milícia digital chamada Movimento Brasil Livre, que no momento tenta fazer um greenwashing, é ainda mais difícil, já que o MBL destruiu reputações usando fake news, fechou exposições de arte e colocou artistas em risco de vida ao usá-los para açular seus seguidores. É duro, mas é o que temos para o momento. Sem o impeachment de Bolsonaro, não há nem como discutir divergências de fundo —ou mesmo de raso. Todo o noticiário, as ações e os debates públicos e privados foram sequestrados pelo bolsonarismo. Nada de importante se faz ou se discute no país desde que ele assumiu e, principalmente, neste último ano. Mas a destruição da legislação ambiental e dos direitos humanos e trabalhistas, ao contrário, avança velozmente.
É claro que não é apenas por exigência de companhias de mais qualidade e por bons princípios que grande parte da esquerda se recusa a se misturar com a direita nas ruas. Parte do PT e aqueles que apoiam a candidatura de Lula já calcularam que as chances de o ex-presidente ganhar em 2022 são maiores se a disputa for com Bolsonaro. Tem gente que chama isso de estratégia política, eu acho só triste, dado o fato de que o bolsonarismo mata gente. Também me parece um tremendo equívoco. Bolsonaro só pode agradecer por essa estratégia: tem mais um ano para exterminar toda a credibilidade do processo eleitoral e das urnas eletrônicas, executando com mais êxito o manual de seu ídolo Donald Trump.
Quero lembrar que, na Amazônia, e em vários outros biomas, a base de Bolsonaro está incendiando casas de camponeses e indígenas como rotina e várias lideranças estão escondidas para não morrer. Essa é a tática para manter os opositores apavorados, mas na prática, já quase não é mais necessária. O Congresso está legalizando toda a ilegalidade, e logo será possível apenas chamar a polícia contra aqueles que protegem a floresta, porque grileiros e outros destruidores serão os cidadãos dentro da lei. Este também é o golpe. E ele avança aceleradamente enquanto Bolsonaro faz pirotecnias públicas e autoridades dão vexame com suas palavras “duras”.
O século 21 trouxe a expansão da internet e suas redes sociais e várias outras mudanças na forma como tudo e também o autoritarismo operam. Não é necessário fechar o Supremo com caminhões —ou “com um cabo e um soldado”. Basta que não funcione contra o presidente. Não é necessário fechar o Congresso, basta ter um parlamentar da estirpe de Arthur Lira como presidente da Câmara de Deputados, com poderes para barrar o impeachment. Enquanto Bolsonaro tiver dinheiro público para abastecer Lira e o Centrão, nada acontece. O mesmo vale para a imprensa. Parte da imprensa liberal tem feito um trabalho razoável para documentar o que hoje acontece no Brasil, mas quem se importa? A credibilidade da imprensa está destruída no bolsonarismo. Os seguidores de Bolsonaro não acreditam em nada do que está escrito nos jornais. Assim, não é necessário censura, como nas clássicas ditaduras do século 20.
O bolsonarismo e seus assemelhados pelo mundo destruíram a própria linguagem, tanto que fizeram o 7 de Setembro em nome da “liberdade” e da “defesa da Constituição”. É assim que se enlouquece —e se perverte— todo um povo. Seguir compreendendo o século 21 com os instrumentos de interpretação que serviam para o século 20 não vai funcionar.
As instituições mostraram, por sua falta de reação à manifestação golpista de 7 de Setembro, que estão dominadas —seja por lucro ou seja por covardia. Só vão reagir se os opositores de Bolsonaro, venham de onde venham, se juntarem nas ruas. É impeachment ou impeachment.
Bolsonaro segue a cartilha de Donald Trump, num país institucionalmente muito mais fraco que os Estados Unidos e já tendo aprendido com os erros de seu ídolo. Se Bolsonaro não for barrado, até a disputa eleitoral de 2022 tudo o que constitui a democracia, inclusive as próprias eleições, correm o risco de se tornar irrelevantes. Tanto quanto a Amazônia, a democracia poderá já ter chegado ao ponto de não retorno.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de oito livros, entre eles ‘Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro’ (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-15/como-funciona-o-golpe-de-bolsonaro.html
Cristovam Buarque: SOS Fome
Passados 130 anos da Abolição e da República, os estrangeiros se espantam, mas os brasileiros não, quando a TV mostra famílias sem comida
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
No século XIX, os estrangeiros que nos visitavam não entendiam como era possível o Brasil tolerar a escravidão, ao ponto de sequer perceber sua maldade. Ao chamar atenção de um brasileiro para o absurdo de um escravo sendo chicoteado na rua, o estrangeiro ouve: “Mas ele é negro”. Até hoje, se um estrangeiro se surpreende e comenta sobre as precárias condições de escolas públicas, certamente ouviria: “Mas estes alunos são pobres”.
Passados 130 anos da Abolição e da República, os estrangeiros se espantam, mas os brasileiros não, quando a televisão mostra famílias sem comida em casa, ao lado da notícia de que somos o maior exportador de alimento do mundo, programas para escolher e premiar o melhor chef de cozinha, além de propagandas sobre redes de “fast food”, com jovens em êxtase ao comer suculentos sanduíches. O visitante estrangeiro deve comparar isto com as chicotadas que escravos recebiam em plena rua: chicotadas virtuais sobre as famílias que têm acesso à televisão e não têm acesso à comida.
Os governos progressistas entre 1992 e 2018 mentem ao dizer que tiraram o Brasil do mapa da fome com Bolsa Escola de FHC e Bolsa Família de Lula: apenas suspenderam, mas não aboliram estruturalmente a fome. Bastaria uma crise econômica, inflação ou epidemia de covid, agravada por erros e insensibilidade do atual governo, e a fome voltaria, porque ela não estava abolida, apenas suspensa.
E não teria sido difícil superá-la. A fome tem baixa escolaridade, como diz o pesquisador sobre o assunto Renato Carvalheira Nascimento. As análises mostram que apenas 4% dos que passam fome chegaram ao Ensino Médio. Se a educação de base tivesse sido oferecida antes, a fome não estaria maltratando agora, porque a economia teria aumentado e distribuído a renda, e o Brasil tem terra e tecnologia para produzir comida. Este teria sido o caminho para abolir a fome no futuro, mas neste momento, é necessária uma campanha que reúna e distribua comida. Solidariedade como o Betinho, Itamar Franco e Dom Mauro Morelli lideraram em 1992.
Da mesma maneira que as vítimas de violência doméstica pintam uma cruz na palma da mão para pedir socorro e proteção contra a violência, os famintos poderiam mostrar a palma da mão com um círculo desenhado para pedir socorro e proteção contra a violência da fome. Ao lado deste encontro direto entre os que passam fome e quem tem algum dinheiro, é possível criar centros SOS Fome para quem precisa de comida telefonar pedindo socorro. O espanto brasileiro mostra que há celular mesmo em famílias com a geladeira vazia, e se não tiver celular próprio, sempre haverá algum vizinho que possa fazer a ligação.
Estes centros SOS Fome poderiam ser financiados com a contribuição da sociedade. Seria preciso pouco da renda da parcela rica, especialmente os setores mais eficientes da economia. O que espanta na fome brasileira é que temos uma das maiores extensões da terra arável do mundo, temos as melhores tecnologias agrícolas, somos o celeiro do mundo e temos campos de concentração, incinerando as pessoas por dentro delas, pela fome. O setor do agronegócio, cuja competência fez do Brasil o celeiro do mundo, precisaria contribuir com pouco para o Brasil deixar de ser o campo de concentração, com fornos crematórios dentro de cada pessoa.
Poderíamos espantar pelo lado positivo: o Brasil unido em um SOS Fome.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/sos-fome-por-cristovam-buarque